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EVOCAÇÃO

V a l e n t i n a d a R o c h a L im a

As P a l a v r a s q u e se seg u em , eu as disse no dia 28 de junho de 1991. Era a


Missa de 7o dia de meu pai. Em um mesmo 28 de junho, passados já seis
anos, partira minha mãe. Completava-se naquele momento o ciclo
perfeito de uma história de amor.
Na cerimônia, chorando todos, celebrávamos em comunhão a exis-
tência de um homem — professor Rocha Lima —, e o percurso genero-
so que fizera. O Colégio Pedro II, paixão e casa de papai por tantos anos,
mais uma vez abrira suas portas para ele. Foi uma Missa campal, no ve-
lho Internato em São Cristóvão. Cantava o coro do Colégio — tudo se
passava como um hino de louvor entre lágrimas.
Meu sentimento não era o de estar dizendo algo in memoriam, mas
sim o de estar falando com papai, ali, naquela hora, naquele local, dian-
te daquelas pessoas. A céu aberto, era a Ele, meu pai, que eu me dirigia.
E tive a pretensão de expressar um “nós” maior do que cada um de nós.
Trêmula de emoção, assim falei:

Pr o f e s s o r R o c h a L im a ,

Nós, seus alunos, estamos aqui para agradecer o privilégio de termos


ouvido a sua palavra — “No princípio era o Verbo e o Verbo estava jun-
to a Deus, e o Verbo era Deus.”
A terra por Você arada frutificou; hoje estamos espalhados por todo
o Brasil, trabalhamos nas mais diferentes profissões. E carregamos co-
nosco sua presença. Você, portas dentro de sala de aula, trouxe ao ensi-
no uma qualidade mágica, encantada, imorredoura. Ela emanava de sua
pessoa e retirava seiva do amor que Você nutria por seus alunos e da
paixão com que Você exercia o Magistério. Magistério com maiúsculas,
que Você honrou, dignificou e embelezou.
26 ROCHA LIMA

E o Verbo só é Verdade se expresso com alma; e sua alma, papai,


Você foi entregando-a, entregando-a, até que a doou por inteiro no
momento em que proferia suas últimas palavras.

Pr o f e s s o r R o c h a L im a ,

Nós, brasileiros, homenageamos e reverenciamos sua memória. Nes-


ses nossos “tristes trópicos”, é a Língua Materna o maior elo unificador
de cento e cinqüenta milhões de pessoas. É na Língua Materna que se
forjou nosso inconsciente coletivo. Somos um povo, uma cultura, uma
nação — , na Língua Materna. É nela que deita origens nossa identidade
de brasileiros. Cultuando-a, desvendando seus mistérios, sua pujança,
Você nos presenteou com um bem precioso — Você nos fez ver, na gran-
deza que ela encerra, o horizonte dos possíveis.

Não morrerá sem poetas nem soldados


A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.

— assim Manuel Bandeira dirigiu-se a Camões. E foi essa a epígrafe que


Você escolheu para a sua GRAMÁTICA NORMATIVA. E agora, diante de to-
dos, eu repito: Não! Não morrerá sem poetas nem soldados... Rocha
Lima, lírico! Rocha Lima, mais que soldado, incansável guerreiro!

Pa p a i,

Nós, suas filhas; nós, fruto da família que Você constituiu com ma-
mãe — Mariota, digam por favor! — ; nós, que crescemos alimentadas
do amor de Vocês dois; nós, o que podemos dizer agora? Ainda não des-
cobrimos todos os recursos do Verbo para expressar o que sentimos nes-
te momento. Mas um dia haveremos de fazê-lo.

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