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I - Introdução
Hoje, poucos são aqueles que insistem em não atribuir importância à apreciação
do bem jurídico que justifica (e racionaliza) a existência da norma penal incriminadora. O
princípio da necessária lesividade da conduta a um bem jurídico impõe-se em um direito
penal democrático.
Outrossim, a importância e a compreensão do bem jurídico não se limita ao
plano do direto penal material. A identificação do bem jurídico funciona, ainda, na
definição da competência para apreciação e julgamento da causa penal, influindo,
decisivamente, na concretização da garantia constitucional do juiz natural.
Com a entrada em vigor do novo estatuto, surgiram vozes ora reconhecendo a
competência da justiça estadual para os processos nos quais fossem imputados os crimes
tipificados no ED[4], ora defendendo a competência da justiça federal para tais delitos, em
razão do SINARM ser um serviço da União[5].
Sugere-se, nesta oportunidade, uma terceira solução à questão da competência
para o julgamento dos crimes definidos no ED.
Constata-se, para tanto, que o simples fato de ser a União o ente controlador das
armas, por si só, não é o bastante para fixar a competência da Justiça Federal. Ora, é a
União, também, quem controla e fiscaliza a comercialização de produtos alimentícios e
remédios, através da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e nem por isso
se diz que os crimes de adulteração e falsificação de alimentos e remédios (arts. 272 e 273
do Código Penal) são de competência da Justiça Federal. É a União, através da Agência
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), quem controla e fiscaliza a distribuição de energia
elétrica e, igualmente, nem por isso se diz que os crimes de furto de energia elétrica (art.
155, § 3º, do Código Penal) são de competência da Justiça Federal. É a União quem
disciplina as normas do Direito do Trabalho (art. 22, I, da Constituição Federal) e, nem por
isto, todos os crimes contra a Organização do Trabalho (arts. 197/207 do Código Penal) são
de competência da Justiça Federal.
Em suma, para a definição da competência federal, não basta o simples fato de
ser a União o ente regulador da atividade ou serviço.
De igual sorte, como, em princípio, o bem jurídico protegido nos crimes
previstos no ED é a incolumidade pública, também em princípio, a competência cai na
regra geral e, portanto, é da alçada da Justiça Estadual.
Merece, todavia, destaque o crime previsto no art. 16, parágrafo único, I, do
Estatuto (“suprimir ou alterar marca, numeração ou qualquer sinal de identificação de arma
de fogo ou artefato”). Uma pergunta inicial se impõe: qual seria o bem jurídico protegido
por esta norma? Seria, como nas demais, a incolumidade pública? Afirma-se que não,
pois, convenhamos, para o cidadão tanto faz se vier a ser alvejado com uma arma com
numeração íntegra ou raspada. Ela será lesiva do mesmo jeito! Aqui o objetivo da conduta
de suprimir a numeração é iludir o agente fiscalizador, de modo a manter a arma na
clandestinidade. Neste ponto, aponta-se como o bem jurídico a ser protegido a fé pública e,
para ser exato, a fé pública da União. Assim, no crime em comento a competência é da
Justiça Federal, porquanto a conduta prevista nesta norma viola interesse e serviço da
União, posto que o único bem jurídico atingido é exatamente a higidez, a eficácia dos
cadastros de armas operados pela União.
Situação semelhante se tem no crime previsto no art. 16, parágrafo único, IV
(“portar, possuir, adquirir, transportar ou fornecer arma de fogo com numeração, marca ou
qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado”). Aqui se trata de
crime pluriofensivo, cujos bens jurídicos tutelados são tanto a incolumidade pública,
atingida pelo porte da arma, quanto, também, a fé pública da União, posto que esta arma
está com numeração adulterada, portanto na clandestinidade. Assim, diante dessa
cumulação de bens jurídicos violados, sobressai o interesse da União na solução do caso
penal, de modo a também atrair a competência da Justiça Federal.
III- Conclusão