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O nosso Império (9)

É Carnaval, ninguém leva a mal!» Será mesmo?


Alguém já pensou quantas palavras se podem usar à volta do tema do «Carnaval»?
Eu?!... Não faço ideia!
De António Feliciano de Castilho, no Presbitério de Montanha (1844), capítulo
XIX, temos: «O Carnaval é como ainda nós por aqui o conhecemos nos seus dias áureos,
tríduo de folia desatada, guerra porfiada e bem rida de todos contra cada um, e de cada
um contra todos.»
A palavra «carnaval», apesar de andar, nestes dias, na boca de todos, não é uma
palavra tão simples, na sua etimologia como possa parecer. Neste sentido, é uma das
palavras polissémicas (com muitos sentidos) na nossa língua. Aliás, uma das grandes
dificuldades na aprendizagem do vocabulário português é a imensidão de significados
que as palavras podem conter.
E o que é o entrudo (do latim «introitos»: entrada)? A terça-feira gorda?
Falar-se nestes termos é falar-se em religião?
Sabieis que as apregoadas festividades carnavalescas são mais antigas do que a
religião cristã? Claro! Entre os gregos, as festas em honra de Dionísio (festas realizadas
no inverno para pedir a Dionísio, deus dos ciclos vitais e do vinho, favores para a
fertilidade das terras): as bacanais dionisíacas. Entre os romanos, eram as «saturnais»,
festas em honra de Saturno com a mesma finalidade das bacanais!
Pois é, «bacano»: tipo simpático, que alinha em frivolidades, coisas fúteis.
Voltemos à folia, festa alegre e ruidosa!
No Renascimento faziam-se os bailes de máscaras. «Máscara», objeto que serve
para disfarçar a cara da pessoa que a coloca. Daqui o «mascarado», o «mascarilha»!
«Antigamente», até se usava a figura do «mascarado» para assustar as crianças quando
se pretendia delas algo que não queriam fazer.
Adiante! Provavelmente, muitos estarão a pensar que falar em carnaval, é referir-
se ao do Brasil. Sabei que o carnaval foi levado pelos portugueses para o Brasil no início
do século XVIII! Afinal não levámos só a língua! E agora, até pensamos que foi o Brasil
que nos carnavalizou.
Para os cristãos, este dia antecede a quarta-feira de cinzas: tempo que precede a
Quaresma (do latim, quadragesima dies): cerca de quarenta dias antes da Páscoa.
Que grande confusão vai aqui: Carnaval, Quaresma, Páscoa!…
Os antigos dizem que antes da chuva vem o baile. Não é bem assim, mas o
provérbio original pode cair mal, apesar de ser carnaval!
A abstinência precede o Carnaval. «Abster-se»: respeito pelo que é dos outros! Na
religião cristã: privação de algo. Alguns dizem que é de «carne». Será por isso que há a
ideia de que «Carnaval» é o mesmo que «carnevale»? «Carnevale», «adeus» à «carne»,
em italiano. Também, «carnelevare»: retirar a carne.
Ah, então, já se percebe a «terça-feira gorda»! Encher o pandulho (barriga)!
Daqui a «pândega»: festa ruidosa; folguedo, orgia.
Afirma-se que aquilo que é mais parecido com o carnaval atual acontecia na Roma
antiga: as saturnais. Havia o desfile de um carro em forma de barco (carrus navalis) à
volta do qual o povo dançava alegremente. «Desfilar»: passar em fila, destacando-se dos
que estão à volta!
Finalmente, o Carnaval foi mais uma das festas que a Igreja deslocou, esta do final
do ano civil para a entrada da Quaresma. Na Idade Média, o Papa Paulo II, não tendo
conseguido controlar os festejos carnavalescos, permitiu que os desfiles passassem junto
da sua residência, todavia com alguma moderação, apesar das sátiras. «Sátira»: censura
divertida.
Enfim! A vida são dois dias e o carnaval são três e da terça de carnaval até ao fim
do ano teremos 330 dias: alguns deles de «máscaras», «comparsas», «alegrias»,
«bulícios», «regozijos», «etc.»
Para tornar este espaço mais profícuo aos leitores deste DN, fica o e-mail para
onde pode ser enviada qualquer questão sobre o nossa Língua, escrita ou falada:
onossoimperio@sapo.pt
João Luís Freire

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