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09.10.

07 - BRASIL
Brasil - Devoções simbólicas e catolização

Letra
A-
A+

Claudemiro Godoy do Nascimento *

Adital -
No Brasil Colônia e Imperial havia uma predominância do caráter rural da população o
que fazia dos colonizadores extremamente inseguros, ansiosos e temerosos, bem
como, impotentes em relação ao mundo e ao próprio sentido de existência, pois se
encontravam longe de suas terras e do mundo urbano. Assim nasce as chamadas
Devoções a Maria Santíssima, aos santos e aos anjos que são considerados protetores
da pobre humanidade. Longe do centro urbano, as práticas religiosas se misturavam
de acordo com a população rural de cada vila ou povoado o que permitia o
sincretismo, unindo assim, práticas religiosas do catolicismo, dos mitos indígenas e da
própria cultura afro-descendente. A própria junção dos orixás com santos católicos é
uma prova de que não havia religião institucionalizada e sim uma prática devocional
que servia para amenizar as mazelas que diminuía ao se abrigar sob a proteção dos
mantos sagrados dos protetores celestes. Mesmo assim, "a sociedade colonial fora
estabelecida de modo análogo ao regime feudal, compondo-se de senhores e servos,
cabendo aos primeiros oferecer a proteção, e aos segundos manter a fidelidade" como
afirma o historiador Riolando Azzi (A cristandade colonial: mito e ideologia. Petrópolis:
Vozes, 1987: p. 64) o que fazia com que se perpetuassem ainda mais a estratificação
social e crescesse no inconsciente dos pobres e oprimidos uma mentalidade de
conformismo que só tinham esperança nos protetores celestes e neles outorgavam os
favores. Havia no universo simbólico da população a idéia da existência de protetores
celestes.

Neste sentido entra em cena a dança da vida, ou seja, como eram as manifestações
religiosas, suas festas e suas práticas devocionais. É daí que surgem as chamadas
festas juninas e se celebravam também as festas da semeadura, da primavera e da
colheita. É a festa do mundo dado bem presente ates nossos dias no universo
simbólico das comunidades rurais, pois a produção agrícola era um presente da
divindade. Tais festas religiosas se transformavam também em períodos de
comunicação social entre as povoações rurais que iam para os centros urbanos
celebrar a festa da vida. Neste sentido, para se festejar os santos, as colheitas e a
dádiva do mundo dado ao homem, se dançavam e se bailava de dia e de noite. Na
visão de Riolando Azzi "a dança constitui, de fato, uma das formas básicas através da
qual o ser humano passou a exprimir sua inserção e sua dependência no mistério
maior que o envolve. Essa mentalidade, aliás, permanece ainda muito forte nas
culturas e sociedades agrárias" (idem: p. 67). É o contraditório existente do homem
fabricante e do homem lúdico, dançante. E, também, segundo Azzi (idem: p. 68) as
festas religiosas "ajudavam os pobres e os oprimidos a recobrar a esperança e a
vontade de viver, mas, ao mesmo tempo, atrelavam-nos de tal maneira ao mito da
dependência divina que a própria organização vigente passava a ser sacralizada como
expressão de um desígnio do céu". As festas religiosas tinham um profundo caráter
simbólico, um com-graça-mento em busca da constituição de uma fraternidade
humana universal.

Daí que podemos tratar também da aproximação das crenças de índios e africanos
juntamente com o catolicismo lusitano o que os historiadores e sociólogos chamam de
luta entre os santos. Os credos religiosos construíam simbolicamente a imaginação
humana a fim de ordenar e domesticar o então mundo dado. Por isso, faz-se jus
afirmar que crença religiosa e identificação cultural estão aqui como sinônimos.
Enfraquecer a crença significava enfraquecer a identidade. Por este viés os
portugueses missionários iniciaram uma guerra contra os cultos indígenas
considerados expressões diabólicas ou satânicas. Os jesuítas queriam manter algumas
tradições como "a veneração dos mortos, a dança sagrada e os instrumentos
musicais" como afirma Riolando Azzi (p. 70). Já para outros integrantes da hierarquia
católica era preciso dizimar tais práticas cultualistas provenientes do paganismo de
ordem não-cristã e não católica. O índio devia se integrar por completo ao mundo da
cultura do colonizador. Por sua vez, os povos indígenas utilizaram-se de duas
estratégias de resistência: uma, a intransigência absoluta com relação à religião
portuguesa e católica. Segundo utilizou-se de elementos da fé católica, única e
absoluta, sem perder, portanto, o núcleo central da tradição mítica de sua cultura.

A partir disso a questão das reduções dos povos indígenas pode ser debatida. Nas
reduções o enfoque central utilizado pelos missionários é o trabalho de conversão.
Segundo Riolando Azzi (p. 73) "tratava-se de trazer os indígenas, considerados como
ovelhas desgarradas, para o redil da verdadeira fé. Converter significa basicamente
tirar os índios de suas crenças errôneas e reconduzi-los à verdade católica". O
objetivo era a conversão, mas também, a integração dos mesmos na sociedade
colonial que se formava. O método utilizado pelos jesuítas é a inculturação. Os
jesuítas iam conviver junto com os índios e ali tentava convencê-lo em abandonar seu
mundo e universo natural e, assim, realizava-se os descimentos que era o ato de
trazer os índios para habitar junto ao litoral. Ao chegar no litoral construíam seus
aldeamentos que ficou conhecido como reduções. Cristianizar e aportuguesar eram os
objetivos básicos da catequese, ou seja, com isso se cumpria fielmente o que fora
estabelecido aos portugueses como Novo Povo Eleito que é transformar os gentios em
cristãos católicos. Os índios eram treinados a realizar determinadas atividades nos
aldeamentos e posteriormente, junto à Coroa. Segundo Azzi (p. 76) "muitos desses
trabalhos prestados à administração colonial eram extremamente penosos, resultando
com freqüência em doenças e morte, além de implicar por vezes na separação dos
laços familiares, no desamparo dos filhos e na exploração das mulheres". Era preciso
salvar as almas para a vida eterna, por isso, as práticas religiosas eram munidas de
uma forte dimensão escatológica.
Por outro lado, podemos trabalhar com a concepção ideológica dos chamados
descendentes de Cam. Com a presença africana no Brasil significou um aumento na
mão-de-obra para o trabalho agrícola. A moral católica apresenta suas justificativas
para escravizar os negros provenientes da África. Primeiro, a vida como dom de Deus
era dada a eles, mesmo que se renunciasse a liberdade; segundo, a escravidão era o
resultado dos prisioneiros de guerra que fora realizado por motivos justos e santos.

No entanto, popularmente, a tese moral mais difundida era que o sistema


escravocrata se justificava por ser uma doutrina da maldição divina, ou seja,
conseqüência do pecado de Adão e a maldição imposta foram que o homem devia
trabalhar a terra com o próprio esforço. Já a segunda versão popular afirma que os
africanos são os verdadeiros descendentes de Caim e foram amaldiçoados por Deus e
trazia na própria pele a marca da maldição, o fato de serem negros. Já uma terceira
explicação popular dizia que os africanos eram descendentes de Cam, filho de Noé, e
que foi amaldiçoado pelo pai por ter zombado quando este se encontrava embriagado
e nu. No entanto, desde os primórdios da humanidade a escravidão era aceita como
algo natural. Até mesmo na Grécia Antiga, Platão e Aristóteles afirmavam e
justificavam sua existência.

Segundo Azzi (p. 81) "Platão considerava a escravidão conseqüência da queda numa
perspectiva mítica bem próxima à tradição judaico-cristã. Aristóteles, por sua vez,
afirmava que, por sua própria natureza, alguns seres humanos nasciam destinados
para a liberdade, enquanto outros já eram construídos biologicamente para a
escravidão". Com a implantação do tráfico negreiro para o Brasil Colônia a Coroa se
responsabilizou em oficializar e obter as bênçãos da Igreja Católica Romana para tais
atitudes. Mas, também...

(...) a escravidão passou a ser um elemento integrante da ordem social da própria


cristandade, criando uma situação bastante paradoxal: mediante o batismo, o escravo
passava teoricamente a receber os direitos da cidadania na colônia; na prática,
porém, essa condição lhe era negada, a partir de outras perspectivas éticas e
teológicas, como a teoria da guerra santa e da pertença dos negros a uma raça
amaldiçoada por Deus (Azzi, 1987: 82).

No entanto, pode-se afirmar que a Igreja teve duas posturas: a primeira, que como
sendo universal pregava a fraternidade entre todos, acolhia e exortava os oprimidos
(negros e índios) e denunciava os opressores, por isso, atuou de forma humanizadora
em determinados momentos da história. Mas, em companhia da colonização
portuguesa na qual o clero era parte integrante e importante no processo, a Igreja
justificava a discriminação moral para com os negros e índios o que fortalecia a
hegemonia do luso-catolicismo.

Dessa forma, podemos compreender o contexto social criado pelos portugueses e pela
Igreja para legitimar a catequização indígena em prol de uma inserção destes na
sociedade ocidental e, por outro lado, a normatização de uma escravidão defendida
como se fosse vontade de Deus que havia amaldiçoado alguém, já que se possuem
três versões distintas acerca dessa maldição divina. Com isso, podemos entender a
construção do imaginário que se formou na mentalidade do povo brasileiro em relação
aos povos indígenas e aos afro-descendentes e que ainda, em pleno século XXI,
possui uma carga de preconceitos e desigualdades de acesso a uma cidadania
historicamente negada. Ao compreendermos este cenário de devoções simbólicas
enraizadas no ethos de nosso povo brasileiro e sua catolização anticristã podemos dar
passos para sua superação, pois ainda se encontram fortemente presente tais
concepções neste imaginário popular e social brasileiro.

claugnas@gmail.com

* Filósofo e Teólogo. Mestre em Educação pela Unicamp. Doutorando em


Educação pela UnB

O século XXI, que abre o "Milênio do Espírito", como definiu André Malraux, será (ou deveria ser)
de homens livres, capazes de encarar a Verdade como horizonte e não como objeto de posse, ou de
poder.

Ciência e Espiritualidade

Letra
A-
A+

Leonardo Boff *

Adital -
É de Einstein a frase: "a ciência sem religião é manca, a religião sem a ciência é
cega".

Com isso queria dizer que a ciência levada até a sua exaustão termina no mistério que
produz assombro e encantamento, experiência típica das religiões. A religião que não
se abre a este mistério das ciências deixa de se enriquecer, tende a se fechar em seus
dogmas e por isso fica cega. A ciência se propõe explicar o como existem as coisas. A
religião se deixa extasiar pelo fato de que as coisas existem. O que é a matemática
para o cientista é a oração para o religioso. O físico busca a matéria até a sua última
divisão possível, os topquarks, chega aos campos energéticos e ao vácuo quântico. O
religioso capta uma energia inefável, difusa em todas as coisas até em sua suprema
pureza em Deus.
Ciência e religião se perguntam: O que se passou antes do Big-Bang e do tempo?
Muitos cientistas e religiosos convergem nesta compreensão: Havia o Mistério, a
Realidade intemporal, no absoluto equilíbrio de seu movimento, a Totalidade de
simetria perfeita e a Energia sem entropia.

Num "momento" de sua plenitude, Deus decide criar um espelho no qual pudesse ver
a si mesmo. Cria aquele pontozinho, bilionesimamente menor que um átomo. Um
fluxo incomensurável de energia é transferido para dentro dele. Aí estão todas as
possibilidades. Potencialmente todos nós estávamos lá juntos. De repente, tudo se
inflacionou e depois explodiu. Surgiu o universo em expansão. O Big-Bang, mais que
um ponto de partida, é um ponto de instabilidade que no afã de criar estabilidade,
gera unidades e ordens cada vez mais complexas como a vida e a nossa consciência.

O Princípio de auto-organização do universo está agindo em cada parte e no todo.


Neste universo tudo tem a ver com tudo, formando uma incomensurável rede de
relações. Deus é a palavra que as religiões encontraram para esse Princípio, tirando-
no do anonimato e inserindo-no na consciência. Para defini-lo não há palavras. Por
isso, é melhor calar do que falar. Mas se tudo é relação, então não é contraditório
pensar que Deus seja também uma relação infinita e uma suprema comunhão.

Ora, esta idéia é testemunhada pelas tradições religiosas. A experiência judaico-cristã


narra continuamente as relações de Deus com a humanidade, um Deus pessoal que
se mostra em três Viventes: o Pai, o Filho e o Espírito Santo.

O ser humano sente esta Realidade em seu coração na forma de entusiasmo


(filologicamente significa ter um deus dentro). Na experiência cristã, diz-se que Ele se
acercou de nós, fez-se mendigo para estar perto de cada um. É o sentido espiritual da
encarnação de Deus em nossa miséria.

A ânsia humana fundamental não reside apenas em saber de Deus por ouvir dizer,
mas em querer experimentar Deus. Atualmente, seria a ecologia profunda, a que cria
o melhor espaço para semelhante experiência de Deus. Mergulha-se então naquele
Mistério que tudo penetra e tudo sustenta.

Mas para aceder a Deus, não há apenas um caminho e uma só porta. Essa é a ilusão
ocidental, particularmente das igrejas cristãs, com sua pretensão de monopólio da
revelação divina e dos meios de salvação. Para quem um dia experimentou o Mistério
que chamamos Deus, tudo é caminho e cada ser se faz sacramento e porta para o
encontro com Ele. A vida, apesar de suas muitas travessias e das difíceis combinações
da dimensão dia-bólica com a simbólica, pode então se transformar numa festa e
numa celebração. Ela será leve, porque carregada da mais alta significação.

* Teólogo e professor emérito de ética da UERJ

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