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Escritos da margem:
literatura e política
na periferia
Paulo Roberto Tonani do Patrocínio*
Ilustrações: Lupin
*
Doutorando no Programa de Pós-Graduação do
Departamento de Letras da PUC-Rio.
I
nicio com uma cena:
Um homem – também poderia ser uma mulher, importa dizer
que esse personagem é marginalizado, e talvez negro, como
quase todos os homens e mulheres pobres marginalizados o são –
transita de forma acanhada em uma superfície branca. Em princí-
pio sente um desconforto ao caminhar, o branco fere seus olhos e,
principalmente, não se sente seguro. Sabe que para percorrer tal
superfície com maior familiaridade necessita de códigos distintos,
signos formulados por sujeitos que se diferem dele e, principal-
mente, por instituições às quais não pertence. No entanto, ao re-
cordar que já havia estado ali inúmeras vezes acompanhando por
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1 No presente artigo utilizarei o termo literatura marginal para designar as produções literárias de
autores residentes da periferia. No entanto, entre os autores pertencentes ao movimento há
grupos que adotam o termo periférico como principal denominação, desencadeando outra per-
cepção sobre o movimento. Minha justificativa para a utilização do termo marginal se dá pela
sua ambiguidade, amplamente trabalhada nos textos que serão analisados, significando tanto o
sujeito que atua fora das grandes cadeias hegemônicas e centrais e, principalmente, os sujeitos
em conflito com lei. O marginal, nesse sentido, tanto é o trabalhador assalariado que reside na
periferia quanto o jovem varejista do narcotráfico.
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Após tal diálogo, o narrador do conto, que por sua vez é próprio
autor da narrativa, se dirige a outro interlocutor, possivelmente o
leitor, e comenta:
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será relatada a sua morte. É com tal premissa que o narrador enu-
mera, sem estender-se, os principais aspectos de sua infância e ado-
lescência:
“Foi uma criança comum de favela, que corre descalça por ruas de
terra, que solta pipa, brincou de pião, bolinha de gude, esconde-
esconde e os primeiros beijos numa garota foi brincando de beijo,
abraço ou aperto de mão. O Tijuco Preto [nome da favela que serve
de cenário à narrativa] até hoje em pleno 2004 tem sua rua princi-
pal sem asfalto.” (IDEM, idem. Grifo meu)
com saudades e são unânimes, ele não era do crime, caiu em tenta-
ção.” (IDEM, p. 107)
Os apontamentos aqui empreendidos a partir da leitura de frag-
mentos de textos de autores marginais incidem na constituição de
uma proposta de arte engajada, vinculada diretamente aos territó-
rios que surgem no texto literário não apenas como cenário, mas
como local identitário. São textos doutrinários, formados a partir
de um princípio ético regulador. Não são, em última palavra, dis-
cursos moralistas, mas um instrumento discursivo que busca forjar
um perfil próprio para seus pares. Deleuze, ao observar no fazer
literário a possibilidade de construção de signos libertadores, de-
signa à literatura o papel de construção de uma nova imagem e
feição para uma coletividade:
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Referências bibliográficas