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Teatro como método de cuidado em saúde mental: experiência do

Teatro de DyoNises - Universidade Popular de Arte e Ciência, Rio de

Janeiro, Brasil.

Autores: Vitor Pordeus MD1,2,3, Marcia Proença1, Francine Lemos1, Paula

Ferrão1, João Lima1 , Edmar Oliveira1, Mirian Rodrigues1, Reginaldo Terra1,

Luciene Adão da Silva1, Jaci Oliveira1, Nilo Sérgio1, Matheus Lima1, Maria

José Moraes1, Karina Mattos1, Danielle Bargas1, Linda Marina1, Denise

Andrade1, Berenice Xavier1.

1- Ator/Atriz do Teatro de DyoNises, Universidade Popular de Arte e Ciência, Instituto

Municipal Nise da Silveira, Rio de Janeiro, Brasil. www.upac.com.br

2- Division of Transcultural Pyschiatry, McGill University, Montreal, Canadá.

3- Actor, DyoNises Theatre, Montreal, Canadá

Autor correspondente: Dr. V. Pordeus 360 René Levesque West Avenue, ap. PH6, H2Z0A7,

Montreal, Canadá

contato@upac.com.br

vitorpordeus@gmail.com

Resumo: A partir de reflexões sobre a natureza do encontro terapêutico na

perspectiva de nossa experiência desenvolvida de 2009 a 2016 no Instituto

Municipal Nise da Silveira, ex-Centro Psiquiátrico Pedro II, no Engenho de

Dentro no Rio de Janeiro. Damos especial atenção a experiência e os

princípios científicos da obra da Dra. Nise da Silveira e a aplicação das ideias

de Carl Jung, seu orientador pessoal, na psiquiatria transcultural brasileira de

fortes ligações com o campo das artes no Brasil. Finalmente apresentaremos,

referenciando nossos filmes documentários e fotografias publicadas na rede

virtual, nossa experiência com teatro e promoção da saúde mental,

constituindo método de cuidado com resultados publicados e documentados

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que constituíram política pública bem sucedida de promoção da saúde,

restando, o desafio de comunicar sobre esses métodos e teorias de forma

adequada a sua reprodução nos territórios e nas comunidades.

Palavras-chave: Teatro de DyoNises, Hotel da Loucura, Nise da Silveira,

Carl Jung, Cinema, Documentário, Psiquiatria Transcultural, Promoção da

Saúde Mental.

O Encontro Terapêutico.

O que é o encontro terapêutico? Quais são as origens do ato de

cuidar? Não sabemos exatamente quando se iniciaram as primeiras tradições

de cura de nossos ancestrais, pois elas se confundem com as próprias

origens da humanidade. A experiência do trabalho médico, psiquiátrico e

teatral que desenvolvemos dentro do hospício mais antigo do Brasil levaram-

nos a descobertas que revelaram raízes profundas do psiquismo, da

criatividade e do cuidado.

A experiência científica e psiquiátrica de Nise da Silveira.

A doutora Nise da Silveira recusou-se a cuidar dos pacientes do

Engenho de Dentro com métodos agressivos da psiquiatria, como os comas

induzidos por insulina e os choques elétricos. A psiquiatra, ao invés disso,

fundou, em 1946, o Museu de Imagens do Inconsciente, que abriga uma

coleção de obras de onde pôde desvendar símbolos pintados pelos pacientes,

a partir da formação que obteve com Carl Jung, em Zurique, quando foi

bolsista do governo para estudar fora do Brasil (Mello, 2014). Nise afirmaria,

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muitas décadas depois, que o estudo dos símbolos pintados pelos pacientes

teve na psicologia analítica de Jung seu principal método, sua régua e seu

compasso (Silveira, 2003).

A grande contribuição do doutor Jung à psicologia moderna foi a sua

elaboração do conceito de inconsciente coletivo (Jung, 1963). Afinal, como

afirmou Shakespeare, “somos feitos da matéria dos sonhos” (Shakespeare,

1610-11). Somos feitos da matéria não apenas dos sonhos, mas também dos

delírios, das psicoses, das fantasias, dos mitos, dos deuses, das religiões,

das artes, do teatro, do cinema, da poesia, da dança e da música (Jung,

1963). A doutora Nise, que havia lido com afinco o filósofo holandês Baruch

de Spinoza (Mello LC, 2014), já sabia que as imagens expressam os afetos.

Spinoza afirma em sua obra “Ética", publicada em 1677, que o que

chamamos de imagem são os conjuntos dos afetos (Spinoza 2007[1677])

(Silveira N, 1995).

Coube a Nise da Silveira ser a primeira autora da psiquiatria

internacional a demonstrar o efeito terapêutico da expressão simbólica

espontânea (não dirigida) em pacientes cronicamente acometidos por

doenças mentais graves, comuns no hospício-colônia do subúrbio do Rio de

Janeiro (Silveira, 1977). O hospício do Engenho de Dentro abrigava

majoritariamente esquizofrênicos e psicóticos crônicos, aproximadamente

dois mil pacientes encarcerados, no ápice de seu funcionamento, na década

de 40 do século passado, quando a doutora Nise iniciou seu trabalho. Eram

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tratados, então, com lobotomias, eletrochoques, comas de insulina e

cardiazol. (Silveira N, 1992)

Anamnese: juntar a memória.

Após a compreensão dos conceitos niseanos, desenvolvidos com

base nas teorias junguianas, vemos a repetição de uma ideia muito antiga na

tradição médica, um ritual antiquíssimo na arte de curar, a anamnese. Toda a

centralidade do cuidado se dá em torno da anamnese. Na clínica médica,

repetimos, desde tempos imemoriais: “a anamnese é 80% do diagnóstico”. A

solução do enigma da doença está na história, na história do indivíduo, de

sua comunidade, de seu mundo e de seu ecossistema. O avanço de

extraordinária importância científica e terapêutica de Nise da Silveira foi

aprender, justamente através de Jung, que os símbolos, as imagens, as

narrativas, assim como as pessoas, têm história, histórias longuíssimas que

remontam às origens de nosso psiquismo e organização humanos (Jung

2011).

Logo nos primeiros encontros, Jung pergunta a Nise: “você estuda

mitologia, minha filha?”. Ela responde: “Mitologia? Não”. “Se não estudar

mitologia, não vai entender os delírios nem as imagens que os seus

pacientes pintam.” Essa foi a dica mais valiosa: “observe os símbolos

historicamente e verás que eles guardam arquétipos, formas e conteúdos

conservados ao longo das gerações”. Sempre recorrentes, eles marcam os

ciclos e passagens rituais da vida humana e da natureza. São as formas

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primordiais de conhecimento, armazenados em ritos, em manifestações

culturais primordiais, formadoras de nossa cultura e civilização (Mello LC

2014). Nas doenças mentais, há uma liberação excessiva dessas expressões

arquetípicas que emergem do mais profundo inconsciente, desafiando

nossas racionalidades modernas, que posicionaram a razão como Deus

(Jung CG 2011). Atualmente, o Museu de Imagens do Inconsciente abriga a

maior coleção de obras de arte do mundo na área da psiquiatria transcultural

(Pordeus V, 2014). Esse acervo em conjunto com a descrição dos princípios

e dos métodos desenvolvidos pela doutora Nise, objeto de extensa obra

publicada, continuam disponíveis às novas gerações de profissionais de

saúde que queiram desenvolver relações mais profundas e, portanto, mais

terapêuticas com seus clientes. O método descrito pela doutora Nise foi

objeto de centenas de artigos científicos – ainda escassos em língua inglesa

– sendo ainda necessário, contudo, expandir a pesquisa nos modelos de

cuidado em saúde mental, campo em permanente crise desde que foram

rompidos os pactos com a natureza ao longo dos últimos três milhões de

anos (Maturana H. 2014).

Atualmente o Museu de Imagens do Inconsciente constitui-se como o mais

importante do mundo na área da psiquiatria transcultural (Pordeus 2014), e

esta experiência conjuntamente com a extensa obra de Nise publicada, com

as descrições adequadas dos mecanismos e princípios de seus métodos

continuam disponíveis para as novas gerações de profissionais de saúde que

queiram desenvolver relações mais profundas e portanto mais terapêuticas

com seus clientes. Com centenas de publicações, artigos científicos, ainda

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escassos em língua inglesa, e a necessidade de se expandir a pesquisa nos

modelos de cuidado dentro desta visão metódica descrita pela Dra. Nise

(Silveira N, 1977).

Espaço Aberto ao Tempo.

O legado do Museu de Imagens do Inconsciente gerou outra

significativa experiência, que nos faz refletir sobre a natureza da relação de

cuidado: o Espaço Aberto ao Tempo (EAT), instituição fundada e liderada

pelo poeta, artista e psiquiatra Lula Wanderley (Wanderley L, 2002). Lula teve

como principais influências em sua obra a doutora Nise, com quem trabalhou

extensamente, o crítico de arte Mario Pedrosa (Pedrosa M, 2015) e a artista

revolucionária Lygia Clark (Clark L, 1999). Nos últimos 28 anos, Lula

desenvolve, de forma silenciosa, delicada e persistente, um trabalho de

grande relevância para a psiquiatria e a medicina internacionais. Um

verdadeiro exemplo de psiquiatria transcultural que deve receber apoio e

financiamento, disseminando métodos e conteúdos de qualidade que

certamente serão chave no desenvolvimento humano de nossos profissionais

de saúde, pacientes, cidadãos.

Entre muitos métodos e experiências bem sucedidos, Lula aplica

experimentos herdados de Lygia Clark, que havia se destacado como uma

das principais pintoras brasileiras, desde a década de 1950,artistas de nosso

país, destacando-se por suas habilidades na pintura, e a qual foi fortemente

influenciada pelos movimentos concretista e neo-concretista dos anos 1960,

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também influenciados pelo Museu de Imagens do Inconsciente (Villas Boas G,

2008). Em meio à ditadura instalada desde o golpe de 1964, Lygia decide

abandonar as molduras tradicionais das pinturas e, junto com outros artistas

como seu amigo Hélio Oiticica, inicia séries históricas de experimentos

artísticos, que finalmente a levaram a declarar: “Não existe objeto de arte,

existe objeto de relação.”(Clark L, 2014). Conjuntamente, o artista, amigo e

colaborador de Lygia , Hélio Oiticica lançava seus parangolés – objetos

relacionais – no espaço público, aproximando-se da comunidade da

Mangueira, nodas mais tradicionais favelas do Rio de Janeiro. É de Oiticica a

famosa instalação Tropicália que inspiraria e cunharia o movimento contra-

cultural que subverteu as artes brasileiras a partir de 1967 o movimento

Tropicalista (Oiticica H, 2011). O que configurou mudança ideológica

significativa no cenário cultural Brasileiro, infelizmente abafado, desarticulado

e cooptado na década de oitenta.

Lygia Clark, então, desenvolve a aplicação dos objetos relacionais no

corpo das pessoas, individualmente e coletivamente. Propõe novos

experimentos até aprimorar o que chamou de “Estruturação do Self” (Clark L,

1999), uma vivência, um ritual belo, um encontro terapêutico: “a arte está

para bicho, não está para máquina”(Wanderley L, comunicação pessoal).

Lygia realizou importantes descobertas no seu trabalho clínico com a

estruturação do self. Mas coube a Lula Wanderley a reprodução dessa

vibrante experiência no cenário decrépito do Hospital psiquiátrico do Engenho

de Dentro. É nessa instituição que a população mais pobre da zona norte do

Rio de Janeiro encontra tratamento para a saúde mental.

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Sobre a da saúde mental brasileira

Onde a população mais pobre da zona norte do Rio encontra tratamento para

sua loucura é, até hoje, majoritariamente marcado pelo esquema droga-

tranca-adestramento humano da psiquiatria normal. As experiências do

Museu e do EAT, que desenvolvem abordagens clínicas mais sistemáticas,

ainda sofrem resistência por parte da gestão dos serviços psiquiátricos que,

mesmo decadentes, insuficientes e com alta mortalidade de pacientes, não

compreendem nem reconhecem as contribuições científicas e psiquiátricas

de Nise da Silveira e as radicais mudanças que ocorreriam caso essas ideias

caíssem em domínio e opinião públicos. pública de forma adequada (Pordeus

2016).

Comunicação é desafio do cuidado em saúde mental

Temos imenso desafio de comunicar essas ideias e práticas de forma

coerente, clara e inteligente, de modo que as pessoas que leem possam

praticar esses princípios sem dificuldade, certos de que são capazes de gerar

resultados terapêuticos mais satisfatórios que os empregados pelos modelos

normais de medicina e psiquiatria. (Pordeus 2016)

Com efeito, consultórios fechados, enfermarias, psicofarmacologia,

questionários estruturados e toda sorte de parafernália médico-psiquiátrica

moderna, que atingem seu ápice em complexíssima classificação nosológica

(classificação de doenças) (Diagnostic Statistic Manual V, Manual

Diagnóstico Estatístico da Associação Estadunidense de Psiquiatria), e

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esquemas terapêuticos, estão sendo colocados revistos e reformulados

(Lewis Fernandes 2014). Há um persistente e crescente debate cientifico

sobre a eficiência e os danos colaterais dos psicotrópicos assim como da

utilização excessiva de fármacos pela medicina moderna. Um número

crescente de estudos demonstra o efeito de dano clínico e psiquiátrico

particularmente na população de doentes psiquiátricos que fazem uso crônico

de medicação psicotrópica em face do cuidado clínico pobre dispensado a

esta população (Colton 2006, De Hert 2011).

Há ainda outro desafio, nomeadamente, a “mediocrização” dos

profissionais de saúde e dos pacientes a partir de abordagens equivocadas,

autoritárias caracterizadas por pedagogia antiquada, adestramento, instrução

didático-prescritiva (Freire P 1970), que comumente marcam as rotinas dos

serviços de saúde mental em nossos tempos e a formação médica, assim

como a de outros profissionais de saúde. Na mente de nossos profissionais

de saúde, encontramos um modelo ultrapassado de biologia cartesiana, que

trata o organismo como máquina. Essa visão proposta pelo matemático e

físico francês René Descartes marcou toda a ciência ocidental, a biologia e

as ciências da saúde, que passaram a adotar esse paradigma como modelo

hegemônico de explicação da realidade e da natureza (Pordeus V, 2015)

O desafio da linguagem e da mensagem: Amir Haddad e Tá Na Rua.

No campo do teatro, a nossa principal referência é o ator e diretor Amir

Haddad, que contribuiu pessoalmente com a experiência do Hotel da Loucura.

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O Tá Na Rua, grupo que fundou em 1980, constitui experiência única nos

campos do teatro, da performance e da linguagem no espaço público

(Pordeus V, 2007).

Assim como Nise da Silveira, no campo da psiquiatria cultural, Amir

Haddad confere, no teatro, importância ao improviso, isto é, ao permanente

diálogo e à capacidade de reformular, o que revela sincronicidade entre

essas duas diferentes experiências. A partir do estudo da linguagem do teatro

de rua, sob a orientação e com a colaboração de Haddad, recorremos à

definição do ator da comédia Dell’Arte, grande tradição europeia de teatro do

fim da Idade Média e do Renascimento: “o ator é aquele que compõe o que

apresenta, mesmo que seja no momento em que apresenta.” (Rudlin J 1994).

Com a exaustão das possibilidades cênicas da sala fechada de

espetáculo, torna-se estratégico o desenvolvimento de uma linguagem

adequada e eficiente para a ocupação dos espaços públicos. Após as

experiências com o Teatro Oficina, que fundou junto com José Celso

Martinez Corrêa e Renato Borghi, e a posterior fundação da escola de teatro

da Universidade Federal do Pará, em Belém, e em cuja carreira foi agraciado

com diversos prêmios de diretor e ator, Amir percebeu que era necessário

avançar ainda mais o desenvolvimento da linguagem teatral para que

pudesse satisfazer seus anseios de democracia e liberdade dentro do teatro.

Em 1980, Amir Haddad, junto com outros atores como Rosa Douat, Ricardo

Pavão, Lucy Mafra e Betina Waisman, fundou o Grupo Tá Na Rua, dando

origem a um trabalho sistemático de experimentação no campo do teatro e

das artes públicas nos últimos 36 anos. E o Tá Na Rua desenvolveu

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coletivamente, sob orientação de Amir, uma linguagem para o teatro que se

revela um reencontro com a própria tradição teatral, uma vez que leva o ator

e o espetáculo para o espaço aberto, para as praças, ruas, espaços públicos

em geral (Haddad A 2006).

Junio Santos, Ray Lima e Vera Dantas: Movimento Escambo Livre de

Rua.

Na construção viva de nosso método de trabalho com teatro,

performance, linguagem de espaços abertos e arte pública, também tivemos

o aporte de experiência fundamental do Movimento Escambo Livre de Rua e

seus fundadores os Atores-poetas Junio Santos, Ray Lima e a médica

doutora em saúde coletiva Vera Lúcia de Azevedo Dantas. O movimento

escambo nos últimos 25 anos vem sistematicamente realizando encontros

em diversas cidades do interior do nordeste como Janduís, Caicó, Jardim de

Piranhas no Rio de Grande do Norte, também na região do Cariri,

considerada uma das regiões mais ricas em linguagens de teatro e danças

populares do Brasil e do mundo, e o alto sertão, onde ainda encontramos

vivas as tradições medievais ibéricas, as tradições indígenas, e as tradições

mestiças africanas, muito vivas no corpo das comunidades conservadas

através dos séculos de luta e resistência contra a autoridade sempre violenta

e corrupta. Desta imensa riqueza cultural da resistência dos povos ancestrais,

emergiram esses três grandes artistas do teatro, da poesia e da medicina.

Junio Santos, Vera Dantas e Ray Lima desenvolveram a linguagem do

diálogo e do teatro verdadeiramente público, que trabalha com a cantiga e a

dança, com o diálogo entre as linguagens, o método da construção coletiva

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na arte e na cultura. Ray Lima (http://wwwcenopoesiadobrasil.blogspot.ca/)

criou a palavra “CENOPOESIA” (Dantas MJ 2014) para exemplificar este

diálogo entre as linguagens da poesia, do teatro, da música, da dança no

improviso, na construção e na observação coletiva. É de fato uma

restauração de linguagem poética de comunicação coletiva que é

restauradora da saúde mental, e abre poderosas interfaces de diálogo entre

as pessoas, para a construção de cultura de democracia e integração.

Podemos afirmar que o Movimento escambo livre de Rua e a linguagem

cenopoética foram e são inspirações e ferramentas úteis na construção do

espetáculo teatral e a melhoria do nível de saúde mental dos atores em

treinamento. (Dantas VLA 2009)

Assim, torna-se mais aparente o vínculo entre a tradição cultural e a

promoção da saúde. Nosso grande desafio de projeto de nação é a

construção e a reconstrução da história de nossos ancestrais, soterrada por

avalanches de lixo cultural impostas pelos regimes políticos autoritários a que

sempre estivemos submetidos desde o início da colonização. Essa situação

histórica traumática privilegia a perpetuação de modelos de adestramento

humano (Freire P, 1970), impedindo o lançamento de um verdadeiro projeto

de desenvolvimento.

Cuidar do Brasil.

No momento histórico atual, experiências originais desenvolvidas por

cientistas e artistas brasileiros são urgentemente necessárias. A crise na

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saúde mental e os níveis de autodestruição da humanidade são crescentes.

Em 2016, nosso país está ensaiando a repetição do ciclo autoritário de 1964,

e a consequência direta da perda de direitos conquistados pela população é

a crise de saúde mental. Pois povo sem saúde mental é fácil de ser

dominado e encaminhado. Não esqueçamos jamais que vivemos em um dos

países mais ricos do mundo em recursos naturais, e nunca tivemos saúde

mental, o que se comprova pela história de genocídios, violências e

perseguições.

A psiquiatria transcultural, que assume a história, a cultura, a

linguagem, as imagens e a arte, e da qual a experiência de Nise é um dos

exemplos mais brilhantes e significativos, estuda também a história dos

traumas. Grandes traumas históricos como a inquisição, os genocídios

indígenas e africanos, ainda em curso, repetem-se inconscientemente, como

se a tragédia fosse inescapável.

É justamente nessa realidade de tragédia inescapável de um hospício de

terceiro mundo que floresce uma linhagem de psiquiatria revolucionária,

iniciada por Nise há 70 anos, continuada por Lula há 28 anos, e por mim

próprio há 7 anos, quando iniciei nossas experiências no Museu de Imagens

do Inconsciente, com a formação dos Agentes Culturais de Saúde, até a

fundação do Teatro de DyoNises, encorajados pelos experimentos com teatro

e performance realizados por Nise e também por Lula.

E de capital importância científica foram as vivências contínuas dos

desfiles de carnaval do bloco “Loucura Suburbana”, fundado pela psicóloga

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Ariadne Mendes, onde, anualmente, há 15 anos, desfilam pelas ruas do

Engenho de Dentro praticamente toda a população do bairro e toda a

comunidade de dentro e de fora do hospital. Ao ver esse imenso espetáculo,

pude observar imediatamente as imagens arquetípicas do carnaval carioca,

as figuras, os personagens eternos, desde os primeiros cortejos dionisíacos

Nise e Jung apareciam em cada máscara ancestral representada

pelos foliões, eventualmente pacientes psiquiátricos. Muitas vezes, os ditos

psicóticos revelam as imagens mais intensas, mais dramáticas, que emanam

do profundo do inconsciente, exibindo tantas vezes habilidades criativas

superiores aos ditos normais (Silveira N 1992).

Filmes documentários como prontuários psiquiátricos.

Espetáculos teatrais como rituais de cura.

Iniciamos nossas oficinas e performances teatrais em março de 2011.

E nos inserimos na história dessa tradição de cura, de arte e psiquiatria,

dessa linhagem desabrochada no pântano do hospício. Realizamos filmes

documentários, registros arte-científicos fundamentais para a transmissão

desses resultados.

Clientes e Amigos, 2012. 17’ (Dir. Luiz Santos, Recife, Ed. Douro

Moura, Brasília)

O primeiro deles foi o filme curta metragem “Clientes e Amigos”. Nesse

filme está documentada a realização de oficinas de fundamentação de nosso

processo de trabalho no Instituto Municipal Nise da Silveira, produzido em

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colaboração com o artista, fotógrafo e cineasta recifense Luiz Santos, que

trabalhou em intercâmbio no nosso Instituto.

Disponível online: https://vimeo.com/55049700

Nesse filme, está registrada na cena final a importante evolução de

uma cliente-atriz, que ao longo de sua internação apresentava mutismo

seletivo e, em nossa oficina, verificou-se que ela cantava, falava e

conversava. Ao longo dos últimos cinco anos, ela participa regularmente de

nossos cortejos, apresentações e oficinas. Como explicar que pacientes

psiquiátricos gravíssimos, abandonados dentro das tristes e precárias

instituições, que são os manicômios públicos de nosso país, possam, por

meio de simples espaço de criatividade e expressão livre com música, dança

e teatro, romper o silêncio de anos pela falta de afeto, pela falta de estímulo

emocional, criativo, de "afeto catalisador", conforme definiu a doutora Nise.

Após numerosas observações clínicas e artísticas, Nise concluiu que, para a

melhor evolução do paciente esquizofrênico, era necessário o

acompanhamento de suas atividades por um monitor que não deveria

interferir na produção, mas acolher, receber, apoiar, estimular a relação,

construindo laços de afeto e sinceridade, literalmente salvadores da

consciência em doenças psíquicas gravíssimas, como ocorreu no caso citado,

em que o paciente evoluiu por anos em estado quase vegetativo por

gravidade da psicose e, um dia, em uma oficina de teatro, começou a cantar,

porque se sentiu estimulado e acolhido.. Acredito que essa é uma

profundíssima reflexão sobre uma experiência prática para o tema do cuidado

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em saúde mental. Como podemos promover melhor a saúde mental de

nossos pacientes e sociedades?

Hotel da Loucura Gênese, 2012-2013 (Dir. Mariana Campos, Raquel

Beatriz e Produção: Luiz Antônio Pilar, Rio de Janeiro)

O segundo filme de maior significado em nossa história foi o longa

documentário "Hotel da Loucura Gênese", realizado pelas sensíveis jovens

cineastas Mariana Campos e Raquel Beatriz, com produção executiva do ator,

diretor e produtor cultural Luiz Antônio Pilar, grande apoiador de nossa

iniciativa. Esse filme, com duração de 72 minutos, foi gravado durante os

processos de ocupação do Hotel da Loucura, ocasião em que produzimos o

grande espetáculo "O Auto da Paixão da Dra. Nise da Silveira". Essa

montagem significouuma explosão de conhecimento, a partir da reunião de

mestres da cultura e da ciência, como Ney Matogrosso, Amir Haddad, Nelson

Vaz, Junio Santos, Ray Lima, Vera Dantas, Edu Viola, Vitor Nina, Lourdes

Calheiros e muitos outros atores colaboradores irmanados no espírito da arte

de curar, que realizaram os rituais de abertura daquele que era o segundo

congresso da Universidade Popular de Arte e Ciência (UPAC)

(www.upac.com.br ). A UPAC é um movimento colaborativo em arte e ciência,

criado por nós em 2010, no marco de minha gestão fundadora do Núcleo de

Cultura, Ciência e Saúde, entre2009 e 2016, quando o trabalho foi

abruptamente encerrado pela gestão da secretaria, em mais um caso de

descontinuidade de políticas públicas bem sucedidas, em um quadro de

crescente autoritarismo. Esse documentário, gravado em 2012 e lançado em

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2013, contou com diversas exibições públicas e pode ser acessado neste

link : https://youtu.be/LW-jXLpUXjs

Trata-se de um dos mais importantes documentos de nossa história, com o

registro de muitas situações de cuidado em saúde mental mediada pelo

teatro, pela música, pela dança e pela poesia. A bem sucedida experiência

retratada no filme foi possível graças à oportunidade que tivemos de reunir

um time poderoso de mestres atores e curadores capazes de desenvolver

intensos diálogos com diferentes personagens presentes no território do

Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro. Clientes antigos da doutora Nise,

como Milton Freire, hoje com 70 anos, e também Gilson Saldanha, foram-nos

da mais rica convivência, permitindo um profundo aprendizado sobre a o

método niseano da "Emoção de Lidar" (Silveira N,1977) . A evolução artística

é excelente objeto de semiologia psiquiátrica, melhores que os repetitivos,

exaustivos e ineficientes questionários estruturados das anamneses

psiquiátricas normais. Isso demonstrou Nise com as imagens pintadas, e eu e

meu grupo verificamos através do teatro. O filme "Hotel da Loucura Gênese"

é um primoroso documento do nosso primeiro grande rito coletivo de

passagem para a arte da cura.

Hotel da Loucura, 2013. 10’ (João Pedro Gasparian, Antônio Porto Equi

e Tomás Camargo, Rio de Janeiro)

Com o desenvolvimento de nossas oficinas e performances dentro do

hospital psiquiátrico, pudemos observar a crescente mobilização de todos os

tipos. Jovens cineastas cariocas como João Pedro Gasparian, Antonio Porto

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Equi, Tomas Camargo e uma geração inteira que trabalhou e colaborou de

forma autônoma e livre por quatro anos, produzindo materiais excelentes,

que documentam nossa vivência naquele espaço de tamanha opressão,

enfrentando toda a sorte de dificuldades, desde a ineficiência burocrática até

sabotagens por parte de setores interessados em manter o status quo. O

filme está disponível online aqui neste link: https://vimeo.com/70401997

Afete-se 2014. 14’, documentário cenopoesia (João Pedro Gasparian e

Antônio Porto Equi, Lucas Noleto, Liz Tibau e Gê Vasconcelos, Rio de

Janeiro)

O mesmo grupo de cineastas produziu este poético filme, documento

das imagens que criamos e convivemos ali no Engenho de Dentro durante o

"Ocupa Nise" de 2014, o maior de nossa história, quando foram realizados

espetáculos públicos com 450 atores de todas origens e diagnósticos. Na

ocasião, tivemos grandes rituais de cura para manter o rumo e a coesão do

trabalho que segue vivo e seguirá sempre vivo através de nossos métodos e

conteúdos ancestrais em permanente ritualização teatral. Veja o link nesse

vídeo: https://vimeo.com/123523362

Teatro de DyoNises e SHABESS o método da loucura, a série (pelo

multiartista João Lima, Rio de Janeiro).

O gênio criativo de muitos cidadãos, com e sem o diagnóstico de

doença mental, floresceu e floresce em nosso trabalho, método e

dramaturgia. Certamente o maior e mais brilhante exemplo de nossa

trajetória é o multiartista João Lima, piauiense de Paranaíba, e residente no

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Rio de Janeiro, há muitos anos. João chegou ao Hotel da Loucura

escrevendo poesia e fotografando, rapidamente evoluiu a ator, interpretou o

"Hamlet", viajou com o espetáculo, começou a produzir filmes documentários

sobre os experimentos-espetáculos de nosso método e repertório e produziu

conjuntos singulares, de rara originalidade, de imenso valor estético e ético,

beleza e honestidade, um testemunho artístico e documental da nossa

experiência de comunhão e construção de um método de teatro para todas

as pessoas, mas em especial por aqueles seres dotados de capacidades

criativas inimagináveis esquecidos dentro das grades químicas do sistema de

doença mental internacional. João dialogou e eternizou o momento de

construção e restauração do repertório teatral que trabalhamos nos últimos

anos, com o estudo e a prática de encenações de 7 autores-chave para a

construção de uma linguagem teatral eficiente e promotora de saúde mental.

O primeiro deles é o dramaturgo grego Euripedes, que entre várias tragédias

nos legou As Bacantes escrita em seu exílio na Macedônia em 400 a.C., e

que narra o retorno de Dionisos, deus do teatro, do vindo e da loucura em

sua terra natal; o segundo conteúdo dramatúrgico é o ator francês e também

paciente psiquiátrico Antonin Artaud, intenso estudioso do rito teatral, da

alquimia, e das tradições culturais humanas, autor de diversas obras de

indispensável valor ao psiquiatra-ator; o terceiro é William Shakespeare com

especial ênfase ao Hamlet conforme já debatido; o quarto é Bertolt Brecht e

Vida de Galileu, onde discute-se o teatro de uma era científica e um

diagnóstico claro da situação política contemporânea. O quinto conteúdo

dramatúrgico são Amir Haddad, Junio Santos e Ray Lima, os ancestrais vivos,

a arte pública, idealmente vamos às ruas e às praças para praticar as

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performances públicas. A sexta dramaturgia é a própria Dra. Nise da Silveira,

as canções e poesias de nosso repertório sobre ela, e finalmente a sétima

fase dramatúrgica é Spinoza, a noção de totalidade, os gêneros do

conhecimento, a alegria e o prazer como vocações do viver. As iniciais dos

sete autores alinhados produziram os acróstico SHABESS, que na língua

judia europeia ocidental quer dizer “Sábado” o sétimo dia, o dia de descanso,

o dia de curar. Esta sincronicidade tem se mostrado útil na prática da

promoção da saúde e cultura. No canal do youtube Hotel da Loucura os

filmes podem ser acessados e assistidos. São eles:

1- Shabess: o método da loucura teaser, 40’’, 2014 -

https://youtu.be/aPcJKhiV1hA

2- Shabess: o método da loucura, 27’, 2014,

https://youtu.be/dk9cS77jNe0

3- O Afeto é o Centro do Universo, 2015, 22’

https://youtu.be/UdRPOhGsMtM

4- SHABESS _Teatro Ritual: de Dionisos a Spinoza, 2015.

https://youtu.be/acaj8Xw_-ZA

5- Teatro de DyoNises vai a Cidade Tirandentes, 2016. 12’

https://youtu.be/QYafsk6SDoc

Canal no YouTube Hotel da Loucura Filmes:

https://www.youtube.com/channel/UCk7iOL1cF1-L2qCYyilPgYQ

20
Agradecimento especial ao gênio e a sensibilidade e a habilidade de João

Lima que documentou e eternizou esses documentos de rara sensibilidade

para nossas práticas e teorias.

"Hamlet, loucura sim mas tem seu método" (2014/2015).

Após a realização do espetáculo "As Bacantes", de Eurípedes(400

a.c.), em cooperação com o instituto "Tá Na Rua", cuja estreia na

Cinelândia(https://www.flickr.com/photos/tupinago/albums/721576336043729

85), tradicional palco de teatro de rua e epicentro das manifestações políticas

no Rio de Janeiro em 2013, obtivemos uma resposta muito intensa de

Dionisos, no que se refere ao processo teatral de desenvolvimento dos

atores-pacientes. Estava claro que o arquétipo dionisíaco havia se

manifestado e expressado fortemente em nosso coletivo, com as memoráveis

performances do ator Reginaldo Terra no papel de Dionisos.

Assim, sentimos a necessidade de avançar o processo do equilíbrio

arquetípico coletivo, dando nosso passo mais ousado, com a montagem da

peça "Hamlet", de William Shakespeare, que já vínhamos trabalhando nas

oficinas, com a famosa cena 2, do terceiro Ato. Trata-se da cena em que

Hamlet instrui os atores sobre como deve ser a performance para que a

função da representação se complete. Transcrevo, a seguir, extratos de falas

do Príncipe Dinamarquês:

“Peço uma coisa, falem essas falas como eu as pronunciei, língua ágil, bem

claro”

21
“moderação em tudo; pois mesmo na torrente, tempestade eu diria até no

torvelinho da paixão é preciso conceber e exprimir sobriedade, o que

engrandece a ação”

“Mas também, nada de contenção exagerada, teu discernimento deve te

orientar. Ajusta o gesto a palavra, e a palavra ao gesto, com o cuidado de

não perder a simplicidade natural. Pois tudo que é forçado deturpa o intuito

da representação, cuja finalidade, em sua origem e agora, era, e é, exibir

espelho a natureza; mostrar à virtude sua própria expressão; ao ridículo sua

própria imagem; a cada época e geração sua forma e pressão. Ora, se isso é

exagerado ou então mal concluído, por mais que faça rir ao ignorante só

pode causar tédio ao exigente; cuja opinião deve pesar mais no teu conceito

que uma plateia inteira de patetas”

“E não permita que os palhaços falem mais do que lhes foi indicado. Pois

alguns deles costumam dar risadas pra fazer rir também uns tantos

espectadores idiotas; ainda que no mesmo momento, algum ponto básico da

peça esteja merecendo a atenção geral.”

Nesse trabalho, contamos com a contribuição do jovem cineasta Luis

Eduardo Mafra, que iniciou sua colaboração conosco na rua, produziu um

teaser e um filme de curta metragem de excelentes qualidades, Aqui você vê

os dois filmes online e com legendas em inglês:

Teaser 1: https://www.youtube.com/watch?v=DPPouwEjjUg

Teaser 2: https://www.youtube.com/watch?v=bxXy_egPc5U

Aqui tivemos a contribuição do jovem cineasta Luis Eduardo Mafra que

iniciou sua colaboração conosco na rua, produziu um teaser e um filme de

22
curta metragem de excelente qualidades, que soubemos indiretamente terem

sido premiados em cinco festivais nacionais e internacionais, mas que

infelizmente não houve continuidade do diálogo com o artista audiovisual

conosco, e o filme foi tratado como peça comercial para festivais profissionais

de cinema, e após dois anos de tentativa de contato de minha parte e de

parte de nosso elenco, decidimos publicar o filme de modo público e aberto

conforme acreditamos que deve ser a natureza de nosso trabalho, já que é

uma união cooperativa de atores que colaboram entre si, sem maiores

compromissos comerciais, o que eu meu entendimento de psiquiatra e ator

promove a cooperação, a união, facilita o trabalho e a manifestações de

conteúdo. Quando interesses comerciais estão presentes acirram-se as

tendências competitivas entre os atores, e estabelece-se hierarquias e

classificações dentro do processo comercial. Mesmo assim, fomos capazes

de gerar excelentes obras artísticas mesmo trabalhando em condições

precaríssimas, mas graças ao método de ator que trabalhamos, fomos

capazes de reorganizar as relações criativas, humanas, e desse modo,

terapêuticas. Acredito que qualquer trabalho sério na área de promoção da

saúde mental deverá passar pela desconstrução dos valores competitivos e

afirmação de valores cooperativos. E todos os profissionais de saúde

deverão estar muito atentos a essa contradição de estiverem em busca de

promover e desenvolver a sua saúde e a saúde de seus pacientes.

Aqui você vê os dois filmes online e com legendas em inglês:

Teaser 1 https://www.youtube.com/watch?v=DPPouwEjjUg

Teaser 2 https://www.youtube.com/watch?v=bxXy_egPc5U

23
Hamlet, loucura sim mas tem seu método, Stultifera Navis", filme completo

aqui: https://www.youtube.com/watch?v=N0KwNUbhdXM

O ensaio e a apresentação desse trabalho foi também documentado

pela BBC World News, em matéria que foi a de maior repercussão em nossa

história:

http://www.bbc.com/news/health-32241100

Deus e o Diabo na Terra de Fausto, 2016

E em 2016, realizamos o espetáculo "Deus e o Diabo na Terra de Fausto",

inspirado na obra clássica do romantismo alemão, Fausto de Johann

Wolfgang von Goethe, que foi muito bem documentada por O Globo, jornal

de maior circulação do Brasil.

–http://oglobo.globo.com/sociedade/o-teatro-como-tratamento-para-loucura-

19231190

Universidade Popular de Arte e Ciência: plataforma colaborativa online

E cada avanço da experiência poderá ser acompanhando na internet,

através do website da Universidade Popular de Arte e Ciência

www.upac.com.br

Em 8 de abril de 2016, lançamos uma nova experiência meta-narrativa de

comunicação a partir do nosso grande repertório de filmes documentários: A

NUVELA, a nuvem novela, uma nuvem de nossos filmes navegados ao

acaso acesse www.upac.com.br/nuvela

24
Acompanhe também meu facebook www.facebook.com/vitor.pordeus

e www.twitter.com/vitorpordeus

Conclusões.

“Como ficou chato ser moderno decidi ficar eterno”, diz o poeta Carlos

Drummond de Andrade. Acredito que essa expressão ajuda-nos a iluminar o

assunto que debatemos neste capítulo, uma vez que o cuidado em saúde

produzido pela modernidade cartesiana, mecânica, reducionista, hoje com

sinais óbvios de exaustão, precisa dar lugar a uma renovação cultural,

científica e médica que encontrará inspiração e modelos na tradição da arte

de curar. Através da história da espécie humana, em diferentes culturas e

territórios, indivíduos sempre se destacaram da coletividade para se dedicar

a arte de curar, destacando-se como figuras de influência na cultura coletiva,

por meio de uma relação de acolhimento e aconselhamento individual e

coletivo. O que acredito que nossa linhagem de psiquiatria transcultural,

desenvolvida mormente no Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro,

iniciada por Nise da Silveira, traz é a importância da história das pessoas, a

história dos símbolos, das imagens, dos arquétipos para usar o termo

junguiano (Jung CG, 1985). Todos os profissionais de saúde aprendem este

procedimento ritual, a restauração da memória. O que a doutora Nise da

Silveira pôde demonstrar cientificamente foi a documentação da expressão

plástica destes arquétipos inconscientes nas pinturas, desenhos e esculturas

25
dos pacientes encarcerados no Engenho de Dentro (Silveira N, 1977, 1992,

1995).

Pudemos verificar através de nossa própria experiência com teatro e

doenças mentais graves que através de linguagem especificada segundo

nosso método, desenvolvida segundo os princípios de Nise da Silveira e Amir

Haddad, Junio Santos, Ray Lima e Vera Dantas, também alinhadas com a

revolução científica contemporânea na biologia de Humberto Maturana, na

neurociência de Jorge Mpodozis, na imunologia de Nelson Vaz, na psiquiatria

de Lula Wanderley, Jaques Arpin e Blythe Corbett, na terapia shakespereana

de Murray Cox, é possível produzir resultados significativos na promoção de

saúde mental que, graças ao nosso tempo histórico e estado tecnológico,

pudemos documentar em centenas de vídeos publicados na internet e

facilmente acessíveis a pesquisadores, psiquiatras transculturais, enfermeiras

transculturais, estudantes da área de saúde, médicos de família, pediatras e

outros interessados.

Referências

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ed. Rio de Janeiro: Automática Edições, 2014. 367p.
2. SILVEIRA N. Jung: vida e obra. 22a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2003. 173 p.
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Fronteira, 1963. 360 p.
4. SHAKESPEARE W. A Tempestade. Ato IV, cena 1, 1887-1888. 1a ed.
Porto Alegre: L & PM pocket, 2002 [1610-1611]. 120 p.
5. SPINOZA B. Ética. 1a ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007[1677]. 423 p.
6. SILVEIRA N. Cartas a Spinoza. 1a ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves
Ed, 1995. 108 p.
7. SILVEIRA N. Imagens do Inconsciente. 5a ed. Petrópolis: Editora
Vozes, 2015. 337p.
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Ática, 1992. 165p.

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Psychotherapy Research, 2014, 1, 47-49.
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Foundations 9 (2):187-188 (2014)
12. WANDERLEY L. O Dragão Pousou no Espaço. Arte contemporânea,
sofrimento psíquico e o objeto relacional de Lygia Clark. 1a ed. Rio de
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13. PEDROSA M. Mario Pedrosa: Primary Documents. 1a ed. Nova Iorque:
MoMA, 2015. 464 p.
14. CLARK L. Lygia Clark. 1a ed. Barcelona: Fundacion Antoni Tàpies,
1997.
15. VILLAS BÔAS G. A estética da conversão: o ateliê do Engenho de
Dentro e a arte concreta carioca (1946-1951). Tempo Social, revista de
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19. ROBERTO LEWIS-FERNÁNDEZ, NEIL KRISHAN AGGARWAL,
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