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Repensar a Distribuição

Visite nossa cozinha!

Ivan Corrêa (ivan@gsmd.com.br), sócio-diretor da GS&MD - Gouvêa


de Souza responsável pelas práticas de gestão de mercadorias

A placa com esses dizeres, que vemos em todos os restaurantes,


não está ali por uma atitude gentil da gerência da casa: é uma
exigência legal. Em mais uma das pérolas daqui de Pindorama, os
estabelecimentos comerciais que servem refeições, como os
restaurantes, são obrigados a afixar, em local visível, uma placa
com os dizeres “Visite nossa cozinha”. O Decreto n.º34.557/94,
posteriormente regulamentado por leis municipais, traz intenção
louvável, mas seu efeito é inócuo, dado que na vida real quase
ninguém visita a cozinha de um restaurante. Talvez os clientes
achem melhor não ver como os pratos estão sendo preparados,
acreditando (ou querendo acreditar) que tudo está sob controle, e
que seu aparelho digestivo não será vítima de um terrorismo
alimentar. O que os olhos não veem, o coração (e o estômago) não
sentem...
Inevitável imaginar o que aconteceria se comerciantes de outros
ramos fossem obrigados a convidar seus clientes a visitar seus
bastidores. Como uma rede de lojas de varejo sendo obrigada a
convidar seus clientes a visitar seus depósitos, onde as mercadorias
são processadas, armazenadas e distribuídas. Explicar aos clientes
quais foram os critérios de compra, e, consequentemente, de
distribuição para cada filial seria tarefa inglória, para dizer o
mínimo. Por um motivo simples: boa parte das nossas redes de
varejo não planeja adequadamente suas compras, apenas
controlando volumes e distribuindo para as lojas os produtos já
comprados. Quase tudo no feeling e experiência dos compradores,
quase tudo sem históricos estatísticos.
Para o varejo brasileiro, o paradigma de crescimento é abrir lojas,
de preferência com elementos arquitetônicos internacionais. Ocupar
e defender territórios. Ter mais lojas que seus concorrentes diretos.
Tudo parece convergir para definições estratégicas de alto nível.
Cada nova loja traz geração de caixa para a empresa, dilui seus
custos fixos e amplia a visibilidade da rede. Além dos ganhos
econômico-financeiros e de marketing, ainda traz uma tremenda
massagem no ego de seus principais gestores, pois a expansão
desperta admiração e comentários no mercado.
Esse paradigma, porém, traz alguns riscos ocultos. Como um
restaurante que vai expandindo seu salão, colocando mais mesas,
ampliando o cardápio, contratando mais garçons, fazendo reformas
e puxadinhos, mas deixando a cozinha quase com a mesma
estrutura anterior. Ou seja, mesmo tendo mais mesas para atender,
com novos e diferentes clientes e mais garçons pressionando no
balcão, seus processos são “como antigamente”. Investe-se muito
no salão, mas pouco na infraestrutura que deveria suportá-lo.
Vemos com frequência esse tipo de situação ocorrendo nos
varejistas. Os motivos específicos diferem, mas os efeitos são
sempre os mesmos: grandes ineficiências nos estoques, por conta
de falhas nos processos de gestão comercial e por falta de sistemas
de informações estruturados.
O efeito deletério nos estoques não é diretamente medido pelo
varejista, mas é claramente percebido pelos seus clientes, que não
encontram as mercadorias desejadas nas filiais que frequentam.
Mas por que esse tipo de problema acontece? A explicação é
relativamente simples: investir em infraestrutura exige inteligência,
consome tempo, esforço e dinheiro, mas não fica explícito ao
público, principalmente aos concorrentes. A cozinha não aparece, o
que aparece é o salão. Enfim, não dá glamour. Melhor trabalhar no
novo projeto de loja, na nova estratégia de marketing. O paradoxo é
que a rede de lojas pode seguir crescendo, com suas ineficiências
ficando ocultas nos becos da gestão empresarial, que sempre
podem apontar para outros culpados que não os principais gestores
da organização.
Mas há limites, e esses chegam no momento em que os clientes
começam a debandar para concorrentes menores, que possuem
mais agilidade sem ainda a dependência de estruturação interna;
ou para concorrentes mais bem estruturados, que acertam o mix
que o cliente deseja. Ou quando os estoques atingem níveis
astronômicos, comprometendo o caixa da empresa e mesmo seus
espaços de armazenagem. De qualquer forma, mesmo não trazendo
glamour, os investimentos em infraestrutura permitem trazer o
principal: clientes. E não clientes quaisquer, mas os clientes certos,
o seu público-alvo, aqueles que a concorrência parece buscar o
tempo todo.
É preciso entender que os consumidores vão às lojas atrás de
mercadorias e que o equilíbrio consistente no mix ofertado é crucial
para a maximização das vendas e a otimização dos estoques. O
consumidor não vai ao restaurante para ver a cozinha, mas,
ironicamente, é a cozinha que proporciona o ápice da experiência
gastronômica: a refeição. Muito pouco adianta a refeição chegar à
mesa fria ou mal preparada. Ou a refeição certa ser entregue na
mesa errada. As estratégias de marketing e as reformas nas
instalações, que tanto orgulho trazem aos varejistas, criam o
contexto, mas ficam ocas sem o mix de mercadorias adequado.
Parece óbvio e simples, mas raramente encontramos varejistas
levando a sério seus investimentos em infraestrutura. As
ineficiências com as quais nos deparamos diariamente nos
processos de gestão de mercadorias, do produto à logística, dariam
um livro. Não bastasse o gargalo de infraestrutura que nossos
governos já nos impõem, as próprias empresas contribuem
internamente para esses gargalos.
Uma boa alternativa aos varejistas seria alinhar seus investimentos
em infraestrutura aos objetivos estratégicos da empresa,
entendendo que tudo faz parte de uma grande engrenagem. Não
tratar infraestrutura como algo operacional, de menor status, e sim
como um passo fundamental para a expansão e consolidação da
rede de lojas. Como disse um dia um dos grandes pensadores de
estratégia, o canadense Henry Mintzberg: “nada é tão estratégico
quanto o operacional”...

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