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O ADEUS DE
E MICHEL FOUCAULT À PSICOLO
LOGIA
Mar
arcio Luiz Miotto
Doutorado – Universid
rsidade Federal de
São C
Carlos (UFSCar)
B
Bolsista FAPESP
mlmio
miotto@gmail.com
Em 1957 Michel Foucault
Fo publica um texto intitulado La Recher
erche Scientifique
et la Psychologie em umaa coletânea, organizada por Jean-Edouard M
Morère, chamada
chercheurs francais s'interrogent323. O texto tra
Nouvelle recherche: des che trata da “pesquisa
científica” e da “psicologia
gia”. Logo no início, uma extensa citação de M
Morère dá o tom
(abaixo o último trecho):
Pobre alma (os psicólo
ólogos que hesitam sobre seus conceitos não sabem m mesmo a nomear),
cercada de técnicas, remexida
rem de questões, posta em formulários, traduzidaa eem curvas. Auguste
Comte acreditava, com m algumas reservas, que a psicologia era uma ciênciaa ililusória, impossível,
mos tão ousados. Apesar de tudo, há psicólogos, e quee ppesquisam.324
e a desprezou. Não somo
Na frase de Morère,
re, não se trata tanto de se atentar à postura dee Comte
C no Curso
de Ciência Positiva, quando
ndo alinhando as ciências ele julga a psicologia
gia impossível, um
“sofisma fundamental” (em
em termos individuais o homem seria analisável
vel pela fisiologia;
em termos inter-pessoais e cculturais, pela sociologia). Trata-se mais dee uuma diferença de
postura: Comte, “certo” ou “errado” (isso não se coloca aqui propriamen
ente em questão),
contesta o que grosso modo
odo se chamaria um estado de direito da psico
icologia, sobre sua
possibilidade de ser ciência
ia ou não. Mas “apesar de tudo”, diz Morère,, ““há psicólogos, e
que pesquisam”. Isto é, se nos situamos no estatuto de direito da psicologia
p – sua
especificidade, cientificidad sim dizer) de fato,
ade, seu rigor -, há ainda um estatuto (por assim
não problematizado; ainda
da há psicólogos, e que pesquisam, independen
dente da resolução
prévia dos conflitos epistem
temológicos das ciências humanas. Ou inverte
ertendo os termos,
independente de uma fun
undamentação prévia que garantiria o solo
lo epistêmico das
ciências humanas e sua pr
prática, há psicólogos, e que praticam, pesqu
squisam. Deve-se,
portanto – esse é o propósit
sito do texto de Foucault – perguntar de que modo
m psicologia,
ciência e pesquisa se relacio
cionam, não apenas segundo seus direitos (see uuma parte dela é
mais científica ou não, ma
mais rigorosa ou não, ilusória ou não), mas
as tomando esses
elementos em sua efetivida
idade mesma, em sua própria existência efetiva
iva. Daí os termos
“pesquisa científica” e “ps
psicologia”. Texto significativo por sua public
blicação durante a
estadia de Foucault em Upp
ppsala, então preparando sua tese sobre a histór
tória da loucura.
323
Morère, J-E. Nouvelle recherche:
re des chercheurs francais s'interrogent, París,
rís, Presses
Universitaires de France, 1957,, ppp. 171-201
324
Foucault, M. La Rechercerche Scientifique et la Psychologie. Dits et Écrits (Vol.
ol. I). Paris:
Gallimard, 2001, p. 165 (adiante
te citado como RSP).
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Essa diferença de en
enfoque, entre o estatuto de direito ou da existê
istência efetiva das
ciências humanas, não see ccolocava como problema nos textos anterior
iores de Foucault.
Em sua Introdução a Sonho
ho e Existência (de Ludwig Binswanger), pub
ublicada em 1954,
é certo que o psicólogo aali era chamado, pejorativamente, de “Delfi
elfim no reino da
razão”. Referindo-se a ele,
le, o autor negava redigir uma introdução “ao
ao uso do Delfim”
(ad usum Delphini), oculta
ltando conteúdos importantes em nome de sim
simplificações ou
mudanças de teor. Mas isso
so mesmo já sugere, contra as deformações e si
simplificações do
conhecimento para ensinar
nar o “Delfim-psicólogo” enxergado por Fou
oucault, o uso do
rigor em prol de uma boa
oa fundamentação das ciências humanas. Noo caso, contra as
diversas “atitudes naturais
ais” ou ainda tributárias de certo naturalism
smo. Contra elas,
Foucault enxergava nass analíticas antropológicas existenciais a ppossibilidade de
formular uma “antropologia
gia da imaginação” e, de modo ainda mais “fun
undamental”, uma
“antropologia da expressão
ão”. Tal era seu projeto no início dos anos 550, como mostra
também sua biografia. Proje
rojeto reforçado pela idéia de defender uma tes
tese complementar
com o provável título de Psychiatrie
Ps et analyse existentielle.
O Foucault de 1954
54 não separaria portanto a pergunta “de direito
eito” da psicologia
de sua existência efetiva,, ba
bastando ver aí a recorrência a um projeto fen
enomenológico de
fundação das ciências huma
manas (portanto um modelo de positividade em detrimento de
outros) e da própria clínica.
ca.
Projeto correlato, mas
m em vias totalmente diferentes, é o de Mal
aladie Mentale et
Personnalité, publicado tam
também em 1954. Nesse pequeno livro (cuja
ja rreformulação se
conhece, na edição de 19
1962 intitulada Maladie Mentale et Psychol
hologie, não mais
Personnalité) também se of
oferece uma alternativa de refundação das ciê
ciências humanas.
Em primeiro lugar, enunc
nciando elementos ainda permanentes na ed
edição de 1962,
Foucault criticará o projeto
eto de uma “metapatologia”, ou da perspectiva
va segundo a qual
as doenças do corpo e as doenças mentais compartilhariam um funda
ndamento comum.
Desvincular patologia men
ental e orgânica serve ao propósito estratégic
ico de refundar a
patologia mental, não mais
ais relegada a uma espécie de fundamento “na
natural”, mas sim
tomada em suas condições
ões concretas. Em segundo lugar, Foucault
lt sse encaminha à
certa sociedade325.
análise da doença mentall ccomo elemento tornado possível em uma cer
Para além das diversas ps
psicologias, capazes apenas de enunciar as “condições de
aparecimento” da doençaa (seus modos de manifestação e os tiposs de conflitos do
325
“A alienação (...) nãoo é mais uma aberração psicológica, ela é definida da por um momento
histórico: é nele somente que ela se torna possível” Foucault, M. Maladie Mentale et Personnalité.
P Paris:
PUF, 1954, p. 102. (adiante, MMMPer)
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“Freud queria explicar ar a guerra; mas é a guerra que explica essa virad
irada do pensamento
freudiano” (referindo-se à pulsão
ão de morte). MMPer, p. 87
327
MMPer, p. 102.
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Foucault situa a doença,
ça, em Pavlov, como uma reação global defensiva de inibição.
in Esta ocorre
ou quando o conflito do meioo é demasiado inassimilável, ou quando as característicsticas individuais são
sensíveis ao conflito. Portanto,
o, antes do conflito ser “interno”, suas condições sãoo “externas”; dado o
mundo ser “humano”, não há justificação para que tais condições “externas”” se encarem como
naturalizadas. Daí a “contribuição
ção” de Pavlov.
329
Cf. Moutinho, L. D. Humanismo
H e anti-humanismo Foucault e as desvenventuras da dialética.
Natureza Humana v.6 n.2 São Pa Paulo dez. 2004
330
Foucault, M. La Recherherche Scientifique et la Psychologie. DE1, 1957/2001
001, p. 166. (adiante,
RSP).
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Foucault, M. La Psychol
hologie de 1850 à 1950. DE1, 1957/2001.
332
Emprega-se aqui La Psy sychologie de 1850 à 1950 utilizando algumas idéias de
desenvolvidas em La
sychologie, apenas aludidas no primeiro texto. (Cf. DE1,
Recherche Scientifique et la Psyc 1, p. 149-150).
333
“A psicologia apenas se salvará por um retorno aos Invernos” RSP, p. 186.
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