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EM ESPÍRITO
E EM VERDADE
Curso prático de liturgia
2 | S É R I E C R I S T I A N I S M O P R Á T I C O
EM ESPÍRITO
E EM VERDADE
Curso prático de liturgia
2ª. Edição
EDITEO
São Bernardo do Campo, 2008
Série Cristianismo Prático
© 2008 Luiz Carlos Ramos
EDITORA DA FACULDADE DE TEOLOGIA (EDITEO)
Catalogação preparada pela bibliotecária
Aparecida Comelli Tavares (CRB 8-3781) – Biblioteca Jalmar Bowden
ISBN: 978-85-88410-85-5
Editeo
Prefácio ................................................................... 7
Prólogo .................................................................. 11
Introdução ............................................................ 13
Liturgia e Culto ............................................................ 13
Liturgia e Teologia........................................................ 13
Modelos bíblicos e históricos de ordem para o culto ....... 16
As bases da liturgia cristã: o Pão e a Palavra ................. 24
I O que é culto? (A liturgia do serviço) ...............29
II Por que fazer culto? (A liturgia da graça) .......37
III Onde se faz culto? (A liturgia do espaço
sagrado)................................................................41
Lugares Sagrados ........................................................ 42
Tabernáculo................................................................. 43
O Templo .................................................................... 45
Sinagogas ................................................................... 47
Casas (cenáculo) ......................................................... 48
Praça pública ............................................................... 50
Prisões ........................................................................ 51
Catacumbas ................................................................ 52
Basílicas e catedrais ..................................................... 54
A linguagem espacial e a teologia dos edifícios, mobílias
e utensílios religiosos................................................... 56
A Igreja: em espírito e em verdade............................... 62
IV Quem participa do culto? (A liturgia
do povo de Deus) ..................................................66
O lugar da criança no culto cristão ................................ 70
Culto para crianças ou culto com as crianças? ............... 73
O que as crianças podem e não podem fazer no culto?.. 75
Preparação da liturgia de um culto inclusivo .................. 78
Portanto...................................................................... 80
V Quando fazer culto? (A liturgia do tempo) ....... 82
A celebração da História da Salvação............................ 83
O Calendário Litúrgico.................................................. 86
Ciclo do Natal .............................................................. 88
O Tempo Comum (após Epifania
e após Pentecostes)..................................................... 93
Ciclo Pascal ................................................................. 96
Esquema do Ano Litúrgico...........................................101
VI Como fazer culto? (A liturgia da liberdade
e da criatividade)................................................ 105
Objetividade e subjetividade litúrgicas .........................106
A emoção na comunicação litúrgica .............................107
A razão na comunicação litúrgica.................................108
Emoção, sensação e razão e a saúde litúrgica ..............110
Outras formas de comunicação-não-verbal na liturgia ..111
A natureza e o culto....................................................112
O corpo e o culto ........................................................120
A cultura e o culto.......................................................131
A Equipe ou Ministério de Liturgia ................................135
Epílogo ................................................................ 139
Referências ......................................................... 141
Textos sobre culto e liturgia .........................................141
Textos sobre a comunicação por vias não-verbais ........143
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Prefácio
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O autor desenvolve este tema
com profundidade e leveza. Partindo
das bases bíblicas, mostra a liturgia
como um instrumento necessário ao
testemunho cristão. Além disso, ele
deseja mostrar que a liturgia é um
dos elementos que sinalizam a di-
mensão ecumênica da Igreja Cristã,
em todas as épocas. Na diversidade
das igrejas, a liturgia se faz presente
na especificidade de cada tradição
cristã.
Portanto, a Faculdade de Teologia
da Igreja Metodista pretende, com
esta publicação, incentivar as igrejas
locais a redescobrirem a importância
da liturgia, para o culto, e a dialoga-
rem com as tradições cristãs. A preo-
cupação do Rev. Luiz Carlos é com a
prática do culto nas igrejas.
Como editor da Série Cristianismo
Prático, espero que este curso prático
de liturgia ajude o povo cristão na
busca de uma autêntica celebração
de sua fé. Que os cultos sejam mais
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comunitários e participativos, e que o
povo crente seja mais consciente e
comprometido com a Palavra de
Deus.
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Prólogo
Liturgia e Culto
A
NTES DE APRESENTARMOS
uma definição de liturgia, é
importante fazer uma pe-
quena distinção entre Li-
turgia e Culto: segundo Nelson Kirst
(ver referências bibliográficas no final
da publicação) Culto é o encontro ce-
lebrativo entre Deus e o seu povo, e a
Liturgia é o que acontece nesse en-
contro.
Liturgia e Teologia
Convencionalmente, a Teologia se
estrutura em três grandes áreas, a
saber: (1) Bíblia, que se ocupa da in-
vestigação das fontes da fé cristã; (2)
Teologia Sistemática e História, que
estuda a maneira como a fé foi inter-
pretada e reinterpretada em diferen-
tes épocas e lugares; (3) e Pastoral,
que se ocupa da práxis da fé, isto é,
da reflexão e da prática aplicada à
realidade das pessoas e das comuni-
dades de fé no contexto da missão da
Igreja a toda a humanidade.
Didaticamente, a Liturgia inscre-
ve-se no escopo da Teologia Pastoral,
que, por sua vez, se subdivide em di-
ferentes áreas, sendo as principais
estabelecidas a partir da narrativa
bíblica do livro dos Atos dos Apóstolos
(especialmente, 2.42-47): doutrina
(didaskalia) – comunhão (koinonia) –
partilha do pão (diakonia) – ora-
ção/louvor (liturgia). A Liturgia é, por-
tanto, um capítulo da Teologia Pasto-
ral, ao lado da Educação Cristã, do
Aconselhamento ou Poimênica, da
Diaconia ou Ministérios. Entretanto,
essas divisões têm caráter meramente
didático, pois, na prática, todas as
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áreas da Teologia estão imbricadas,
interligadas e se interdependem.
Na academia, o uso científico do
termo liturgia aplica-se à disciplina
teológica que trata da ritualidade ce-
rimonial e rubrical que regulam o e-
xercício externo do culto.
Considera-se a liturgia como teolo-
gia primeira (theologia prima) e a re-
flexão dogmática como Teologia se-
gunda (theologia secunda). É igual-
mente considerada ápice e fonte (cul-
men et fons) da ação da igreja (actio
ecclesiae). Neste sentido, como ensina
Casiano Floristán, a liturgia é “lugar
primário no qual se realiza a autênti-
ca fé, ao mesmo tempo em que é fonte
e norma primeira da doutrina”. A li-
turgia é uma das três grandes ações
da Igreja, sendo precedida pela evan-
gelização e seguida pela atividade ca-
ritativa, testemunhal ou apostólica.
Assim sendo, não se pode fazer Li-
turgia sem se recorrer à fonte da nos-
sa fé, a Bíblia; nem à interpretação e
atualização dessa fé, a Teologia Sis-
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refeição comunitária/serviço aos ne-
cessitados.
No mesmo livro podemos encon-
trar variações dessa estrutura, veja-
se, por exemplo, Neemias 9: Confis-
são individual – leitura bíblica – ado-
ração e louvor – confissão comunitá-
ria – dedicação (renovação da alian-
ça).
Um dos modelos mais significati-
vos é o encontrado em Isaías 6.1-8. A
estrutura oferecida por esta passagem
forneceu a base para a liturgia de vá-
rias igrejas reformadas e, particular-
mente, a Igreja Metodista, aqui no
Brasil: adoração – confissão (indivi-
dual e comunitária) – edificação – de-
dicação.
No Novo Testamento, várias são as
referências. Detenhamo-nos em al-
gumas das que mais inspiraram a
prática litúrgica histórica.
Lucas 24. O capítulo 24 do Evan-
gelho de Lucas repete sistematica-
mente uma mesma estrutura: encon-
tro – Serviço da Palavra – Serviço da
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No que se refere à eucaristia,
dai graças assim:
Primeiramente, sobre o cálice:
Nós te damos graças, ó Pai nosso,
pela santa vinha de Davi, teu servo;
tu no-la fizeste conhecer
por Jesus, teu filho.
Glória a ti pelos séculos!
Depois, sobre o pão partido:
Nós te damos graças, ó Pai nosso,
pela vida e pelo conhecimento
que nos concedeste
por Jesus, teu filho.
Glória a ti pelos séculos!
Como esse pão partido,
antes disseminado
sobre as montanhas,
foi reunido para ser apenas um,
reúne do mesmo modo tua igreja das
extremidades terra em teu Reino.
Sim, a ti são a glória e o poder
por Jesus Cristo, pelos séculos!
Depois de terdes comido o pão,
agradecei assim:
Nós te damos graças, ó Pai santo,
por teu santo nome,
que abrigaste em nosso coração,
pelo conhecimento, pela fé
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Síntese: Adoração (orações a Deus,
o Pai) – Eucaristia (proclamação do
evangelho e memorial de Jesus, o Fi-
lho) – Diakonia (Espírito Santo motiva
o serviço/coleta em favor dos necessi-
tados).
Outro importante documento é o
relato de Justino Mártir (Primeira
Apologia), de meados do segundo sé-
culo da era cristã. Assim Justino des-
creve a celebração do domingo:
Depois disso, continuamos a recor-
dação dessas coisas. Aqueles que
têm posses prestam ajuda a todos os
que têm necessidade, e nós nos da-
mos assistência mutua. Em todas as
nossas oferendas bendizemos o Cria-
dor do universo por seu filho Jesus
Cristo e pelo Espírito Santo. No dia
chamado do sol, todos, habitem nas
cidades ou nos campos, se reúnem
num mesmo lugar. São lidas as me-
mórias dos apóstolos e os escritos
dos profetas enquanto o tempo o
permite. Terminada a leitura, aquele
que preside toma a palavra para ad-
vertir e exortar à imitação desses be-
los ensinamentos. Em seguida, todos
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los e aos seus discípulos e lhes ensi-
nou essa doutrina que nós acabamos
de submeter ao vosso exame.
A liturgia começava com leituras
das Escrituras e relatos dos teste-
munhos dos apóstolos (seguidores de
Jesus) – exortações para a imitação
dos atos de Jesus, conforme teste-
munhados – orações pelo mundo e
pela igreja, particularmente pelos
enfermos, ou que estavam à morte, e
pelos que haviam sido presos por
professarem a Cristo, denunciados
por não cristãos – beijo da Paz – ofer-
tório dos elementos eucarísticos –
oração eucarística – distribuição dos
elementos eucarísticos aos presentes
e envio aos ausentes – coleta em fa-
vor dos necessitados (alimentos, rou-
pas ou dinheiro) – despedida com
oração para que todos permaneçam
fiéis e a salvo até reunirem-se nova-
mente no próximo domingo.
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voltava a chamar a atenção de todos
para a partilha do vinho que era pre-
cedida de outra oração de ação de
graças.
A estrutura era, portanto: pão –
refeição – vinho. Mais tarde, por ra-
zões várias, passou-se a realizar a
refeição em primeiro lugar, juntando
a celebração do pão e do vinho no
final da cerimônia: refeição – pão e
vinho. Mais adiante, ainda, separou-
se completamente a refeição do me-
morial do pão e do vinho.
O culto cristão integra em uma
única celebração a leitura e a expli-
cação das Escrituras, próprias da
liturgia da Sinagoga judaica, e o
memorial eucarístico, do Cenáculo.
As primeiras pessoas a professar
a fé cristã eram, principalmente, ju-
dias, e assim continuaram até que
foram expulsas da Sinagoga. Até en-
tão, reuniam-se no sábado (Shabah),
na Sinagoga para a liturgia da Pala-
vra, e tornavam a reunir-se no do-
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comunhão e do púlpito, lugares res-
pectivos da comunhão e da procla-
mação; do sacramento e do Evange-
lho; da partilha e do anúncio; da fé e
da prática; dos atos de piedade e das
obras de misericórdia; enfim, do Pão
e da Palavra.
O
TERMO LITURGIA TEM origem no
grego clássico leitourgia (leitos
[adjetivo de laós] = povo + ergon
= trabalho, esforço), que origi-
nalmente designava toda obra, ação ou
iniciativa assumida livremente por um
indivíduo em favor do povo ou do bairro
ou da cidade ou do Estado. Aos poucos
o termo passou a designar qualquer
trabalho que importasse em “serviço”,
mais ou menos obrigatório, prestado ao
Estado, ou a um indivíduo, ou mesmo à
divindade (“serviço religioso”).
Na Bíblia Hebraica, ou Antigo Tes-
tamento, um dos termos mais signifi-
cativos, relativos ao culto, é hawa,
que pode ser traduzido por “prostrar-
se” e “adorar”. A palavra é empregada
170 vezes em todo o AT e traz a idéia
de submissão e auto-humilhação,
cujo sentido sugere um curvar-se até
a testa encostar o chão.
Derivam de hawa outros termos
que nos ajudam a entender melhor a
força e a idéia da raiz desse termo:
abad, traduzido por “escravo”, servo
(equivalente ao grego doulos); abida,
traduzido por “serviço”, “ritual”, “ado-
ração”; ‘abodah, traduzido por “traba-
lho” e ‘abad, “servir”, “cultivar o cam-
po” (vd. Êx 12.21-28; Dt 10.8; 2Cr
8.14).
Em Esdras 6, por exemplo, esses
termos são empregados na narrativa
que descreve o serviço realizado por
ocasião da construção ou reconstru-
ção de Jerusalém.
A tradução grega do Antigo Testa-
mento, a Septuaginta (LXX), emprega
o termo liturgia sempre, sem exceção,
para designar o “serviço religioso”
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prestado pelos levitas a Yaweh (ocorre
mais de 150 vezes).
No Novo Testamento, o verbo lei-
tourgeo, o adjetivo leitourgikos e os
substantivos leitourgia e leitourgos
ocorrem 15 vezes e, em geral, são tra-
duzidos como “serviço”, “ministério”,
“socorro/auxílio” e seus correspon-
dentes. Em Atos 13.2 o termo tem,
especificamente, o sentido de “culto”
(ver também: Hb 1.7,14, 8.2,6, 10.11;
Fp 2.17).
Nos escritos extrabíblicos, como
na Didachè e textos de Clemente, o
termo aparece claramente relacionado
com a celebração eucarística.
Ao longo da história da Igreja, o
termo grego foi preservado na igreja
oriental, mas substituído por seus
equivalentes latinos (officium, ministe-
rium, múnus...) na igreja latina.
Atualmente, a palavra liturgia se
aplica a todo o conjunto dos atos ri-
tuais e da Igreja pelos quais prosse-
gue no mundo no exercício do sacer-
dócio de Jesus Cristo, destinado a
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humilde dos serviçais do perío-
do bíblico. Há vários tipos de
escravos que são mencionados
na Bíblia: o doulos, que cuida-
va dos serviços externos (trata-
va dos animais, lavrava a ter-
ra...); o diakonos, que cuidava
dos serviços domésticos (servia
as mesas, limpava a casa...); e
o latris, que era quem fazia o
trabalho mais degradante (lim-
pava a latrina). O latris não é
mencionado nas páginas do
NT, mas o seu serviço sim, nos
textos indicados acima. Da
mesma raiz, temos as expres-
sões em português “latrina” e
“idolatria”.
Todos esses termos têm a conota-
ção de humildade e serviço.
Portanto, liturgia é o serviço comuni-
tário celebrado pelo povo de Deus por
meio da adoração à Trindade e da soli-
dariedade aos da família da fé, bem co-
mo a toda a comunidade humana.
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A dimensão do serviço prestado
com muita humildade permanece,
mas não por dever, mas por amor.
Dizendo de outra forma, a liturgia
é um diálogo interativo e afetivo en-
tre Deus e os seres humanos e des-
tes entre si, no contexto celebrativo
da fé, na forma de um serviço co-
munal — comunitário e comunica-
cional — porque é prestado por to-
dos e para todos.
P
OR QUE ALGUÉM VAI AO CULTO? A
resposta a esta pergunta pode
ser reveladora da teologia do
culto.
Há, historicamente, três posturas
clássicas a esse respeito: a primeira,
típica da Igreja Medieval, que diz que
devemos ir ao culto para sermos a-
graciados por Deus: ênfase na mística
sacramental.
Uma segunda, muito difundida
entre os anabatistas, diz que devemos
ir ao culto para sermos alimentados
pela Palavra de Deus: ênfase na ra-
cionalidade dogmática.
Finalmente, a posição de reforma-
dores, como Calvino e Lutero, que
entenderam que a liturgia não deve
ser considerada mero meio para se
obter graça ou favor divinos, nem co-
mo ocasião para que o povo de Deus
seja alimentado por sua Palavra, uma
vez essas seriam práticas antropocên-
tricas — porque têm como último be-
neficiário o ser humano.
Em contrapartida, os reformadores
entenderam que a liturgia deve ser
teocêntrica, de modo que Deus seja o
sujeito, o centro, o foco do culto. As-
sim, o fiel deve buscar em primeiro
lugar o Reino de Deus e sua justiça —
isso também no culto. Assim, a graça,
a instrução bem como as demais coi-
sas, serão acrescentados aos fiéis
como decorrência natural. Aqui estão
sendo levadas em consideração as
duas grandes doutrinas da Reforma
Protestante: a Teologia da Graça (es-
pecialmente, Lutero) e a da Soberania
de Deus (especialmente, Calvino).
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Na prática, constata-se que há um
caminho de mão dupla: de um lado,
Deus vem ao encontro da comunidade
(e é sempre ele quem toma a iniciati-
va), e, por outro lado, a comunidade
vai ao encontro de Deus, como res-
posta em ação de graças à grande
ação da graça de Deus. O culto se
constitui, assim, em ponto de encon-
tro celebrativo entre Deus e a comu-
nidade e desta consigo mesma (cf. Tg
4.8).
No entanto, não se deve perder o
referencial de que Deus é o centro do
culto, é ele que “está sentado no alto
e sublime trono” (cf. Is 61).
A pergunta “por que fazer cultos?”
será melhor respondida e mais deta-
lhadamente explicada ao longo dos
próximos capítulos, à medida que a-
bordarmos outros aspectos essenciais
da liturgia.
Q
UANTO AO ESPAÇO LITÚRGICO,
desde muito cedo na experiên-
cia do povo de Deus, conforme
registrada nas Escrituras, hou-
ve a preocupação de delimitações e
estabelecimento de áreas nas quais a
manifestação do Sagrado é experi-
mentada de maneira especialmente
enfática.
A relação do povo de Deus com
tais lugares acompanhou o amadure-
cimento da sua fé e espiritualidade,
bem como as contingências sócio-
político-geográficas próprias de cada
período de sua história.
Lugares Sagrados
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Na medida em que a identidade re-
ligiosa do povo de Deus vai se estabe-
lecendo com mais clareza, começou-
se a construir ou utilizar-se de locais
conforme as circunstâncias do seu
cotidiano.
Tabernáculo
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ficou em Nobe (1Sm 21.1). Salomão o
trouxe para Jerusalém.
Segundo o Evangelho de João, Je-
sus “tabernaculou” com os seres hu-
manos (cf. 1.14).
O Templo
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Cúpula Dourada). Ainda hoje há fac-
ções judaicas que sonham com a re-
construção o Templo de Salomão.
Sinagogas
Casas (cenáculo)
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e seguidoras, bem como, naturalmen-
te, os integrantes da família hospedei-
ra, partilhassem aquela refeição co-
munal.
Num primeiro momento, na histó-
ria da Igreja Cristã, a prática normal
era, nos sábados, a comunidade reu-
nir-se na Sinagoga, para a Liturgia da
Palavra e, nos domingos, no Cenácu-
lo, para a Liturgia da Mesa.
Aos poucos, à medida que a iden-
tidade entre a religiosidade judaica
oficial e o cristianismo nascente foi se
distinguindo e distanciando, houve
uma ruptura entre a Sinagoga e o
Cenáculo.
Muitos seguidores de Jesus foram,
literalmente, expulsos, excomunga-
dos, da Sinagoga (ver Jo 9.34-35).
Excluída, a comunidade cristã passou
a concentrar nas Casas/Cenáculo
tanto a Liturgia da Palavra quanto a
da Mesa.
Enquanto gozavam de certa liber-
dade, a comunidade cristã se reunia
nas Casas sem maiores problemas.
Praça pública
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e paralelos); nas planícies e nas coli-
nas (cf. Lc 6.17ss e Mt 5); pelas es-
tradas, nos caminhos e à margem dos
caminhos (cf. Mc 10.17,46; Lc
24.13ss); em jardins e hortos (cf. Lc
22.39 e par.); nas ruas das cidades
(cf. Lc 19); no pátio e nos espaços
comuns do Templo (cf. Lc 19.41-17);
etc.
Também os apóstolos, impulsio-
nados pelo Espírito Santo, ganharam
as ruas para falar das maravilhas de
Deus (cf. At 2); ocuparam os espaços
públicos de debate, tais como as pra-
ças e o Areópago (cf. At 17.16ss, es-
pecialmente os vs. 17b e 19); evange-
lizaram nas estradas (cf. At 8.26ss);
em tombadilhos de navios (cf. At 27);
nas margens de rios (cf. At 16.13-15);
etc.
Prisões
Catacumbas
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gindo níveis de crueldade inimaginá-
veis, as comunidades cristãs precisa-
ram de lugares mais seguros e discre-
tos onde pudessem reunir-se “secre-
tamente’’ e em relativa segurança.
Assim as Catacumbas passam a ser
a nova “sede” dos cultos. Os cemitérios
eram lugares temidos, porque, segundo
as superstições pagãs, eram lugares
habitados por espíritos imundos (ver Mc
5), lugar de demônios e assombrações.
Mas, por causa da experiência,
primeiro, da ressurreição de Lázaro e,
depois, da ressurreição de Jesus, pa-
ra os cristãos, nem a morte nem os
cemitérios eram temidos.
Desde o martírio de Estevão (cf. At
7.54-60), e de Tiago, irmão de João
(cf. At 12.1-2), a comunidade cristã
adotou o costume de honrar a memó-
ria dos seus mártires. Daí nasceu o
costume de reunir-se nos lugares on-
de descansam os restos mortais da-
queles e daquelas que deram sua vida
por sua fé em Cristo. Ali, junto às lá-
pides dos mártires, a salvo dos su-
Basílicas e catedrais
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desses profissionais quanto à cons-
trução de amplos edifícios, estava
consolidada pelas chamadas Basíli-
cas. Estas eram, a princípio, espaços
forenses onde se reunia o Tribunal do
Júri da época, para julgar processos
judiciais.
Tais edifícios têm o santuário, ge-
ralmente com abside (nicho ou recin-
to semicircular ou poligonal, de teto
abobodado, geralmente situado nos
fundos ou na extremidade da cons-
trução ou de parte dela) para a cáte-
dra (antes destinada para uso do ma-
gistrado, agora reservado para quem
preside a liturgia), um ambão ou púl-
pito (antiga tribuna), o altar (mesa da
comunhão), e um nártex (vestíbulo
que ficava à entrada da basílica pale-
ocristã, destinado aos catecúmenos,
para que pudessem assistir aos ritu-
ais, sem deles participar diretamente,
por ainda não serem batizados [conti-
nuou em uso nas igrejas da Idade
Média e, mesmo após perder seu sen-
tido, nos períodos posteriores, per-
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cos já estão sendo transmitidos pela
linguagem espacial da arquitetura do
edifício, pela disposição e tipos da
mobília, pela estética e função dos
utensílios.
Pode-se identificar, para fins didá-
ticos, três concepções espaciais típi-
cas: O conceito medieval, que valoriza
o altar, pois sua teologia reforça o
aspecto místico e espiritual da parti-
cipação no mistério eucarístico. O
conceito cartesiano, próprio do perío-
do da pós-Reforma do séc. XVI, que
coloca em evidência o púlpito, que
reforça o aspecto intelectual, concei-
tual e didático da fé. E o conceito mi-
diático, comum nos dias atuais, que
valoriza o palco, isto é, o aspecto es-
petacular do evento celebrativo, cujo
centro passa a ser a performance dos
celebrantes como comunicadores-
atores e dos instrumentistas e canto-
res.
Deve-se, portanto, ter um espírito
crítico em relação ao trato que se dá
ao espaço celebrativo, pois aquilo que
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transcendência por meio da transpa-
rência perceptível na concepção desse
espaço: simplicidade nobre, familiari-
dade, beleza, propriedade, qualidade,
autenticidade ou integridade dos ele-
mentos que compõem o ambiente ce-
lebrativo; (5) aspecto estético-poético
do espaço que, intencionalmente, in-
tegra a comunidade de fiéis (corpo-
alma-e-espírito), por meio de cuida-
dosa ambientação e decoração que
possibilitem a inclusão dos sentidos,
sentimentos, emoções e razões.
Isso implica em um cuidado teoló-
gico-litúrgico-estético do lugar ou es-
paço onde esse povo se reúne. Por
isso, são considerados imprescindí-
veis, nos templos cristãos, como es-
trutura mínima fundamental, o san-
tuário, a nave e o átrio.
O Santuário é o espaço central
(não fisicamente, mas no sentido de
mais importante) do edifício. Tudo de-
ve estar orientado para o espaço re-
servado para o Memorial Pascal, lugar
da renovação da aliança: o altar, que
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ram das “vestes brancas” para apre-
sentar-se diante do Trono do Cordei-
ro.
E o Átrio (do latim atriu[m]) é o
espaço de transição. É o espaço para
a festa do encontro, onde as pessoas
se reúnem antes e depois da celebra-
ção. Ao chegar para o culto, a pessoa
se prepara para entrar no santuário,
fica em silêncio e passa pela porta
que é Cristo (não se pode chegar no
lugar santo a não ser por intermédio
de Cristo — Jo 10.7,9).
Os vários objetos que são empre-
gados no culto devem ser cuidadosa-
mente escolhidos e sabiamente em-
pregados, quer sejam objetos simbóli-
cos, tais como o pão e o vinho e os
recipientes que os contêm, a Bíblia, a
cruz; quer sejam objetos festivos, co-
mo são os candelabros, as flores e os
vasos, os estandartes, os ornamentos
e os vitrais; e mesmo os objetos fun-
cionais, entre eles, o suporte para a
Bíblia, as toalhas, os sistemas acústi-
Teologicamente, ou espiritualmen-
te falando, à luz dos ensinamentos e
da prática de Jesus (cf. Jo 4.20-23),
deve-se compreender que o “espaço
sagrado”, por excelência, não depende
da forma arquitetônica, nem da topo-
grafia, mas da atitude dos fiéis que
devem adorar o Pai “em espírito e em
verdade”.
Essa compreensão — de adorado-
res que adoram em espírito e em ver-
dade —, juntamente com o dito de
Jesus de que “onde estiverem dois ou
três reunidos em meu nome, ali estou
no meio deles” (Mt 18.20), fundamen-
tou a eclesiologia cristã: a “igreja” não
é um edifício, mas o povo reunido em
nome de Jesus, o Cristo.
Os modelos para os edifícios cris-
tãos, portanto, não devem ser os sun-
tuosos “templos” do paganismo mo-
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LUIZ CARLOS RAMOS
62
derno, tais como os bancos, shopping
centers, edifícios públicos e casas de
espetáculo. Antes, sua forma deve ser
determinada pela teologia do culto,
isto é, a liturgia. Suas linhas devem
ser sóbrias, austeras e singelas — o
que não implica em comprometer a
estética. Linhas que privilegiem o sen-
timento de comunhão da assembléia
com Deus e de solidariedade para
com o próximo; onde Deus possa ser
adorado em espírito e em verdade (Jo
4.24), com decência e com ordem
(1Co 14.40), com o espírito e com o
entendimento (1Co 14.15), onde pos-
samos apresentar os nossos próprios
corpos em sacrifício vivo, santo e agra-
dável a Deus em um culto racional,
alegre, sensível e sincero (cf. Rm 12.1).
O Ministério da Ambientação, ou
da decoração, ou da ornamentação, é,
em primeira instância, um ministério
kerygmático, de anúncio do Evange-
lho e da proclamação da Palavra.
Aquelas pessoas que abraçam esse
ministério devem estar dispostas a
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LUIZ CARLOS RAMOS
64
IV
Quem participa do culto?
(A liturgia do povo de Deus)
D
e acordo com a tradição bí-
blica, Deus é a personagem
central do culto, pois é ele
quem está assentado no alto
e sublime trono (cf. Is 6.1); é glorifi-
cado por seres celestiais (cf. Is 6.2); é
servido por ministros ou sacerdo-
tes/liturgos/ celebrantes (cf. 103. 21),
é cultuado pela comunidade de fiéis,
a congregação ou assembléia (cf. Sl
5.8; 22.22-23, 25-26); até mesmo por
todos os que morreram por causa do
seu testemunho, os mártires ou tes-
temunhas, se acham constantemente
diante do trono, glorificando o Altís-
simo (cf. Ap 7.9-15); mesmo os pa-
gãos ou gentios, de todas as nações,
estão convidados para o culto (cf. Sl
117); e, mais ainda, de acordo com os
salmistas, todo ser que respira deve
louvar a Deus (cf. Sl 150.6); e mesmo
os seres inanimados, tais como os
corpos celestes, de alguma forma,
proclamam a glória de Deus, e anun-
ciam as obras das suas mãos (cf. Sl
19.1).
Deus é quem toma a iniciativa e
vem ao nosso encontro, no culto,
dando início ao diálogo litúrgico e ce-
lebrativo da fé. Pouco sabemos sobre
a participação dos seres celestiais no
culto, bem como a respeito das tes-
temunhas que se acham constante-
mente diante do trono louvando a
Deus. Por outro lado, podemos nos
aplicar a compreender a nossa parti-
cipação no culto, como comunidade
de fiéis.
A congregação de fiéis é formada
por pessoas de todas as camadas so-
ciais, de todas as culturas e de todas
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LUIZ CARLOS RAMOS
68
Embora isso pareça relativamente
óbvio, ao observarmos o que acontece
na prática de muitas igrejas, essa in-
clusão não acontece.
Conquanto se possa constatar um
evidente conflito de gerações, entre
jovens e idosos, na disputa pela he-
gemonia litúrgica, as maiores vítimas
dessas disputas são as crianças.
De uma maneira ou de outra, jo-
vens, adultos e idosos têm os seus
meios para contestar e protestar. As
crianças, entretanto, não têm voz
nem vez.
Não obstante, dar destaque para a
participação da criança no culto não é
apenas uma questão de fazer uma
concessão e dar-lhes, provisoriamen-
te, vez e voz. A criança trazida para o
centro do culto, como se pretende
demonstrar a seguir, é a própria ra-
zão de ser da liturgia.
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LUIZ CARLOS RAMOS
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Êxodo 13.14: “Quando teu filho [grifo
nosso] amanhã te perguntar: Que é is-
so? Responder-lhe-ás: O SENHOR com
mão forte nos tirou da casa da servi-
dão.”
Deuteronômio 6.20-21: Quando teu fi-
lho [grifo nosso], no futuro, te pergun-
tar, dizendo: Que significam os teste-
munhos, e estatutos, e juízos que o SE-
NHOR, nosso Deus, vos ordenou? 21 En-
tão, dirás a teu filho [grifo nosso]: Éra-
mos servos de Faraó, no Egito; porém o
SENHOR de lá nos tirou com poderosa
mão.
À luz dessas referências, podemos
nos perguntar pelo lugar que as cri-
anças devem ter nos nossos cultos.
As grandes experiências de fé do
povo de Deus eram celebradas ciclica-
mente, justamente, pensando na trans-
missão dessa espiritualidade para as
novas gerações (ver Lc 2.41-42).
As crianças eram, assim, o ele-
mento disparador de tais liturgias.
Tais cerimoniais eram concebidas
especialmente para responder aos
insistentes por quês? das crianças:
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LUIZ CARLOS RAMOS
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Culto para crianças
ou culto com as crianças?
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LUIZ CARLOS RAMOS
74
não há nada mais importante no Rei-
no de Deus do que as crianças: afinal,
foi isso que aprendemos (ou devería-
mos ter aprendido) de Jesus em Ma-
teus 18.1-2 e em Lucas 9.47.
Como, afinal, a criança pode ser
incluída plenamente no culto? Disso
trataremos a seguir.
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LUIZ CARLOS RAMOS
76
cos, tal como qualquer adulto – não
seria fantástico se todo culto tivesse a
participação de crianças na direção
de certas leituras?
Quanto aos testemunhos e à pro-
clamação, também aí as crianças po-
dem ser sujeitos.
Elas podem, inclusive, participar
da prédica, encenando passagens bí-
blicas, interpretando ilustrações (pra-
ticamente todo sermão recorre às i-
lustrações para aclarar pontos obscu-
ros ou conceitos abstratos). O mero
fato de o pregador, ou pregadora, ter
em mente que seu público também é
formado por crianças, já pode servir
como estímulo para a busca de uma
linguagem mais expressiva, o uso de
vocabulário mais substantivo, objetivo
e concreto; para o emprego de ima-
gens visuais e outros recursos sensí-
veis (ao tato, ao paladar, ao olfato,
por exemplo). Fazendo isso, todos se
beneficiariam, pois quando usamos
linguagem abstrata, somente os adul-
tos (e nem mesmo todos eles) conse-
Preparação da liturgia
de um culto inclusivo
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LUIZ CARLOS RAMOS
78
assim algo tão difícil ou diferente do
convencional.
Basta que, na hora em que estiver-
mos escolhendo o repertório dos hinos,
das leituras, dos gestos e atos litúrgi-
cos, lembrar de incluir as crianças,
assim como fazemos naturalmente com
os jovens e os adultos. Por exemplo,
prever músicas próprias para as crian-
ças (ora, se elas podem cantar nossos
hinos, porque não podemos cantar os
delas?). E, na hora de distribuir as ta-
refas, na condução do culto, lembrar-
mo-nos de atribuir funções às crian-
ças, que pode ser desde a direção de
orações e leituras, até a cooperação em
atos como o recolhimento das ofertas, a
distribuição da Ceia, e encenações e
performances várias — a depender u-
nicamente da criatividade, da boa von-
tade e do bom senso dos responsáveis
pelo preparo e direção da liturgia dos
cultos ordinários das nossas igrejas.
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LUIZ CARLOS RAMOS
80
templar, incluir a todos nos vá-
rios atos litúrgicos.
5. Dentre todos os fiéis, são as
crianças as que merecem maior
cuidado e atenção, pois, à luz
da tradição bíblica, são elas
que deflagram o culto com suas
perguntas fundamentais, às
quais a comunidade celebrante
oferece sua resposta de fé, no
exercício de uma espiritualida-
de que é, assim, transmitida de
geração em geração.
6. Não há nada que um adulto fa-
ça no culto que não possa ser
feito pelas crianças. Portanto,
elas não devem ser meras es-
pectadoras do culto, mas sujei-
tos ativos da dinâmica litúrgi-
ca.
Colocar isso em prática... Eis aí
um belo desafio!
A
LITURGIA SE DÁ NO TEMPO e
no espaço. O tempo da litur-
gia é a História da Salvação
contada ciclicamente duran-
te o Ano Cristão, que tem a Páscoa como
centro irradiador da mensagem salvífi-
ca.
Ao contar a história de Jesus (a
expectativa de sua vinda, sua vida e
ensinamentos, sua paixão, morte e
ressurreição) e sua presença espiritu-
al na Igreja, a comunidade de fé re-
lembra, atualiza e celebra a sua pró-
pria salvação.
A liturgia é, a um só tempo, memó-
ria, atualização e esperança salvífica.
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LUIZ CARLOS RAMOS
84
instrução, entretanto, para que se
efetive na vida da comunidade, deve
ser inspirada e iluminada pela ação
do Espírito Santo, a terceira pessoa
da Trindade, que é também quem mo-
tiva e envia a Igreja em sua missão,
que é a de reconciliar a humanidade
com Deus, o Pai, retomando, assim, o
ciclo teológico-litúrgico.
A História da Salvação é, assim,
celebrada no tempo cósmico, no ano
litúrgico, nas horas do dia e naquela
“hora única” que é o culto.
Também a História da Humanida-
de é celebrada na liturgia da comuni-
dade de fé: datas cívicas, nacionais e
internacionais, são motivo de referên-
cia e intercessão no culto.
E, finalmente, a História das Pes-
soas (nascimento, puberdade, casa-
mento, procriação, envelhecimento e
morte) também são motivos que ins-
piram a prática celebrativa, porque
relacionam a nossa própria história
de vida, e nos incluem, na grande his-
O Calendário Litúrgico
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LUIZ CARLOS RAMOS
86
renta noites no deserto, bem como
nas demais associações com o núme-
ro quatro: quarenta dias do dilúvio,
quatrocentos anos de escravidão no
Egito, quarenta anos de peregrinação
pelo deserto, anúncio de que em qua-
renta dias Nínive seria subvertida, e
sua súbita conversão, etc.
A Festa do Natal é mais tardia, e
se estabelece depois do século IV (e o
Advento, depois do VI). Trata-se da
cristianização da festa pagã que cele-
brava o “começo do fim” do inverno,
isto é, o solstício de inverno, no he-
misfério Norte. Para os cristãos, Je-
sus é o Sol da Justiça que nasceu em
Belém; ele é o Sol que é maior que o
astro adorado pelos pagãos, este sol
não existiria, não fosse aquEle.
Da mesma forma que sucedeu
com a Páscoa, a comemoração do
nascimento de Jesus, no Natal, como
que exigia um tempo de preparação.
Novamente o número quatro é evoca-
do. Desta vez, reserva-se quatro se-
manas (domingos), para que as co-
Ciclo do Natal
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LUIZ CARLOS RAMOS
88
Trata-se de uma celebração onde o
foco é a expectativa da vinda do Mes-
sias, o Cristo prometido. Nesse perío-
do celebra-se a espera do Messias, e
pode ser dividido em duas partes: os
dois primeiros domingos enfatizam o
Advento Escatológico, o terceiro e o
quarto domingos a Preparação do Na-
tal de Cristo.
Destarte, o Advento tem a dimen-
são da expectativa da segunda vinda
de Cristo, bem como, a expectativa da
chegada do Messias que concretiza o
Reino, o “já” e o “ainda não” – que
implica viver a espera do cumprimen-
to das promessas e renovar a espe-
rança no Reino que virá.
A espiritualidade do Advento é
marcada pela esperança e o aguardo
do Messias prometido; a fé na concre-
tização da promessa; o amor que se
demonstra com a chegada do Messias
e a paz por ele anunciada e plenifica-
da.
O segundo tempo litúrgico desse
ciclo é o Natal. Esta celebração teve
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LUIZ CARLOS RAMOS
90
festa da manifestação do Cristo en-
carnado. Somente, a partir do século
IV d.C., passou para o Ocidente a fim
de rememorar a visita dos reis magos
ao Messias que havia chegado.
Epifania, do grego ephifaneia, sig-
nifica “manifestação”, “aparição”. An-
tes de tornar-se um termo apropriado
pelo cristianismo, significava a che-
gada de um rei ou imperador. A partir
de Cristo, tem a conotação de “mani-
festação do divino ao mundo”, que no
Primeiro Testamento era expressa
pelo termo “teofania”.
Esse tempo celebra a manifestação
de Cristo aos seres humanos, no
momento em que os reis do Oriente
seguiram a estrela em busca daquele
que viria a ser o Salvador por exce-
lência.
A Epifania é para o Natal o que o
Pentecostes é para a Páscoa, isto é,
desenvolvimento e permanência do
ato de Cristo em favor da humanida-
de.
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LUIZ CARLOS RAMOS
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Com o Batismo do Senhor termina
o Ciclo do Natal, dando início ao Tem-
po Comum, ou Tempo após Epifania.
O Tempo Comum
(após Epifania e após Pentecostes)
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LUIZ CARLOS RAMOS
94
A primeira parte do Tempo Co-
mum tem início na segunda-feira a-
pós a comemoração do Batismo do
Senhor e vai até a véspera da Quarta-
Feira de Cinzas, quando começa a
Quaresma (Ciclo da Páscoa).
Sua espiritualidade enfatiza o a-
núncio do Reino de Deus e visa à es-
perança e à pregação da Palavra.
A segunda parte do Tempo Co-
mum começa na segunda-feira após
Pentecostes e dura até a véspera do
Primeiro Domingo do Advento, quan-
do tem início o Ciclo do Natal.
Sua espiritualidade comemora o
próprio ministério de Cristo em sua
plenitude, principalmente aos domin-
gos e enfatiza a vivência do Reino de
Deus e a compreensão de que os/as
cristãos/ãs, são o sinal desse Reino.
Se na primeira parte do Tempo Co-
mum a ênfase é no anúncio, na se-
gunda é a concretização do Reino de
Deus.
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LUIZ CARLOS RAMOS
96
No século IV, desenvolveu-se a
tradição de reviver e refletir de um
modo mais sistematizado, os momen-
tos da paixão, isso deu origem às ce-
lebrações da Semana Santa. Desde o
século III as vésperas da Páscoa já
eram dias de reflexão. Os catecúme-
nos que por dois anos vinham sendo
preparados, agora eram acompanha-
dos por toda a comunidade. Inspiran-
do-se nos quarenta dias de preparo
de Jesus para seu ministério, nasceu
o período da quaresma. Assim, em
torno da celebração da morte e res-
surreição de Jesus, desenvolveu-se
todo o Ciclo Pascal do Calendário Li-
túrgico Cristão, marcado pela peni-
tência e confissão, mas também pela
alegria e exultação do crucificado e
ressuscitado.
A Quaresma é o período no qual
se enfatiza a importância da contri-
ção, do preparo e da conversão. Ini-
cia-se no quadragésimo dia antes da
Páscoa (não se contam os domingos).
O início na Quarta-feira de Cinzas
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LUIZ CARLOS RAMOS
98
Sua espiritualidade chama-nos a
atenção para os momentos finais de
Jesus até o ápice de sua paixão:
A Santa Ceia (Mt 26.17-30);
O Lava-pés (Jo 13.1-17);
Jesus no Getsêmani (Mt 26.36-
46; Mc 14.26-31);
O julgamento, sepultamento e
a crucificação (Mt 27; Mc 15;
Lc 23; Jo 19).
A Páscoa¸ propriamente, é a festa
da ressurreição e da libertação. Um
novo Êxodo ocorre, e a humanidade
passa do cativeiro da morte para a
vida.
Sua solenidade pode iniciar-se já
na Quinta-Feira Santa (instituição da
ceia), que dá início ao chamado Trí-
duo Pascal. Contudo a celebração da
ressurreição começa com uma vigília
na noite de sábado encontrando sua
plenitude no romper da aurora do
Domingo da Páscoa, quando Cristo é
lembrado como o sol da justiça que
traz a luz da nova vida, na ressurrei-
ção.
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LUIZ CARLOS RAMOS
100
sejam testemunhas de Jesus na his-
tória.
A espiritualidade que nos orienta
nesse período fala da presença conso-
ladora do Espírito que semeia nos
corações a esperança do Reino de
Deus e nos impulsiona para a missão:
Festa das semanas (Êx 34.22;
Lv 23.15);
Jesus promete o Consolador
(Jo 16.7);
Jesus ressuscitado sopra seu
Espírito (Jo 20.22);
A chegada do Espírito Santo no
dia de Pentecostes (At 2).
Ciclo do Natal
Advento (quatro domingos que
antecedem o Natal)
Natal (véspera, dia de Natal e
semana que se segue)
Epifania (6 de janeiro ou o do-
mingo mais próximo)
Tempo Comum após Epifania
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LUIZ CARLOS RAMOS
102
se o ciclo do Natal com o Pri-
meiro Domingo de Avento).
A
PARTIR DO NOSSO ESTUDO,
constatamos que um culto
cristão tem uma tríplice es-
trutura, caracterizada pela
ação efetiva das três pessoas da Trin-
dade, o Pai, o Filho, e o Espírito Santo.
Assim, pode-se dizer que o culto cristão
possui partes essenciais que se ausen-
tes o descaracterizariam.
Assim, a estrutura básica da litur-
gia cristã é trinitária e pressupõe um
primeiro momento teológico, no qual
Deus é adorado, um segundo momento
Cristológico, no qual a memória de
Cristo é celebrada e proclamada; e um
terceiro momento, Pneumatológico, no
qual, pela ação do Espírito, a comuni-
dade se compromete com o serviço a
Deus e ao próximo.
Essa liturgia é construída a partir
da ação criativa da comunidade de fé e
compõe-se de atos, ritos.
Objetividade e subjetividade
litúrgicas
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LUIZ CARLOS RAMOS
106
A emoção na comunicação litúrgica
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LUIZ CARLOS RAMOS
108
são” que transforma o auditório em
massa.
Entretenimento, como sugere a eti-
mologia da palavra, se refere a um pro-
cesso que procura ter o indivíduo “en-
tre” alguma coisa. O entretenimento
funciona como um parêntesis, no qual
o indivíduo se isola, ainda que por al-
guns instantes, do mundo real. É aqui,
no processo de separação do real, que
entra o espetáculo, cuja etimologia re-
monta ao latim speculum, espelho. O
espetáculo é, portanto, uma imagem do
real. As imagens, por mais parecidas
que sejam, não podem ser confundidas
com a realidade, pois toda imagem re-
fletida no espelho se apresenta como o
“inverso” do real ou como sua reprodu-
ção invertida. A vida real, quando espe-
tacularizada, se nos dá como não-vida.
Quando, como espectadores, nos diver-
timos com o espetáculo, abrimos um
parênteses em nossa vida e suspende-
mos por um tempo a nossa existência,
para nos dedicarmos à contemplação
da simulação do real.
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LUIZ CARLOS RAMOS
110
ação, subjetiva/objetiva, verbal/não-
verbal, consciente/inconsciente... Um
grande desafio para a liturgia é, por-
tanto, dosar adequadamente emoção,
sensação e razão. Concluímos que a
saúde litúrgica de uma comunidade de
fé depende da sensibilização equilibra-
da e inteligente das dimensões sensori-
al, emocional e racional da comunica-
ção humana no contexto celebrativo.
Mas isso não se poderá obter pelo es-
petáculo nem pelo entretenimento, mas
somente no serviço comunitário cele-
brado pelo povo para Deus e para toda
a comunidade humana.
Outras formas de
comunicação-não-verbal na liturgia
A natureza e o culto
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LUIZ CARLOS RAMOS
112
No princípio, criou Deus os céus e a
terra. Deus fez o ser humano a partir
do pó da terra e o designou para culti-
var e cuidar da terra (“tu és pó e ao pó
tornarás”) ouviu o grito do sangue de
Abel clamando da terra; não suportan-
do a maldade do coração humano, en-
viou o dilúvio para destruir e purificar
a terra; chamou Abraão e lhe disse:
“sai da tua terra e vai pra terra que te
mostrarei”; desafiou Moisés a libertar o
povo e Israel da opressão no Egito e
conduzi-lo à terra prometida; com Jo-
sué conquistaram e habitaram a terra
que mana leite e mel; em Jesus Cristo,
Deus desceu do céu à terra e habitou
entre nós, cheio de graça e de verdade;
pela boca dos apóstolos, o Evangelho
foi anunciado por toda a terra; João, no
Apocalipse, nos fala assim da nova Je-
rusalém: “vi novo céu e nova terra...”.
A terra é a nossa casa, é o nosso
berço e o nosso destino. A nova terra é
a promessa da vida abundante, da re-
denção plena. Na Bíblia, a palavra terra
aparece quase três mil vezes (2729).
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LUIZ CARLOS RAMOS
114
o rio da vida, brilhante como cristal,
que corre do trono de Deus e do Cor-
deiro, em cujas margens está a árvore
da vida, que produz frutos para a cura
dos povos e o último verso do Apocalip-
se diz: “O Espírito e a noiva dizem:
Vem! Aquele que ouve, diga: Vem! A-
quele que tem sede venha, e quem qui-
ser receba de graça a água da vida”.
Na Bíblia, a palavra água ocorre
659 vezes, sem contar rio, torrente,
chuva, manancial, fonte, etc.
Na liturgia, a água é simbolicamen-
te significativa no batismo, na celebra-
ção do ágape, na cerimônia do lava-
pés, nos cultos de renovação do pacto e
de purificação, etc., etc.
O fogo é também a luz. O primeiro
ato criador de Deus foi “haja luz!”;
Deus fez chover enxofre e fogo sobre
Sodoma e Gomorra; Abraão caminhava
rumo ao lugar onde deveria sacrificar o
próprio filho com o cutelo numa mão e
o fogo na outra; Moisés viu o fogo em
uma sarça que ardia, mas não se con-
sumia; uma das pragas lançadas sobre
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LUIZ CARLOS RAMOS
116
Hebreus diz que “o nosso Deus é fogo
consumidor”; inúmeras são as alusões
ao fogo, no Apocalipse, dentre elas, a
de que “a morte e o inferno foram lan-
çados para dentro do lago de fogo” e “a
cidade não precisa nem do sol, nem da
lua, para lhe darem claridade, pois a
glória de Deus a iluminou, e o Cordeiro
é a sua lâmpada.”
A palavra fogo aparece mais de 360
vezes na Bíblia; luz, mais de 320; isso
para não detalhar sobre a palavra lâm-
pada, sol, glória, e os verbos iluminar,
resplandecer, glorificar, todos esses,
termos relacionados com fogo/luz.
No culto, as luzes que se acendem
(castiçais) é um importante símbolo da
glória de Deus, da presença do Espíri-
to, da orientação da Palavra de Deus,
etc., etc.
O ar: no princípio, a terra era sem
forma e vazia e o Espírito (ar, sopro,
vento) de Deus pairava sobre a face das
águas; tendo criado o homem do pó do
terra, Deus soprou em suas narinas o
fôlego da vida; no Dilúvio, quando
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LUIZ CARLOS RAMOS
118
discípulos e discípulas] estavam assen-
tados”; o apóstolo Paulo diz que nós,
cristãos e cristãs, somos o bom perfu-
me de Cristo; o último verso do Apoca-
lipse diz: “O Espírito e a noiva dizem:
Vem! Aquele que ouve, diga: Vem!”
Em toda a Bíblia, encontramos a
palavra vento, mais de 150 vezes; espí-
rito, 550 vezes, alma, que significa lite-
ralmente “garganta”, por onde passa o
fôlego, mais de 400 vezes; aroma e per-
fume, mais de 100 vezes.
Tudo isso é muito sugestivo no que
diz respeito à criatividade litúrgica. Ex-
plorar os aromas e perfumes, e a sim-
bologia do vento (por meio dos instru-
mentos de sopro, por exemplo), pode
ser tremendamente sensibilizador no
exercício de uma espiritualidade vívida
e no processo de transmissão da fé às
novas gerações e aos que se achegam à
cultura cristã.
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LUIZ CARLOS RAMOS
120
Comunicação pelo tato: O tato é pro-
vavelmente o mais primitivo dos senti-
dos. Um embrião, com menos de oito
semanas, antes de ter olhos ou ouvi-
dos, e quando ainda mede menos de
2,5 cm, responde ao tato. O bebê ex-
plora o mundo pelo tato. É dessa forma
que ele descobre onde termina seu
próprio corpo e onde começa o mundo
exterior. Em breve ele começa a rela-
cionar a experiência visual com a táctil
(vincular símbolo à experiência e a as-
sociar as sensações com as palavras).
O conhecimento emocional começa
pelo tato, também. A voz materna
substitui o toque materno, comunican-
do ao bebê as mesmas coisas que a
mãe comunicava quando o pegava no
colo — a rigor, a voz (as palavras) só é
uma alternativa associa à experiência
tátil.
A pele é o maior órgão do corpo: o
processamento das informações envia-
das pelos lábios, o dedo indicador e o
polegar ocupam uma área despropor-
cional no cérebro.
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LUIZ CARLOS RAMOS
122
sociedade. Eles talvez sejam menos
tocados do que qualquer outra pessoa”.
Cada vez mais cedo as crianças são
deixadas nas creches, ou com babás,
sendo privadas, assim, do carinho dos
pais. Talvez isso explique, em parte, o
porquê de os jovens iniciarem-se sexu-
almente cada vez mais cedo: para com-
pensar a falta de afeto físico que não
tiveram na primeira infância.
Comunicação pelo olfato: o ser hu-
mano é “primitivamente um animal
nasal” (G. Groddeck, colaborador de
Freud): O cérebro humano (todo o
complexo límbico, o cérebro mamífero)
se desenvolve a partir do bulbo olfativo.
O olfato é incontrolável: é impossí-
vel evitar ou bloquear o olfato. Daí ser
considerado o sentido mais autoritário
que possuímos, pois não se pode con-
trolá-lo.
Nos animais: o olfato acusa a pre-
sença de inimigos, excita na presença
do sexo oposto, funciona como limite
territorial, permite seguir o rebanho e
identificar o estado emocional de ou-
|
LUIZ CARLOS RAMOS
124
principalmente, de memorização des-
ses conceitos — dificilmente alguém se
esquece de um cheiro que tenha senti-
do, antes o reconhece com certa facili-
dade (exemplo: manjericão, pão assan-
do, café sendo torrado, vazamento de
gás, etc.).
Comunicação pelo paladar: este é
um sentido de base química. Diferente
do tato da visão e da audição, assim
como o olfato, o paladar não é um sen-
tido de base física (impulsos elétricos),
mas uma informação resultante de
uma reação química. Isso implica em
que estes são mais poderosos nos ní-
veis subliminares (comunicação des-
percebida).
Este é o sentido sacramental por
excelência: “o sacramento da Eucaris-
tia é o sacramento do gosto” (Maras-
chin). Comer exige ritual. Assim é na
liturgia da igreja, na do amor, na do
lar, nas dos negócios. Não há comemo-
ração sem comida.
Até recentemente, o lugar mais im-
portante na arquitetura doméstica era
|
LUIZ CARLOS RAMOS
126
momentos de refeição comunal entre
Jesus, seus discípulos, conhecidos e
até com seus inimigos, ficamos surpre-
sos com a quantidade de referências.
Comunicação pela audição: no culto,
tendemos a considerar comunicação
auditiva aquela relacionada aos pro-
cessos verbais: pregação, leituras, ora-
ções, cânticos, etc. Mas a experiência
auditiva vai muito além.
Num filme, por exemplo, a trilha
sonora (que é muito mais do que músi-
cas) provoca alterações no comporta-
mento e no metabolismo do espectador.
Pressão arterial, batimento cardíaco,
funções metabólicas são acelerados ou
desacelerados, dependendo do tipo de
sonoplastia adotado.
A “engenharia de emoções” é uma
ciência que se estabeleceu definitiva-
mente a partir da década de 70, princi-
palmente na indústria cinematográfica.
Segundo Peter Krass, “a engenharia
de emoções é um ramo recente de ati-
vidades, que tem por objetivo alterar o
comportamento involuntariamente,
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atitudes (20 ciclos por segundo: em
bancos, levando funcionários e clientes
a fazerem investimentos; em super-
mercados, para evitar furtos...).
Comunicação pela visão: nós, hu-
manos, tendemos a supervalorizar o
sentido da visão. Dizem os neuro-
cientistas que 87% da arquitetura ce-
rebral destina-se ao processamento de
informação visual.
Culturalmente falando, “estamos
indo ao encontro de uma época mais
visual”, no qual “o que é visto é mais
importante do que aquilo que é escrito”
(Margaret Mead).
A psicodinâmica das cores demons-
tra que as cores produzem efeitos sub-
liminares (desapercebidos) psicossomá-
ticos.
Parece haver uma “evolução” do
vermelho para o azul: crianças são a-
traídas por cores quentes; há antropó-
logos que dizem que isso se evidencia
no padrão cultural dos povos, de modo
que aqueles que têm um estilo mais
primário, tendem a ser mais coloridos e
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atividade gástrica. As cores intensas,
de longos comprimentos de ondas,
aumentam a circulação sangüínea e
aumentam a força muscular.
Assim, a cor pode induzir sublimi-
narmente a escolha de uma embala-
gem na prateleira de um supermerca-
do, pode ajudar a trabalhar mais tran-
qüilamente, pode regularizar a pressão
arterial, ser relaxante...
Todas essas informações podem
nos inspirar e ampliar nosso horizonte
criativo na preparação de liturgias mais
comunicativas — uma vez que estabe-
lece pontes de interação com o indiví-
duo todo, e não somente com sua ra-
cionalidade.
A cultura e o culto
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brante repete o gesto de partir o pão e
servir o cálice ou estende os braços
para dar a bênção, etc. — são todos
movimentos coreográficos. Não são gra-
tuitos, são intencionais e carregados de
sentido.
A Arquitetura, que é a arte do espa-
ço vazio, do espaço que se abre para
acolher o belo, está associado, no con-
texto celebrativo, à toda a ambientação
que transforma os lugares comuns em
espaços sagrados, espaços de encontro
do efêmero com o eterno, do finito com
o infinito, do mortal com o imortal.
Nesse espaço não cabe o assessório,
tudo deve ser essencial, não cabe o
descuidado, o desarrumado, o improvi-
sado, tudo tem que corresponder à
dignidade do evento que ali se dá.
A Escultura, que é a arte do volume,
relaciona-se às texturas, formas e sen-
sações que estas provocam. Superfícies
ásperas e formas pontiagudas transmi-
tem sensação de desconforto, de repul-
sa. Formas curvas e superfícies lisas
ou aveludadas dão idéia de acolhimen-
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municação como nenhuma outra arte
consegue. Quando cantamos, a combi-
nação entre letra, melodia, harmonia e
ritmo fundem-se, de tal maneira, inte-
grando diferentes níveis do nosso ser.
Corpo, alma e espírito se fundem ple-
namente. Música é arte e ciência, é
emoção e sensação, é gramática e ma-
temática. Ouvir música é ouvir Deus!
E a controvertida “sétima arte”, o
Cinema, que combina as várias artes.
Um ótimo desafio para a equipe de li-
turgia é pensar a liturgia como se esti-
vesse preparando para gravar um fil-
me: roteiro e script (literatura), ação
(coreografia), o cenário e ambientação
(arquitetura), as cores, luzes e sombras
(pintura), e a trilha sonora (música).
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mentos concretos, diferentes
texturas, etc.
Silêncio e Som: Responsável pela
parte musical (vocal e instru-
mental) das celebrações, o que
inclui a condução do Coro, e
formação de grupos vocais e ins-
trumentais.
A equipe deve ainda observar os vá-
rios processos para que as liturgias
sejam consistentes:
Investigação e pesquisa no cam-
po da liturgia e da arte litúrgica,
para que os atos tenham pro-
fundidade teológica;
Criação e produção de ordens,
textos e cânticos litúrgicos;
Execução e condução celebrativa
dos cultos;
Documentação e avaliação das
produções litúrgicas da equipe
mantendo registro e arquivo de
tudo, de modo a possibilitar o
acesso e a revisão criteriosa das
liturgias produzidas e celebra-
das;
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Epílogo
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RAMOS, Luiz Carlos (org.). Anuário Litúr-
gico. São Bernardo do Campo: Editeo,
2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009-.
RITUAL da Igreja Metodista. 2. ed. São
Paulo: Cedro, 2005. 156 p.
SARTORE, D. T. & ACHILLE, M. Dicioná-
rio de Liturgia. São Paulo: Edições
Paulinas,1992. 1293 p.
WHITE, James, F. Introdução ao culto
cristão. São Leopoldo: Sinodal, 1997.
267 p.
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