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01. Dizem que o Círio de Nazaré é a maior procissão religiosa do mundo.

O senhor
concorda?
02. O Círio tem uma dimensão devocional. Quais outras podemos detectar nesse
evento?
03. O Círio é um fenômeno de massa?
04. Como entender, à luz da ciência antropológica, essa manifestação de massa que é o
Círio de Nazaré?
05. Como é possível à razão o entendimento do crescimento incessante desse fenômero
que é o Círio de Nazaré?
06. O Círio é um evento que pode transformar, em todos os sentidos, a cidade, as
pessoas?
07. O Círio de Nazaré já faz parte de uma cultura enraizada do povo paraense?

O Círio de Nazaré é, em razão numérica, a maior procissão religiosa do mundo,


ultrapassando a festa do Islamismo e da peregrinação a Meca. Mas seu aspecto ultrapassa a
dimensão religiosa, abarcando áreas das mais distintas, como economia, geografia, turismo,
física, demografia, política, etc. Por isso, para sua compreensão, faz-se necessário fazer uso de
várias áreas de conhecimento, como sociologia, antropologia, psicologia, ciências da religião,
teologia, filosofia, entre outras. Mas mesmo assim não é possível abarcar sua totalidade. Como
diz a sociologia é ‘um fato social total’.

O Círio é um fenômeno de massa, isto é, de ampla participação popular com os mais


distintos objetivos. Nele estão presentes as contradições da sociedade e seus avanços, a
solidariedade, mas também as tensões religiosas e sociais. Como costuma-se dizer ‘a religião é
o espelho da sociedade’, e o Círio não é diferente. Os grandes desafios que a sociedade impõe
ao cidadão são emprego, saúde, casa própria, insegurança, educação... E quando observamos
o Círio tudo isto apresenta-se na forma de promessa ou de gratidão à promessa alcançada.
Para isso vale tudo: do ir na corda ao participar em todas as movimentações possíveis das
contínuas peregrinações; caminhar 50 ou mais quilômetros a ir de joelho pelas ruas por onde
passa o Círio; doar água aos romeiros a carregar na cabeça o objeto de usa promessa ou graça
alcançada. Em síntese: o Círio reflete a sociedade.

A tendência ao aumento de participantes a cada ano deve ser buscada nos desafios
atuais nos quais nos encontramos no dia a dia. Esse aumento observa-se em praticamente
todas as religiões. É preciso superar o presente pela esperança, pelo diferente, pois “o
presente pode não ser verdade” (E. Bloch). O ser humano tem que dar sentido à sua
existência, ao seu fazer, à sua história e este sentido não se encontra na realidade rotineira,
mas a ultrapassa. Por isso imaginação e desejo são duas bases de toda religião. A religião pode
ser, na visão do cientificismo, ilusão. Mas que seria do ser humano sem esperança, sem o
desejo e a busca do diferente? Esta realidade sim apresenta-se como ilusória!

A força transformadora do Círio é questionável. Ele incorre no perigo de tornar-se uma


manifestação social que não desperta o desejo de transformação social, ou mesmo de uma
revolução social. Sua tendência é a manutenção da sociedade. Por isso são pouco perceptíveis
em seu meio contestações explícitas à realidade. Mas há as implícitas: a ritualidade, a
promessa denuncia a falta de saúde, de segurança, de condições melhores para ingresso em
uma universidade, de aquisição da casa própria, de trabalho (é recente o uso da carteira de
trabalho como algo simbólico no decorrer do Círio, mas vem se acentuando); ou mesmo
políticas: mesmo com a grande presença de esferas governamentais, seja do executivo,
legislativo e judiciário, sua presença é quase despercebida. E até religiosas: já foi dito que a
hierarquia religiosa é convidada no Círio, mas quem faz a festa é o povo; isto é, ela não detém
o controle total sobre a festa, como em Aparecida, por exemplo.

Por isso o Círio é um fenômeno religioso paraense, que por ‘imigração’ é levado a
outros estados, mas carece da alma paraense. São reproduzidos símbolos do Círio (como na
Jornada Mundial da Juventude, na visita do Papa), mas só o paraense se emocionou quando
viu a “santinha” e a “corda”... Sem entrar na alma paraense, não se entende praticamente
nada do Círio, que no olhar do estranho, do distante é uma festa confusa, estranha, não
sabendo até vai o religioso e onde se sai dele. Mas o paraense não faz essa confusão, pois ele
sabe que o Círio é o natal dos paraenses, é sua festa, é sua vida, é sua cara. Não conhece o
Pará quem não conhece minimamente o Círio, que tem uma força social, política religiosa de
alterar o calendário civil e fazer do Círio quase que o momento liminar, de fim-início de um
novo ciclo.

Difícil de definir, pois quando perguntei a uma senhora o que era o Círio, ela me olhou,
e emocionada disse: “O Círio é o Círio!” Ele carrega o elemento central de todas as religiões: a
experiência religiosa, acima de toda racionalidade ou ortodoxia. Ele está enraizado no DNA de
quem dele participa. Por isso sua força e a dificuldade de explicá-lo... apenas buscar
compreendê-lo... um pouquinho, pois ele ultrapassa toda e qualquer categoria de
compreensão.

José Antonio Mangoni


Professor do Curso de Ciências da Religião - UEPA

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