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20 Ler e escrever
) re escrever
artes visuais
I\I\EL PETRY KEHRWALD
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Foi a partir da abordagem triangular que o termo "leitura" in- h11'1
Iv Idade contida na arte proporciona uma infinidade de leituras e
corporou-se ao vocabulário dos professores de arte, entendido como 1111 1'1lições que dependem das informações do leitor, das suas ex-
leitura de imagem, de obras, de objetos, ou de um elemento qualquer. 1~lIdllsanteriores, das suas vivências, lembranças, imaginação, en-
Dada esta introdução para situar o assunto no tempo vamos ve- I, .tIl sou repertório de saberes.
rificar seu espaço e circunstância. lruundo Fusari e Ferraz 0293. 1174)... ver é também um exerci-
) I,' t'o/lnLução perceptiva onde os elementos selecionados e o per-
fI I'I,I'I/cl! podem ser educados ... através de ações planejadas para este
Leitura de imagem A l·ducação do olhar é funda"iúental, orque o olhar seleciona, as-
I, I 11'g11 ruza, ana Isa, constrói, desconstrói e saboreIa as imagens tantô
o conceito de leitura pode ser ampliado para um processo de de- 111I1(' qüãnto as do cotidiano, edificando o que Pillar (1995--;p.36)
codificação e compreensão de expressões formais e simbólicas que III cft' conhecimenta visual. Reforçando esta idéiatemos o que nos
envolvem tanto componentes sensoriais, emocionais; intelectuais, neu- lnrbosa (1991, p.20) que, ao educarmos as crianças para lerem as
rológicos, quanto culturais e econômicos. Os nossos cinco sentidos I'II~produzidas por artistas, ... as estamos preparando para ler as
estão na base desse processo que inicia muito cedo com a leitura sen- 1/.1' que as cercam em seu meio ambiente. Desta forma, o que esta-
sorial, passa pela leitura emocional quando por exemplo ficamos tris- 1III'II.'ndendoé uma educação estética, isto é, ensinar a ver, uma vez
tes, alegres ou lembramos algo que afeta nossa sensibilidade e desem- u runhccimento da arte não se dá de forma espontânea e sim medi-
boca depois na leitura racional que segundg,Martins (1992, p.45) ... , 110caso em pauta, esta mediação se dá pela ação do professor e
acrescenta à sensorial e à emocional oJato de estaDelecer uma pont 111_ 11I1(lruções que ocorrem na sala de aula e fora dela. Quanto mais
entre o leitor e o conheczmento, a re]TeX"ãoe a reordenação ãOinundo 1"111 lido de imagens da arte estiver o olhar, maior será a possibilida-
õfi]etivo, possibilitando-lhe atrzõuir significadQS..•M.ais adiante, a au- I••tutcrôncias, de criticidade e de sensibilidade nos demais relacio-
rora completando seu pensamento, conclui: ... tia não é importante por "IIIIISda vida cotidiana. Para Parsons (1992, p.21), que identificou
ser racional, mas por aquilo que seu processo permite, aTZirgiiildoos hl~ do desenvolvimento estético pelo qual todos passamos-cada
horizontes de expectativa do leitor e ampliandOas possibilidades de u u-prcsenta um avanço e é um degrau para compreensões mais apu-
leitura do texto e da própria realldade social. ÂIH1decada indivíduo consegue chegar, ... depende da natureza
Ler, portanto, não é tentar decifrar ou adivinhar de forma isenta "'/'11.1' de arte com as quais entra em contato e do grau em que se vê
o sentido de um texto, mas é, a partir do texto, atribuir-lhe significa- "'/tu/o a refletir sobre elas.
dos relacionando-o com outros textos na busca da sua compreensão, I-.~I\ldosrecentes têm demonstrado que as crianças desde muito
dos seus sentidos e de outras possíveis leituras. Paulo Freire (1993) 11'11111-1 formulam hipóteses sobre as imagens da arte na tentativa de
nos falava da.necessidade de aprender a fazer a leitura do mundo, não 1"I'('ndê-Ias. As análises de Parsons (1992) nos permitem enten-
~ent~,-'l1as e
vinculaiKIo linguagem realidade e usavã Oter- IIlI'llIor O que as crianças pensam sobre a arte e deixam pistas de
rrfôcQSmovisão ao referir;5e ãeSse alargãIDento do olhar. - •• podemos ajudá-Ias nesta leitura/conversa. Mas como se faz na
Transpondo estàSIdéias para o ensitiü"Ciãarte, podemos dizer qu 1111 leitura de uma imagem? Pode-se transpor esse processo para
a leitura das imagens tem objetivos semelhantes e abrange a descri- 111111 de uma imagem que não seja da arte?
ção, interpretação, compreensão, decomposição e recomposição para NII seqüência vamos refletir sobre isto.
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- o que poderíamos fazer para mudar a situação atual? a arte 111' desapercebidas a um olhar desacostumado. No entanto, um olhar
pode ajudar? ,'!lIIcadopara ver... um sensível olhar pensante ..., segundo Martins (1992,
11 15), perceberá as semelhanças e diferenças, fará analogias, e, por con-
Julgamento: neste estágio é interessante dialogar sobre: eqüência, identificará as inter-relações, isto é, o intertexto.
- Você acha que esta obra é importante? por quê? Aintertextualidade é... um espaço de reescrita ..., segundo Pefiuela
- Por que Portinari a pintou? para quê? \ ('lInizãí(i993, p.77), composto de signos icônicos (imagens) que su-
- Por que as pessoas querem ter obras de arté'? orem objetos da realidade e/ou por signos plásticos que apresentam
- Elas são importantes? cmelhanças nas formas, texturas, cores e outros elementos.
- Que outras obras ou objetos você conhece que têm algo seme- Etimologicamente, intertextualidade quer dizer o que habita dois
lhante com a obra de Portinari? textos, implícita ou explicitamente. Por exemplo, observemos as ima-
Outras tantas indagações poderíamos fazer com o objetivo de apro- cns a seguir. Entre a Pietá de Michelangelo, de 1498, e a capa da re-
ximar arte e aluno com o intuito de desenvolver o espírito crítico, pró- \'lstaIsto É, há semelhança explícita evidenciada tanto no tema quan-
prio de um apreciador consciente que se vale desse aprendizado para di- 111 na estrutura das imagens, embora a época, as intenções e o sistema
recionar, humanizar e qualificar suas escolhas estéticas. Ainda é perti- dl! representação sejam distintos.
nente ressaltar que o contato com a arte tem a função de levar a criança
a pensar sobre a sua realidade social e em que ela pode ser modificada
ou acrescida a partir desse estudo. É preciso atentar também que as per-
guntas indicadas não podem se tornar umc1ichê. São apenas um cami-
nho, entre outros, para estimular a leitura do texto pictórico.
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mentos, a apreciação da arte entendida como leitura das imagens e a con- I ISARI, Maria F; FERRAZ, Maria H.Metodologia do ensino da arte. São
textualização histórica que situa a obra em seu tempo e espaço e costura 11111): Cortez, 1996.
as ligações com o cotidiano. Além desses, a pluralidade cultural, a pre- IfI'INS, Maria H. O que é leitura. 1O.ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.
servação patrimonial, usos e costumes, folclore, artesanato, festas po-
"H'I'INS, Mirian C. Aprendiz da arte: trilhas do sensível olhar pensante.
pulares, rituais familiares e outras manifestações enriquecem o currícu-
li l'nulo: Espaço Pedagógico, 1992. .
lo escolar. Com isto pretende-se promover uma educação abrangente,
interativa, vinculada ao coletivo e emancipatória no sehtido de contri- I{SONS, Michael. Compreender a arte. Lisboa: Presença, 1992.
buir para repensar sua realidade. Assim, as aprendizagens em arte ocor- 1'ltNI JELA CANIZAL, Eduardo. A metáfora da intertextualidade. ln: BAR-
rerão não só na sala de aula, mas em museus, exposições, oficinas e lo- \! ISA, Ana Mae (org.), Ensino das artes nas universidades. São Paulo:
jas de artesanato, no contato com artistas da região e familiares ou co- IIIJSP,1993.
nhecidos dos alunos que executem um ofício ligado à arte, seja popular III.AR, Analice, Desenho e construção de conhecimento na criança. Porto
ou decorativa e que possam dar depoimentos e mostrar seus trabalhos h'l!lc: Artes Médicas, 1995.
na escola. Desta forma, será mais fácil para o aluno o entendimento de
que arte é um trabalho como tantos outros e não um passatempo, ainda
que se possa entender a arte como um passatempo produtivo.
Por fim, é preciso entender que todos nós, professores de qual-
quer área do conhecimento, somos responsáveis pela educação estéti-
ca de nossos alunos, tanto pelo que oferecemos de imagens estereoti-
padas de qualidade duvidosa quanto pelo que aceitamos de trabalhos
infantis despersonalizados ou, ainda, por nos omitirmos daquilo que
deveríamos fazer e não fazemos. Conhecer a arte, tanto local quanto
universal, e expressar-se através da arte é um direito de toda criança.
É necessário que a escola, como local privilegiado onde deve ser
exercido o princípio democrático de acesso à informação e formação
de todas as classes sociais, compreenda que a arte é prática social que,
no fazer, faz também cultura e história.
Referências bibliográficas