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A IMPORTÂNCIA DO CORPORATE GOVERNANCE

UMA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL

F. Teixeira dos Santos


Presidente da CMVM

I. Importância do Tema

Embora tendo a sua origem nos Estados Unidos da América, a discussão

estruturada sobre o Governo das Sociedades pode já considerar-se património

mundial nos actuais mercados de valores mobiliários.

De facto, a génese desta análise é atribuída a um trabalho denominado The

Modern Corporation and Private Property, datado de 1932 e efectuado por

Adolph Berle e Gardiner Means e fruto do rescaldo da grande crise de 1929.

Esta obra constituiu uma referência para a legislação norte-americana que foi

entretanto aprovada nomeadamente o Securities Act de 1933 e o Securities

Exchange Act de 1934, ambos ainda em vigor.

A envolvente temática relacionada com o Governo das Sociedades - ou,

por outras palavras, com a forma de organizar o processo de decisão e de

fiscalização nas sociedades - começou a merecer a atenção da SEC (Securities

and Exchange Commission) a partir dos anos setenta, tendo-se iniciado nesse

momento, sob a orientação do American Law Institute, a elaboração dos

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Principles of Corporate Governance: Analysis and Recommendations,

documento esse que foi orientado no seu final pelo Professor Melvin

Eisenberg e publicado cerca de 20 anos depois.

A ideia primordial subjacente ao Governo das sociedades é a de que as

sociedades cotadas devem estar à altura das expectativas nelas depositadas

pelos investidores. Nesta conformidade, cada empresa deve ser administrada e

gerida em benefício de todos os accionistas e não em função de interesses

individuais ou de interesses de determinados grupos de accionistas, com os

quais podem ter relações comerciais preferenciais ou para o benefício de

determinados elementos da Administração.

Como tal, a divulgação por cada empresa das suas regras ao nível da

Administração, repartição das competências sobre as diversas matérias e

formas de ultrapassar determinados conflitos de interesse tem assumido uma

cada vez maior importância no domínio do mercado de valores mobiliários.

Este núcleo inicial de temas tem vindo a conhecer um sucessivo

alargamento, tendo também passado a ser incluídas, sob a mesma designação,

reflexões sobre a posição dos investidores institucionais, os deveres e a

remuneração dos administradores, o desenvolvimento equitativo do mercado

de controlo das empresas e a responsabilidade social da empresa, entre outros.

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Também tem havido um alargamento geográfico do tratamento do governo

das sociedades, cuja problemática foi trazida para a Europa através do Reino

Unido. A London Stock Exchange publicou, em Julho de 1992, o Relatório

Cadbury (assim denominado por o líder desse grupo de trabalho ter sido Sir

Adrian Cadbury), o qual teve impacto em diversos países da Europa, medido

por um número assinalável de Códigos de boas práticas, seja de iniciativa dos

reguladores, seja de iniciativa da indústria.

A própria OCDE, em 1998, constitui um grupo de trabalho para

acompanhar a evolução desta temática em diversos países. Este trabalho

culminou com a aprovação, em 1999, de um conjunto de Princípios sobre

Governo das Sociedades, que representam indicações dirigidas aos Estados no

sentido de introduzir ajustamentos legislativos no tocante aos mecanismos de

tutela dos accionistas e dos demais sujeitos envolvidos nas empresas cotadas.

As fontes respeitantes ao governo das sociedades são múltiplas. Além das

regras constantes de textos legais (como o Código das Sociedades Comerciais

ou, como veremos, o próprio Código dos Valores Mobiliários) que consagram

já soluções que acolhem princípios de corporate governance, a transposição

para o mercado português da reflexão relativa a esta temática foi realizada

através da aprovação, pela CMVM, em Outubro de 1999, de um conjunto de

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recomendações relativas ao sistema de regras de conduta a observar no

exercício da direcção e controlo das sociedades admitidas à negociação.

A propósito da elaboração das referidas Recomendações importa chamar

desde já a atenção para o facto da reflexão sobre o corporate governance não

procurar impor modelos rígidos e uniformes, assumindo com naturalidade a

coexistência entre sistemas mais apoiados no controlo externo e sistemas que

repousam mais no controlo intra-societário. A este propósito reza

lapidarmente o preâmbulo das Orientações da OCDE: There is no single

model of good corporate governance.

II. Recomendações da CMVM sobre o Governo das Sociedades

Cotadas

O texto das Recomendações da CMVM sobre o Governo das Sociedades

Cotadas, desdobra-se em 17 recomendações repartidas ao longo de cinco

partes: (i) divulgação de informação, (ii) exercício do direito de voto e

representação de accionistas, (iii) investidores institucionais, (iv) regras

societárias, e (v) estrutura e funcionamento do órgão de administração.

As recomendações que constituem a primeira parte procuram contribuir

para a optimização da divulgação de informação pertinente em sede de

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organização e funcionamento da sociedade com valores mobiliários admitidos

à negociação, designadamente no que diz respeito, quanto ao seu conteúdo, à

repartição de competências entre os vários órgãos e departamentos da

sociedade, às funções efectivamente desempenhadas por cada um dos

membros do órgão de administração bem como cargos desempenhados em

outras sociedades, à descrição do comportamento bolsista das acções, à

política de dividendos.

Quanto à forma como a informação é divulgada, por um lado, encoraja-se a

utilização das novas tecnologias de informação, tal como a internet e, por

outro lado, é incentivada a criação de um gabinete de apoio ao investidor que

assegura a existência de um contacto permanente entre a sociedade e o

mercado.

Na segunda parte, procurou-se acentuar a importância de ser assegurado o

exercício equitativo e transparente, pelos accionistas, dos direitos inerentes

aos valores mobiliários, nomeadamente o direito à informação e o direito de

voto. Nessa perspectiva incentiva-se o exercício activo do direito de voto, quer

directamente, nomeadamente por correspondência, quer por representação,

aconselhando, neste último caso, que no pedido de representação seja

explicitada a fundamentação do sentido de voto do representante.

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Aliás, o Código dos Valores Mobiliários, publicado em 15 de Novembro

de 2000, de forma a combater o absentismo em assembleia gerais de

sociedades abertas, consagrou como regra geral para estas sociedades (embora

susceptível de ser afastada pelos estatutos da sociedade, excepto quanto à

alteração destes e eleição dos titulares dos órgãos sociais) a possibilidade de

exercício de direito de voto por correspondência. Por outro lado, prosseguindo

um princípio de transparência, veio impor que os pedidos de procuração para

representação nessas assembleias devam conter indicação sobre o fundamento

do sentido de voto a exercer pelo solicitante.

Na terceira parte, os destinatários das recomendações são os investidores

institucionais cujo crescente peso na estrutura accionista das sociedades

cotadas os torna importantes protagonistas neste fórum. É, nomeadamente,

recomendada a prestação de informação sobre a prática seguida quanto ao

exercício do direito de voto relativamente a valores mobiliários cuja gestão

esteja confiada a investidores institucionais.

A conveniência da aprovação de recomendações relativas a questões

societárias (e, em especial, ao estabelecimento, ao nível da organização

interna da sociedade, de regras vocacionadas para regularem situações de

conflito de interesses entre os membros do órgãos de administração e, por

outro lado, a necessidade das medidas adoptadas para impedir o êxito de

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OPA’s - as chamadas defensive measures - respeitarem os interesses da

sociedade e dos seus accionistas) conduziu à autonomização de uma quarta

parte relativa a regras societárias.

Finalmente, na quinta parte, as recomendações procuram propor regras

societárias especiais, nomeadamente quanto à estrutura e funcionamento do

órgão de administração. Entre estas salienta-se, por um lado, o encorajamento

da inclusão no órgão de administração e na Comissão Executiva, no caso desta

ser criada, de membros independentes relativamente aos accionistas

dominantes, de forma a assegurar que na gestão da sociedade sejam

considerados os interesses dos accionistas minoritários, e, por outro lado, o

encorajamento da criação, pelo órgãos de administração, de comissões de

controle interno com funções consultivas em matérias em que existam

potenciais situações de conflito de interesses, tais como política de

remunerações.

Por fim, e para terminar esta referência às Recomendações da CMVM,

chama-se a atenção para o facto destas Recomendações, como é referido no

texto introdutório das mesmas, deverem ser entendidas como recomendações

de e para o mercado, constituindo este o principal avaliador da bondade das

opções ligadas à direcção e ao controlo adoptadas pelas sociedades cotadas e

investidores institucionais. Para este efeito, a primeira recomendação será

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aquela que aconselha que as sociedades com acções admitidas à negociação

incluam nos respectivos relatórios anual de gestão uma referência relativa ao

grau de adopção das recomendações contidas neste documento e respectiva

fundamentação.

III. Primado da Informação

Na verdade, sem querer graduar a importância das diversas reflexões

reunidas sob o título corporate governance, é forçoso concluir que se fosse

necessário definir, numa palavra, o objectivo das reflexões essa palavra seria

transparência, constituindo a informação ou, talvez melhor, a divulgação de

informação, o meio para atingir esse fim.

Assim, sem embargo do cumprimento pontual de determinadas regras de

corporate governance por sociedades cotadas, como sejam, a título de

exemplo, as cautelas no que diz respeito à tutela dos interesses da sociedade e

dos accionistas na adopção de medidas anti-OPA ou a inclusão de membros

independentes no órgão de administração, interessa especialmente ao mercado

conhecer a vida e o valor da sociedade a cada momento. Ora, esse

conhecimento só poderá advir da divulgação de informação ao mercado não

só relativamente às práticas que cada sociedade segue quanto à gestão e

controlo (corporate governance em sentido estrito), mas também

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relativamente a todo e qualquer facto que tenha efeitos, seja positivos ou

negativos, sobre a vida e o valor da sociedade (os chamados factos relevantes).

Se a divulgação de factos relevantes compete, em primeira linha, às sociedade

emitentes, à CMVM, enquanto autoridade de supervisão e regulação, compete

contribuir, paralelamente aos meios de comunicação tradicionais, para a

difusão desses mesmos factos. É assim que, desde Março de 2000, funciona

no site da CMVM, o sistema de difusão de informação.

Em conclusão, da perspectiva dos investidores, a informação é o meio por

excelência para controlar o governo - e , desta forma, o próprio desempenho -

da sociedade.

A propósito da ligação entre a informação e o controlo do desempenho da

sociedade, atente-se, por um lado, na assimilação das práticas de corporate

governance nas empresas portuguesas e, por outro lado, nos resultados de um

curioso estudo levado a cabo pela MacKinsey, em parte, divulgados

recentemente no Financial Times. São dados a considerar seguidamente.

IV. Prospectiva: A assimilação das práticas de corporate

governance nas empresas portuguesas

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Já foram efectuados 2 inquéritos sobre as práticas relativas ao Governo das

sociedades nas empresas cotadas no Mercado de Cotações Oficiais da BVLP.

O primeiro foi efectuado em 1999, ainda antes das Recomendações terem

sido aprovadas, e o segundo foi efectuado em Julho de 2000, tendo este último

como destinatários as entidades que tinham as suas acções cotadas no mercado

de cotações oficias em 31 de Março de 2000.

As conclusões deste último estudo foram as seguintes:

A grande maioria das recomendações são cumpridas apenas por um

número relativamente reduzido de empresas, isto é, por menos de 75% das

empresas.

As recomendações que são cumpridas por um menor número de empresas

são as que dizem respeito à representação em reuniões das Assembleias Gerais

de accionistas (Recomendações 8 e 9). As recomendações que são cumpridas

por um maior número de empresas (mais de 75% das empresas inquiridas) são

as que dizem respeito à estrutura e funcionamento do órgão de administração

(Recomendações 14 e 15) e à divulgação da política de distribuição de

dividendos (Recomendação 4).

Em geral, as empresas que fazem parte do BVL30 tem um comportamento

mais positivo do que aquelas que não fazem parte do índice.

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Outra questões que resultaram deste estudo e que, em nosso entender,

merecem particular relevância são as seguintes:

- Uma elevada percentagem de empresas (73,2%) tem já um

gabinete de apoio ao investidor ou um outro órgão similar. É, no

entanto, necessário continuar a criação de gabinetes de apoio ao

investidor para que a difusão de informação seja mais eficaz e

equitativa;

- Apenas cerca de 56% das sociedades cotadas tem códigos de

conduta e regulamentos internos sobre matérias como conflitos de

interesse e sigilo profissional. Apesar de, claramente, os

comportamentos não dependerem da existência de material escrito,

parece-nos importante o aparecimento de mais códigos de conduta e

regulamentos internos que respeitem a matérias sensíveis como o

conflito de interesses, o sigilo profissional ou a diligência na condução

da vida da sociedade;

- As duas recomendações com menor grau de cumprimento são

recomendações importantes: a 8 e a 9. Ambas dizem respeito ao

exercício do direito de voto e representação de accionistas. A primeira

(cumprida por 2,4% das empresas, apenas 1 em 41) diz respeito, numa

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parte importante, ao exercício do direito de voto por correspondência.

Aparentemente, este direito quase nunca é usado pelos accionistas. A

segunda (cumprida por 10,5% das empresas) é relativa, em grande

parte, à representação para votar em assembleia geral. Só em muito

poucos casos em que existe representação, o instrumento de

representação inclui a menção do sentido de voto do accionista

representado.

De uma forma geral, fazendo uma comparação qualitativa com o inquérito

de 1999, aparentemente denota-se uma ligeira melhoria nas práticas de

governo das sociedades face à situação encontrada antes da publicação das

recomendações da CMVM.

Notícias recentes publicadas no Financial Times (13 de Novembro) davam

conhecimento de ter sido realizado pela MacKinsey e divulgado no seu último

relatório trimestral um estudo subjacente à questão de se apurar se a adopção

de uma política activa pelas empresas cotadas ao nível do corporate

governance justifica um prémio na cotação dessas mesmas acções.

Os resultados apresentados resultaram de um questionário enviado a cerca

de 200 investidores institucionais, no mercado dos Estados Unidos e Europa,

da Ásia e da América Latina, dos quais poderemos salientar que:

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- cerca de 75% dos investidores afirmaram que, na avaliação de um

investimento, as práticas ao nível da Administração da sociedade são

tão importantes quanto os indicadores financeiros apresentados;

- os investidores afirmaram ainda que, em geral, estavam dispostos

a pagar um prémio de cerca de 20% por acções de uma empresa bem

governada, sendo que existe uma variação de prémios entre países – nos

Estados Unidos – prémio de 18%, no Reino Unido –18%, e Itália –

22%. Na Indonésia e Colômbia o prémio médio é de 27% e na

Venezuela é de 28%.

Estes dados são concludentes para atestar da importância do governo das

sociedades do ponto de vista do próprio mercado – funcionando,

simultaneamente, como demonstração de que um eficiente governo societário

representa um incontornável instrumento de competitividade das sociedades

no contexto da crescente globalização dos mercados.

Lisboa, UCP, 23 de Novembro de 2000

F. Teixeira dos Santos

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