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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA

SETOR DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


DEPARTAMENTO DE DIREITO DO ESTADO

FERNANDA BRANCO

RESENHA CRÍTICA DO LIVRO: “CRIMINOLGIA CRÍTICA E CRÍTICA DO DIREITO


PENAL: INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA DO DIREITO PENAL”, DO AUTOR
ALESSANDRO BARATTA

PONTA GROSSA
2014
RESENHA CRÍTICA

Livro: BARATTA, Alessandro: Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal:


Introdução à Sociologia do Direito Penal. Tradução de Juarez Cirino dos Santos. 3ª
ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Insitutito Carioca de criminologia, 2002.

I. INTRODUÇÃO
O Professor Doutor Alessandro Baratta é diretor do Institut fur Rechtsund
Sozialphilosophie da Universidade do Saarland, Alemanha. É um dos mais brilhantes
criminólogos da atualidade, respeitado pela comunidade científica internacional. Seu
livro apresenta a teoria criminológica confrontando as aquisições das teorias
sociológicas sobre crime e controle social com os princípios da ideologia da defesa
social, quais sejam, igualdade, legitimidade, bem e mal, culpabilidade, prevenção e
interesse social.
Para se entender estas teorias sociológicas, faz-se mister iniciar conceituando
sociologia jurídica. Para Baratta, a sociologia jurídica aborda a relação entre
mecanismos de ordenação do direito e da comunidade, e ao mesmo tempo a
relação entre o direito e outros setores da ordem social. Dessa forma, compreende-
se que a sociologia jurídica se ocupa com modos de ação e de comportamento: que
têm como consequências normas jurídicas, que são percebidos como efeitos das
normas jurídicas, que serão postos em relação com modelos de ação e de
comportamento, que têm como consequências normas jurídicas ou são efeitos de
normas jurídicas.
O objeto da sociologia jurídico-penal corresponde: às ações e
comportamentos normativos que consistem na aplicação do sistema penal; aos
efeitos do sistema entendido como aspecto “institucional” da reação ao
comportamento desviante e do correspondente controle social; às reações não-
institucionais ao comportamento desviante; e finalmente, às conexões entre um
sistema penal dado e a correspondente estrutura econômico-social. Baratta
apresenta uma possibilidade de se fazer uma integração entre micro e
macrossociologia, construindo um discurso baseado em dados empiricamente
controláveis, em pesquisas bem localizadas, em metodologias previamente
declaradas e experimentadas. Para ele, a posição da sociologia jurídico penal é
exemplar para toda a sociologia jurídica, mostrando cada vez mais impulsos de um
modelo crítico e avançado.
A sociologia criminal estuda o comportamento desviante com relevância
penal, a sua gênese, a sua função no interior da estrutura social dada. A sociologia
jurídico-penal, ao contrário, estuda os comportamentos que representam uma
reação ante o comportamento desviante, os fatores condicionantes e os efeitos
dessa reação, assim como as implicações funcionais dessa reação com a estrutura
social global. Essas duas disciplinas têm como problemática comum o conceito e
definição de desvio, considerando, sobretudo, o labeling approach. Segundo os
representantes deste enfoque, o fato de que os autores de certos comportamentos
tornem-se objeto da ação de órgãos da repressão penal, não é sem influência,
especialmente por causa de seu efeito estigmatizante, sobre a realidade social do
desvio e sobre a consolidação do status social do delinquente. Contudo, as reações
não-institucionais também geram o efeito estigmatizante da reação da opinião
pública sobre o status social do delinquente.

II. A ESCOLA LIBERAL CLÁSSICA DO DIREITO PENAL E A CRIMINOLOGIA


POSITIVISTA
A criminologia contemporânea se caracteriza pela tendência a superar as
teorias da criminologia positivista. Para se entender quais são estas teorias, que
viam o criminoso como biológica ou psicologicamente diferentes, faz-se necessário
conhecer quais foram as escolas que fundamentavam a criminologia positivista.
A escola liberal clássica do direito penal (criminologia positivista), foi inspirada
na filosofia e na psicologia do positivismo naturalismo. Seriam as características
biológicas e psicológicas que diferenciariam os sujeitos “criminosos” dos indivíduos
“normais”. O objeto do estudo era o próprio homem delinquente, e não o delito.
Depois, com a ciência penal de Beccaria, desenvolveu-se um processo que
vai da filosofia do direito penal a uma fundamentação filosófica da ciência do direito
penal; ou seja, de uma concepção filosófica para uma concepção jurídica. Para ele,
a base da justiça humana é a utilidade comum, mas a ideia da utilidade comum
emerge da necessidade de manter unidos os interesses particulares, superando
colisões e oposições entre eles, pois isso seria estado natureza, e para ele, deve-se
fazer um sacrifício da liberdade individual em função do contrato social.
Partindo agora para um fundamento filosófico distinto e mais pessoal,
Giandomenico Romagnosi entende a pena como contra-estímulo ao impulso
criminoso. Para ele, o fim da pena é a defesa social; portanto, a sociedade deve
colocar maior esforço na prevenção do delito, através do melhoramento e
desenvolvimento das condições de vida social. E aqui pode-se ver uma importante
antecipação da teoria dos substitutivos penais de Ferri, na escola Positiva.
Toda a elaboração da filosofia do direito penal italiano no Iluminismo encontra
uma síntese logicamente harmônica na clássica construção de Francesco Carrara,
onde nasce a moderna Ciência do Direito Penal na Itália. Além da síntese
logicamente harmônica dos escritos anteriores, sua contribuição reside também em
haver posto a base lógica para uma construção jurídica coerente do sistema penal.
Nele, encontra-se um espectro duramente jurídico do delito. Escreve Carrara: “O
delito não é um ente de fato, mas um ente jurídico”, “...sua essência deve consistir
na violação de um direito”. Espera por uma verdade superior e independente da
contingente autoridade da lei positiva. Finalmente, elucida que a função da pena
seria a defesa social, não uma retribuição, eliminação do perigo social que é a
impunidade.
Com Cesare Lombroso, a explicação da criminalidade passa a ser patológica,
o criminoso passa a ser visto como “diferente”, estudado, dessa forma, pelos autores
da Escola Positivista. O desenvolvimento da escola positivista leva a abstrair o fato
do delito do contexto ontológico que o liga, por um lado, a toda personalidade do
delinquente e a sua história biológica (sobretudo hereditária) e psicológica, e por
outro lado, à totalidade natural e social em que se insere sua existência. Esta
orientação de pensamento buscava, como meios preventivos da criminalidade, os
substitutivos penais, de modo curativo e reeducativo, ao mesmo tempo que buscava
a explicação dessa diversidade ou anomalia dos autores de comportamentos
criminalizados.
III. A IDEOLOGIA DA DEFESA SOCIAL
A Ideologia da Defesa Social era ideologia comum à escola clássica e à
escola positiva, já que, tanto a Escola Clássica quanto a Escola Positiva realizam um
modelo de ciência penal integrada, ou seja, um modelo no qual ciência jurídica e
concepção geral do homem e da sociedade estão estritamente ligadas.
A ideologia da defesa social, ou do fim, nascem contemporaneamente à
revolução burguesa, e, enquanto a ciência e a codificação penal se impunham somo
elemento essencial do sistema jurídico burguês.
O conteúdo dessa ideologia é sumariamente reconstruível na seguinte série
de princípios:
a) Princípio da Legitimidade: O Estado está legitimado para reprimir a
criminalidade por meio de indivíduos, que representam instâncias, os quais
reprovam e condenam o comportamento desviante individual e à reafirmação dos
valores e das normas sociais;
b) Princípio do Bem e do Mal: Delito como dano, delinquente como elemento
negativo, desvio criminal é o mal, sociedade constituída é o bem;
c) Princípio da Culpabilidade: O delito é expressão de uma atitude interior
reprovável, porque contrária aos valores e às normas, presentes na sociedade antes
mesmo de serem sancionadas pelo legislador;
d) Princípio da Finalidade ou Prevenção: A pena não tem, ou não tem
somente, a função de retribuir, mas sim de prevenir o crime;
e) Princípio da Igualdade: A criminalidade é a violação da lei penal, é o
comportamento de uma minoria. A reação penal se aplica de modo igual aos
autores dos delitos;
f) Princípio do Interesse Social e do Delito Natural: O delito como uma ofensa
aos interesses fundamentais comuns a todos cidadãos.
As diferenças entre as escolas positivistas e a escola clássica residem na
própria tarefa da criminologia que, na criminologia positivista, é reduzida à
explicação causal do comportamento criminoso, baseando-se na diferença
fundamental entre indivíduos criminosos e não-criminosos. Já na Escola Clássica,
avalia-se mais que o criminoso, o próprio crime. Não obstante, essas teorias advêm
sobre um ponto: o relativo à atitude interior do delinquente, ou seja, a culpabilidade.
A ideologia da defesa social, na ciência do direito penal, apresenta um notável
atraso com relação à interpretação que desta matéria se faz hoje no âmbito das
ciências sociais.
Baratta afirma que se faz necessário situar os elementos de uma Teoria do
Desvio, dos “comportamentos socialmente negativos”, e da criminalização, dentro de
uma específica estrutura econômico-social, mostrando como os princípios que
integram a ideologia da defesa social encontram uma direta confrontação crítica nas
teorias sociológicas contemporâneas sobre a criminalidade.
Essas novas teorias inseridas no campo da sociologia criminal burguesa se
caracterizam por uma atitude racionalista, reformista e, geralmente, progressista.
Uma teoria adequada da criminalidade, sobre a qual se pretende hoje basear
um novo modelo integrado de ciência do direito penal, é caracterizada por elementos
antiéticos à ideologia da defesa social.
IV. AS TEORIAS PSICANALÍTICAS DA CRIMINALIDADE E DA SOCIEDADE
PUNITIVA. NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGITIMIDADE.
As teorias criminológicas da reação social e as compreendidas no movimento
da “criminologia crítica” deslocaram o foco da análise do fenômeno criminal, do
sujeito criminalizado para o sistema penal e os processos de criminalização que dele
fazem parte e, mais em geral, para todo o sistema da reação social ao desvio.
As teorias psicanalíticas da sociedade punitiva colocam em dúvida o princípio
da legitimidade, e com isto, a legitimação mesma do direito penal. Segundo as
teorias psicanalíticas da sociedade punitiva, a reação penal ao comportamento
delituoso não tem a função de eliminar ou circunscrever a criminalidade, mas
corresponde a mecanismos psicológicos em face dos quais o desvio criminalizado
aparece como necessário e ineliminável da sociedade.

V. A TEORIA ESTRUTURAL FUNCIONALISTA DO DESVIO E DA ANOMIA.


NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO BEM E DO MAL.
O princípio do bem e do mal foi posto em dúvida pela teoria estrutural-
funcionalista da anomia e da criminalidade.
Durkheim traz uma virada sociológica na criminologia contemporânea, com a
teoria da anomia, que foi desenvolvida por Merton e introduzida por Durkheim,
constituindo a primeira alternativa clássica à concepção dos caracteres diferenciais
biopsicológicos.
Argumenta, que as causas do desvio não devem ser pesquisadas nem em
fatores bioantropológicos e naturais, nem em uma situação patológica da estrutura
social, mas que o desvio é um fenômeno normal de toda estrutura social. Somente
quando são ultrapassados determinados limites, o fenômeno do desvio é negativo.
Dentro de seus limites funcionais, o comportamento desviante é um fator necessário
e útil para o equilíbrio e o desenvolvimento sociocultural.
Estas considerações conduzem a ver a criminologia sob uma nova luz, não
mais como um ser bom ou mal, normal ou estranho/inassimilável, social ou
radicalmente antissocial, mas agora, principalmente, como um agente regulador da
vida social.

VI. A TEORIA DAS SUBCULTURAS CRIMINAIS, NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO


DA CULPABILIDADE.
A relação entre a teoria funcionalista e a teoria das subculturas criminais é
uma relação de compatibilidade. A teoria funcionalista pretende estudar o vínculo
funcional do comportamento desviante com a estrutura social. A teoria das
subculturas se preocupa principalmente em estudar como a subcultura delinquencial
se comunica aos jovens delinquentes e, portanto, deixa em aberto o problema
estrutural da origem dos modelos subculturais de comportamento que são
comunicados. A compatibilidade das duas teorias resulta na própria diversidade de
nível de discurso e dos conjuntos de fenômenos de que se ocupam,
respectivamente.
O núcleo teórico contido nessas teorias se opõe ao princípio da ideologia da
defesa social denominado princípio da culpabilidade.
A teoria das subculturas criminais nega que o delito possa ser considerado
como expressão de uma atitude contrária aos valores e às normas sociais gerais, e
afirma que existem valores e normas específicos de diversos grupos sociais
(subculturas). Não existe, pois, um sistema de valores, em face do qual é culpável
atitude daqueles que, podendo, não se deixam determinar pelo valor, como qualquer
concepção antropológica de culpabilidade determina.
Deste ponto de vista, a teoria das subculturas criminais nega não só toda a
teoria normativa da culpabilidade, como o próprio princípio da culpabilidade.

VII. UMA CORREÇÃO DA TEORIA DAS SUBCULTURAS CRIMINAIS: A


TEORIA DAS TÉCNICAS DE NEUTRALIZAÇÃO.
Uma importante correção da teoria das subculturas criminais é a realizada por
Gresham M. Sukes e David Matza. A correção foi feita pela análise das técnicas de
neutralização, uma análise das formas de racionalização do comportamento humano
aprendidas e utilizadas, ao lado das formas alternativas de comportamento humano,
de modo a neutralizar os valores e as normas sociais aos quais o criminoso
geralmente adere.
São técnicas de neutralização: a exclusão da própria responsabilidade; a
negação de ilicitude; a negação de vitimização; a condenação dos que condenam; e
o apelo a instâncias superiores.
Resumindo os pontos anteriores, o que o autor defende, é que as teorias
psicanalíticas da criminalidade e da sociedade punitiva acabam por negar vários
princípios integrantes da ideologia da defesa social, até chegar ao enfoque do
etiquetamento, ou do labeling approach. Nega a teoria do criminoso por sentimento
de culpa negariam o princípio da culpabilidade. A teoria da sociedade punitiva,
estaria em confronto com o princípio da legitimidade. A teoria estrutural-funcionalista,
rejeitaria o princípio do bem e do mal. A teoria das subculturas criminais, por sua
vez, mostraria de que modo a desigual distribuição estrutural do acesso a meios
legítimos para realizar metas culturais compele minorias desfavorecidas para
modelos de comportamento desviantes, difundidos por aprendizagem através da
comunicação e associação subcultural.

VIII. O NOVO PARADIGMA CRIMINOLÓGICO: “LABELING APPROACH”, OU


ENFOQUE DA RELAÇÃO SOCIAL. NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO FIM OU DA
PREVENÇÃO.
Outro ponto de grande lucidez do livro é o da abordagem do labeling
approach, dizendo que a criminalidade não seria um dado pré constituído, mas
realidade social construída pelo sistema de justiça criminal, através de definições e
da reação social, o criminoso não seria um indivíduo diferente, mas um status social
atribuído a certos sujeitos selecionados pelo sistema penal.
As teorias da “reação social”, ou labeling approach consideram que, sem o
estudo da ação do sistema penal, não se pode compreender a criminalidade. O
status social de delinquente pressupõem o efeito da atividade das instâncias oficiais
do controle social da delinquência, ou seja, o efeito estigmatizante da atividade da
polícia, dos órgãos de acusação pública e dos juízes.
O comportamento do criminoso é, na verdade, o comportamento rotulado do
criminoso, o papel da estigmatização penal na produção do status social de
criminoso, ou seja, a relação do desvio primário, que produz mudanças na
identidade social do sujeito, com o desvio secundário, compreendido como efeito do
desvio primário, a rejeição da função reeducativa da pena criminal, que consolida a
identidade criminosa e introduz o condenado em uma carreira desviante, etc. O
objeto de pesquisa foi deslocado, dos fatores da criminalidade (etiologia) para a
reação social (labeling approach).

IX. A RECEPÇÃO ALEMÃ DO LABELING APPROACH. NEGAÇÃO DO


PRINCÍPIO DE IGUALDADE.
Houve uma contribuição germânica ao labeling approach que acentuou o
papel das meta-regras na interpretação das regras jurídicas. A criminalidade, assim,
não é mais o simples comportamento violador da norma, mas realidade social
construída por juízos atributivos, determinados, primariamente, pelas meta-regras e,
apenas secundariamente, pelos tipos penais. Desta forma, a criminalidade seria um
“bem negativo”.
O autor apresenta uma crítica do labeling approach à ideologia tradicional. A
criminalidade como status atribuído a alguns sujeitos pelo poder de outros sujeitos
sobre a criação e aplicação da lei penal, através de mecanismos seletivos
estruturados sobre a estratificação social e o antagonismo de classes, refutaria o
princípio da igualdade, a relação variável do processo de criminalização com a
posição social do acusado indicaria a relatividade da proteção penal a bens
jurídicos, atingindo o princípio ad legitimidade, enfim, a diferenciação entre desvio
primário e desvio secundário acabaria por desmoralizar a ideia de ressocialização.
Mas por outro lado, o autor apresenta também uma crítica à própria teoria do
labeling approach, argumentando que, se a criminalidade é criminalização mediante
definições legais e rotulação oficial, despareceria o comportamento real como ação
socialmente negativa.

X. A SOCIOLOGIA DO CONFLITO E SUA APLICAÇÃO CRIMINOLÓGICA.


NEGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO INTERESSE SOCIAL E DO DELITO NATURAL.
Um grupo de teorias sobre criminalidade desenvolveu, em uma perspectiva
declaradamente macrossociológica, o elemento de conflito como princípio explicativo
fundamental dos processos de criminalização, entendidos como processos de
definição e de atribuição do status de criminoso. Estas teorias são conhecidas sob o
nome de teorias do conflito, ou teorias conflituais da criminalidade.
As teorias conflituais da criminalidade negam o princípio do interesse social e
do delito natural, afirmando que os interesses que estão na base da formação e da
aplicação do direito penal são os interesses dos grupos que tem poder e, ainda, que
a criminalidade é uma realidade social criada através do processo de criminalização.

XI. AS TEORIAS CONFLITUAIS DA CRIMINALIDADE E DO DIREITO


PENAL. ELEMENTOS PARA SUA CRÍTICA.
As teorias conflituais pretendem mostrar a relação do direito penal com
interesses de grupos de poder. A luta por valores como poder, status, recursos
distingue os conflitos em realísticos e não realísticos. O crime, para estas teorias, é
um fenômeno político, e o criminoso, um membro de grupos minoritários induzido a
agir contra a lei, porque grupos majoritários instrumentalizariam o Direito e o Estado
para criminalizar comportamentos contrários.
O processo de criminalização significa, na verdade, um conflito entre os que
detêm o poder e os que são submetidos a este, ou seja, aqueles que recebem das
instâncias oficiais o status de criminosos. Neste paradigma, Alessandro Baratta
indica uma confusão entre atores do processo econômico e os sujeitos reais desse
processo, que seriam, ainda: o capital e a massa trabalhadora marginalizada. A
perspectiva macrossociológica do conflito social representaria um progresso da
criminologia liberal, aplicando o enfoque da reação social às estruturas da
sociedade.

XII. OS LIMITES IDEOLÓGICOS DA CRIMINOLOGIA “LIBERAL”


CONTEMPORÂNEA. SUA SUPERAÇÃO EM UM NOVO MODELO INTEGRADO DE
CIÊNCIA JURÍDICA.
As teorias integrantes da criminologia liberal contemporânea inverteram a
relação de criminologia com a ideologia e a dogmática penal. Elas sustentaram o
caráter normal e funcional da criminalidade, a sua dependência de mecanismos de
socialização, e deslocaram cada vez mais a atenção do comportamento do
criminoso para a função punitiva e para o direito penal.
O ponto de partida da investigação da criminologia, nas teorias liberais
contemporâneas, é em relação ao comportamento criminalizado, que constitui uma
espécie, dentro de um gênero, em uma concepção global do sistema social.
A ideia de integração dos sistemas penal e de controle social em um modelo
racional de controle do crime, sob a égide de uma criminologia liberal, não daria
certo, iria levar a um reforço das relações de desigualdade, dando maior ênfase aos
crimes contra a propriedade, valorizando o capital, e menor ênfase aos crimes do
colarinho branco, como os crimes ambientais.
Um novo modelo integrado de ciência penal e ciência social não seria viável,
portanto, o autor acredita ser necessário surgir, no lugar do clássico modelo
integrado de ciência penal, um novo modelo, em que a relação entre ciência social e
discurso dos juristas não é mais uma relação entre duas ciências, mas uma relação
entre ciência e técnica.

XIII. DO LABELING APPROACH A UMA CRIMINOLOGIA CRÍTICA.


Quando falamos em “criminologia crítica”, colocamos o trabalho que se está
fazendo para a construção de uma teoria materialista, ou seja, econômico-política,
do desvio e dos comportamentos socialmente negativos da criminalização.
Na perspectiva da criminologia crítica, a criminalidade não é mais uma
qualidade ontológica de determinados comportamentos e de determinados
indivíduos, mas se revela, principalmente, como um status atribuído a determinados
indivíduos, mediante uma dupla seleção: dos bens protegidos penalmente e dos
indivíduos estigmatizados.
A criminalidade é um “bem negativo”, distribuído desigualmente conforme a
hierarquia dos interesses fixada no sistema sócio-econômico e conforme a
desigualdade social entre os indivíduos.
Passando por uma construção de uma teoria materialista do desvio, dos
comportamento socialmente negativos e da criminalização, o labeling approach dá
um salto qualitativo.
O autor desenha uma criminologia crítica, expondo as diferenças desta para a
criminologia tradicional. A criminologia crítica desloca o enfoque teórico para as
condições objetivas, estruturais, institucionais, mudando o interesse das causas para
o interesse de como construir uma realidade social diferente. A criminologia crítica
define o status do sujeito através dos bens protegidos nos tipos penais e dos
indivíduos estigmatizados no processo de criminalização. O grande ganho da
criminologia crítica estaria na passagem da descrição para a interpretação da
desigualdade do direito penal, mostrando a relação dos mecanismos seletivos do
processo de criminalização com a estrutura e as leis de desenvolvimento da
formação econômico social.

XIV. SISTEMA PENAL E REPRODUÇÃO DA REALIDADE SOCIAL.


As estatísticas sobre o sistema escolar nos permitem atribuir este a mesma
função de seleção e marginalização atribuída ao sistema penal.
O processo de criminalização, condicionado pela classe social do sujeito e
influenciado pelo seu estado no mercado de trabalho (se encontra-se desemprego,
ou ocupa um sub cargo) e por defeitos de socialização (família, escola), concentra
grandes chances de este sujeito criminoso ser do sub proletariado ou marginalizado
social. Por isso, para Baratta, o sistema escolar é muito significativo para a
criminalização de um sujeito, ora, é este o primeiro dos aparelhos de seleção de
sujeitos criminosos, através da avaliação social pelos critérios de avaliação do
mérito individual, do sistema de notas, etc. O significado das punições e
recompensas no sistema escolar é semelhante ao próprio sistema social, a
recompensa se dá àqueles que convalidam o comportamento da maioria não
estigmatizada, e a punição, àqueles da minoria estigmatizada.
Esta seria chamada por Baratta de a justiça de classe, já que os estereótipos
e preconceitos da polícia e da justiça acabam sempre dirigindo a repressão para as
classes inferiores, ampliando a discriminação seletiva.

XV. CÁRCERE E MARGINALIDADE SOCIAL


O cárcere seria o momento culminante, completamente inútil para reeducação
do criminoso, porque ao invés de promover a liberdade e o auto respeito, como a
educação deve ser, produz, ao contrário, degradação e repressão, desde o seu
início.
A prisão se caracteriza por desculturação do sujeito em face da sociedade,
com perda do senso de responsabilidade e distanciamento dos valores sociais, e
também, por outro lado, uma aproximação dos valores próprios da subcultura
carcerária: ou assumindo o papel de bom preso para obter benefícios, ou vestindo
de vez a personalidade de criminoso, compondo a organização da comunidade
carcerária, cultuando a violência.
Baratta afirma que as teses da criminologia crítica podem fundamentar um
programa de política criminal alternativa – que não se confunde com política penal
alternativa. Desta forma, a luta pela democracia seria inseparável da luta pela
superação do sistema penal e defesa do direito penal.
A linha principal de uma política criminal alternativa seria a diferenciação da
criminalidade pela posição social do indivíduo: Crimes de classes subalternas
seriam, por exemplo, os patrimoniais, e crimes das classes superiores, os da
criminalidade econômica.
O autor defende a abolição do cárcere, por sua inutilidade para controle da
criminalidade ou reeducação do condenado e pelos efeitos de marginalização e
esmagamento dos segmentos inferiorizados.

XVI. CRIMINOLOGIA CRÍTICA E POLÍTICA CRIMINAL ALTERNATIVA.


Criminologia crítica significa estender o campo do direito penal à crítica do
direito desigual e também estudar o processo de criminalização, identificando nele
um dos maiores nós teóricos e práticos das relações de desigualdade da sociedade
capitalista.
Uma política criminal alternativa deveria, segundo Baratta, levar em conta a
opinião pública, que, atualmente é marcada pelo senso comum, mas, a meta do
autor é reverter esta hegemonia cultural, através de críticas ideológicas, produção
científica e discussão de massa da questão criminal.

XVII. AVALIAÇÃO CRÍTICA.


O Professor Alessandro Baratta muito contribuiu para a reconstrução dos
estudos criminológicos a partir da mudança de paradigma trazida pela denominada
criminologia crítica.
A criminologia crítica cogita o desvio social, percebendo os processos de
criminalização e os mecanismos de rotulação de criminosos. Baratta pretendeu a
criminologia comprometida com a abolição das desigualdades sociais, advindas dos
conflitos por riqueza e poder. O compromisso dele foi com a transformação da
estrutural social, demonstrando a perversidade seletiva do sistema penal.
A ideia defendida pelo autor, de um sistema penal alternativo, que leve em
conta as diferenças sociais da atualidade, enxergando o criminoso enquanto
indivíduo social, e a criminalidade enquanto um processo e não apenas conduta
humana, é realmente de grande importância para a reconstrução de uma sociedade
mais justa e de um sistema mais eficaz, que cumpra seu papel na sociedade.
É de grande valia a contribuição do mesmo para a criminologia, enquanto
doutrinador que manifesta por uma sociedade mais livre, justa e igualitária, por um
controle social não autoritário, e pela expressão da dignidade e individualidade do
homem.

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