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Ciencia y EnfermerIa XVII (2): 77-86, 2011 ISSN 0717-2079

A vivência de pais e profissionais na


unidade de terapia intensiva neonatal1

The experience by parents and professionals


at a neonatal intensive therapy unit

La vivencia de padres y profesionales en la


unidad de terapia intensiva neonatal

Elysângela Dittz Duarte *


Roseni Rosângela de Sena **
César Coelho Xavier ***

RESUMO

Este estudo teve como objetivo apreender a vivência dos pais e profissionais na Unidade de Terapia Intensiva
Neonatal. Os sujeitos foram doze profissionais e oito pais de recém-nascidos. Para coleta dos dados utilizaram-
se a Oficina de trabalho e a Observação de campo. No tratamento dos dados utilizou-se a Análise de Discurso.
Mostrou-se como pais e profissionais vivenciam a internação e como o cotidiano que compartilham os trans-
formam, permitindo-lhes criar outros sentidos para a vida e para o cuidar. Verifica-se que a presença dos pais
ressignifica o ambiente assistencial e o cuidado e amplia as demandas de cuidado da criança. Acreditamos na
necessidade de intervenções na Unidade de Terapia Intensiva Neonatal a partir do vivenciado por pais e profis-
sionais, utilizando-se os diferentes olhares para a produção de um cuidado integral.

Palavras chave: Unidades de terapia intensiva neonatal, assistência integral à saúde, pais.

ABSTRACT

This study aimed to gather knowledge of the experience of parents and professionals in a Neonatal Intensive
Care Unit. The subjects were twelve professional and eight parents of newborns. Data collection was analyzed
using Discourse Analysis. It was observed how parents and health professionals co-exits in a hospital setting as
well as how their day-to-day life activities devoted to sharing allows them to create a sense to life and caring for
one another. The presence of parents re-enforces an environment and care setting which increases the demands
of child care. We believe in the need for interventions at Neonatal Intensive Care Unit based on the experience
observing parents and professionals, using different manners of observation for the creation of an integral
care.

Key words: Neonatal intensive care units, comprehensive health care, parents.

1
Texto extraído da tese de doutorado “A integralidade do cuidado ao recém-nascido na Unidade de Terapia Intensiva Neo-
natal: saberes e práticas dos profissionais”.
*
Enfermeira, Professora Departamento de Enfermagem Materno Infantil da Escola de Enfermagem da Universidade Federal
de Minas Gerais, Doutora em Ciências da Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina da UFMG. Minas
Gerais, Brasil. E-mail: dittzduarte@ig.com.br
**
Enfermeira, Professora Emérita da Escola de Enfermagem da UFMG, Doutora em Enfermagem pela Escola de Enferma-
gem da Universidade São Paulo. E-mail: rosenisena@uol.com.br
***
Professor Associado do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG. Doutor em Saúde da Criança e
Adolescente pela Universidade de São Paulo. E-mail: xavier@medicina.ufmg.br

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RESUMEN

Este estudio tuvo por objetivo aprehender la vivencia de los padres y profesionales en la Unidad de Terapia
Intensiva Neonatal. Los sujetos fueron doce profesionales y ocho padres de recién nacidos. Para la recogida de
datos se utilizó el taller de trabajo y la observación de campo. Para el tratamiento de los datos se utilizó el Aná-
lisis de Discurso. Quedó en evidencia cómo los padres y profesionales viven el ingreso y cómo el día a día que
comparten los transforma, permitiéndoles crear otros sentidos para la vida y para el cuidar. Se comprobó que
la presencia de los padres trae otro significado al ambiente asistencial y al cuidado, y amplía las demandas de
cuidado del niño. Creemos en la necesidad de intervenciones en la Unidad a partir de lo vivenciado por padres
y profesionales, utilizando las diferentes miradas para la producción de un cuidado integral.

Palabras clave: Unidades de terapia intensiva neonatal, atención integral de salud, padres.

Fecha recepción: 19.03.10 Fecha aceptación: 01.08.11

INTRODUÇÃO de não poder desempenhar tarefas parentais


esperadas, como prover alimento e prote-
ção para seus filhos (4-7), e com a ansiedade
As Unidades de Terapia Intensiva (UTI) são relacionada à incerteza da sobrevivência da
espaços de cuidado diferenciados especial- criança (8). Esses fatores, associados à sepa-
mente pela alta incorporação tecnológica e ração precoce da mãe e de seu recém-nasci-
rigorosa rotina de cuidado com os pacien- do, são apontados como capazes de alterar
tes frente a suas condições de urgência e de o desenvolvimento do vínculo entre mãe e
necessidade de manutenção da vida (1). Um filho (6, 9).
cuidado voltado para a doença, por vezes Os profissionais, por sua vez, têm o espa-
desconsiderando a subjetividade aí existente. ço da UTIN como seu ambiente de trabalho
Essas são características que colaboram para no qual fazem uso de vários equipamentos
que as Unidades de Terapia Intensiva Neo- e tecnologias no cuidado a recém-nascidos
natais (UTINs) constituam-se em setores de graves. Estes, por sua instabilidade, exigem
maior especialização do cuidado aos recém- constante tomada de decisão que acaba por
nascidos dentro das instituições de saúde, gerar tensão (10) influenciando na assistên-
possibilitando maior sobrevida dos neona- cia prestada aos recém-nascidos e a relação
tos prematuros e/ou doentes, associado a um entre os pais e os profissionais.
maior tempo de permanência nos hospitais. Para amenizar o momento de crise en-
Esse contexto de cuidado neonatal tem co- frentado pelos pais de recém-nascidos em
locado pais* e familiares frente a formas de UTIN e propiciar condições que sejam fa-
cuidar de seus filhos em espaços de cuidado vorecedoras de seu desenvolvimento, tem-se
diferentes daqueles por eles esperados (2). buscado que os pais participem do cuidado
Com a internação dos neonatos, seus pais a seus filhos durante a internação na UTIN,
passam a conviver com um ambiente com com a presença física ou a co-participação
constantes ruídos advindos de monitores, no cuidado da criança (11). Entretanto, ve-
respiradores, incubadoras e bombas de infu- rifica-se que embora os profissionais tenham
são, com forte iluminação e odores químicos conhecimento da importância dos pais no
(3). Os pais ainda convivem com a frustração cuidado, isso nem sempre acontece no coti-

*
Quando utilizada a expressão pais, refere-se a pai e mãe.

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diano (12). mês. Atuam nesse espaço de cuidado técni-


Ao serem expostos à situação de terem um cas de enfermagem, médicos, enfermeiros,
filho na UTIN e de participarem do cuidado fisioterapeutas, psicólogas, assistentes sociais
nesse ambiente assistencial, pais e mães vi- e terapeutas ocupacionais.
venciam de diferentes maneiras esse período, Nessa instituição, como um dos incenti-
podendo ou não ser favorecedor de um cui- vos à permanência das mães, é franqueado
dado integral ao recém-nascido e do desen- o acesso nas 24 horas do dia. Os pais têm o
volvimento da capacidade dos pais de cuidar acesso entre 9:00 e 21:00 horas, podendo ser
e vincular-se ao filho. ampliado de acordo com o quadro clínico do
Partindo desses pressupostos o presente RN. Na UTIN podem fazer uso de cadeiras
artigo tem como objetivo apreender a vivên- para melhor permanecerem próximo de seu
cia de pais e profissionais na UTIN durante a filho.
internação do seu filho. Outra estratégia institucional que visa
favorecer a proximidade da mãe junto a seu
filho internado na UTIN é a Casa de Sofias.
MATERIAL E MÉTODO Trata-se de uma Casa destinada à hospeda-
gem das mães onde recebem apoio constante
de uma equipe multiprofissional com supor-
Trata-se de um estudo descritivo, de nature- te psicológico, grupos de vivência, atividades
za qualitativa devido às possibilidades dessa manuais e lúdicas. Verifica-se, ainda, a possi-
abordagem para aproximação do universo bilidade de maior contato entre os pais e seu
de significados, aspirações, atitudes, crenças filho pela adoção do Método Mãe-Canguru
e valores da população estudada (13). na Instituição.
O estudo considera a dinâmica interação A escolha do HSF para cenário deste es-
social dos atores, na qual eles se transfor- tudo deve-se às características da instituição
mam e também se firmam como produtores em orientar suas práticas para uma atenção
de novas realidades. Foi pelo reconhecimen- integral à mulher e ao recém-nascido e aos
to desse dinamismo, da provisoriedade, da trabalhos aí desenvolvidos pela pesquisado-
transformação e da autoria dos profissionais ra, onde atuava como enfermeira.
e pais que fizemos opção pela abordagem Os sujeitos da pesquisa foram 12 profis-
qualitativa sob a perspectiva da dialética para sionais da equipe de saúde que atuavam na
a compreensão dessa realidade. UTIN e 8 pais dos recém-nascidos interna-
Esta modalidade nos permite evidenciar dos. Para os pais, adotaram-se, como crité-
as contradições e desafios que o cotidiano es- rios de inclusão, um período de internação
tudado apresenta para a construção de uma dos filhos igual ou superior a sete dias e sua
atenção integradora ao recém-nascido e sua participação no cuidado a seus filhos.
família, visto que se fundamenta na explica- Para este estudo utilizaram-se, como es-
ção do movimento e da transformação das tratégias de coleta de dados, a Observação
coisas (13). de Campo e a Oficina de Trabalho (14). As
O estudo teve como cenário o Hospital oficinas tiveram como temas norteadores:
Sofia Feldman (HSF), uma instituição filan- a assistência ao recém-nascido na UTIN do
trópica, localizada em Belo Horizonte, Minas HSF e a prática dos profissionais na UTIN:
Gerais, e que atende exclusivamente usuários os elementos que garantem a integralidade
do Sistema Único de Saúde (SUS). A UTIN da assistência.
desse Hospital foi criada em 2000 e possui Foram realizadas duas oficinas, sendo
32 leitos, organizados em três unidades assis- uma com os pais (Grupo 1) e outra com os
tenciais, com uma média de 58 internações/ profissionais (Grupo 2). Para os participan-

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tes dos dois grupos, no momento do convite As observaçoes relatadas no Diário de


foi explicado acerca do estudo, dado espaço Campo foram utilizadas para melhor com-
para perguntas e esclarecido as dúvidas. Para preensão e contextualização do discurso dos
o Grupo 1 foram convidados dois pais e oito usuários e profissionais e para isso, buscou-
mães que atendiam aos critérios de inclusão se relacioná-las às unidades de sentido que
tendo comparecido um pai e sete mães. Para compuseram as categorias empíricas.
a estruturação do Grupo 2, os nomes dos Utilizou-se a perspectiva da Análise de
profissionais que atuavam na UTIN foram Discurso para se trabalhar o material produ-
inicialmente distribuídos em envelopes iden- zido considerando-se as possibilidades ofe-
tificados pela categoria profissional e, em se- recidas de se refletir sobre as condições nas
guida, feito o sorteio, buscando-se manter, quais é construída e apreendida a realidade.
no grupo, a proporção existente na equipe Nessa perspectiva, a linguagem “não pode
assistencial. Foram incluídos profissionais apenas representar algo já dado, sendo parte
de todas as categorias, sendo 1 terapeuta de uma construção social que rompe com a
ocupacional, 1 assistente social, 1 psicóloga, ilusão de naturalidade entre os limites do lin-
1 enfermeira, 4 técnicas de enfermagem, 3 guístico e os do extralinguístico. A linguagem
pediatras e 1 fisioterapeuta, constituindo-se não se dissocia da interação social”(15).
um grupo de 12 participantes. O projeto teve a aprovação dos Comitês
Antes de iniciar a oficina de cada um dos de Ética em Pesquisa do Hospital Sofia Feld-
grupos, foram reiteradas as informações so- man (Parecer 04/06) e da Universidade Fede-
bre os objetivos e critérios adotados na pes- ral de Minas Gerais (Parecer 080/06).
quisa e solicitadas a assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido-TCLE.
As oficinas foram gravadas e transcritas RESULTADOS
pela pesquisadora. Em seguida, fez-se a subs-
tituição dos nomes dos participantes. Assim,
os usuários receberam nomes de flores segui- Os dados foram analisados buscando-se
dos da letra U e os profissionais receberam apreender a vivência dos pais e profissionais
nomes de pedras preciosas seguidos da letra na UTIN. A partir do organização dos dis-
P. À medida que as unidades de sentido eram cursos obtidos, foi possível a constituição
extraídas do texto, recebiam também uma de quatro categorias: a internação na UTIN,
numeração (ex.: Ametista P-21). Sempre que dificuldades enfrentadas por pais e profissio-
apresentados fragmentos das falas dos infor- nais, relação de pais e profissionais e partici-
mantes, utilizaram-se itálico e aspas. pação da família
A Observação de Campo ocorreu no perí-
odo de 18 de agosto a 17 de outubro de 2006, A internação na UTIN
em diferentes dias e horários, com duração
de 10 minutos a duas horas com registro no Depreende-se, do discurso dos profissionais
Diário de Campo. participantes da Oficina, como percebem os
Para a organização do material, foi rea- pais e as mães no período inicial da admissão
lizada a sua leitura, feita a identificação das do bebê. Turfa (P-47) ressalta, desse período,
unidades de sentido que foram codificadas as dúvidas tanto da mãe quanto da família
de acordo com a sua ordem de extração no pela incerteza da vida do bebê: “ela tá ali e a
texto. Uma vez identificadas as unidades de gente não sabe se ela vai sobreviver, se ela vai
sentido foram então recortadas e agrupadas morrer, e tal”.
de acordo com a sua similaridade emergindo Diamante (P-63) revela as modificações
as categorias empíricas. que identifica na mãe cujo filho encontra-

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se internado na UTIN pois a mãe fica “super rá-las porque “a gente acha que não vai dar
tranquilinha, conversa com a gente, depois ela conta... que não vai superar... e que no final a
começa a ficar estressada, xinga todo mundo”. gente sempre tem uma recompensa, por mais
Ela reconhece que essa situação enfrentada que chegue cansada do outro lado”.
pelas mães é difícil e que a equipe “tem que Os discursos dos profissionais partici-
tentar se colocar no lugar dela também”. pantes da Oficina permitem evidenciar suas
Orquídea (U-1) evidencia, em seu discur- limitações para lidar com os resultados in-
so, que, além de os pais terem sua atenção desejáveis da assistência prestada aos neona-
centrada em seus filhos, as condições clínicas tos, como a ocorrência de sequelas e óbitos.
dos bebês interferem diretamente na tranqüi- Ágata (P-26) fala que é uma “carga muito
lidade tanto de pais quanto de profissionais. pesada” lidar com uma criança sequelada,
A imprevisibilidade dos acontecimentos na que a sequela ocorre frequentemente e não
UTIN é reforçada por Papoula (U-4). dá para os profissionais ficarem se culpando
Turfa (P-54) ressalta as necessidades fami- por isso.
liares mediante a situação de internação dos A dificuldade de lidar com o óbito é apre-
bebês ao expressar a espera por informação, sentada por Ametista (P-23), ao relatar que
o desconhecimento do ambiente onde os be- buscou ajuda com a psicóloga para dar a no-
bês são cuidados e a incerteza da vida ante a tícia de que um recém-nascido havia falecido.
doença. Ametista relata que pediu à psicóloga que a
Algumas situações que foram registradas acompanhasse na notícia que daria à mãe so-
a partir da observação de campo permitiram bre o óbito de seu filho, pois não sabia como
identificar como tem sido o processo de in- fazê-lo e a psicóloga respondeu-lhe: “(...)
formação para os pais. Foi evidenciado que, Você vai fazer dez vezes e dez vezes você vai ter
além de ressaltar os aspectos relacionados à a sensação de que não está fazendo o melhor. O
patologia, são também valorizados aqueles menino morreu, então é difícil mesmo”.
que reforçam as debilidades da criança. O impacto do óbito sobre a equipe é per-
Para Gardênia (U-40), é importante não cebido pelos pais ao identificarem o senti-
permanecer com dúvida. Ela diz estimular mento de tristeza nos profissionais, o que
as outras mães a perguntar sempre que não é evidenciado pela descrição de Orquídea
compreenderem o que acontece com seus be- (U-25) de como a pediatra estava após um
bês ou desconhecerem algo quanto aos cui- falecimento: “no outro dia de manhã ela saiu
dados que estão recebendo. Considera um toda mudada, parecia que nem era ela de tão...
momento oportuno para isso o contato com tão acabada mesmo. Porque morreu no plan-
o pediatra, na hora da passagem de notícias. tão dela”.
Girassol (U-9 e 11) considera que apren-
de acompanhando sua filha na Unidade e, Relação de pais e profissionais
desse aprendizado, refere-se principalmente
à paciência. Mesmo sendo reconhecida pelos profissio-
nais, como no relato de Diamante (P-63), a
Dificuldades enfrentadas por pais e necessidade de se compreenderem as mu-
profissionais danças sofridas pelas mães durante a inter-
nação, o discurso das usuárias revela uma re-
O discurso de Gardênia (U-16 e 18) é reve- lação entre as mães e os profissionais estriada
lador dos obstáculos que os pais enfrentam por atitudes ríspidas e pouco receptivas. Si-
na Unidade. Afirma que, durante esse perío- tuações como as apresentadas por Orquídea
do em que está aqui, aprendeu a não desistir (U-66), ao falar de duas profissionais (téc-
diante das dificuldades mas a buscar supe- nicas de enfermagem) que, mesmo sabendo

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a difícil situação em que elas [mães] se en- 51), os acolhimentos são feitos sem que se
contram e o quanto “uma palavra que uma chamem os pais ou os avós para participar.
pessoa fala com a gente [as mães], a gente pode Turfa (P-44 ) expressa as dificuldades vi-
sentir muito, elas [técnicas de enfermagem] venciadas pelas mães durante a internação,
não lhe respondem direito”. Orquídea (U-68) como os conflitos com “a vida pessoal, as di-
acrescenta que tem algumas [técnicas de en- mensões da vida em ser mãe” e as cobranças
fermagem] que “ fecham a cara quando vê que que a equipe faz a essa mulher a partir do
a gente tá chegando, fica mal humorada, e fica que identifica que ela pode oferecer: o leite
falando: Nossa! Se eu pudesse eu estudava prá e a presença 24 horas. Para Turfa (P-45), o
mim poder sair daqui!”. fato de a mãe ter uma infra-estrutura que lhe
Os comportamentos evidenciados nos dá condições favoráveis para permanecer faz
relatos de Orquídea (U-66, 68) recebem o com que a equipe faça juízo de valor negativo
matiz do poder que se revela no diálogo com sobre as mães que não ficam na instituição o
um profissional no qual ela lhe diz que sua tempo todo, “muitas vezes aquela mãe não é
“menina não gosta de ficar deitada de barri- uma mãe boa porque ela não está dormindo
ga pra baixo” e recebe como resposta que a aqui”.
criança “não tem que gostar não, ela tem que
ficar é assim”.
DISCUSSÃO
Participação da família

Depreende-se, do discurso dos informantes, Os dados apresentados emergiram do desejo


o valor que conferem à participação da fa- dos informantes de falarem da Unidade as-
mília no cuidado ao recém-nascido e quem sistencial expressando a densidade das rela-
de fato a compõe. Os discursos revelam os ções e sentimentos vivenciados nesse locus de
entendimentos que os pais e os profissionais produção de cuidado e suas implicações no
têm dessa participação e o que fazem para cotidiano assistencial.
efetivá-la, apontando as possibilidades e os As possibilidades de melhora ou de pio-
limites de atuação. ra súbita dos recém-nascidos fazem parte do
Turfa (P-43) expressa a presença materna cotidiano dos pais que os acompanham tra-
junto ao filho durante a internação como algo zendo incerteza durante a internação. Essa
bem solidificado na instituição o que, segun- incerteza diz respeito à possibilidade de seus
do ela, é garantido pelas estratégias empre- filhos melhorarem significativamente, fica-
gadas que dão condições a essas mulheres de rem em um estado de enfermidade crônica
permanecer ao lado de seus recém-nascidos. ou até mesmo morrerem (16).
Para Ametista (P-21) “por mais que falha em As mudanças ocorridas na mulher, duran-
dar notícia, falha em dar assistência, em pou- te a internação de seu filho, sinalizam para a
quíssimos lugares você vê isso [...] porque eu necessidade de um cuidado direcionado às
acho que a família, aqui ela é valorizada mais mães, permitindo inferir que as ações não
do que em outros lugares”. devem limitar-se ao recém-nascido. A pre-
Na perspectiva de participação da família, sença das mães reconfigura as necessidades
Turfa (P-51) afirma que se fala muito de fa- de saúde do recém-nascido e delas próprias
mília, “mas o tempo todo a gente tá falando e traz, para dentro da UTIN, a necessidade
da mãe, da mãe, da mãe”. Para a informante, de se estabelecerem novas relações das mães
isso se constata em momentos como o aco- com a equipe para uma construção conjunta
lhimento e a oferta da Casa de Sofias para a das condições que poderão favorecer o cui-
permanência das mães. Segundo Turfa (P- dado a essas crianças.

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Outro aspecto revelado pelos dados diz trazer a tristeza pela perda (24) pode repre-
respeito à necessidade que mães e pais têm sentar, para os profissionais, o insucesso de
de buscar informações para esclarecer suas seu trabalho, sem que necessariamente seja
dúvidas sobre seus filhos. Estudos apontam por assistência inadequada. A dificuldade em
a busca dos pais por informação e sua im- lidar com esse tipo de desfecho está também
portância para a redução do estresse cau- relacionada à impotência dos profissionais
sado pela internação de seus filhos e para frente à morte e à sensação de fracasso por
compreender o que se passa com eles (17- não terem sido capazes de cumprir seu papel
21). Mesmo se sabendo da importância da de curar (25).
informação, sua oferta é insuficiente (22). Evidencia-se, na análise dos dados, que,
Verificamos, em nosso estudo, que a infor- mesmo a mãe acreditando saber o que é me-
mação ainda ocorre no tempo e no assunto lhor para a sua filha, o profissional desquali-
de escolha dos profissionais e ressalta os as- fica sua percepção e interpõe, em sua relação
pectos de evolução da doença e a terapêutica com a mãe, a autoridade de determinar os
utilizada. cuidados que considera adequados à criança.
Os dados possibilitam apreender a ausên- Esse achado configura-se em um forte obs-
cia de uma relação dialógica entre pais e pro- táculo à construção de uma relação entre os
fissionais, reforçando o lugar desses últimos profissionais e os pais que permita prepará-
como detentores do conhecimento acerca do los para os cuidados a seu filho. Faz-se ne-
que acontece com a criança. Embora o diá- cessário avançar no reconhecimento de que
logo seja defendido na relação entre profis- os pais, com suporte e orientação da equipe,
sionais e familiares por se acreditar que é o podem desenvolver grande parte do cuidado
que demarca a diferença entre um cuidado com seus filhos (26 ).
integral e um mero cumprimento de pro- Diferentes tecnologias são operadas pe-
tocolos (23), os encontros dos profissionais los profissionais e pelos pais, ao cuidarem
com os pais funcionam como um espaço de de seus filhos. No caso específico relatado
transferência de informação. Uma estratégia por Orquídea (U-66, 68), evidencia-se que a
para a construção de diálogos entre eles está profissional utilizou predominantemente as
na possibilidade de os pais entenderem o que tecnologias contidas nos equipamentos e no
está sendo falado pelo profissional, vincula- saber sistematizado na produção do cuidado
rem-se a ele e receberem notícias que refli- para o neonato, ao passo que a mãe se deixa
tam a singularidade do recém-nascido (17). guiar pelas tecnologias relacionais, na busca
Nesse sentido, acreditamos que o estabeleci- por atender às necessidades de sua filha.
mento de uma relação dialógica torna mais Depreende-se, da situação relatada, que
concreto o atendimento às necessidades do o desejo da mãe é ver sua filha na posição
profissional e dos pais na passagem de no- que lhe parece proporcionar maior confor-
tícias. to e o da profissional é cumprir a prescrição,
Ao expressar a aprendizagem possível a adequação do posicionamento à patologia
nesse período de internação, os pais revelam ou a rotina de manuseio. Contudo, ao serem
a capacidade de, nas interações estabelecidas colocadas essas diferentes possibilidades de
entre sujeitos e entre sujeitos e ambiente, re- cuidado, não foi percebida como a possibili-
criar a si e as condições para viver nesse es- dade de valorização da observação materna,
paço. Em um movimento de autopoiese que do entendimento e respeito mútuos, enfim
emerge do experienciado e da disponibilida- a possibilidade de proposição de um cuida-
de para tal, são criados novos modos de agir do que melhor atendesse aquela criança na
e de existir. sua singularidade. O que se evidencia é que
Lidar com o óbito, além de, culturalmente, a tecnologia dura e leve-dura utilizada pelo

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profissional impõe-se sobre a leve operada parcerias com as famílias para o cuidado ao
pela mãe e essa diversidade que poderia di- neonato. Assim, acreditamos ser necessário
namizar as mudanças na produção de atos o reconhecimento, por parte da equipe que
de saúde apresenta-se como um obstáculo assiste o recém-nascido, das diferenças exis-
ao acentuar ainda mais a distância entre o tentes, na perspectiva do olhar dos pais que,
julgamento da mãe quanto ao melhor cuida- associadas ao fazer do profissional, podem
do para seu filho e o julgamento e a ação do favorecer a integralidade da assistência ao
profissional. neonato e serem disparadoras de uma série
Uma estratégia a ser considerada para se de outras ações.
tornar mais sinérgico o trabalho da equipe e Os discursos são reveladores das mudan-
as possibilidades de participação da mãe se- ças proporcionadas pela constante presença
ria a instituição de “praças de conversas” (27) da mãe no Hospital expressando necessida-
as quais seriam espaços para profissionais e des de saúde e impondo novos arranjos assis-
pessoas envolvidas no cuidado exporem seus tenciais. Mesmo com as limitações à partici-
projetos, e, nessa situação específica aqui dis- pação materna, traduzidas por comunicação
cutida, o cuidado ser pactuado, sendo mãe e falha entre equipe e família, acreditamos que
recém-nascido protagonistas dessa assistên- a pura presença da mãe na instituição já im-
cia. plica em algum tipo de participação. Um dos
Os pais buscam manter a segurança de desafios, portanto, é avançar na qualificação
seus filhos ao identificarem as circunstâncias dessa participação e, tomando o contexto do
que os colocam em risco ou a contradição en- cenário em estudo, isso deverá ser feito com
tre o cuidado realizado e o que realmente se- a presença das mães.
ria melhor para o seus bebês. Verifica-se que Mesmo com o reconhecimento da impor-
as mães desenvolvem um conjunto de ações tância da acolhida da família para o atendi-
para proteger seus filhos, buscam transfor- mento integral, o discurso dos profissionais
mar as situações que lhes conferem risco e revela uma participação restrita à presença
apontam para a necessidade de os profissio- física e uma família restrita à figura materna.
nais buscarem compreender o objetivo das É uma contradição que se revela na constru-
ações maternas e tornarem-se parceiras para ção de novas práticas. É necessário que os
uma atenção qualificada (28). profissionais superem a defesa de uma inser-
Estamos adotando neste estudo como ção presente apenas no discurso e desenvol-
parceria a participação da mãe, não restrita vam ações e atitudes propositivas para a sua
à execução de cuidados com seu filho, mas concretização.
sua participação nas definições do cuidado No entendimento de cuidador principal
a ser realizado, com suporte da equipe para como aquele que tem total ou maior respon-
aumentar sua capacidade de oferecer mais sabilidade pelos cuidados de determinada
cuidados a seu filho e oportunidade de dis- pessoa (30) defendemos que a mulher conti-
cutir com a equipe o que tem observado nele nue sendo a cuidadora principal de seu filho
(29). recém-nascido e que a equipe e familiares a
A partir desse entendimento de parce- reconheçam como tal, construindo com ela
ria que vai ao encontro da atenção que tem condições de se fortalecer nessa relação.
como pressuposto a centralidade no recém- Os achados da presente pesquisa apontam
nascido e sua família e, com base nos dis- para o imprescindível papel dos profissionais,
cursos dos participantes e na observação de especialmente os técnicos de enfermagem,
campo, podemos inferir que, no cenário de para aumentar o sentimento de participação
estudo, ainda é incipiente a construção de das mães no cuidado de seu filho.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

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verifica-se que sua presença ressignifica o preterm infants. Res Nurs Health.1992;
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do e amplia as demandas de cuidado para a 7. Carmona EV, Lopes MH. Content valida-
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presença produz no ambiente da UTIN im- natal intensive care unit. Int J Nurs Ter-
põem um constante repensar e replanejar do minol Classif. 2006, 17: 3-9.
trabalho dos profissionais exigindo mais da 8. Browne JV, Talmi A. Family-based inter-
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proponham estratégias para que os profissio- tionships in the neonatal intensive care
nais também se sintam apoiados e consigam unit. J Pediatr Psychol. 2005; 30(8): 667-
atender as demandas do recém-nascido e de 77.
sua família. 9. Trombini E, Surcinelli P, Piccioni A, Ales-
Acreditamos na necessidade de interven- sandroni R, Faldella G. Environmental
ções na Unidade assistencial, a partir do que é factors associated with stress in mothers
aí vivenciado por pais, profissionais e recém- of preterm newborns. Acta Paediatrica.
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