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CÁSSIA TAKAHASHI HOSNI

INVENTÁRIO DA OBRA AUDIOVISUAL DE CAO GUIMARÃES

CAMPINAS
2014

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  ii  
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES

CÁSSIA TAKAHASHI HOSNI

INVENTÁRIO DA OBRA AUDIOVISUAL DE CAO GUIMARÃES

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Multimeios do Instituto de Artes da Universidade
Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em
Multimeios.

Orientador: Prof. Dr. Fernão Vitor Pessoa de Almeida Ramos.

Este exemplar corresponde à versão final de Dissertação


defendida pela aluna Cássia Takahashi Hosni, e
orientada pelo Prof. Dr. Fernão Vitor Pessoa de
Almeida Ramos.
 

_____________________________________________________________
_  

CAMPINAS
2014

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  v  
  vi  
RESUMO

O presente trabalho aborda o conjunto de obras do artista visual e cineasta Cao Guimarães,
percorrendo panoramicamente sua trajetória de 1986 a 2013. A pesquisa se propõe a entender
quais são as linhas de pensamento do artista e de que modo elas influenciam seus métodos e
processos autorais. Para isso, seus longas e curtas-metragens, séries fotográficas, instalações e
produções textuais foram elencados como num inventário cronológico. A descrição analítica
desse inventário pretende descobrir elementos poéticos constantes no interior da pluralidade de
linguagens que permeiam a produção do artista.

Palavras-Chave: Cao Guimarães; Cinema; Arte contemporânea; Audiovisual

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  viii  
ABSTRACT

This research discusses the collection of works of the visual artist and filmmaker Cao
Guimarães, panoramically going over its trajectory from 1986 to 2013. The research aims at
understanding which are the lines of thought of the artist and how they influence the author's
methods and creative process. For this purpose, his feature and short films, photographic series,
art installations and textual production have been listed in a chronological inventory. The
analytical description of this inventory intends to unveil the poetic elements contained within the
plurality of languages that permeate the artist's production.

Key Words: Cao Guimarães; Cinema; Contemporary art; Audiovisual

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  x  
À Mirian e Roberto, nomes que lhes pertencem antes de serem meus pais.

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AGRADECIMENTOS

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, pela bolsa


concedida para o desenvolvimento desta pesquisa;

Ao Prof. Dr. Fernão Pessoa Ramos pela orientação, estímulo e paciência, essenciais para que
este trabalho ocorresse de maneira satisfatória;

Ao Studio Cao Guimarães e também a Cao Guimarães, Nelson Soares e Canário pelos encontros
e conversas, sempre prazerosos, realizados em São Paulo e Minas Gerais;

À equipe do Instituto Itaú Cultural, especialmente aos amigos Marcel Fracassi, Fernando
Galante, Maitê Ciacanglini e toda equipe do Educativo, fundamentais para o diálogo durante a
exposição ocorrida em 2013;

À minha família, por todo carinho e apoio incondicional e também pela alegria proporcionada
pela vinda de Sofia e Gregor;

À Erika Kobayashi, Marcela Gonçalves, Monica Berto, Natália Lobas e Ricardo Ochiro, pela
presença constante em todas as ocasiões;

Aos amigos Juliana Maués, Viviana Echávez Molina, Janaína Welle, Lillian Bento, Regiane
Ishii, Natália Barrenha, Letizia Nicoli, Teresa Trindade e Jennifer Serra que tornaram a conexão
São Paulo-Campinas uma ponte para aliar o cinema à amizade;

À Luísa Nóbrega, Isadora Ferraz, Liliana Morais, Lilian Viana e Xenia Salvetti pelas trocas e
conversas proporcionadas durante os anos.

  xiii  
Sobretudo caminho e olho. Eu tenho que aprender a ver, todavia não sei

Julio Cortázar

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO........................................................................................................... 1

1. A FASE INICIAL
1.1 Fotografias e Fotomontagens de 1986 a 1996................................................... 11
1.2 Histórias do Não-Ver, 1996-2001 .................................................................... 17

2. O PENSAMENTO DE CAO GUIMARÃES .......................................................... 25


2.1 Cinema de Cozinha........................................................................................... 28
2.2 Micro-dramas da Forma.................................................................................... 30
2.3 A Metáfora do Lago.......................................................................................... 31
2.4 Sobre o Cinema................................................................................................. 33

3. A DIMENSÃO SONORA DE O GRIVO ............................................................... 39

4. A PRODUÇÃO ARTÍSTICA DE 1998 A 2013...................................................... 45


4.1 Otto, eu sou um outro, 1998.............................................................................. 48
4.2 Solaris, 1998 ..................................................................................................... 50
4.3 The Eye Land, 1999........................................................................................... 51
4.4 Between - Inventário de Pequenas Mortes, 2000.............................................. 53
4.5 Cama para Sonhar, 2000.................................................................................. 55
4.6 O Fim do sem Fim, 2001 .................................................................................. 56
4.7 Sopro, 2000 ...................................................................................................... 58
4.8 Word/World, 2001 ............................................................................................ 59
4.9 Hypnosis, 2001 ................................................................................................. 59
4.10 Rua de Mão dupla, 2002 ................................................................................. 60
4.11 Pedevalsambatucadamacaconoseusom, 2002................................................. 67
4.12 Inventário de Raivinhas, 2002 ........................................................................ 68
4.13 Coletivo, 2002 ................................................................................................. 69

  xv  
4.14 Volta ao Mundo em Algumas Páginas, 2002 .................................................. 70
4.15 Gambiarras, 2002 ........................................................................................... 71
4.16 BH, 2002 .......................................................................................................... 74
4.17 Paqueirinhas, 2002 ......................................................................................... 76
4.18 Nanofania, 2003 .............................................................................................. 77
4.19 Aula de Anatomia, 2003 .................................................................................. 78
4.20 Saudade, 2003 ................................................................................................. 78
4.21 A Alma do Osso, 2004 ..................................................................................... 79
4.22 Concerto para Clorofila, 2004 ........................................................................ 81
4.23 Da Janela do meu Quarto, 2004 ..................................................................... 83
4.24 Acidente, 2006 ................................................................................................. 85
4.25 Quarta-feira de Cinzas, 2006 .......................................................................... 91
4.26 Andarilho, 2006 ............................................................................................... 91
4.27 Atrás dos Olhos de Oaxaca, 2007 ................................................................... 95
4.28 Sin Peso, 2007 ................................................................................................. 95
4.29 Peiote, 2007 ..................................................................................................... 96
4.30 Mestres da Gambiarra, 2008 .......................................................................... 97
4.31 Memória, 2008 ................................................................................................ 98
4.32 El Pintor Tira el Cine a la Basura, 2008 ........................................................ 99
4.33 O Sonho da Casa Própria, 2008 ..................................................................... 102
4.34 Campo Cego, 2008 .......................................................................................... 103
4.35 De Portas Abertas, 2008 ................................................................................. 104
4.36 Sculpting, 2009 ................................................................................................ 104
4.37 Espantalhos, 2009 ........................................................................................... 106
4.38 Paisagens Reais, 2009 ..................................................................................... 107
4.39 Ex Isto, 2010 .................................................................................................... 108
4.40 O Inquilino, 2010 ............................................................................................ 121
4.41 Viagem ao Interior de uma Lagarta, 2010 ...................................................... 122
4.42 Zum Zum Zum, 2010 ........................................................................................ 123
4.43 Brasília, 2011 .................................................................................................. 124

  xvi  
4.44 Drawing, 2011 ................................................................................................. 125
4.45 Limbo, 2011 ..................................................................................................... 126
4.46 Melo:Mediodia, 2011 ...................................................................................... 127
4.47 Dia de Festa, 2011 .......................................................................................... 128
4.48 Otto, 2012 ........................................................................................................ 129
4.49 Elvira Lorelay Alma de Dragón, 2012 ............................................................ 135
4.50 Pipas, 2012 ...................................................................................................... 139
4.51 Sem Título, 2012 .............................................................................................. 139
4.52 Sem Título, 2012 .............................................................................................. 139
4.53 Sem Título [Pessoas Deitadas], 2012 ............................................................... 140
4.54 Sem Hora, 2012 ............................................................................................... 141
4.55 O Homem das Multidões, 2013 ....................................................................... 142

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 145

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 147

FILMOGRAFIA .......................................................................................................... 159

VIDEOGRAFIA .......................................................................................................... 161

ANEXO ....................................................................................................................... 163

  xvii  
  xviii  
INTRODUÇÃO

O artista mineiro Cao Guimarães conta, até o período dessa pesquisa, com 9 longas-
metragens, 26 curtas, 15 séries fotográficas, 5 instalações e 1 livro publicado. O contato com suas
obras é constantemente permeado por questões referentes à classificação delas. Por frequentar
tanto a esfera da arte contemporânea quanto do cinema, a intersecção de linguagens e a variedade
de meios utilizados em seus trabalhos provocam a discussão quanto à área de pertencimento.
Reforçando essa discussão, Guimarães considera-se avesso a delimitações tais como
videoartista ou documentarista, ou ainda quanto à filiação a algum grupo ou movimento. Ainda
assim, é possível identificar algumas semelhanças entre sua produção e uma atitude estética
presente nos círculos artísticos da década de 1970; como o uso da câmera Super-8 nas obras
audiovisuais.
Em sua trajetória, o artista utilizou o Super-8 para realizar as primeiras incursões no
audiovisual. A produção com essa câmera analógica foi intensa principalmente durante o período
de 1996 a 2007, na criação dos curtas-metragens. O Super-8 foi a possibilidade de o artista
produzir um tipo de cinema independente, alheio aos grandes modos de produção comercial.
Assim, o interesse formal de Guimarães pelo Super-8 aproxima-se do uso autônomo
da década de 1970, quando os artistas plásticos empregaram o Super-8 para experimentações no
campo visual. Artistas como Antonio Manuel, Antonio Dias e Lygia Pape iniciaram um legado
no qual o audiovisual é apartado do sentido comercial para tornar-se um meio de expressão e
investigação artísticas.
Algumas das razões pelas quais o Super-8 passou a ser utilizado por artistas plásticos
(como também por cineastas, poetas e interessados em geral no formato) durante a década de
1970 são: o interesse estético formal na imagem analógica; o aspecto econômico da bitola; e a
possibilidade de autonomia em seu uso.
Os artistas dessa época procuraram utilizar a câmera de Super-8 de diferentes modos
e com diferentes conceitos, abrindo um panorama de diversas correntes formais e conceituais1.
                                                                                                               
1
Um estudo aprofundado sobre os filmes de artista em Super-8 pode ser encontrado em ROCHA, Flavio Rogerio.O
filme de artista dentro da Marginália do Super-8 brasileiro. In: ENCONTRO NACIONAL DE HISTÓRIA
NACIONAL DA MÍDIA, 8., 2011, Guarapuava. Anais…Guarapuava: Unicentro, 2011. Disponível em:
<http://www.ufrgs.br/alcar/encontros-nacionais-1/8o-encontro-2011-

  1  
No que diz respeito às características formais da imagem, eles estavam interessados em assumir
também a precariedade do meio, sua indefinição, por meio da textura e da granulação da película.
No aspecto econômico, o baixo custo do Super-8 permitia que seu uso fosse realizado
por setores médios da sociedade, principalmente se comparado às películas cinematográficas de
16 mm e 35 mm. O menor custeio possibilitava ainda que o Super-8 fosse utilizado muitas vezes
como “ensaio” para as películas profissionais. Destaca-se também que o Super-8 foi a porta de
entrada de muitos cineastas iniciantes que o utilizavam em seus primeiros filmes.
Outra razão, já mencionada, para a utilização do Super-8 em produções experimentais
foi a possibilidade de autonomia, motivada pela facilidade do manuseio, revelação e distribuição.
Amplamente utilizado nos anos 1970, o Super-8 também concedia certa autonomia artística,
necessária para driblar a censura de Estado, vigente no contexto da ditadura militar.
Porém, já no final da década de 1970, a produção em Super-8 arrefece e a tecnologia
do vídeo, progressivamente, ganha espaço. A câmera Portapak, da Sony, começa a despontar e
torna-se um suporte adotado por artistas para a investigação imagética.
Cao Guimarães não vivenciou a intensa produção e discussão do Super-8 nos anos
1970. Apesar de ter tido contato com a película nos anos 1980, na cidade de Belo Horizonte, é em
sua mudança para Londres, em 1996, que o meio cinematográfico desperta sua atenção. A
facilidade de acesso na compra e na revelação na capital inglesa torna-se o principal atrativo para
a criação, sendo a porta de entrada para o artista produzir um tipo particular de cinema.
Consideramos que uma das similitudes entre Guimarães e artistas anteriores quanto
ao uso do Super-8 seja o desprendimento e o sentimento de independência audiovisual. Além
disso, o interesse formal pela imagem, com a granulação e textura características da câmera, é um
fator comum que coloca em diálogo artistas de diferentes gerações.
Além do Super-8, Cao usa o vídeo para a realização de suas obras. Esses dois meios
são, para ele, utilizados do mesmo modo que uma ferramenta, como um pincel ou um lápis para
um pintor. São possibilidades de criar imagem em movimento que podem ser originárias tanto na
película quanto no vídeo, ou em ambas as tecnologias. Desse processo decorre uma das
características de sua produção, o trânsito irrestrito dessas “ferramentas”, como um modo de
                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                     
1/artigos/O%20filme%20de%20artista%20dentro%20da%20Marginalia%20do%20Super%208.pdf/view>. Acesso
em: 10 fev. 2014.

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potencializar os aspectos e a especificidade de cada imagem.
Um exemplo são os curtas-metragens produzidos até 2007, que após serem filmados
em Super-8, foram passados da película para o vídeo digital por meio de telecinagem. Os dois
suportes trazem algumas características peculiares à imagem: O Super-8 é indicativo da
granulação, a textura da película e a variação da luminosidade quadro-a-quadro da filmagem –
normalmente filmada em baixa velocidade para que o filme perdure mais tempo de gravação; já o
vídeo tem como característica os pixels típicos da imagem eletrônica.
Guimarães vivenciou o período da geração do vídeo independente em Minas Gerais,
conhecida pelo teor de investigação da imagem videográfica, porém não chegou a participar
ativamente do que convencionou-se chamar de videoarte. De todo modo, é inegável a influência
de amigos e/ou parceiros que estiveram próximos do processo da consolidação do vídeo mineiro.
São várias as razões que fomentaram a produção do vídeo em Minas Gerais, criando,
principalmente em Belo Horizonte, um polo experimental da produção videográfica na década de
1980. Alguns fatores são fundamentais para que isso ocorra, dentre eles: a criação das produtoras
Emvídeo, em 1985, a Trincheira Vídeo e a Versão Brasileira, em 1986; os festivais voltados
exclusivamente ao vídeo; workshops, debates e seminários em instituições como o Instituto
Goethe e a Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; e o incentivo cultural em projetos
tecnológicos, dado, por exemplo, pela marca automobilística Fiat.
Além disso, a proeminente participação do artista Eder Santos e o reconhecimento
dos seus trabalhos em vídeo em festivais nacionais e internacionais, como o Festival Videobrasil,
certamente encorajava os mais jovens a se aventurarem na linguagem. Santos foi um dos sócios-
fundadores da Emvídeo, uma das principais produtoras especializadas em vídeo.
Outra produtora voltada ao meio cultural e com intensa atividade no período foi a
Trincheira Vídeo. Ela se destacou por organizar em 1986 o Projeto vídeo na praça e Indoors,
projeto pioneiro de videoinstalação no Palácio das Artes (CRUZ, 1995, p. 36). Em 1987, a
Trincheira Vídeo organizou o Minasfest, primeiro festival de vídeo de Belo Horizonte. E um ano
depois viabilizou a passagem do Festival Videobrasil no Cineclube Savassi2.
                                                                                                               
2
O Cineclube Savassi era um dos locais com eventos e exibição de filmes de diretores iniciantes e que acolhia
projetos de cunho experimental. Em 1989, o Cineclube possibilitou a passagem da exposição de videoarte produzida
pela Bienal Whitney Museum.
 

  3  
Um dos sócios fundadores da Trincheira Vídeo foi Roberto Magalhães, conhecido
como Beto Magalhães. Amigo de infância de Guimarães, Magalhães costumava emprestar para
este materiais da produtora, como câmeras e equipamentos para telecinagem, oferecendo assim o
suporte técnico para as primeiras investigações visuais do artista. A Trincheira Vídeo funcionou
até 1991.
Ainda na década de 1980, Belo Horizonte também comportava a organização de
seminários, workshops e ciclos de filmes dedicados ao vídeo. Na sede do Instituto Goethe,
ocorreu a Mostra Internacional de Vídeo-Arte: 1965-1985, em 1987, e no mesmo ano aconteceu
o workshop Vídeo como meio alternativo de informação, dirigido pelo jornalista e videomaker
Hartmut Horst, dentre outras atividades promovidas pela instituição (CRUZ, 1995, p. 35).
O meio acadêmico universitário como da Universidade Federal de Minas Gerais -
UFMG e da Pontifícia Universidade Católica - PUC/MG também fomentaram a produção e
discussão do vídeo nos campi. Em 1987, ambas as universidade inseriram as disciplinas voltadas
ao uso do vídeo no curso de Comunicação Social. E a PUC já havia, desde 1974, disponibilizado
a câmera Portapak para o curso de jornalismo.
Em 1988, ocorreu a primeira edição do programa Concorrência Fiat, incentivo
cultural pela fabricante de automóveis Fiat que premiava projetos voltados à área do vídeo
(CRUZ, 1995, p. 36). As edições do Concorrência Fiat duraram até 1990.
Um dos premiados durante o programa da Fiat foi o artista Roberto Moreira Cruz
com a videoinstalação As quatro estações do vídeo. Cruz, atualmente curador independente,
trabalhou durante o período como diretor de projetos do Instituto Imagens-Movimento. O
Instituto funcionou como uma entidade sem fins lucrativos que buscava difundir informações e
incentivar o debate cultural em diferentes mídias. Fundado em fevereiro de 1995, o Instituto
acolheu no mesmo ano a mostra Retrospectiva do Vídeo Independente em Minas Gerais. O
catálogo da mostra, organizado por Roberto Moreira Cruz, resgata aspectos históricos da década
de 1980 e início dos anos 1990, e foi uma das referências para que compreendêssemos o que
estava ocorrendo naquele período em Minas Gerais.
Cruz ressalta que o VHS (Vídeo Home System) marcou as investigações do vídeo, na
produção e na reflexão das técnicas audiovisuais, a partir do início da década de 1980. Segundo
ele, o VHS era possível pelo custeio econômico, a facilidade no manuseio e uma qualidade

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peculiar a imagem, “a baixa definição da imagem e os meios primários de pós-produção são
alguns destes limites tecnológicos que determinaram particularidades estéticas comuns a essa
produção” (1995, p. 9).
Observa-se que o interesse pelo precário, onde a imagem não esteja obrigatoriamente
em alta resolução é um dos fatores proveitosos para os artistas. Mencionamos anteriormente que
o Super-8 também foi um suporte sedutor pelo fato da imagem apresentar características próprias,
o que propiciaria a autonomia e a investigação imagética.
Lucas Bambozzi, parceiro inicial de experimentações de Cao Guimarães, é um dos
artistas que também se debruçaram sobre a reflexão do audiovisual em Minas Gerais. Bambozzi
dirigiu junto a Guimarães o curta-metragem, Otto, eu sou um outro, em 1998. Três anos depois,
os dois novamente dividiram a direção, dessa vez junto a Beto Magalhães, no documentário O
Fim do sem Fim.
Bambozzi vivenciou o boom do vídeo mineiro e iniciou sua trajetória em 1986,
quando realizou as primeiras experiências em vídeo, com a gravação e edição dos videoclipes de
bandas mineiras como Sexo Explícito, Divergência Socialista e O Último Número. Após as
investigações sonoro-visuais dos videoclipes, Bambozzi passou a produzir vídeos de autoria
própria como Love Stories e Eu não posso imaginar, que passaram a percorrer os festivais de
vídeo. Atualmente o artista multimídia atua em diversas áreas, sendo um dos nomes presentes no
audiovisual brasileiro.
Para Bambozzi, um dos fatores que permitiu a criação da geração do vídeo
independente mineiro, fora do eixo Rio–São Paulo, foi o desinteresse e a impossibilidade dos
realizadores em atuarem na cadeia televisiva. A inexistência de um mercado impositivo e
centralizador permitiu que os realizadores interessados no audiovisual utilizassem o vídeo como
meio de expressão (2008, não paginado). Por conta disso, os trabalhos produzidos no período
mantiveram características autorais, como a maior liberdade em suas criações.
Assim como os fatores mencionados anteriormente, também a iniciativa do Fórum
BHZvídeo - Festival Internacional de Vídeo de Belo Horizonte veio se somar à ação de fomentar
o vídeo na capital mineira. Os idealizadores do Festival foram Lucas Bambozzi, Adriana Franca,
Ana Flávia Dias, Rogério Veloso, Vanessa Tamietti e Vania Catani. O intuito era estimular a
produção local e dar visibilidade ao que estava acontecendo com a produção em vídeo,

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oferecendo ao público contato com o que estava ocorrendo no Brasil e no mundo.
Realizada pela primeira vez em 1991, o Festival reuniu uma série de workshops,
mostras e debates com realizadores que estavam atuando por meio das novas tecnologias. A
organização do evento contou também com a publicação de uma revista que continha ensaios
teóricos sobre arte eletrônica. As edições do Fórum BHZvídeo tiveram apoio da Secretaria
Municipal de Cultura e obtiveram números significativos de presença de público.
Uma das idealizadoras e organizadoras do Fórum BHZvídeo foi a produtora Vania
Catani. Na década de 1980, Catani envolveu-se diretamente com a produção de vídeo em Minas
Gerais e integrou o cenário cultural de Belo Horizonte. A partir de 1990, Catani voltou-se para a
produção cinematográfica e, em 2001, criou sua própria produtora, a Bananeira Filmes.
Localizada atualmente no Rio de Janeiro, a produtora viabiliza a realização de alguns dos filmes
e documentários da nova safra contemporânea de realizadores.
Catani é uma das personalidades do meio cultural mineiro entrevistadas no
documentário 8 ou 80: Alguma coisa começou aqui3, de 2009. O longa-metragem, dirigido por
Rodrigo Minelli e Lucas Bambozzi, e produzido por Chico de Paula, partiu da seguinte pergunta:
o que haveria em comum entre a banda pop mineira Pato Fu, a produtora de cinema Vania
Catani, os artistas Cao Guimarães e Rosangela Rennó, o performer Marco Paulo Rolla, o
roteirista e escritor Marcelo Dolabela (Letrolatria e filme Plano Sequência), o diretor de criação
da Viacom Brasil, Jimmy Leroy, o videoartista Eder Santos e a banda hoje ‘londrina’ Tetine?
Desse modo, Bambozzi relaciona os personagens e artistas presentes na cena mineira na década
de 1980 e busca compreender o que haveria de comum entre determinadas figuras hoje
proeminentes na cena cultural brasileira. No texto de apresentação do documentário, os diretores
argumentam que todos, inclusive eles, vivenciaram o contexto da década de 1980 em Minas
Gerais.
No período em questão, a música eletrônica e as performances audiovisuais ao vivo
começavam a aparecer no cenário nacional. Bambozzi, ao descrever o projeto do filme, enfatiza
que a recém abertura política pós-ditadura militar e a influência estética e comportamental da
poesia marginal convergem em diversas áreas da expressão artística, principalmente no campo
                                                                                                               
3
O documentário foi realizado a partir do programa DOCTV IV, com exibição exclusiva na TV Cultura em 2009.
Pela dificuldade de acesso ao material, entramos em contato com Lucas Bambozzi, que nos informou que estava
sendo produzido uma nova versão do documentário, para futuro lançamento em DVD.

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das experimentações audiovisuais em Belo Horizonte. Desse modo, a década de 1980 foi, para
muitos, a porta de entrada para os anos 2000 (BAMBOZZI, s.d, não paginado).
Notadamente, os anos 1980 caracterizaram-se como um período de amplas investigações e
experimentalismos, não apenas para a geração independente do vídeo, mas também para uma
série de artistas envolvidos em outros setores artísticos.
Já no início da década de 1990, em Belo Horizonte, a produção videográfica vai aos
poucos perdendo o vigor. O VHS torna-se gradativamente obsoleto, e outras tecnologias, como o
digital MiniDV, passam a ser mais empregadas. Assim como ocorrera antes, troca-se de um
suporte tecnológico para o outro quando este começa a se tornar retrógrado. Ao longo dos anos
70/80 a câmera Super-8 perdeu lugar para a Portapak/Betacam, e, depois, a partir da década de
1990, o formato VHS perde terreno para a consolidação do vídeo digital. Na década de 1990 o
vídeo continua a ser utilizado, mas passa a mesclar e assimilar outras formas de linguagens e
tecnologias. Assim, torna-se comum as vídeo-instalações inseridas principalmente no ambiente
dos museus e galerias de arte.
Após a geração do vídeo independente, muitas vezes denominada como videoarte e
vídeo experimental, Minas Gerais continua a ter uma ativa participação nas realizações
audiovisuais, em especial no campo do documentário.
O coletivo de pesquisa, criação e produção audiovisual TEIA é um dos grupos
atuantes desde 2003. Composto por Clarissa Campolina, Helvécio Marins Jr., Leonardo Barcelos,
Marília Rocha, Pablo Lobato e Sérgio Borges, o grupo afirma que, apesar de tratar-se de um
coletivo, cada realizador tem uma proposta e estética individual. Do mesmo modo, os integrantes
realizam parcerias com outros realizadores e grupos, buscando ampliar as possibilidades de
experimentação audiovisual. O artista e cineasta Pablo Lobato foi um dos realizadores junto a
Cao Guimarães do longa-metragem Acidente.
Guimarães ocasionalmente é posicionado pela crítica como alguém que deu início a
escola do “documentário poético mineiro”, em que predominam o interesse por assuntos
cotidianos e filmagens em longos planos estáticos. Guimarães novamente se opõe a qualquer tipo
de definição ou categorização, principalmente as que definam os realizadores apenas pela
localidade. Nesse sentido, concordamos com o artista quanto ao perigo de agrupar realizadores de
diferentes estéticas em torno de uma determinada região. Cada realizador e artista tem um

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percurso singular, sendo que, dentro do possível, é preferível que seja considerado
individualmente.
Após essa breve premissa sobre possíveis pontos de contato entre momentos
históricos, movimentos artísticos e pessoas com Cao Guimarães, entendemos que sua obra, assim
como toda produção artística, é fértil em criar diferentes significações para a crítica e também
para os espectadores.
Ao classificá-las dentro de um nicho, é possível que ela se torne mais facilmente
compreensível. Porém, a ideia da inclassificação na obra do artista é também sedutora,
justamente por abarcar a multiplicidade de sentidos. Toda produção é mutável, entretanto, pode-
se traçar zonas de intersecções, elementos comuns da poética. Cabe ao inventário, nesse sentido,
fornecer um levantamento extenso de informações, sugerindo pela cronologia possíveis pontos de
contato com obras de diferentes naturezas.
Inicialmente, a ideia do inventário remete às raízes burocráticas. O ofício de detalhar
exaustivamente um patrimônio para fins de partilha ou arrecadação dos bens é pensado para um
determinado fim administrativo. A maneira como o inventário é explicado nos dicionários prevê
que as informações sejam organizadas em dados, de maneira que o acesso seja claro e eficiente.
Desse modo, adotamos a estrutura de um inventário para melhor apreensão da
pesquisa. O objetivo é trazer informações e dados relevantes tanto para os modos de realização
das obras, como para a maneira pela qual Cao Guimarães pensa a sua produção. Entendendo que
a vida e a reflexão do artista não estão desvinculados do fazer artístico, propomos entender o
percurso e o processo de sua trajetória.
Para melhor entendimento, a dissertação foi dividida em quatro capítulos. O primeiro
aborda o início da formação do artista, em que a influência fotográfica permitiu sua entrada no
mundo da produção de imagens. São característicos desse período as fotomontagens de cunho
“barroco”, em que há a presença de diversas sobreposições nas imagens fotográficas. Aos
poucos, o artista vai desvencilhando-se de todo o excedente na imagem e caminha em busca de
uma síntese, em que considera a presença não apenas do olhar, mas também de outros sentidos,
como a audição e o olfato, para a construção de obras audiovisuais.
O segundo capítulo trata de descrever como o artista reflete sobre o mundo ao redor e
de que maneira o seu pensamento atua na realização das obras. O jeito de como ele vê e expõe

  8  
suas ideias por meio de conceitos suscita considerações sobre a criação e observações acerca do
audiovisual. Elegemos, para isso, entrevistas dadas pelo artista em diferentes épocas, indicativas
de sua maneira de pensar.
Guimarães entende que audiovisual é basicamente imagem e som. Nesse sentido, o
duo O Grivo, composto por Marcos Moreira Marcos (conhecido como Canário) e Nelson Soares,
é considerado a “cara-metade” do artista. Marcos e Soares são responsáveis por quase todas as
trilhas sonoras, sendo que o terceiro capítulo é destinado ao melhor entendimento imagético-
sonoro do duo.
O último capítulo apresenta, cronologicamente, dados relacionados à extensa obra
produzida por Guimarães até o período de 2013. O que são, como foram construídas as obras, o
que o artista pensa e o que a crítica relata, foram temas abordados para oferecer um panorama de
sua produção audiovisual.
Ao longo do texto, anexamos determinadas imagens, reproduções das obras
fotográficas de Guimarães que não estão facilmente disponíveis para o acesso, já que certos
catálogos encontram-se esgotados; embora parte significativa da obra do artista possa ser
visualizada em seu site pessoal.
Inicialmente, a realização da dissertação partiu de um extenso levantamento
bibliográfico em que foram consideradas as bibliotecas do Instituto Itaú Cultural, Museu de Arte
Moderna – MAM/SP, Palácio das Artes e também o acervo de publicações que Guimarães abriga
em seu estúdio. A predominância de entrevistas, disponíveis na internet, também foram
essenciais para a construção de um primeiro olhar.
O contato com o artista, por meio de uma entrevista realizada em seu estúdio em Belo
Horizonte, foi possível em abril de 2013. Essa entrevista está transcrita ao final da pesquisa.
Houve a necessidade, durante o percurso, de construir um pequeno arquivo ou memória dos
depoimentos do artista concedidos em diferentes períodos, dado a inacessibilidade de alguns
materiais disponíveis apenas virtualmente.
Ressaltamos um dos aspectos em que esta pesquisa favoreceu-se pela feliz
coincidência da exposição individual de Guimarães, intitulada Ver é uma fábula, realizada no
Instituto Itaú Cultural, em 2013. A mostra disponibilizou o maior número de obras já reunidas do
artista, além de um workshop com o artista e com O Grivo.

  9  
Diante da participação pessoal nos eventos e o constante diálogo com o artista e sua
produção, construímos um repertório que abrange um olhar geral sobre a obra, ainda em contínua
produção. Acreditamos, desse modo, que a pesquisa auxilie no conhecimento da poética de
Guimarães, oferecendo informações e reflexões que contribuam para estudos e pensamentos
futuros.

  10  
1. A FASE INICIAL

1.1 Fotografias e Fotomontagens de 1986 a 1996

Claudio Gontijo Guimarães, conhecido como Cao Guimarães, nasceu em 9 de janeiro


de 1965, em Belo Horizonte, Minas Gerais. Guimarães passou sua infância na capital mineira e
aos três anos foi morar junto ao avô, Cisalpino Gontijo. O avô é apontado por Guimarães como
uma das influências por despertar o seu interesse por imagens fotográficas e imagens em
movimento.
Cisalpino era médico-pediatra e continha um acervo de imagens técnico-científicas
relacionadas à profissão. Além de possuir uma câmera fotográfica e outra de filmagem em 16
mm, ele montou em sua residência um laboratório fotográfico de revelação e ampliação de
imagens. O avô utilizava-se igualmente dos equipamentos fílmicos e fotográficos também para a
realização de registros familiares.
Segundo Guimarães, o laboratório fotográfico do avô, em sua infância, era um lugar
percebido com uma mescla de curiosidade e fascínio. O artista afirma que “desde cedo,
frequentava aquele ambiente ‘luz vermelha’, aquelas imagens aparecendo, aquela coisa mágica
da fotografia” (GUIMARÃES, 2011a, p. 73)
Mas o encanto não se limitava ao laboratório, o avô dispunha em seu escritório de um
arquivo secreto de imagens técnico-científicas. Nos arquivos, imagens que ilustravam casos
médicos de crianças com barriga d’água, gêmeos xifópagos, entre outros tipos de imagens às
quais era proibido o acesso.
O artista considera que essa curiosidade despertada na infância provocou um “[...]
desejo pelo proibido. Pelo fato de não poder ver essas imagens, um mito foi criado” (2009a, p.
49); esse desejo criado pela negação do acesso às imagens parece tê-lo marcado profundamente
na infância, influenciando-o na juventude, quando inicia sua produção fotográfica.
Ainda na infância, Cao Guimarães conhece Beto Magalhães, amigo que estará
presente ao longo de sua produção artística. Os dois se encontraram por volta de 1975, por
intermédio do primo de Cao, Cristiano Rennó. Além do convívio proporcionado pelos jogos de
futebol, Magalhães comenta que, nessa época, Guimarães era visto como uma criança ávida pela

  11  
leitura de livros.
Beto Magalhães diz que durante a década de 1980, tanto ele, quanto Cao,
frequentavam constantemente os cinemas durante a adolescência, e isso os estimulava a criar e a
produzir imagens em movimento, de maneira experimental (MAGALHÃES, 2013). O
cineclubismo em Minas Gerais foi um dos aspectos que influenciaram não apenas a dupla de
amigos, mas uma parte da juventude mineira a caminhar posteriormente para a realização de
filmes. Sobre essa época, Guimarães costuma dizer que seu maior desejo sempre foi o de ser
cineasta.
Cinéfilo e vivenciando o cinema como “rato de cineclube” em Belo Horizonte,
Guimarães entra em contato com os filmes de realizadores como Jean-Luc Godard, Andrei
Tarkovski, Glauber Rocha, considerados cineastas-chaves durante o período de formação do seu
olhar sobre o cinema.
Porém, nessa época, o acesso a equipamentos fílmicos mais elaborados é dificultoso.
A Pontifícia Universidade Católica – PUC/MG, instituição em que cursava jornalismo, é indicada
como um dos poucos lugares em Belo Horizonte com equipamento para filmar em película de 35
mm, mas o empréstimo era apenas para os interesses próprios da universidade.
Apesar da impossibilidade do acesso a equipamentos de grande porte, Guimarães
buscou maneiras indiretas de formação, como cursos teóricos e práticos, nas técnicas
cinematográficas. Em 1987, participa do curso organizado pela Embrafilme e realizado pela
Secretaria de Cultura de Belo Horizonte, em que são abordados temas relativos à captação de
imagens por meio de câmeras de 35 mm e 16 mm, e à operacionalização e a manutenção desses
equipamentos.
Segundo ele, a possibilidade de utilização de equipamentos fílmicos mais simples
somente ocorreu com a disponibilização das câmeras 8 mm e 16 mm, herdadas do avô Cisalpino
Gontijo. Na época, Guimarães procurou investigar essas tecnologias, mas sem finalizar algum
trabalho destinado a exposição artística.
No período de formação, vivenciando a efervescência cultural em diferentes campos
artísticos, Cao passa a juventude rodeado pelo contato com a poesia marginal e com bandas de
rock new wave. Um dos seus primeiros envolvimentos com a atmosfera belo-horizontina ocorre
com sua participação no evento Um lance Dadá em Minas, em 1985, no Palácio das Artes.

  12  
Apesar da sua predileção pelo meio fílmico, os primeiros contatos profissionais de
Guimarães com a produção e a realização de imagens se dá por meio da fotografia, durante o
período em que cursava jornalismo na PUC/MG, de 1983 a 1986.
Na década de 1980, Guimarães foi um dos sócios do estúdio Opera, junto aos
fotógrafos Daniel Mansur e Fabio Cançado. Os três desenvolviam trabalhos fotográficos e,
ocasionalmente, vídeos comerciais.
Aproveitando a infraestrutura do laboratório fotográfico do estúdio, Guimarães
testava ele mesmo as soluções formais para o que viria a ser seu trabalho artístico fotográfico. As
fotografias mais experimentais eram enviadas por meio de editais para participarem de
exposições coletivas, como o 9º Salão Nacional de Artes Plásticas da Funarte (1986) e o 21º
Salão Nacional de Arte no Museu de Arte de Belo Horizonte (1989).
Em entrevista, Guimarães diz que o trabalho de fotógrafo com um viés mais
comercial permitia a realização de experimentos em relação à imagem no laboratório fotográfico
do estúdio:

Eu tinha um trabalho para ganhar a vida, tinha uma laboratório de fotografia p&b e um
estudiozinho com o Daniel Mansur e com o Fabinho [Fabio Cançado], na época tinha 2
sócios. A gente fotografava de tudo, casamento, barco, foto de sapato, foto de arame
farpado, foto de cavalo, e até vídeo, com o início do vídeo, filmar o evento, essas coisas.
A gente fazia tudo isso, e foi toda uma escola, essa coisa de fotografar casamento, como é
que eu fotografo um prédio. […]. Então a gente tentava inventar, mas o processo daquilo
de revelar, tinha um laboratório imenso com dois ampliadores p&b. [Eu] ficava ali
naquele laboratório escuro, revelando foto, brincando, fazendo minhas primeiras coisas,
experiências, realmente um processo bem artesanal de fotografia analógica, química. E
eventualmente eu participava de uma exposição ou outra. (informação verbal)4

A primeira exposição individual de Guimarães foi Après le Dèluge (1992) no


Itaugaleria de Belo Horizonte. As fotografias dessa época tratavam principalmente de
sobreposições de imagens realizadas no laboratório de revelação p&b.
Uma das técnicas utilizadas nesse período é a fotomontagem, que consiste em

                                                                                                               
4
GUIMARÃES, Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr.2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.

  13  
sobreposições de imagens durante a ampliação fotográfica, obtendo duas ou mais imagens sobre
um mesmo papel. Rememorando essa época, o artista nota que essas sobreposições de imagens
fotográficas foram influenciadas por certo barroquismo e morbidez que julga estarem presentes
nos círculos artísticos dos anos 1980.
É nessa época também que Guimarães tem acesso ao arquivo secreto de imagens do
avô, Cisalpino Gontijo. Essas imagens, submetidas à interdição durante a sua infância, tiveram
enorme impacto quando visualizadas em sua juventude, influenciando o início de seu trabalho
fotográfico.
Assim, em sua primeira exposição individual, Après le Dèluge, uma das fotografias
apresenta os números 938 sobrepostos à imagem de um carro na rua. No folder expositivo,
encontra-se uma poesia de Raimundo Carvalho e também o rosto de Guimarães, com a inserção,
em dupla exposição, de cruzes na imagem.

Fig. 1. Sem Titulo, 1992

Considerando a participação do artista em exposições coletivas, percebemos que nas


fotomontagens aparecem a descrição “técnica mista”, termo que, principalmente na década de
1980, era utilizado para denotar a intersecção do uso de diferentes linguagens expressivas, como
por exemplo, da pintura com a fotografia.

  14  
Na obra Sem Título, que compõe o catálogo da exposição Utopias Contemporâneas
(1992), Guimarães faz a sobreposição de duas imagens fotográficas: a de um pé e de uma mão
por cima da imagem de uma casa que parece estar em ruínas. Na fotografia, em preto e branco,
ainda está sobreposta outra imagem, desta vez colorida e que remete à textura de terra ou
serragem.

Fig.2. Sem Titulo, 1992

Embora o processo de sobreposição seja mais comum nas fotomontagens de


Guimarães, o artista também pratica durante esse período outros processos de manipulação
fotográfica. Um exemplo é a série Ex-Votos (1993), em que ele retira a camada de produtos
químicos usados no processo de revelação da fotografia.
As fotografias de Ex-Votos foram realizadas em parceria com sua companheira na
época, a artista Rivane Neuenschwander. A série foi o resultado de incursões fotográficas
realizadas durante as viagens pelas regiões de Alagoas, Sergipe e Bahia, onde foram capturadas
imagens de igrejas e santuários.
Após os cliques fotográficos e a revelação do filme, o papel fotográfico com a
ampliação da imagem era exposto ao fogo. O calor extraía a superfície do papel contendo a
emulsão fotoquímica, produzindo assim alguns efeitos de desconstrução na imagem fotográfica.

  15  
Em seguida, a película do papel era retirada e colocada em outro lugar, “como uma pele”, nas
palavras de Guimarães.

Fig.3. Ex-Votos, 1993

A série ganhou o prêmio Marc Ferrez de Fotografia, concedido pela Fundação


Nacional de Arte – Funarte, e, mais tarde, integrou o livro Novas Travessias: Contemporary
Brazilian Photography, de Maria Luiza Melo Carvalho, na seção de fotógrafos mineiros.
Guimarães afirma que com o tempo e com a prática artística, foi deixando de lado o
barroquismo inicial. Assim, o interesse anterior pelas fotomontagens e pelas sobreposições foi
esvaecendo, justamente por ele sentir que a imagem fotográfica já se apresentava saturada de
elementos.
Um dos trabalhos que indicam essa nova necessidade do artista em perceber o mundo
de outra maneira, e que se revela decisiva para as futuras proposições audiovisuais, é o projeto
Histórias do Não-Ver, iniciado em 1996. Na proposta inicial do projeto, Guimarães pede para que
amigos e conhecidos o “sequestrassem”, com uma única condição: a de que ele estivesse com os
olhos vendados e pudesse portar e utilizar uma câmera fotográfica.

  16  
A experiência como um todo encontra-se registrada em um livro que contém tanto as
fotografias resultantes dos “sequestros” como os relatos do artista sobre eles. Tal experimento,
imbuído de uma atenção a outros estímulos perceptivos como o auditivo e o tátil, indica a
aspiração de Guimarães em trabalhar expressivamente outros sentidos além do visual.
O projeto Histórias do Não-Ver foi finalizado em 2001, mas desde o início de sua
realização nota-se uma mudança significativa na trajetória expressiva do artista. As fotografias
antes “barrocas”, carregadas de imagens e sentidos, são deixadas de lado e o artista dá vazão,
cada vez mais, a uma linguagem audiovisual mais simples.

1.2 Histórias do Não-Ver: 1996-2001

Histórias do Não-Ver foi um projeto decisivo na carreira de Guimarães, responsável


pelo amadurecimento e síntese nos seus trabalhos de fotografia, vídeo e cinema. Como já
mencionado, o projeto consistia no pedido do artista para que amigos e conhecidos o
“sequestrassem”; sendo que nos sequestros seus olhos eram vendados e ele era conduzido por
lugares desconhecidos; e a única exigência era que pudesse portar uma câmera fotográfica, com a
qual registrava os lugares que não via, mas sentia e imaginava.
Iniciado em 1996, o projeto trazia a pretensão de Guimarães de, por meio do
dispositivo-sequestro, produzir um trabalho em que não houvesse o predomínio da visão. O que
deveria ser ou não fotografado era determinado pelos sentidos como o tato e a audição, então
mais aguçados que de hábito. A experiência resultou no livro Histórias do Não-Ver, lançado pelo
artista em 2001. Guimarães detalha a experiência na descrição do livro, escrita e editada
inicialmente por ele:

Convidei algumas pessoas para que me "sequestrassem".


Cada uma executaria o seu "sequestro" da forma que bem entendesse. Pedi a elas que não
me dessem nenhuma informação sobre os lugares para onde me levariam. Eu ficaria
esperando por elas em algum lugar combinado. Ou então não combinaria nada. Quando
chegassem, vendariam meus olhos e me levariam com uma câmera fotográfica e alguns
rolos de filme. Poderiam fazer o que quisessem comigo, contando que me deixassem
fotografar tudo, sem que eu nada visse. Só tiraria minha venda dos olhos quando estivesse

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de volta ao lugar de onde saíra (GUIMARÃES, 2013a, não paginado)

Para Guimarães, havia a necessidade de sentir o mundo por outros sentidos, pois
acreditava na visão como um sentido tirano em relação aos outros sentidos. Ao vendar os olhos e
ser guiado para algo desconhecido, havia a possibilidade de sentir e registrar o mundo de outra
maneira, por meio dos ouvidos, dos cheiros e do tato.
O que, aparentemente, pode soar contraditório no projeto Histórias do Não-Ver, já
que Guimarães trabalhava até então com o predomínio da visão, caracteriza-se como uma
importante transição para a maturidade das produções posteriores. Em relação ao repertório
anterior, caracterizado pelas fotografias e fotomontagens que já encontrava-se desgastado e
saturado, cria-se um dispositivo para que o mundo seja percebido de outra forma. Não estão mais
presentes os ímpetos de condensar em uma única imagem outras fotografias, mas de criar, na
junção entre literatura e fotografia, uma nova experiência, buscando outros sentidos e
proposições.
Em Micro-Notas sobre Histórias do Não-Ver, presente no posfácio do livro História
do Não-Ver, o pesquisador Teodoro Rennó Assunção aponta que as fotografias em questão são
“tiros no acaso”, mirando para o que é desconhecido ao artista. Apesar de a experiência ser
controlada, ela busca justamente o descontrole. Porém, mais que o descontrole, a procura por
outros sentidos refere-se a uma busca pessoal por um outro modelo, em que a vivência
desautomatiza e mostra outras formas de visualização do mundo ao redor, seja pelo uso de outros
sentidos ou pelo exercício da escrita em acessar a memória por meio das palavras.
Sobre a ideia inicial de Histórias do Não-Ver, o artista diz, na apresentação do livro,
que tudo se deu pelo acaso. Em um curso de natação matinal, percebeu que enquanto nadava
lembrava inevitavelmente de seus sonhos. Nadar permitia desligar-se de uma realidade mais
imediata, sendo que cada gesto automatizado permitia pensamentos mais livres, principalmente
em suas associações. Guimarães escreve que, cada braçada ou cada bolha de ar que era solta pela
boca, continha uma intersecção de diversos tempos, trazendo o resgate do sonho pela lembrança.
Porque, para o artista, como dito no livro, sonho e memória também são formas de sequestro.
Guimarães pretendia, com Histórias do Não-Ver, trazer um relato diferente da onipresença da
visão, registrando as várias realidades, reveladas por outros sentidos.

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O livro contém oito experiências de sequestros, sendo sete os relatos que revelam a
experiência de ser levado para lugares desconhecidos sem a visão.
A primeira sequestradora foi a artista Adrianne Gallinari, que sequestra Guimarães
em agosto de 1996 e o leva a uma barbearia em Belo Horizonte. No relato, o artista descreve o
contato da lâmina com a pele e o prazer em sentir o “composto de sódio, potássio, glicerina,
fragrâncias e água preenchendo a superfície de minha pele” (GUIMARÃES, 2013a, não
paginado). Os sentidos do tato e do olfato são despertados pela habilidade do barbeiro em fazer a
barba de Guimarães. Junto à ação do barbear pela navalha, a lembrança da infância e da primeira
vez que entrou em uma barbearia.
O barbeiro de sua infância era um homem que utilizava sandálias e, conforme os
pelos caíam, seus pés cobriam-se dos cabelos dos clientes. Guimarães diz que, no final do dia, a
imagem que fazia deste barbeiro era a de um ser meio-homem e meio-macaco. A descrição, feita
de modo poético, evoca a asserção de que “A memória é um lugar onde as coisas acontecem por
uma segunda vez” (GUIMARÃES, 2013a, não paginado), traçando uma relação entre a barbearia
do sequestro e a da infância.
As fotografias da experiência do sequestro mostram a navalha do barbeiro em
movimento e Guimarães em dois autorretratos em frente ao espelho. Em uma foto, o rosto com
espuma de barbear; em outra imagem, o rosto levantado e já barbeado.
No segundo relato, a sequestradora é sua esposa, Rivane Neuenschwander. O
sequestro ocorre na cidade de Londres, em dezembro de 1996. Guimarães é levado a um parque
onde ouve ao longe os ruídos da cidade. Neuenschwander o faz deitar sobre a grama e caminhar
entre folhagens secas. Em determinado momento do sequestro, o artista presencia sons da língua
árabe, o que o remete à recordação de uma antiga história de casamento em alguns países
muçulmanos. As três fotografias mostram um pedaço do céu, um campo de flores e a silhueta de
algumas pessoas de costas para o obturador fotográfico.
Em março de 1996, em Belo Horizonte, o sequestro ocorre por conta de Patrícia
Lacerda. O relato é a impressão de movimento que cerca Guimarães: “[...] rastros de alguns
volumes. O ar e a sua ausência” (GUIMARÃES, 2013a, não paginado). Nas fotografias,
fragmentos de alguém que segura uma guirlanda e flores em um local que se assemelha a um
parque. Em outra imagem, um vestido branco semelhante ao de uma noiva.

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O quarto sequestro não possui relato. Apenas o registro de uma fotografia Polaroid
capturada pelo sequestrador, Eduardo Motta, em agosto de 1996. Motta construiu, em Belo
Horizonte, uma “cabana”, um ambiente escurecido ao qual levou Guimarães para ficar um tempo
dentro do lugar. As fotografias do artista e a experiência não estão descritas no livro.
Segue-se a descrição do encontro com Ana Baravelli, que sequestrou Guimarães na
esquina da Rua Haddock Lobo com a Avenida Paulista, em julho de 1996. O relato menciona a
cidade de São Paulo e as associações suscitadas pela cidade que nunca dorme. Inicia-se então a
descrição do quinto sequestro, em que Baravelli guia o artista com os olhos vendados em direção
ao terraço de um prédio. O trajeto para o alto do prédio envolve a tentativa de Guimarães de
acertar o nome de um maquinista, o que ele faz tateando seu rosto e suas mãos, até arriscar o
nome “Walter”. A única fotografia da experiência mostra a Avenida Paulista vista de cima do
edifício.
A artista Rivane Neuenschwander aparece novamente no sexto relato de sequestro.
Em agosto de 1996, em Belo Horizonte, Neuenschwander sequestra Guimarães e o leva a um
parque de diversões. A sensação de frio no encosto do banco imóvel de um brinquedo e a
consequente movimentação que se segue trazem para o artista a recordação da infância e dos
tempos na escola. Na escrita, Guimarães reflete sobre a própria experiência: “Pensei, por alguma
razão, que este exercício esquizofrênico de ser “sequestrado” era uma tentativa persuasiva de
acelerar um processo natural de envelhecimento paralelo a uma certa infantilização”
(GUIMARÃES, 2013a, não paginado). A lembrança de estar sentado em frente à parede branca,
quando criança, é rememorada junto à alegria de estar no brinquedo de girar. As duas fotografias
do sequestro estão repletas de impressão de movimento. Em uma das fotos, duas crianças estão
suspensas em um brinquedo. A composição da foto seguinte apresenta a visão de alguém em uma
cabine de roda-gigante.
O penúltimo sequestro acontece em Barcelona, em fevereiro de 1997, pelo
sequestrador Luiz Henrique Horta. O artista dividiu o relato em duas partes. “O labirinto dos
sentidos” conta sobre o trajeto nas ruas de Barcelona, em que a audição das ruas é predominante;
e em “O labirinto da alma”, Guimarães narra a entrada numa igreja, em que os sons de um coral
são acompanhados por um órgão. Ao sentar-se em um banco, ouve a reza de uma mulher
próxima a ele. A reza e a fé são colocadas em questão, aproximando, ao fato do artista não ver, a

  20  
crença em algo imaterial. As fotos são do ambiente interno da igreja, apresentando uma mulher
rezando, velas acesas e a cúpula da igreja.
O oitavo sequestro também ocorre na Espanha, na capital Madri, com o sequestrador
Ramón Lopes. No livro de Guimarães, após a descrição da data, fevereiro de 1997, há a
observação do artista em que diz que este foi o último da série de sequestros e foi o único do qual
não foi avisado. Por ser a experiência mais radical e complexa do livro, o texto do artista foi
dividido em três partes.
A primeira narra a invasão de um homem e de uma mulher no apartamento do amigo,
onde Guimarães estava hospedado. Depois da insistência do interfone, o artista abre a porta para
uma mulher, que lhe aponta uma arma. O outro homem, junto à mulher, está na ação de
questionar e de vasculhar os objetos do apartamento. Os dois invasores descem as escadas,
vendam o artista e o direcionam para a rua. Na calçada, o amigo Ramón Lopes o abraça e diz que
o sequestro estava apenas começando.
Segundo o relato de Guimarães, após a invasão do apartamento, ele foi colocado em
um táxi. O sequestrador se autonomeou “Tirano de Bergerac” e mandava que o artista obedecesse
todas as suas ordens. É nessa segunda parte que o sequestrador Lopes dá para Guimarães uma
câmera fotográfica, com a qual registrou o taxista que o levava para o destino incerto.
Ao chegar no lugar preparado pelo sequestrador, uma casa fria, Guimarães recebe a
ordem de se despir totalmente e subir em cima de um colchão. O som é de câmeras de filmagem
e do pianista cego Tete Montoliu. Fragilizado pela situação, Guimarães entende-se como alguém
sozinho em uma pequena ilha. Após um tempo, uma mulher nua e também vendada se aproxima
e permanece junto a Guimarães. É quando o sequestrador “Tirano de Bergerac” ordena que os
dois escrevam palavras em seus corpos. O que se segue é o relato final nas palavras do autor: "E
já tínhamos um alfabeto quando começamos a escrever sobre o corpo do outro o que antes, no
início, era apenas verbo" (GUIMARÃES, 2013a, não paginado). As duas fotografias são de um
corpo feminino, registradas no terceiro momento em que o sequestro já estava sendo finalizado.
Histórias do Não-Ver foi apresentado inicialmente no 21º Panorama de Arte do
MAM. Na exposição, era possível folhear o livro e ver as fotografias em grande formato nas
paredes. O museu ainda continha uma instalação que, além de mostrar outras fotos que não
estavam presentes no livro, trazia na voz do artista a narração de excertos do livro. A primeira

  21  
edição foi editada e finalizada por conta de Guimarães. O livro era passível de compra na loja do
Museu de Arte Moderna.
Em 2013, a instalação foi remontada na exposição Ver é uma Fábula, no Instituto
Itaú Cultural. O livro foi relançado pela Editora Cobogó e vendido durante a abertura da
exposição e, logo em seguida, em livrarias. A instalação, localizada no subsolo, continha o texto
introdutório junto ao livro, para ser folheado pelos espectadores, assemelhando-se à montagem
anterior no MAM. Porém, na sala de projeção, a narração junto às fotografias tornou-se mais
extensa, além da incorporação de elementos gráficos mais marcantes em alguns trechos, como no
último relato do sequestro.
Assim, o projeto Histórias do Não-Ver é a concretização de uma importante fase, e
atua como um divisor de águas. Se, antes, havia excessos na linguagem fotográfica, passa-se
agora à criação de um dispositivo de percepção que registra por novos sentidos. A importância do
projeto e do livro também engloba a visão do artista em relação ao outro.
No texto Correspondências, Guimarães trata de seu processo com a também artista
mineira Marilá Dardot. Ambos falam do papel do espectador, o outro que terá igual importância
em seus papéis e na construção do sentido da obra:

Apesar de eu ter sido agente detonador do processo, ou seja, o que “lançou os dados ao
acaso” e quem vivenciou a experiência como sequestrado, esse processo continua no
sequestrador e principalmente no espectador (no caso o leitor do livro). Existe uma
interação entre agentes e pacientes do processo, uma troca de posições e de valores. Não é
mais apenas o agente-artista o único agente criador. O “sequestrador”, ao criar uma
realidade para que o artista a vivencie, é também agente criador da obra. Como também
aquele que lê o livro, o chamado espectador, torna-se ativo ao ter que desvendar as
realidades que se escondem por trás daquelas imagens e textos e principalmente na
relação entre uma coisa e outra. (DARDOT; GUIMARÃES, s.d., p. 4)

Assim, o artista entende as relações e os sequestros como um jogo, estabelecendo um


dispositivo inicial, porém aberto para o acaso e para o impensável nas relações entre aquele que
inicia a proposição e aquele que se põe em contato com o trabalho.
Como importante obra na transição para outro período, Histórias do Não-Ver resulta-
se principalmente do cansaço das imagens e mesmo da saturação inicial das primeiras

  22  
investigações fotográficas. O artista então disponibiliza outros sentidos, e não mais a visão, para
compreender e entender o mundo, burilando o pensamento fotográfico e os mecanismos de
propositor/realizador de obras audiovisuais para outro nível de maturação.

  23  
  24  
2. O PENSAMENTO DE CAO GUIMARÃES

Após passar a juventude em Belo Horizonte, Cao Guimarães muda-se com a artista
mineira Rivane Neuenschwander, para Londres. O casal viveu na capital inglesa no período de
1996 a 1998, ocasião em que Neuenschwander5 era bolsista e residente no Royal College of Art.
O deslocamento para a cidade de Londres tem papel crucial na trajetória de
Guimarães, pois é um período em que o artista dispõe de tempo livre, sem obrigações trabalhistas
ou acadêmicas. Os dois anos de vivência em Londres foram determinantes no que o artista
considera ser um período de fortificação interna, em que o ócio tornou-se um dos elementos para
a construção do trabalho artístico.
Para o artista, o ócio é um dos fundamentos para desenvolver suas obras, sendo um
estado em que se predispõe a estar aberto, disponível ao conhecimento. Guimarães diz que ao
sentir-se nesse estado ocioso é que há possibilidade de aparecimento da vontade, e ele a descreve
como uma “espécie de nuvem ou camada atmosférica que vai envolvendo lentamente meu ser”
(DARDOT; GUIMARÃES, s.d., p. 11). A partir do surgimento dessa vontade é que há a
transformação do ócio em ação e a construção e efetivação de um trabalho artístico.
Desse modo, a ociosidade dos dias londrinos fez com que ele passasse a observar os
pequenos eventos do cotidiano, como as diferentes gradações que irradiavam pela janela do
apartamento. O tempo de observação vagaroso, a contemplação dos pequenos eventos do dia a
dia, foram importantes para criar a vontade de registro, o que ocorreu por meio da câmera Super-
8.
O recurso ao Super-8 começou a ser utilizado por Guimarães principalmente pela
facilidade de acesso, gravação e edição, tornando-se desde então um dos principais suportes de
captação de imagens para o artista. As filmagem iniciais costumavam ser realizadas em uma
velocidade reduzida, quadro a quadro, por questão de economia e para que o filme pudesse ter
                                                                                                               
5
A artista, nascida em 1967, formou-se na Escola de Belas Artes da UFMG, em 1994. Desde o período londrino,
Neuenschwander obteve progressivo reconhecimento artístico internacional, consolidando-se como um dos grandes
nomes da arte contemporânea. Ela trabalha principalmente por meio de instalações, embora desenhos, esculturas e
vídeos estejam presentes em sua produção artística. Em seus primeiros trabalhos, a artista utilizava materiais
perecíveis como casca de alho, pétalas, migalhas de pão, entre outros. O uso de materiais cotidianos, o interesse pela
linguagem e a interferência mínima e sutil em certas paisagens, são interesses comuns e constantes em sua
produção. O livro Um Dia Como Outro Qualquer, organizado por Paulo Herkenhoff, traz um panorama mais
completo da produção da artista.

  25  
uma duração mais prolongada.
A câmera era utilizada com o filme kodachrome6, cujo cartucho era facilmente
encontrado numa loja próxima ao apartamento de Guimarães em Londres.
O processo cômodo de revelação dos cartuchos consistia em enviar a película para o laboratório
por meio do correio londrino. O artista costuma dizer que mandava os cartuchos para serem
revelados pela Kodak na Suécia e recebia em casa, uma semana depois, o que havia filmado.
Guimarães diz que essa situação prática de envio e recebimento do material era como se
mandasse uma carta para si mesmo (GUIMARÃES, 2009b).
A estadia em Londres e o início das filmagens em Super-8 vieram em conjunto com a
admissão de Guimarães no mestrado em estudos fotográficos na Westminster University of
London. Apesar de não ter finalizado a graduação em Belo Horizonte, o artista levou seu
portfólio e foi admitido pelo reconhecimento de sua produção artística.
Na universidade, obteve contato com a edição não-linear – a edição por meio de
computadores que permite a passagem do analógico para o digital – ganhando mais liberdade no
processo de montagem fílmica. Anteriormente, em Belo Horizonte, ele só havia tido contato com
a edição de vídeo em fita e o uso era basicamente no VHS.
No mesmo período, filiou-se ao Filmmaker’s Co-Op, importante ponto colaborativo
de produção experimental fílmica, onde ele podia utilizar a moviola de Super-8 disponível para
os sócios.
Segundo Guimarães, desde as primeiras investigações fotográficas, a sua vontade
sempre foi a de fazer cinema, sendo esse seu principal desejo como produtor de imagens. Na
época em que vivia na capital mineira, fazer cinema ainda era um sonho e a produção fílmica
limitava-se a alguns pequenos filmes investigativos feitos com o equipamento de seu avô.
A partir da mudança para Londres, o artista vislumbra a possibilidade de fazer
cinema, de um modo mais pessoal e intimista. A ociosidade dos dias e o ambiente cosmopolita da
cidade, que permitia o frequente acesso às exposições de arte contemporânea, foram
fundamentais para que o artista realizasse as primeiras filmagens em Super-8:

                                                                                                               
6
Kodachrome é um filme diapositivo, filmado e revelado como imagem positiva, produzido pela Kodak. Deixou de
ser produzido em 2005.

  26  
Com o tempo dilatado, vivendo as delícias e as agruras de um estrangeiro, encontrava
significados e força expressiva em qualquer evento banal do cotidiano. Toda uma nova
linguagem de meu trabalho foi se revelando justamente nesse ócio cotidiano de afazeres
domésticos numa cidade estrangeira. E para isso foi fundamental o reencontro com o uso
do equipamento kodachrome (cujas cores eu achava de uma graça única). (GUIMARÃES,
2009a, p. 42)

As filmagens iniciais são do entorno, de lugares com os quais o artista convivia


diariamente. São imagens de gotas de água nos vidros, a sombra das árvores, pessoas caminhando
na rua.
A atenção ao cotidiano revela o interesse do artista na forma pela qual os elementos
estão dispostos no mundo. Em um texto escrito durante o período londrino, Guimarães reflete
sobre o exercício da observação regular diária e a contemplação sem uma necessidade objetiva. O
artista propõe um olhar em que todos os elementos atuam como formas expressivas:

Em Hume, o conhecimento é adquirido através do hábito e da observação – a percepção


diária do movimento do sol durante o ano pela projeção da sombra de um arbusto no
parapeito da janela. Mas e se fôssemos um pouco além do mero conhecimento objetivo e
começássemos a observar apenas as linhas e as formas das coisas? E se nos habituássemos
a olhar o mundo de uma forma ausente de objetividade porém plena de expressividade?
(GUIMARÃES, 1997, p. 38)

O hábito da contemplação, o ato de observar sem um propósito definido, são


características que estão presentes na personalidade de Guimarães. Ele acredita que sempre teve
esse aspecto contemplativo, de ficar observando a chuva, por exemplo, com um olhar perdido
(informação verbal)7.
O período londrino foi importante para a formação de Guimarães por despertar a
contemplação das formas, cores, por meio da ociosidade dos dias. O artista percebeu mais
atentamente o que era próprio de seu temperamento e fez dessas características um primeiro
                                                                                                               
7
No original “Eu acho que sempre fui um pouco preguiçoso, essa coisa do ócio, do contemplativo, digamos assim,
isso é uma parte da minha personalidade. Eu sou assim, um pouco contemplativo, tá chovendo, às vezes eu fico
assim, olhando a chuvinha. Fico assim, com aquele olhar morto, perdido”. In: GUIMARAES, Cao. Cao Guimarães:
depoimento [abr.2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.

  27  
movimento para iniciar sua produção artística audiovisual.
Cinéfilo e “rato de cineclube” em sua juventude, Guimarães viu durante essa fase
estrangeira a possibilidade de fazer cinema, de um modo próprio, caseiro e individual,
autointitulado Cinema de Cozinha.

2.1 Cinema de Cozinha

Cinema de Cozinha é um termo criado por Cao Guimarães que descreve sua produção
em que trabalha como diretor, fotógrafo e editor dos próprios filmes. Na fala do artista, a ideia do
Cinema de Cozinha é atribuída principalmente no começo de sua carreira, para abordar a
produção fílmica em curta-metragem, individual e intimista, como um exercício de observação
solitária do mundo (GUIMARÃES, 2009c, não paginado).
Para Guimarães, o Cinema de Cozinha surgiu durante o período em que viveu em
Londres, pois era literalmente na cozinha onde realizava a montagem e telecinagem dos filmes.
Era nesse lugar que Guimarães também apresentava seus primeiros curtas-metragens aos amigos,
por meio de um velho projetor adquirido na capital inglesa.
O termo também está associado à vivência e ao processo particular, em que
experimentava uma realidade diferente da qual estava acostumado na capital mineira. Desse
modo, o artista se permitia investigar o processo fílmico sem qualquer tipo de imposição ou
cobrança de exposições artísticas.
Tal como na gastronomia, a cozinha era o espaço para experimentar, pois era ali que,
de forma distinta aos padrões dos laboratórios industriais, o artista podia permitir-se o erro e o
acaso enquanto trabalhava nos filmes; incorporando, assim, eventuais “falhas”.
Ao falar sobre o Cinema de Cozinha, Guimarães diz que o termo é, por excelência, o
lugar do outro que ressignifica e reinventa a proposição inicial do artista. No texto de
apresentação da mostra retrospectiva Cinema de Cozinha no Sesc, o artista diz que “como
qualquer ‘cozinheiro’, sempre ajuntei estranhos ingredientes para formar pequenos bolinhos, com
o propósito de que a digestão se realize no estômago do outro” (GUIMARÃES, 2008, não
paginado).
O outro, no caso o espectador, é considerado pelo artista como aquele que será capaz de

  28  
reinventar o filme e que fará as associações livres e pessoais diante do próprio repertório.
A cozinha é também o local que Guimarães identifica como o lugar de encontro e que
remete às memórias de sua infância, como “o cinema que vem de dentro de casa, da luz da tarde
que brilha no azulejo, do grão de feijão que cai da peneira, cheio de presença e vida, diante dos
olhos abobalhados de uma criança curiosa” (GUIMARÃES, 2008, não paginado). No texto em
que escreve sobre esse tipo de cinema repleto de afetividade, Guimarães dedica a mostra à
cozinheira Zezé e às lembranças de seus trabalhos na cozinha, como lugar de descoberta:

A cozinha é o lugar da casa de que mais gosto, é o lugar da casa onde todas as visitas se
encontram, onde, apesar do farto espaço da sala, todo mundo se aglomera. A cozinha é na
casa o lugar do outro. E foi lá também onde, entre vidros de azeite, miolos de pão, geleias
e farelos, liguei pela primeira vez um velho projetor de super-8 para mostrar para alguns
amigos as primeiras bobagens que filmei. (GUIMARÃES, 2008, não paginado)

O espaço da cozinha foi o lugar em que Guimarães realizou suas primeiras montagens
e também o local em que formou um “circuito exibidor” amador para mostrar as experiências aos
amigos. O período em que permaneceu em terra estrangeira foi importante principalmente porque
o artista viu-se com a possibilidade de fazer um cinema próprio, desprendido de regras, sem a
necessidade de grandes orçamentos ou equipes.
Depois da vivência londrina, o artista reflete em seu texto o quanto esse espaço da
casa foi, durante sua infância, uma área de memórias e afetividades. Ao retornar para a cidade de
Belo Horizonte, Guimarães passa a ter uma ampla produção e visibilidade no campo audiovisual.
Ao ser questionado se o Cinema de Cozinha ainda existe atualmente, pois ele começa
a realizar parcerias e seus filmes passam a ter um maior número de pessoas na equipe, ele diz que
não acredita que tenha se distanciado desse tipo de cinema. Para ele, a cozinha só foi equipada
com elementos mais modernos e sofisticados, porém os ingredientes se mantêm os mesmos para
que se faça uma boa comida (GUIMARÃES, 2009c, não paginado).
A relevância do Cinema de Cozinha no início da produção audiovisual de Guimarães
traz uma atitude independente e um posicionamento desprendido do mercado que permanece ao
longo da carreira do artista.

  29  
2.2 Micro-dramas da Forma

A partir de 2001, Guimarães começa a utilizar o termo Micro-dramas da forma para


falar principalmente dos seus curtas-metragens nos quais há o interesse formal pela imagem. Para
ele, a forma, seja ela de objetos ou de seres, expressa por ela mesma um conceito, uma maneira
de visualizar o mundo. O artista entende que qualquer forma, presente na realidade, vistos a partir
da observação cuidadosa, pode ser potencialmente expressiva enquanto temas de um filme. Uma
bolha de sabão, formigas, as luzes de um parque atuam como personagens nos curtas-metragens,
pois são capazes de criar interesse para aquele que olha e vê algo que está além do ínfimo.
Quando Guimarães diz que uma folha que cai ao vento ou o ruído da água podem ser
tão expressivos quanto uma cantora de ópera (GUIMARÃES, 2005a, não paginado), o artista
chama atenção para a simplicidade dos eventos cotidianos, detalhes que normalmente passam
despercebidos. Para ele, os Micro-dramas da forma:

[...] funcionam como dramatização da forma no sentido de que guardam em si uma


especificidade ou potencialidade dramática qualquer. Uma bolha de sabão ou as luzes de
um parque de diversão possuem em si mesmas uma enorme dramaticidade. Não preciso
roteirizar as luzes de um parque de diversão para filmá-las e mostrar a sua expressividade.
Filmo as luzes como uma dança, um som, um evento hipnótico. (GUIMARÃES, 2009a, p.
29)

Nesse sentido, os Micro-dramas da forma são o resultado da contemplação de


acontecimentos ordinários. A partir da atenção cuidadosa da realidade, o acontecimento/ação/fato
é registrado e transformado em curta-metragem.
Porém, os curtas-metragens que vemos, também chamado de “filminhos” pelo artista,
não são simplesmente apresentados do mesmo modo em que são gravados, vale dizer, sem
nenhum artifício de montagem ou edição.
A “dramaticidade” provém de um trabalho de montagem, de pós-produção, em que
elementos como forma, cores e sons são ressaltados. A alteração da velocidade, a inserção de
uma trilha sonora mais marcada, são maneiras de tornar os elementos/personagens filmados mais
incisivos, para que o espectador perceba esses componentes corriqueiros de outra forma.

  30  
Os curtas-metragens são, em um primeiro momento, resultados de uma observação
cuidadosa daquilo que cerca o artista. Após a captura das imagens, seja por meio do Super-8 ou
do vídeo digital, Guimarães altera a velocidade das cenas, colocando um slow motion para que a
movimentação seja mais bem percebida. Desse modo, a forma torna-se mais perceptível e se
revela juntamente com o trabalho sonoro composto pelo O Grivo.
Com efeito, os curtas-metragens de Guimarães nunca são apenas um simples registro
da realidade. O artista compõe o audiovisual de curta duração de uma maneira que o espectador
visualize a partir de elementos visuais e sonoros, potencializando assim, a atenção diante os
pequenos eventos formais que nos cercam.
Os Micro-dramas da forma trazem assim características próprias da maneira como
Guimarães vê e organiza visualmente as informações do mundo. A composição dos elementos é
algo presente em seu olhar, considerado inato para o artista:

Eu tinha uma propensão ou um “talento” maior com a questão do olhar, a questão da


visualidade, através deu uma câmera, de olhar o mundo, compor quadros. Toda essa
questão da visualidade, da iconoplastia, e tal, isso é muito forte para mim. Eu tenho uma
tendência natural a olhar para as coisas e compor elas. Então, isso é uma coisa muito
natural em mim. (GUIMARÃES, 2013b)

Nesse aspecto, o princípio fotográfico, desenvolvido logo no início da produção, pode


ser considerado influente na constituição dos filmes. O apuro no enquadramento e a maneira pela
qual a forma vai se constituir na imagem em movimento é algo significativo em toda a produção.
No que concerne à exibição, os Micro-dramas da forma, presentes, sobretudo nos
curtas-metragens, não costumam ser criados para serem visualizados dentro de uma narrativa
com “começo, meio e fim”. Apresentados em espaços expositivos, como galerias e museus, os
“filminhos” são colocados em loop. A forma, a movimentação dos personagens e a sonoridade
devem prevalecer e criar sentido para o espectador.

2.3 A Metáfora do Lago

A Metáfora do Lago é um conceito criado por Guimarães pelo qual reflete sobre os

  31  
diferentes modos do realizador se relacionar com a realidade. Trata-se então de uma forma do
artista pensar sobre a sua presença e função no mundo, em que a obra é resultado do embate e
questionamento com o mundo.
O conceito trata de pensar a realidade como a superfície de um lago/lagoa, onde o
realizador é aquele que pode estabelecer três maneiras de se relacionar com o lago-realidade:

A realidade é uma coisa híbrida, multifacetada pela incidência de olhares diversos,


espelho sem fundo de um homem, uma cultura, um país. Se a pensarmos como uma
lâmina reflexiva, que nos reflete e nos faz pensar, se a compararmos à superfície de um
lago, poderemos nos relacionar com ela de pelo menos três maneiras (GUIMARÃES,
2007, p. 70)

O primeiro modo refere-se à contemplação. O realizador coloca-se sentado em um


barranco, observando a superfície do lago. Existe nesse modo, a possibilidade de distanciamento
da realidade, por um olhar longínquo que passa e percorre a superfície, acompanhando algo
externamente. Percebe-se a realidade principalmente de modo visual e contemplativo.
A segunda maneira posiciona o realizador sentado, ou próximo à margem do lago, há,
contudo, a ação do realizador em lançar uma pedra em direção ao lago. Essa pedra pode ser um
conceito, uma ideia, um dispositivo que faz com que a realidade altere sua condição inicialmente
estável. Guimarães entende que os trabalhos desse modo propositivo são regidos pelo princípio
de ação e reação, à maneira de um jogo, nos quais o sentido de autoria ganha outras proporções.
Quando Guimarães trata de autoria, faz menção à possibilidade de iniciar uma dinâmica, o “jogar
a pedra”. No entanto, existe a participação de outras pessoas para que a obra aconteça.
O terceiro modo de interação lança o realizador para dentro do lago. Ele mergulha
total e imersivamente na realidade. De dentro do lago, mantendo os olhos abertos, ele procura
vivenciar e investigar temporariamente o que está além da superfície. É o modo que, segundo o
artista, permite um embate, a mesclagem mais direta entre o realizador e uma realidade distinta a
qual está acostumado.
Os três modos de convívio com o lago/realidade podem funcionar em conjunto, não
apenas de maneira isolada. Eles podem atuar também como modos complementares. É comum
que, antes da imersão, aconteça o estudo cuidadoso e contemplativo da realidade. Em primeiro

  32  
lugar, o olhar elege algum elemento que lhe chame atenção. Depois da observação, o artista
decide por um movimento ou ação de interferência na superfície do lago/realidade.
A Metáfora do Lago e outros conceitos podem ser interpretados de diferentes
maneiras, no entanto a influência da filosofia é marcante em todo o pensamento de Guimarães.
Em meados de 1995, ele chegou a estudar filosofia, na UFMG, algo que inevitavelmente percorre
a sua reflexão:

O fazer filosofia, o fato de, ou de ter lido, muita literatura ou ter, de adorar Dostoievsky
ou Guimarães Rosa, ou sei lá, as influências de um modo geral, tudo que você faz na vida
influencia meu trabalho. […] Tinha muita coisa que não me interessava ler e eu achava
chato, ler Kant eu nunca consegui ler direito. Já ler Walter Benjamin, Nietzsche, pessoas
que têm a forma literária do escrever, mesmo o texto filosófico, isso me fascinava muito
mais. Não era aquela coisa árida de um texto de lógica, lógica então eu nem passei do
primeiro período. Então é óbvio que eu não me formei em filosofia, mas foi muito
importante entrar em contato com esses filósofos, com esses conceitos todos, com esse
exercício do pensar, ou de criar conceitos. E isso eu acho que é uma ferramenta muito
importante para o artista. A filosofia ela é uma irmãzona assim da arte que ela provê a arte
de milhões de possibilidades, que é fascinante esse mundo abstrato dos conceitos,
digamos assim (informação verbal)8.

O artista considera que existem vários tipos de realidades. Para ele, são questões
filosóficas que perpassam o objeto real e que podem apresentar subjetivações, intersecções de
diferentes pontos de vista, sendo que tudo depende de quem vê e como vê.

2.4 Sobre o Cinema

Considerando que o cinema é uma arte relativamente nova, se comparada à história


da arte, a poesia ou a literatura, para o artista o cinema ainda estaria engatinhando, o que
dificultaria desvincular a arte cinematográfica das influências literárias e teatrais. O domínio de
outros campos artísticos, principalmente por meio da palavra, comprometeria a autonomia do
cinema. Desse modo, o artista considera que audiovisual é basicamente imagem e som em sua
                                                                                                               
8
GUIMARAES, Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr. 2013]. Depoimento concedido a Cássia Hosni.

  33  
essência:

É uma arte que ainda está engatinhando, ainda está de fralda. No início do cinema, quem
foram os produtores cinematográficos? Gente da literatura e do teatro, basicamente, que
impregnou demais a arte cinematográfica com a palavra e o aspecto dramático. Durante a
história do cinema, houve várias tentativas de buscar outra essência. Algo mais elementar,
imagem e som, audiovisual. Com a palavra sendo uma das possibilidades sonoras, não a
principal. O cinema é muito impregnado o tempo inteiro pela palavra e pela atuação do
teatro. (GUIMARÃES, 2010a, não paginado)

Um outro pensamento próprio do artista diante da história do cinema, considera que o


cinema perdeu progressivamente o caráter de espacialidade que existia nos primórdios da criação.
A origem cinematográfica, para ele, considerava a percepção espacial do espectador, por meio da
distância entre o cinematógrafo e a plateia.
O cinematógrafo, antes colocado no meio da sala, era aquele objeto fascinante,
emissor de luz, que por si só já era deslumbrante aos olhos de uma plateia curiosa. Guimarães diz
que o desenvolvimento da narrativa clássica escondeu o aparelho e priorizou a temporalidade
dada pelos personagens e pelas histórias.
Perdeu-se, assim, a noção de espacialidade das salas de exibição em favorecimento ao
“contar histórias” por meio das imagens em movimento. O cinematógrafo deixou de estar
presente fisicamente nas salas, e permitiu que o espectador imergisse na narrativa, “o espaço da
sala ficou escurecido e a montagem profissional (o exercício do ‘esculpir o tempo’) surgiu”
(GUIMARÃES, 2009a, p. 44).
Guimarães considera que tem dificuldades em pensar arquitetonicamente em um
espaço específico depois de finalizar seus filmes. Por isso, o cinema é por excelência o lugar em
que Guimarães pensa a exibição dos seus longas-metragens. Os filmes produzidos por ele são
trabalhos que demandam maior duração em sua produção e é desejável que sejam exibidos em
um ambiente escuro, confortável para o espectador. Nesse sentido, a sala de cinema é vantajosa
para que o espectador perceba o filme ao longo da duração, diante a estrutura pensada pelo
artista.
Dentre os inúmeros suportes disponíveis hoje para a exibição, Cao acredita que cabe

  34  
ao artista sugerir a melhor forma de mostrar uma obra fílmica. Geralmente uma projeção que
prime pela boa qualidade da imagem e do som são fundamentais para que exista a almejada
fruição do espectador. Como dito pelo artista, “a potência do meu trabalho está na peça
audiovisual em si” (GUIMARÃES, 2009a, p. 45), em que qualquer informação a mais, como
efeitos especiais se tornam desnecessários.
Para ele, a exibição cinematográfica considera o transcorrer da duração, desenvolvida
no tempo. É importante que o espectador entre no começo da projeção e saia apenas quando ela
tiver acabado. (informação verbal)9. A questão temporal do cinema é primordial para que o
exercício da montagem se manifeste de forma convincente para os espectadores. Guimarães diz
que a montagem é o momento em que ele consolida e cria, de fato, o filme:

Cinema é esculpir o tempo. Você esculpe o tempo na montagem do filme. Quase nunca
faço roteiro dos meus trabalhos. Quase sempre escrevo o filme quando edito. Saber o
tempo de cada plano, da imagem, do filme, uma curva do tempo, isso tudo foi feito nos
primórdios do cinema, com a interferência da literatura e do teatro muito forte e a
presença da roteirização e da dramaturgia. (GUIMARÃES, 2011a, p. 84)

Desta forma, o período da edição, da montagem do filme, é o momento em que o


filme se faz, quando há a organização do caos e os elementos começam a fazer sentido. A
expressão “esculpir o tempo”, reflexão de Andrei Tarkovski desenvolvida em seu livro
homônimo, se mostra como uma das influências diretas para o cinema de Guimarães. Outra
influência, no começo da carreira do artista, foi o método cut-up, popularizado por William
Burroughs como uma maneira de produzir literatura aleatoriamente.
Na juventude, a cinefilia de Cao permitiu que o artista entrasse em contato com as
obras de Tarkovski e desde então fizesse delas uma de suas referências. Outro cineasta que o
influenciou, sobretudo na montagem, foi Mario Peixoto, no filme Limite. Guimarães considera
que o filme de Peixoto abriu as possibilidades cinematográficas, sendo fundamental para a sua
formação.
A preocupação na montagem é um dos princípios norteadores da produção fílmica de
Guimarães. Durante a edição dos filmes, ele considera a relação do afeto e do acaso nas imagens
                                                                                                               
9
GUIMARÃES, Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr.2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.

  35  
que foram capturadas anteriormente. Assim, ele acredita que é nesse momento em que as
imagens tomam forma, como se uma divindade se manifestasse através do seu corpo:

O afeto e o acaso são essenciais. A razão está ali para administrar esse fluxo porque,
enquanto você faz o filme, o filme te faz. Merleau-Ponty escreveu: “Não é o escultor que
esculpe a escultura, é a escultura que esculpe o escultor”. Então existe uma coisa
recíproca, um fluxo em que você é como um “cavalo no pai de santo” do candomblé. O
“cavalo” é aquele que recebe o santo. É como se o filme estivesse montando em você e
você vai gerando aquela forma final. (GUIMARÃES, 2005b, não paginado)

O artista declara que o tipo de cinema que realiza é completamente fenomenológico.


Desde a Metáfora do Lago que aborda os modos de produção inicial diante a realidade, até a
finalização do filme, o que lhe importa é o fluxo contínuo e a reciprocidade nas relações entre
realizador, a realidade e o sujeito/espectador. O filme é assim uma entidade viva com a qual se
relaciona em todos os momentos da criação. Ele acredita que a narrativa de seus filmes inicia-se
nas filmagens e se completa na montagem (GUIMARÃES, 2010a).
Após a realização dos filmes um questionamento que recebe constantemente diz
respeito à distribuição de seus filmes. Ele diz que mesmo quando seus filmes começam a passar
em grandes festivais de cinema, não há condições de entrarem em cartaz no circuito comercial.
Os longas-metragens produzidos se ligam mais uma questão de “gostar de fazer
cinema” independente da preocupação em distribuí-los. Guimarães diz que seus filmes
dificilmente são sedutores para os distribuidores:

Os distribuidores realmente acham que o público não vai gostar, aquela mania do universo
industrial e burocrático do cinema de achar o público potencialmente ignorante (ou
incapaz de perceber novas formas de fruição cinematográfica). Esse engessamento você
não encontra muito nas artes plásticas. (GUIMARÃES, 2010b)

Apesar das limitações referentes ao mercado cinematográfico, ele não se preocupa


demasiadamente com o problema de distribuição. Para ele, “filmes são como filhos, em
determinado momento têm que encontrar sua história e seguir nela” (GUIMARÃES, 2010b).

  36  
Como mencionado anteriormente, Guimarães considera que o audiovisual é
constituído de imagem e som. Diante desse propósito, o artista contou com a parceria de sua
“cara-metade”, o duo O Grivo, responsável por toda a sonoridade nos curtas e longas-metragens,
assim como nas instalações.
O aspecto sonoro-sensorial de O Grivo será primordial para a criação de sentidos e
interpretações dos espectadores perante a obra de Guimarães. Segundo o artista, “A grivolândia é
uma espécie de fábrica de para-sol para partículas sonoras ou uma máquina coletora do ordinário
sonoro expressivo esquecido por nós. (...). O Grivo ensinou-se a escutar!” (2010c, não paginado)

  37  
  38  
3. A DIMENSÃO SONORA DE O GRIVO

O Grivo é composto pelos artistas mineiros Nelson Soares e Marcos Moreira Marcos,
conhecido como Canário. A dupla iniciou sua trajetória por meio da música, Soares tocava
bateria e Canário era violonista e guitarrista. Na década de 1980, eles costumavam realizar
apresentações jazzísticas em Belo Horizonte.
Progressivamente, a dupla começou a manifestar um interesse cada vez maior em
trabalhar por meio de improvisações. Incentivados por professores e realizando uma série de
investigações sonoras, eles deixaram o jazz e passaram a atuar em composições próprias.
Assim, reuniram na década de 1990, uma série de trabalhos autorais para
apresentação pública. Soares conta que a origem do nome partiu de um concerto que eles iriam
realizar no festival Giramundo, na França, onde era necessário colocar um nome para a dupla,
antes assinado apenas como duo guitarra e bateria (informação verbal)10. O nome O Grivo foi
escolhido de forma aleatória, ao folhearem um livro. Depois que a dupla já estava representada
pelo nome é que houve conhecimento do personagem Grivo, do conto “Cara-de-Bronze”, do livro
Corpo de Baile, de Guimarães Rosa.
O trabalho investigativo de O Grivo passa a ser mais atuante na década de 1990,
quando começam a explorar a sonoridade e a improvisação por meio de fontes acústicas e
eletrônicas. Soares e Moreira trabalham em três frentes musicais: a captação e a elaboração de
trilhas sonoras fílmicas; a criação de concertos musicais; e a realização de instalações
audiovisuais. Os concertos e as instalações envolvem a participação dos maquinários – objetos
musicais criados pelo duo que funcionam como instrumentos sonoros e visuais.
No campo das trilhas sonoras, O Grivo tem trabalhado com diversos documentaristas.
Cao Guimarães e O Grivo são parceiros desde 1998, mas a dupla também realizou as trilhas
sonoras dos filmes de Marília Rocha, Marcos Pimentel, Helvécio Marins Jr. e Clarissa
Campolina. Nos projetos fílmicos, é comum que a dupla acompanhe todo o processo de
realização do filme, desde a captação do som acústico, a edição, até a finalização sonora.
A presença da dupla durante as filmagens reflete no produto sonoro final, pois
enquanto captam os sons junto com toda a equipe, O Grivo já começa a pensar o desenho sonoro,
                                                                                                               
10
SOARES, Nelson. Nelson Soares: depoimento [abr. 2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.

  39  
a identidade sonora do filme.
Para a dupla, a concepção de trilhas sonoras é o resultado da articulação entre o
conceito do filme e a intenção do diretor. Dependendo de como esses elementos são vinculados
com a trilha sonora, pode-se utilizar na montagem tanto os ruídos capturados acusticamente,
quanto uma música; ambos considerados igualmente expressivos.
Uma das referências do duo, de acordo com Soares, é a produção do diretor armênio
Artavazd Peleshyan, em filmes como The End e Life. Para eles, Peleshyan pode tanto realizar o
trabalho sonoro com a música, como com os ruídos. O som é de tal forma “colado” à imagem que
é impossível desvincular o som durante o filme. Esse tipo de indissociação, entre imagem e som,
é o que O Grivo busca durante a realização das trilhas sonoras:

Num determinado momento, o som direto é tão expressivo quanto a música, tão narrativo
quanto a música, é tão cheio de simbolismo quanto a música e vice-versa. E fica até
indivisível em determinado filmes do Peleshyan você falar da trilha sonora sem falar do
filme. É absolutamente mesclado. Você consegue uma precisão da articulação dos
elementos, tanto da edição, quanto da captura de imagens, quanto da captura do som,
quanto do jeito de fazer esse som funcionar, que as coisas se tornam uma amálgama muito
perfeita. E em um certo sentido, a trajetória da gente de trabalhar com som direto e a
música percorre um pouco desse caminho, de tentar de alguma forma que os sons que a
gente colhe da natureza, tenham uma função para além de tentar tornar o filme realista,
mas de buscar ali uma narrativa, um simbolismo, uma superação do próprio material. (O
GRIVO, 2013a)

A captação dos sons acontece quase sempre, primeiramente, por meio de microfones
e gravadores inseridos no ambiente da filmagem. Após a captura dos sons é que a sonoridade é
trabalhada com auxílio de programas específicos no computador. Em outro depoimento, Soares
comenta que embora o computador seja utilizado para gerar uma sonoridade determinada, a
maior parte do trabalho ocorre inicialmente na captação acústica dos sons da natureza (O
GRIVO, 2004).
Canário complementa a reflexão referente à captação do som acústico iniciada por
Soares. Ele diz que a própria mediação do microfone ou do gravador, para captura dos sons, já
possui um “enquadramento” sonoro, uma preocupação no que registrar. Como um recorte, um

  40  
fragmento em que destaca-se certos elementos em função de uma ideia para a realização do
filme. Durante a montagem, segundo Canário, a sonoridade é pensada em um senso de
musicalidade, buscando criar tensão ou mesmo um sentido de repouso para a imagem.
Além das trilhas sonoras fílmicas, O Grivo realiza concertos musicais. As
apresentações ao vivo podem ser acompanhadas de projeções de vídeo, como por exemplo, em
um dos concertos em que os vídeos de Cao Guimarães e Rivane Neuenschwander são projetados.
É comum nas apresentações a utilização de uma grande variedade de instrumentos musicais
tradicionais, como violão e guitarra, mas também instrumentos não convencionais. Os
maquinários são objetos, instrumentos sonoros e visuais que foram criados pelo duo para
produzir um som específico. Eles geralmente são construídos com materiais de uso cotidiano,
como chapas oxidadas, latas de tinta e caixas de fósforos, entre outros utensílios.
Em alguns concertos, há também a presença de uma mesa de som que permite a
inclusão de sons alterados eletronicamente. Um dos recentes concertos d’O Grivo foi Máquina de
Música, em que apresentaram dez peças audiovisuais no repertório. No concerto, a projeção de
imagens foi realizada por Cao Guimarães, especialmente para a apresentação sonora.
Um terceiro campo de atuação da dupla se dá por meio das instalações audiovisuais,
inseridas no ambiente expositivo de museus e galerias de arte. Octeto de Radiolas, de 2009, fez
parte da exposição individual da dupla no Museu da Pampulha, em Belo Horizonte. Como o
título indica, foram criadas oito radiolas “alteradas”, em que utilizavam-se rolhas, agulhas,
chapas oxidadas, discos de vinil e caixas de fósforos para o concerto das radiolas.
As obras 20 Quadros Sonoros, QuartetoComplexo, 12 Máquinas e Martelo Piano,
também são fundadas na ideia do maquinário. Para a criação, o duo utilizou engrenagens
próximas aos da engenharia, em que polias e eixos realizavam movimentos sonoros. Os
maquinários também atuavam por meio de sensores de presença ativados pelo público.
A preocupação das instalações de O Grivo, inseridas no ambiente da arte
contemporânea, é perceber o som considerando tanto a visualidade quanto o espaço expositivo. O
espectador pode caminhar pela sala e ouvir o som em diferentes perspectivas, a partir do seu
posicionamento espacial.
Outros artistas, como Paulo Nenflídio e o grupo Chelpa Ferro também realizam
trabalhos que envolvem a relação entre o espaço e o som. Assim como O Grivo, eles atuam

  41  
transdisciplinarmente, criando esculturas sonoras, instrumentos não convencionais aliados à
tecnologia.
Em toda a produção artística de O Grivo, por meio das trilhas sonoras, concertos e
instalações, está presente o processo investigativo e a busca por novas sonoridades que abordam
conceitos de textura, repetição, fragmentação, densidade e organização musical no espaço. Uma
das inquietudes da dupla é criar sonoridades que possam permitir ao espectador outras formas de
percepção. Antes de ser narrativa, a sonoridade deles preocupa-se em criar sensações que estejam
relacionadas à construção da imagem.
O processo de realização, em conjunto com Cao Guimarães, envolve uma série de
métodos. Um dos modos, citado por Canário, era capturar os sons no sentido oposto ao qual
Guimarães filmava, por conta do barulho da câmera de Super-8 (O GRIVO, 2013b). Assim, o
processo de captura dos sons nunca era diretamente no mesmo lugar das imagens.
A montagem é primordial para que a sonoridade da dupla seja trabalhada,
intensificando ou escolhendo um ou outro som. Canário diz que a imagem possui uma série de
informações percebidas quase que instantaneamente pelo espectador, já a informação sonora é
percebida no decorrer do tempo. Durante a montagem é que são feitos os ajustes para que o
espectador perceba as nuances sonoras, como um acorde mais forte que solicita a atenção ou o
silêncio dado pelo repouso de uma cena.
O silêncio foi algo incorporado por Guimarães a partir da convivência com O Grivo.
Guimarães diz que a sua tendência é preencher o espaço sonoro com música, quase de forma
barroca. O Grivo foi o responsável por criar pontos de silêncio em que quando a sonoridade
aparece, ela nunca vem de forma gratuita. Uma das referências, como dito por Soares, é o modo
como o silêncio é trabalhado pelo compositor John Cage:

A gente tem uma referência muito forte que é o John Cage, que é o compositor norte-
americano. E que ele, em várias composições dele, e ele trabalha um dos materiais é não
ter som. Tem uma valorização imensa de uma escuta um pouco mais atenta do que
acontece. Aí nos filmes do Cao a gente, quando a gente começou a trabalhar, e até hoje,
tem essas coisas muito fortes. Uma coisa de uma economia muito grande do que está
usando para que se valorize a hora que entre. E também essa produção muito forte de
deixar as pessoas atentas, ter uma curiosidade e conduzir a escuta muito em função dessa

  42  
variação dos timbres. (O GRIVO, 2013b).

Soares diz ainda que o trabalho realizado com Guimarães é muito pouco baseado em
um projeto prévio, e acontece sobretudo no processo de experimentação, de escutar, sentir a
sonoridade, testar outros sons. Para o duo, o aspecto do som, antes de ser intelectual ou narrativo,
é sensorial.

  43  
  44  
4. A PRODUÇÃO ARTÍSTICA DE 1998 A 2013

Vimos que O Grivo é responsável por criar uma estrutura sensorial para as imagens
de Guimarães. Assim, o silêncio, a demarcação rítmica mais acentuada, os sons criados por meio
de instrumentos não convencionais fazem parte do corpus da obra audiovisual. No presente
capítulo, nos propomos a pensar como a imagem e os sons estão relacionados. Entendemos que o
referencial de cada pessoa pode variar no processo de escuta e ressignificação da imagem, o que
pode tornar relativas algumas impressões traçadas, como será visto adiante. O que é descrito
como o som de vento, por exemplo, dependendo do repertório e da experiência de cada pessoa,
pode ser escutado como outra fonte sonora.
Entretanto, é inegável a tendência da imagem e do som em se influenciarem de forma
mútua. Como dito por Michel Chion “não ‘vemos’ a mesma coisa quando ouvimos; não
‘ouvimos’ a mesma coisa quando vemos” (CHION, 2011, p. 7). A percepção visual altera e
influencia a percepção sonora, assim como o som cria novos sentidos para a imagem.
Assim como com o som, a pluralidade de leituras e interpretações diante da produção
de Cao Guimarães é vasta e diversa. Veremos, ao longo do capítulo, a diversidade de análises de
diferentes teóricos a respeito da obra do artista. É comum que pesquisadores, críticos e
realizadores coloquem em diálogo questões relacionadas a estética e a filosofia em trabalhos
específicos do artista. Nesse sentido, Guimarães acredita que a obra de arte precisa ser o mais
aberta possível, para permitir que o público seja também participante, como coautor de seus
trabalhos (GUIMARÃES, 2010a, não paginado).
Um recorte crítico, feito recentemente por Consuelo Lins, vê a obra do artista
interdisciplinariamente. A produção de longas-metragens, vídeos ou fotografias é abordada como
um todo, no qual manifestam-se aspectos comuns da poética do artista. Para ela, independente de
Guimarães trabalhar com fotografias, vídeos, documentários ou instalações, há na trajetória do
artista uma atitude comum que está presente quando o artista captura imagens, se relaciona com
os personagens. A hipótese de Lins sustenta que as obras de Guimarães são resultados uma
atitude estética diante do mundo, “uma disposição específica da atenção à sensibilidade que está
disseminada de modos variados por toda obra” (2013, p. 4)

  45  
Lins seleciona algumas obras de Guimarães sobre as quais discorre no ensaio; e
escolhe para sua análise a exposição Passatempo, ocorrida em 2013, na galeria Nara Roesler11.
Consuelo Lins entende que todos os trabalhos na exposição continham a sensação de suspensão
temporal – uma suspensão, pausa, que permitiria “abduzir” o espectador para outra
temporalidade, distinta da velocidade cotidiana (LINS, 2013, p. 14).
O que Lins chama de suspensão temporal é, de fato, uma opção consciente para o
artista. Ele pretende que sua linguagem vá no contrafluxo do bombardeamento midiático das
imagens. A temporalidade estendida das obras é algo intencional para que o espectador possa
observar e interagir, mostrando um outro lugar em que seja possível a reflexão (GUIMARÃES,
2009a, p. 52).
No mesmo ano da exposição Passatempo, outra exposição foi reservada à
multiplicidade da obra do artista. Intitulada Ver é uma Fábula, a mostra reuniu no Instituto Itaú
Cultural, um expressivo número de obras de Cao Guimarães, disponíveis à visitação do público
pelo período de 28 de março a 1º de junho. A curadoria foi realizada por Moacir dos Anjos e
trouxe, além de um amplo recorte videográfico, a exibição mensal dos oito longas-metragens
produzidos até então pelo artista. A exposição também contou com a presença de Guimarães e de
O Grivo em um workshop entre 9 e 11 de maio.
O projeto expográfico foi pensado pela arquiteta Marta Bogéa que concebeu a
exposição para ocupação do subsolo e do primeiro e segundo andares do edifício do Itaú Cultural.
No segundo andar foi improvisada uma arquibancada para a projeção da série fotográfica
Gambiarras, próximo do local de exibição do curta-metragem Mestres da Gambiarra.
No espaço do primeiro andar, o ambiente foi escurecido para a visualização das
projeções. As projeções eram exibidas em três grandes telas em branco, suspensas no espaço
expositivo como um círculo. Alguns bancos, redondos e de diferentes tamanhos, estiveram
dispostos no centro, para que os espectadores se acomodassem. As telas exibiam os curtas-
metragens de Guimarães, isoladamente, com exceção de dois curtas silenciosos cuja projeção era
realizada simultaneamente.
No primeiro andar, seis curtas eram projetados nas telas suspensas: Quarta-feira de

                                                                                                               
11
A exposição individual Passatempo ocupou de 22 de julho a 25 de agosto de 2013 a galeria Nara Roesler. Por
meio da curadoria de Solange Farkas, expôs trabalhos inéditos de Guimarães.

  46  
Cinzas, O Inquilino, Between – Inventário de Pequenas Mortes, Peiote, Hypnosis e Nanofania.
Nas laterais desta sala, curtas mais longos como Limbo e Brasília, foram colocados em loop em
pequenas salas isoladas.
Entre os andares, no percurso de subir ou descer as escadas, foram dispostos curtas-metragens,
como Sculpting, Drawing e a instalação Inventário de Raivinhas. O subsolo abrigou a projeção
de seis curtas-metragens: Sopro, Atrás dos Olhos de Oaxaca, Da Janela do Meu Quarto,
Coletivo, Word/World, Concerto para Clorofila e Sin Peso. Nesse mesmo andar, uma sala isolada
foi disposta para a exibição da instalação Histórias do Não-Ver.
O título da exposição, inicialmente Provisório, foi alterado após o curador Moacir
dos Anjos rever o longa-metragem Ex Isto, realizado por Guimarães. Em determinado momento
do longa o personagem do filme diz que “Ver é uma fábula – é para não ver que estou vendo”.
Ao alterar o título da exposição, Moacir dos Anjos afirma que ela resume as
propostas de fabulação do olhar, presentes nas obras de Guimarães:

Eu acho que ela resume, um pouco, o que a obra de Cao nos oferece, essa possibilidade de
construir narrativas, de tecer histórias, a partir do olhar. E a capacidade de nosso olhar
intuir as coisas que ocorrem no mundo, sem apelar para outras formas de linguagem, sem
apelar para a racionalidade dura, ou seja, a capacidade que a arte tem de nos permitir criar
narrativas no mundo. (ANJOS, 2013)

Moacir enfatiza, em entrevista concedida à instituição, que a exposição não foi


organizada a partir de um enfoque temático e, sim, norteada pelo que foi chamado de coreografia
da mostra, isto é, “a disposição das obras de forma em que elas fluíssem bem de uma para outra,
seja do ponto de vista visual, sonoro, duração, de causar, provocar no espectador as reações mais
diversas” (ANJOS, 2013). De fato, as coreografias no espaço e no tempo permitiam que o acaso
determinasse qual curta o espectador assistiria durante o trajeto da mostra, tanto no primeiro
andar como no subsolo.
Dessa forma, os elementos da curadoria de Moacir e a concepção espacial de Marta
Bogéa foram determinantes na experiência sensorial da obra de Guimarães por parte do
espectador. Adotou-se a exibição isolada dos curtas devido aos cuidados para que o som não
invadisse o espaço sonoro de outras obras, o que ocorre inevitavelmente quando há exibição em

  47  
um mesmo espaço expositivo. A exceção na exibição ocorre com Da Janela do Meu Quarto, que
é mostrado no subsolo junto a Word/World, por conter uma trilha sonora mínima, e Sopro e
Coletivo, que são curtas-metragens silenciosos.
Guimarães afirma que é muito valioso observar como as obras podem se conectar
junto a novas formas de exposições, saindo do modelo de salas ou telas isoladas com fones de
ouvidos:

Acho que você não precisa sair de um lugar e entrar numa outra sala, sala fechada
também, aonde ficaria vinte e tantas salas fechadas, fica um lugar desagradável de estar,
no sentido que não tem um espaço compartilhado como tem aqueles retângulos, que são
as telas soltas no espaço, que são esculturas vivas, imagens soltas no espaço e aqueles
redondos que são os bancos. Então você já tem uma composição de figuras geométricas
muito interessante na sala que é convidativo das pessoas estarem ali, como eu disse, uma
praça que é cheia de filmes, que aí você só tem que mudar o corpo para lá, para a tela,
para uma outra. […]. Você tem um outro tipo de imersão, você tem uma imersão não em
uma obra específica, mas em um conjunto de obras e no espaço físico. (informação
verbal)12

Com um público final de 42.089 espectadores13, a exposição consolidou-se como um


importante marco no percurso audiovisual do artista.

4.1 Otto, eu sou um outro, 1998


Curta-metragem. Brasil, 1998 (20 min): cor, 16mm/Super-8

O primeiro curta-metragem ficcional de Cao Guimarães foi realizado em parceria


com o artista Lucas Bambozzi. Otto, eu sou um outro é centrado na figura de Otto, personagem
de aproximadamente 33 anos, interpretado por Marcos Moreira Marcos (que atua como ator, mas
é mais conhecido como Canário, do duo O Grivo). Nas cenas iniciais, o personagem chega em
casa depois de sair do trabalho. Sentado em sua cama, ele recebe uma carta por baixo da porta,
em que está escrito “Caro Otto, eu quero que você me leve para o lugar de onde eu nunca devia
                                                                                                               
12
GUIMARÃES, Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr. 2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.
13
Dados da mostra Ver é uma Fábula, que abrange o período de 27 de março a 2 de junho de 2013.  

  48  
ter saído”. A partir do recebimento da carta, o personagem que vive aparentemente em um
ambiente urbano, inicia uma viagem pelo interior, até chegar em uma fazenda.
A sinopse do curta-metragem informa que o personagem Otto passou a infância em
uma fazenda, onde desenvolveu uma segunda personalidade, o seu “duplo”. Otto vai então até
esse lugar procurar vestígios do amigo imaginário de quando era criança. A fazenda era o lugar
em que Otto compartilhava brincadeiras com o seu “outro”, uma segunda personalidade do
personagem, com quem realizava jogos de comunicação. A narrativa centra-se na jornada de Otto
em encontrar algum vestígio da gênese do seu passado.
De acordo com os realizadores, o curta-metragem busca evidenciar conceitos que
tratam da duplicidade e da dificuldade de comunicação. O roteiro foi criado por Guimarães que
baseou-se na frase de Rimbaud, Car JE est un autre [Porque EU é um outro, tradução nossa]
A realização do curta ocorreu depois de Guimarães regressar de Londres para Belo
Horizonte. No período em que esteve em Londres, ele havia deixado o roteiro de Otto, eu sou um
outro, nas mãos de Lucas Bambozzi. O roteiro ganhou o prêmio Estímulo para Realização de
Filmes de Curta Metragem e as filmagens foram iniciadas em 1998.
Filmado em 16 mm e Super-8, o filme foi convertido posteriormente para o formato
35 mm para exibição em festivais de cinema. A direção de produção contou com o trabalho de
Beto Magalhães e a direção de arte de Rivane Neuenschwander.
Guimarães diz atualmente que a experiência desse curta foi a de ter aprendido a como
“não fazer cinema”. A equipe de produção era numerosa e durante a realização do filme ele “não
tinha uma relação direta com as pessoas, aonde eu não tinha uma relação de identidade e de
intimidade” (GUIMARÃES, 2011b). Apesar disso, o artista afirma que o curta foi importante na
sua trajetória. Após a experiência, ele passou a trabalhar com poucas pessoas, uma equipe
recorrente, e a delimitar melhor os processos de realização.
A estrutura sonora de Otto, eu sou um outro quase não contém diálogos, sendo
composta basicamente de ruídos. A trilha, criada pelo O Grivo, é constituída por uma série de
sons que buscam compartilhar com as imagens o senso de estranheza e confusão psicológica do
personagem.
Um caso dos bastidores da realização foi que a trilha sonora teve de ser recomposta
em estúdio. Só havia material gravado em som-direto de apenas poucos dias de filmagens.

  49  
Segundo Canário, a REC Studio, responsável pela captação do curta, foi gravar um determinado
som de uma cena, em que um menino batia com uma barra de ferro no trilho do trem. Durante o
percurso para a captura do som, a van acabou sofrendo um acidente em um mata-burro, o
microfone quebrou e todo o material do som deixou de ser registrado. Desse modo, o Grivo, após
as filmagens, realizou a trilha sonora no estúdio. (O GRIVO, 2013b)
O curta-metragem recebeu as premiações de Melhor Trilha Sonora no 3o Festival de
Cinema do Recife (1999) e Melhor Fotografia no 3o Festival de Cinema de Curitiba (1999).
Atualmente o curta-metragem integra o acervo da Associação Cultural Videobrasil.

4.2 Solaris, 1998


Fotografia. 1998. Dimensões: 100 x 100 cm

Solaris consiste numa fotografia em preto e branco em que há a presença de


brinquedos infantis, como um gira-gira e uma gangorra, localizados aparentemente em uma
praça. Ao julgar pela escolha do título, Guimarães encontra semelhança entre as formas dos
brinquedos e a novela de ficção científica de Stanislaw Lem, posteriormente transformada em
filme por Andrei Tarkovski.
A fotografia esteve presente na exposição retrospectiva de Cao Guimarães no Centro
de Arte Contemporáneo de Caja de Burgos, na Espanha, em 2006.

Fig. 4. Solaris, 1998.

  50  
4.3 The Eye Land, 1999
Curta-metragem. Brasil, 1999 (11 min): cor, Super-8/dv

O curta-metragem The Eye Land é o primeiro filme em que Guimarães assina a


direção, a fotografia e a edição. Logo na abertura há a citação do escritor norte-americano
Nathaniel Hawthorne, um excerto da obra The Marble Faun [O Fauno de Mármore] traduzido
por Guimarães:

Os anos, afinal, tornam-se meio vazios quando vivemos muito tempo em terra estrangeira.
Nessas circunstâncias, adiamos a realidade da vida até o momento no futuro quando
poderemos novamente respirar o ar nativo. Mas, à medida que o tempo passa, ou se
eventualmente retornamos, constatamos que o ar nativo perdeu aquela qualidade
revigorante. A vida transferiu o seu lugar para onde nos considerávamos somente
residentes temporários. Assim, divididos entre dois países, acabamos sem nenhum. Ou
somente com aquele pequeno pedaço de um deles… onde, finalmente, repousamos os
nossos ossos descontentes.

A literatura sempre exerceu forte influência ao artista. Durante o período em que


esteve em Londres, Guimarães lia e escrevia intensamente e chegou a iniciar uma novela,
inacabada. Ele diz que sentia a cultura brasileira de maneira intensa, e havia levado três livros de
Belo Horizonte para a cidade inglesa: um de cartas de Helio Oiticica para Lygia Clark, um de
Glauber Rocha, e outro de Caetano Veloso (GUIMARÃES, 2009b).
Após a introdução textual, seguem-se imagens capturadas por um flâneur, alguém
que passeia, vagueia pelas cidades, mostrando diferentes tonalidades de luzes, as árvores, os
reflexos, as sobreposições de imagens nas janelas dos trens. Uma das cenas mostra Guimarães
caminhando por um parque e quando ele se vira para a câmera, está com os olhos vendados, com
a máscara que costumava usar em Histórias do Não-Ver. Possivelmente quem capturou as
imagens de Guimarães no parque foi Rivane Neuenschwander. Ela também aparece durante as
filmagens do curta-metragem.
The Eye Land foi montado a partir das imagens filmadas em Super-8, durante o
período em que Guimarães viveu em Londres, como vimos no segundo capítulo. Tanto The Eye

  51  
Land quanto o curta-metragem seguinte, Between, são considerados como filmes/vídeos-diários
de sua vivência em terra estrangeira, montados e concluídos quando Guimarães já havia
regressado para Belo Horizonte.
Os curtas principiam sua trajetória no audiovisual, e são o registro de sua situação
como estrangeiro em Londres, lugar em que passava o dia a observar “uma luz que cruzava os
azulejos do apartamento de manhã até de tarde. Uma semente que cruzava o apartamento e caía
no vaso, na privada” (GUIMARÃES, 2011a, p. 75). O período londrino foi produtivo para revelar
a atenção aos detalhes cotidianos, como vimos anteriormente em Cinema de Cozinha.
Guimarães diz que foi o exercício de estar só em um lugar não familiar que lhe
possibilitou uma série de aprendizados e a produção de trabalhos que permitissem maior imersão
em si. Segundo o artista, foi um período de “fortificação do eu”, possibilitado pela distância do
Brasil.
O título, The Eye Land [A terra do olho, tradução nossa], é um trocadilho que
Guimarães faz com a palavra island, [ilha] em referência à Grã-Bretanha. O curta é marcado por
seu tom de diário íntimo.
O filme Super-8 foi trabalhado posteriormente em vídeo digital, alterando a
velocidade das imagens. Outro fator técnico relevante é que o curta foi filmado quadro-a-quadro;
segundo Guimarães, por motivo econômico, pois a película do Super-8 tinha um preço elevado
(GUIMARÃES, 2009b).
A sonoridade de O Grivo inicia nesse curta uma prática que será recorrente na
produção futura de Guimarães, na qual há predominância de ruídos. Em The Eye Land, a maior
parte das mudanças das cenas são acompanhadas pelos cortes sonoros. Nas imagens filmadas nos
interiores dos trens em movimento, por exemplo, existe o acompanhamento dos recados sonoros
de uma secretária eletrônica. Num dado momento som e imagem seguem juntos, como o som da
discagem, curta e rápida, de um telefone, conduzida pelo ritmo breve das imagens dos trens.
Os recados da secretária eletrônica também estão presentes quando são mostradas as
fotografias 3x4 de amigos que ficavam hospedados no apartamento em que o casal vivia em
Londres. Há também a inserção de músicas eruditas como VI – Des Pas Sur la Neige, de Claude
Debussy e o Quartet 4 D46 - Adagio, de Franz Schubert, ao longo do curta-metragem.
Destaca-se que em The Eye Land já é possível verificar alguns dos elementos que se

  52  
tornarão recorrentes na produção artística de Guimarães, tais como as sobreposições e os reflexos
das imagens que aparecem nos vidros das janelas. Também já está presente o interesse do artista
em combinar músicas de compositores eruditos com a atmosfera sonora criada pelo O Grivo.
A produção do curta-metragem foi realizada pelo Polo Marimbondense de Cinema e
Vídeo.

4.4 Between: Inventário de Pequenas Mortes, 2000


Curta-metragem. Brasil, 2000 (10 min): son., cor, Super-8/dv

O curta-metragem Between: Inventário de Pequenas Mortes foi criado a partir de um


texto escrito por Guimarães. Inicialmente, o texto que chegou às mãos da curadora Lisette
Lagnado, que estava organizando a exposição Objeto do Cotidiano. Ela pediu ao artista para
realizar algum material baseado na escrita, para participação na exposição. Desse modo,
Guimarães montou o curta a partir do arquivo de imagens que havia filmado em Super-8, em
Londres.
O texto aparece logo no início de Between:

Estamos acostumados a falar apenas de uma morte.


Como se o limite de uma vida fosse marcado de um lado pelo nascimento e de outro pela
morte.
Se começássemos a ampliar o conceito de morte, deduziríamos vertiginosamente que ela
está presente em tudo, em cada micropartícula de uma vida, e que os limites são
justamente este lugar onde morte e vida se misturam na tênue expressividade de uma
mudança. Em cada segundo morrem milhões de células em nosso corpo, em cada segundo
enchemos e esvaziamos os pulmões de ar.
Between é o lugar e o momento de passagem. O que separa o que está dentro do que está
fora, o que passa do que fica, o que atravessa do que resta.

Em seguida, as imagens são de árvores, gotas que transparecem a cidade, cortinas que
esvoaçam com o ritmo sonoro da respiração. Algumas imagens de The Eye Land repetem-se em
Between, como os prédios que parecem esmorecer em ondulações.
Se comparado ao primeiro curta-metragem, Between é um curta em que predomina as

  53  
formas “abstratas” e também os fenômenos da natureza, como a água, o fogo e o mar, em
diferentes estados, sugerindo as pequenas mortes cotidianas.
A trilha sonora de O Grivo age de forma naturalista, indicando sons de fenômenos
como a água e os estalidos de galhos secos sendo queimados pelo fogo. A sonoridade também
induz à significação das imagens, por meio da montagem. Em uma das cenas, quando as imagens
de árvores são seguidas em “flashes” de relâmpagos, ouve-se logo em seguida o barulho de
trovão, sugerindo que a filmagem foi realizada em um momento antecedente à chuva.
Assim como no curta anterior, há a inserção de uma música erudita para acompanhar
as imagens. Em uma das cenas, quando Guimarães lança uma semente no ar e a deixa cair em
direção à privada, a música que acompanha essa e os próximos planos é Stabat Mater, de Vivaldi.
A edição foi realizada por Guimarães e Francisco de Paula.
Between: Inventário de Pequenas Mortes é o primeiro curta-metragem em que
aparece a palavra inventário no título14. Não apenas os curtas-metragens, mas as séries
fotográficas serão permeadas futuramente por essa ideia. Segundo Guimarães, ele sempre teve
“necessidade ou desejo de inventariar coisas” (GUIMARÃES, 2011a, p. 75).
Percebe-se que os curtas-metragens iniciais do artista, como veremos adiante, são
diferentes da sua produção posterior. O fato das imagens terem sido filmadas, sem um propósito
final, e, dois anos depois terem sido resgatadas, cria um tom predominante das imagens
fragmentadas. O artista não capturou as imagens com o conhecimento prévio de como iria montá-
las no futuro, sendo que o acentuado número de planos, em diferentes lugares, é algo que os
distinguem na realização dos curtas-metragens.
Vistos como diários filmados, The Eye Land e Between, são compostos como um
mosaico de pequenas percepções; são a coleção viva dos dois anos em ambiente londrino, em que
o artista sentiu a alteridade de forma mais latente. Porém, já está presente a forma de olhar e o
interesse pelas expressividades cotidianas que manifestam-se, por exemplo, nas gotículas de água
nos vidros, ou nos reflexos das janelas.
A realização de Between: Inventário de Pequenas Mortes obteve o apoio do Instituto
                                                                                                               
14  Ressaltamos que o sentido de inventário utilizado pelo artista não possui nenhuma relação com o título da
dissertação. Guimarães usa a palavra próxima ao sentido de colecionador - de coletar informações do mundo -, como
uma forma de trabalho poético. No caso do título da dissertação, o inventário aproxima-se da idéia de trazer o maior
número de informações da obra do artista, como uma base de referência.  

  54  
Itaú Cultural e da produtora mineira Archipelago Cinema e Vídeo para a produção.

4.5 Cama para Sonhar, 2000


Fotografia. 2000. 2 fotografias. Dimensões: 140 x 100 cm e 80 x 80 cm

O díptico fotográfico é composto de uma imagem em que há a presença de uma cama


de solteiro vazia, com travesseiro e lençol desarrumados, encostado a uma parede verde com
massa corrida encobrindo rachaduras na parede; a foto menor mostra galhos secos, espinhosos,
contrastando com o fundo branco.
Ricardo Sardenberg, curador independente, descreve Cama para Sonhar como uma
proposição poética, pois toda cama é destinada ao sonho. Ele lembra que essa cama, em
particular, aparece como uma proposta, um alerta:

[...] quando deitamos numa cama e fechamos os olhos saímos da realidade. A ideia de que
de olhos cerrados podemos ver além, mas ainda assim um outro mundo muito parecido
com o nosso. O inverso também é verdade, quando abrimos demais os olhos para as
coisas mundanas, a realidade se torna onírica, se transforma num sonho próximo do sono
profundo. (SARDENBERG, 2007, não paginado)

As fotografias fazem parte do acervo da Fundação Vera Chaves Barcellos. Na


exposição Gritos e Sussurros, realizada a partir do acervo, sugere-se que as fotografias revelam o
espaço do sono e do sonho, do interno e externo, tanto no desenho das rachaduras na parede,
quanto nos galhos das árvores (GUIMARÃES, 2011a, p. 27).

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Fig. 5. Cama para Sonhar, 2000.

4.6 O Fim do sem Fim, 2001


Longa-metragem. Brasil, 2001 (92 min): son., cor, 16mm, Super-8, mini-dv

Em 2001, Guimarães filma com Lucas Bambozzi e Beto Magalhães o documentário


O Fim do sem Fim. O longa-metragem, captado em 16 mm, Super-8 e mini-DV, e posteriormente
convertido para 35 mm para exibição, foi filmado nos estados de Alagoas, Bahia, Ceará,
Pernambuco, Paraíba, Sergipe, Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, durante
dois meses.
O filme mostra antigos ofícios e profissões que estão à beira da extinção, como o
garimpeiro, a parteira, o profeta, o tocador de sinos, o fotógrafo de lambe-lambe, o benzedor, o
relojoeiro, o ascensorista, o lanterninha, o benshi (narrador de filmes japoneses), o faroleiro, o
engraxate, o amolador de facas, o recarregador de fluído de isqueiros, o ferroviário, o cordelista,
o Mestre dos Mestres e o “maestro de galos”.
O Fim do sem Fim é o primeiro longa-metragem de Guimarães junto aos colegas de
profissão e conta com a participação de Gilberto Cardoso, o Gibi, na pesquisa de personagens
para a realização do filme. Gibi é um integrante fundamental da equipe para o processo de busca
dos personagens. Conhecidos de longa data, Guimarães costuma dizer que o senso de humor de
Gibi é favorável para a descontração da equipe, principalmente durante as longas viagens durante

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a realização dos longas-metragens. O artista também ressalta o carisma do amigo, que torna a
relação mais espontânea entre os realizadores e os personagens durante o processo de filmagem.
Em entrevista dada em um dos seus bares, chamado Quintal do Gibi, em Belo
Horizonte (GUIMARÃES, 2011c), Gibi diz que é nítida a mudança que ocorre quando a câmera
é imposta diante o personagem. Para ele, a negociação e a conversa são fundamentais para o
sucesso de uma filmagem. Durante a sua pesquisa para os personagens que poderão ser inclusos
no filme Gibi baseia-se em sua percepção e em seu instinto para identificar potenciais
personagens para os filmes. Foi assim que ocorreu com a seleção das pessoas presentes no longa-
metragem O Fim do sem Fim.
Gibi também atua no longa-metragem como ator. Ele é o único personagem fictício e
é representado pelo ofício de “maestro de galos”. A ideia da inserção desse personagem partiu de
Guimarães, que acredita que em todos os filmes existem cenas ficcionais e documentais.
Em O Fim do sem Fim, a apresentação dos personagens sobre suas profissões é dada
pelos relatos dos próprios personagens que exercem o trabalho. Mas acontece de alguns ofícios
serem apresentados por meio da participação de outros indivíduos. São transeuntes que atuam e
que interagem com os diretores e também com os profissionais representados no filme.
Em uma das cenas, um homem dirige-se para a câmera e pede o isqueiro para acender
o seu cigarro. Ao perceber que a chama não acendia pela falta de fluído, o homem caminha até o
recarregador de fluídos de isqueiro, localizado bem próximo da câmera e o faz funcionar. O
mesmo acontece com a mulher que tem o seu retrato 3x4 tirado pelo fotógrafo de lambe-lambe.
No ensaio A Poesia e o Banal nos Modos de Fazer, o pesquisador Rafael de Almeida
reflete sobre a questão da gestualidade, presente em O Fim do sem Fim. Baseando-se na
expressão efeitos de real, de Jean-Louis Comolli, e também na forma-de-vida, conceituado por
Giorgio Agamben, Almeida perpassa a ideia do corpo cotidiano para pensar a esfera política do
filme (ALMEIDA, 2011b).
O filme foi produzido pela Bananeira Filmes em coprodução com as produtoras
Diphusa e Cinco em Ponto. Obteve, em sua produção, recurso do prêmio para Produção de Média
Metragem do Ministério da Cultura.

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O Fim do sem Fim também foi selecionado pelo Programa Petrobras Cultural. A
estreia ocorreu no 6º Festival Internacional de Documentário É Tudo Verdade. Em abril de 2001,
o documentário obteve o prêmio GNT de Renovação de Linguagem.

4.7 Sopro, 2000


Curta-metragem. Brasil, 2000 (5 min): p&b, Super-8/dv

Realizado em parceria com Rivane Neuenschwander, Sopro mostra uma grande bolha
de sabão percorrendo uma paisagem bucólica. O curta-metragem é o resultado da formação de
diversas bolhas de sabão, criadas por meio de um aparelho, percorrendo o cenário. O curta foi
criado despretensiosamente: Guimarães havia comprado um aparelho de fazer bolhas de sabão
gigante e depois de testar o aparelho e ver o quão interessante era a forma da bolha, os artistas
filmaram utilizando a câmera Super-8.
A bolha sempre aparece isolada da paisagem, e durante a montagem os artistas
optaram por apresentar a forma da bolha sem nunca explodir. A velocidade foi reduzida e a
movimentação lenta e anamórfica da bolha reflete a paisagem ao redor. Há também na edição a
mescla de diferentes imagens, criando a sensação de se tratar de uma única bolha.
Em Sopro, a câmera segue silenciosamente a bolha atenta à plasticidade e à
transparência da forma. A sinopse indica que o filme:

Expressa a relação entre o que está dentro e o que está fora. O translúcido multiforme de
uma bolha de sabão exibe o mundo que a contém e que é contido por ela. A bolha, que
nunca explode, é uma metáfora para a continuidade das coisas.

Sopro é o primeiro trabalho em que Guimarães e Neuenschwander dividem a direção.


Apesar dela ter atuado na equipe de Otto, eu sou um outro, esse é o primeiro de uma série de
trabalhos que dirigem em conjunto. Os curtas-metragens desenvolvidos pela dupla têm o caráter
de serem exibidos em loop no espaço expositivo. No ambiente das artes visuais, não há
necessidade do espectador acompanhar a duração completa dos filmes. Dessa forma, os
espectadores movimentam-se livremente, pois o sentido do filme independe da duração.

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O curta-metragem foi um dos vídeos vendidos com uma tiragem limitada para o
Museu Guggenheim, em Nova York.

4.8 Word/World, 2001


Curta-metragem. Brasil, 2001 (8 min): p&b, Super-8/dv

Word/World marca novamente a parceria de Guimarães com Rivane


Neuenschwander. As imagens mostram formigas que carregam as palavras Word [Palavra] e
World [Mundo] para o seu abrigo. A sinopse indica que o curta “trata da comunicabilidade: o
estranhamente organizado universo das formigas se depara com dois objetos estranhos. Falar e
comer: tudo passa pela boca”.
Guimarães conta que uma das estratégias para fazer com que as formigas carregassem
os pedaços de papéis, era embeber, pincelar com materiais “comestíveis”, para que as formigas se
sentissem atraídas a carregarem os papéis (GUIMARÃES, 2011a, p. 80).
A trilha sonora de O Grivo alterna os planos sonoros de um ruído grave de fundo,
para ruídos sem tanta densidade. A sonoridade também é composta por canto de pássaros, o
barulho de uma respiração abafada (como se alguém respirasse por meio de uma máscara), ruídos
de pedras sendo lançadas no chão e um zumbido alto e crescente de um inseto. A sonoridade
predominante é de ruídos secos, que não reverberam no espaço. Sugere-se, dessa forma, um som
que esteja em concordância com a imagem, pois as formigas estão em solo pedregoso.
A captura de imagens foi realizada com a câmera Super-8, portando uma lente macro
que permite visualizar o mundo das formigas em detalhes. Aliado à particularidade da película
em Super-8 está o monocromatismo do preto e branco, que permite que seja ressaltada a textura
do solo, composto por pedras, galhos e terra. As palavras, escritas sobre um pedaço de papel
branco, também se sobressaem diante a paisagem.
Word/World faz parte do acervo do Instituto Inhotim de Arte Contemporânea.

4.9 Hypnosis, 2001


Curta-metragem. Brasil, 2001 (7 min): son., cor, Super-8/dv

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O curta Hypnosis apresenta as luzes dos brinquedos de um parque de diversões,
filmados à noite. Durante a montagem, as imagens foram sincronizadas com o som, com
predominância do martelar grave de um piano. O contraste das luzes com o ambiente escuro e a
sonoridade sugere a atmosfera de um filme de terror.
Para a realização do curta, presume-se que Guimarães encontrava-se dentro de um
dos brinquedos com a câmera de Super-8, por conta das tomadas aéreas. As cenas que contêm a
movimentação luminosa, ascendente e descendente dos brinquedos, foram editadas para serem
apresentadas em velocidade mais lenta. A justaposição das imagens, assim como nos curtas
anteriores, também está presente em Hypnosis.
A sonoridade de O Grivo é marcante e cria o sentido narrativo do curta. Há a
presença de ruídos pontuais como os sons de correntes que reverberam ao longo da duração das
imagens. Esses sons são essenciais para criar o sentido de vertigem sugerido pelo título do curta-
metragem.
Na sinopse do filme, Guimarães diz que a ”ilusão lisérgica de uma hipnose resolve-se
no sereno suceder geométrico das formas. O páthos, neste mini-drama geométrico, é criado pela
cor em movimento e pelo langor repetitivo do martelar do piano”. Nesse sentido, Hypnosis é um
exemplar do que o artista chamou de Micro-drama da forma, conceito que abordamos
anteriormente no capítulo dois.

4.10 Rua de Mão Dupla, 2002


Longa-metragem/Instalação. Brasil, 2002 (75 min): stereo, cor, dv

No ano de 2002, Guimarães realiza o vídeo Rua de Mão Dupla. Inicialmente


produzido no formato videoinstalação para 25ª Bienal Internacional de São Paulo, a Bienal tinha
como temática Iconografias Metropolitanas, sob curadoria de Agnaldo Farias. Na Bienal, Rua de
Mão Dupla foi apresentado por meio de diversos monitores, colocados um ao lado do outro.
Depois da exposição, o vídeo passou por uma montagem e passou a ser exibido como
documentário de longa-metragem. No formato DVD, o longa-metragem obteve distribuição pela
Videofilmes.

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O vídeo é realizado a partir de uma proposta específica do artista. Ele irá deslocar
temporariamente seis pessoas, pertencentes à classe média de Belo Horizonte. Nenhuma delas se
conhece e o único ponto em comum é que todos moram sozinhos na capital mineira. Organizado
em duplas, as seis pessoas trocam de casa pelo período de 24 horas e levam consigo uma câmera
digital de fácil manuseio. Nesse período é solicitado que elas registrem a maneira pela qual
imaginam ser a pessoa que vive naquela residência. Os registros são livres e cada um filma o que
acha relevante, objetos pessoais, animais, a vista externa, tudo que possa dar uma pista sobre a
pessoa que habita aquele local. Apesar do período que passaram na casa de outra pessoa, o
material bruto da gravação de cada uma não ultrapassou uma hora de duração.
Após as 24 horas, Guimarães vai ao encontro da pessoa e antes de “destrocar”,
pergunta a ela como imaginava ser a dona ou o dono da casa, como era a imagem mental
construída a partir do lugar. Dessa pergunta registrava-se um depoimento, ainda na casa alheia,
relatando as impressões de cada um sobre a experiência.
Posteriormente, a montagem é realizada por Guimarães, que seleciona todo o material
gravado pelos participantes. Na edição, ele divide e coloca simultaneamente na tela, lado a lado,
o que cada dupla gravou na respectiva casa alheia. No final, enquanto um depoimento é dado, a
pessoa localizada na outra metade do vídeo, encontra-se sentada em silêncio, como se estivesse
ouvindo o que o outro diz sobre ela.
Dividido em três blocos, logo no início de Rua de Mão Dupla aparecem os nome e a
informação de que eles trocaram de casa por 24 horas com uma câmera de vídeo. Ressalta-se que
nenhuma das pessoas apresentadas se conhecia. Depois, com a tela dividida ao meio, vemos os
caracteres que irão delimitar cada personagem, como o nome, idade e profissão.
No primeiro bloco, com duração de 20 minutos, o lado esquerdo será representado
por “Rafael, 25, produtor musical na casa de Eliane”, e, do lado direito, “Eliane, 36, oficial de
justiça na casa de Rafael”.
Rafael, logo no início pergunta-se “O que falar?”. Foca nos quadros, olha debaixo da
cama e quando o telefone toca, atende e diz que Eliane não está. Diz que os dois estão
participando de um projeto e caso queira falar com ela, poderia ligar para o número de telefone
de sua casa. Provavelmente a pessoa que liga estranha o fato, o que faz com que o produtor

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musical apresente-se como um conhecido de Eliane e que deixará um recado avisando sobre a
ligação.
Dos seis personagens, Rafael é o único que mostra-se nesse primeiro momento de
forma mais evidente. Segurando a câmera, ele aparece sem camisa, indo em direção ao espelho,
registrando-se por meio do reflexo e também virando a câmera para si. O produtor caminha pela
casa com a câmera na mão, apresentando planos mais longos se comparados aos de Eliane, como
a ida ao banheiro ou mesmo com a câmera ligada mostrando-se lendo jornal.
Eliane utiliza o zoom com maior frequência, pausadamente, aproximando-se dos
objetos até eles perderem o foco. Cautelosa, ela não chega perto dos objetos. Sua forma de
acessá-los é pelo zoom, preservando assim a distância. Os planos são mais curtos e estáticos, há
um interesse pela forma, como o ralo da pia ou o disco decorativo na parede, que aparecem mais
de uma vez na gravação. Eliane encontra mesmo a palavra ZOOM escrita na parede. Uma das
últimas cenas mostra a oficial utilizando este recurso da câmera, aproximando-se da palavra
escrita, de forma repetida e rápida.
A segunda parte desse primeiro bloco consiste no depoimento da dupla. O primeiro a
falar é Rafael que dá o depoimento na sala da casa de Eliane. Enquanto ele fala, Eliane está do
lado direito, mas agora já em sua casa, sentada também na sala, olhando para a câmera em
silêncio, como se estivesse “ouvindo” ou “assistindo” Rafael.
Não se sabe ao certo se foi o diretor que escolheu o lugar do depoimento. Sabe-se
apenas que a semelhança do enquadramento remete a um deslocamento espaço-temporal para o
espectador. O primeiro impulso é perguntar como ele pode estar falando da sala de Eliane, se
Eliane já encontra-se em sua própria casa. Percebemos então que a intenção de Guimarães é
provocar, pela montagem, esse primeiro sentido de estranheza espaço-temporal.
Rafael diz que percebeu em pouco tempo que a pessoa que habitava o local era
mulher e advogada, pela temática dos livros. Uma das primeiras observações é que ela é uma
pessoa que gosta muito de coisinhas, pequenos adereços que estão por toda casa.
No depoimento de Eliane, ela encontra-se no sofá, e Rafael sentado próximo à
parede, como se também estivesse “ouvindo” o que a oficial tem a falar. Eliane diz que a
sensação é de estranhamento e solidão principalmente na hora de dormir. Um dos aspectos
ressaltados foi a impressão que o dono da casa estava provisoriamente no local.

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Nos relatos, ambos trazem seu universo próprio para o depoimento. O produtor fala
sobre o gênero musical de Eliane e ela evidencia a falta de enfeites e a decoração “pouco
ortodoxa” de Rafael. O sentimento dos dois é de não se sentirem em sua casa. Mas se Rafael
acredita que são pessoas muito diferentes, Eliane afirma que são parecidas e que teriam muito a
conversar.
No segundo bloco, temos como personagens “Mauro Neuenschwander, 60,
construtor”, no lado esquerdo da tela, e “Paulo Dimas, 43, arquiteto”, localizado à direita.
Mauro logo nos primeiros instantes faz um pequeno panorama do apartamento. As
imagens acompanham a fala, dizendo que a habitação é um prédio muito “chique”, construído
por Niemeyer, localizado na Praça da Liberdade em Belo Horizonte. Diz que a pessoa que ali
habita é arquiteto, com muito gosto por arte. Ao longo da gravação, ressalta detalhes da
construção, como os problemas da arquitetura moderna, “que assolam prédios desse tipo”.
Já Paulo parece dialogar com a experiência vivenciada. Focaliza dizeres tipográficos
como “Um de Olho no Outro”. É frequente a câmera apontar para cartazes de mulheres nuas, ou
mesmo vídeos pornográficos. Em uma dos pôsteres, chacoalha a câmera para cima e para baixo
como se estivesse simulando uma masturbação. Grava a televisão ligada em programas como Big
Brother, e, assim como o programa televisivo, também registra as pessoas do prédio à frente,
como um voyeur que olha e espia os acontecimentos da janela alheia.
Se comparada à primeira dupla, o ritmo das imagens é mais lento, somente Mauro
fala durante a captura das imagens. Ao final, mostra-se na mesma tela o símbolo do time de
futebol Clube Atlético Mineiro - CAM, presente nos dois apartamentos.
No primeiro depoimento Paulo encontra-se na cama de Mauro, e Mauro sentado na
sala, de frente ao bar de seu apartamento. Paulo diz que a pessoa que habita a casa é um “homem
grande, macho, e que por religião, desde criança ele torce pelo glorioso Clube Atlético Mineiro”.
As especulações seguem sobre o vestuário, a pescaria e sobre a grande incidência de revistas de
mulher pelada.
Assim como o construtor analisa o prédio modernista, o arquiteto também fala do
prédio e da população classe média que está no entorno. Diz que mesmo nesse prédio
uniformizado, é possível encontrar pequenas belezas escondidas. Paulo, aparentemente, também
é o único que tenta estabelecer contato com o “visitante”. Por ocasião do jogo do time de futebol

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Atlético Mineiro, o arquiteto tenta ligar para sua casa, sabendo que o construtor ali estaria, mas
ele não o atende.
Mauro começa o depoimento na sala, próximo à mobília do telefone. Na tela à direita,
o arquiteto está em sua própria cama, rodeado de travesseiros. O construtor fala primeiramente
sobre o local, cheio de curvas, uma edificação a qual não está acostumado. Sobre a pessoa,
imagina ser arquiteto, ou professor. Acredita também ser uma pessoa muito solitária, pois não
viu nenhuma presença feminina, uma “ausência de Anita total”. Outro aspecto que chamou
atenção de Mauro foi o cheiro. Dado a proximidade com a lavanderia, ressalta o cheiro excessivo
de limpeza no ambiente, que muito o incomodou, assim como o barulho.
Observa-se que Paulo busca um diálogo com seu outro desconhecido, pelo fato de
torcerem pelo mesmo time de futebol, algo irrelevante na fala de Mauro, que se atém mais às
questões constitutivas do prédio. A impressão dada é que a personalidade do outro também é
formatada pelo lugar que escolheu para habitar. O arquiteto olha o prédio de caráter classe média,
e chega a dizer que a pessoa que ali vive, está de passagem e gostaria de morar em outro lugar.
Mauro enxerga o apartamento como inabitável, tudo desde o som até o cheiro o incomodam.
No último bloco nos são apresentados “Eliane Marta, 55 anos, escritora” e “Roberto
Soares, 49 anos, poeta”.
Seguindo a forma das duas outras duplas, sempre há um que fala durante a gravação e
outro permanece em silêncio, Eliane tece comentários, ora afirmando, ora perguntando, “Será que
ele se enxuga com o papel toalha? Mas não tem chuveiro”. É a única que grava o céu e que
mostra frequentemente o movimento externo à casa, como a rua e o campo de futebol, vistos pela
janela. A escritora também brinca e conversa com o cachorro, filma a bandeira do MST, e junto à
parede registra recortes de jornal e também de mulheres seminuas junto à escrita “o bandido
sedutor”.
Eliane mostra a máquina de escrever e o livro Antologia Poética de Manuel Bandeira.
Roberto também irá apresentar a coleção de livros, abre-os e apresenta excertos de livros de
poesia, pertencente à casa dessa outra pessoa ausente. O poeta caminha pela casa, e espreita uma
conversa de uma senhora pelas fendas da janela. Chega a dar zoom no que parece ser a ponta de
um cigarro de maconha, jogado na privada. Abre a torneira e filma a água escorrer. Grava
também os óculos, objetos decorativos, mostra as mãos mexendo nas colheres da gaveta da

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cozinha. Na cena final, Roberto grava da televisão uma gaivota voando, enquanto Eliane mostra o
jogo de futebol no campo, visto pela janela.
O primeiro depoimento é de Eliane, apoiada ao fundo de uma parede branca. Roberto
encontra-se inerte em sua sala, sentado sobre jornais, com o cachorro brincando ao fundo. A
escritora diz que a experiência foi muito rica, até mesmo para que ela se desfaça de determinados
preconceitos. Cita, por exemplo, o fato de não ouvir pagode, axé, música baiana e que a música,
vinda de um aniversário, era boa. Diz que em determinado momento da festa, começaram a
estourar balões, ao pensar que tratava-se de um tiroteio ressalta claramente que era preconceito de
sua parte.
Eliane, assim como o construtor apresentado no segundo bloco, também fala da
questão do cheiro. Em sua descrição, fala de um cheiro muito ruim que não conseguiu identificar,
possivelmente o “cheiro de algo, não sei o que é, cheiro do outro talvez”. A escritora é a única a
duvidar dos sinais gráficos da casa, não sentindo muito firmeza nesse outro – que ela chama de
alguém –, tanto no interesse por mulher, como pela militância política. Em dado momento, Eliane
imagina que a casa é desabitada, mas pelas plantas e o cachorro estarem vivos na casa, descarta a
possibilidade, encarando o morador talvez como um passante. O depoimento é marcado por
questões, críticas e contradições que ela imagina sobre a pessoa.
Roberto inicia o depoimento sentado no sofá da casa de Eliane, no mesmo sofá, ao
lado na tela, encontra-se a escritora, só que em outro ângulo. O poeta diz que a primeira
impressão da pessoa era que fosse gorda, porém, aos poucos viu que se tratava de alguém mais
culta, fina, que se alimentasse pouco. Roberto diz que dormiu na sala, e emocionou-se pela
manhã pensando sobre a experiência vivida. Pergunta-se “o que significa essa intimidade dentro
do ambiente de outra pessoa”, acrescentando o quanto foi sensacional a experiência de entrar em
contato com outra pessoa.
Em dado momento, Roberto pergunta-se “O que significa isso para o mundo, para a
arte, para as linguagens? Você abrir a porta da sua casa e deixar uma pessoa estranha entrar e
conviver com você ausente”. O poeta traz questões sobre a pessoa, os hábitos, os objetos, diz que
foi possível fazer um retrato mental dessa pessoa. Ao final, pergunta-se: “Quem somos, para nós
presentes para nós ausentes? Por quê? Não, nunca. Nos veremos em breve. Tchau”. No final do
filme, após os créditos, aparece a seguinte frase: Este projeto é dedicado ao outro.

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Em entrevista, Guimarães afirma que é muito mais fácil falar sobre o outro do que
sobre si mesmo:

Ao falar de um outro, as pessoas passam todas as suas fragilidades, seus preconceitos, às


vezes e tal. Porque justamente quando a gente fala de si, a gente se protege
automaticamente, quando a gente fala do outro a gente solta muito mais que quando a
gente fala de si (GUIMARÃES, 2006a).

Apesar de Guimarães propor que os personagens falem sobre o outro, por meio do
seu olhar e pelo depoimento, há a intenção de que a pessoa/personagem revele ela própria. Como
dito na afirmação do diretor, ao falar de outra pessoa, que não sou eu, passam-se fragilidades,
preconceitos e mesmo juízos de valores.
Essa percepção em que a pessoa se revela ao falar do outro, fez sentido para
Guimarães, depois de realizada a obra, a partir do contato com o artigo reflexivo de Consuelo
Lins.
Em Rua de Mão Dupla: Documentário e Arte Contemporânea, Lins nota que
Guimarães adota um dispositivo inicial para que o trabalho seja realizado, como um jogo em que
as regras e estratégias são visualizadas às claras. A partir desse dispositivo artístico, “o diretor
não filma nem dirige, mas concebe um jogo, distribui cartas, determina regras, escolhe jogadores,
fornece câmeras, transporte, comida. Provê o necessário e sai de campo” (LINS, 2009, p. 6).
Diante disso, como apontado por Consuelo, há um deslocamento da autoria que passa a ser
também dos personagens que estão na ação.
O dispositivo de Rua de Mão Dupla também foi analisado por Cezar Migliorin. Para
ele, a ação de Guimarães em disparar um movimento relaciona-se com dois movimentos
complementares: um de recortar, planejar, controlar a atividade; e outro de permitir sua total
abertura, em que depende da ação dos personagens (MIGLIORIN, 2005, p. 145).
Tanto Lins, quanto Migliorin afirmam que Rua de Mão Dupla foge e desprograma a
lógica da exposição e do voyerismo dos reality-shows. Ambos colocam a obra de Guimarães
como uma tendência no documentário contemporâneo em trabalhar por meio do dispositivo,
como uma outra forma de acessar e trabalhar o documentário.

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Guimarães passa a ter notabilidade nas artes visuais principalmente por meio de Rua
de Mão Dupla, realizado a convite da Bienal de São Paulo. Em 2002, o artista passa a integrar os
artistas representados pela galeria paulistana Nara Roesler.

4.11 Pedevalsambatucadamacaconoseusom, 2002


Instalação. Brasil, 2002 (20 min)

A instalação Pedevalsambatucadamacaconoseusom foi realizada a partir da proposta


inicial de Guimarães. Ele convidou onze pessoas, organizadas em trios ou em par, para dançarem
em lugares inabituais. A música para a dança era emitida pelos fones de ouvido que cada um dos
participantes portava, com um ritmo específico e diferente dos outros participantes.
Guimarães realizou quatro vídeos. No primeiro vemos um homem e uma mulher em
um salão de beleza. Pela movimentação dos corpos, aparentemente ela está ouvindo a música
Hell is Round the Corner, do músico de hip-hop Tricky, por ter uma batida mais marcante.
No segundo vídeo são três pessoas em uma cozinha industrial. Os dois homens
movimentam-se freneticamente, enquanto a mulher ao centro caminha vagarosamente de um lado
para o outro com os olhos fechados. A música predominante é da batida eletrônica de Rollin’ &
Scratchin’, da dupla Daft Punk. Ao fundo, o som de um triângulo indica que algum dos
participantes está ouvindo forró.
O terceiro trio encontra-se em um banheiro público. Os dois homens estão dançando,
sendo que o mais jovem encontra-se de olhos fechados. A mulher, localizada ao centro, samba,
aparentemente ao som da música Jornal da Morte, de Roberto Silva. Ouvimos, ao fundo, uma
música romântica não identificada.
Um supermercado é o lugar do quarto vídeo. O trio, composto de dois homens e uma
garota, dança nos corredores do pequeno mercado. Os três participantes movimentam-se e a
música predominante é Close to Me, da banda de rock The Cure. Ouve-se também uma música
em tons jazzísticos.
Guimarães planejou exibir a instalação em uma sala fechada, em que cada um dos
vídeos seria projetado em tamanho natural, nas paredes da sala de exposição. Cada vídeo tinha a
duração aproximada de cinco minutos, totalizando 20 minutos de duração ao final.

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Segundo a sinopse descritiva de Guimarães “A impressão é a de entrar em uma boate
silenciosa (multi-ambientada) onde corpos se movimentam na forma exclusiva de músicas
ocultas e personalizadas gerando uma espécie de caos rítmico e estranheza cinética”.
O espectador, inserido na instalação, poderia imaginar o estilo musical que a pessoa
está escutando no fone de ouvido, por meio de suas movimentações corporais. Porém, como cada
pessoa costuma dançar de uma maneira, não há nenhuma certeza se, por exemplo, o samba que
está sendo tocado é de fato o som ouvido pelos participantes.
Pedevalsambatucadamacaconoseusom foi montada uma única vez no Museu de Arte
Contemporânea de Curitiba, na exposição Faxinal das Artes.

4.12 Inventário de Raivinhas, 2002


Instalação. Brasil, 2002 (11 min)

Inventário de Raivinhas foi exposto inicialmente no Projeto InSitu – Instituto CINE,


e, depois na exposição Ver é uma Fábula, no Instituto Itaú Cultural. A instalação é composta de
quatro vídeos, cada um com a duração de três minutos. Inventário de Raivinhas, como o título
indica, é representado por situações cotidianas que causam aborrecimentos.
O primeiro vídeo é o plano fechado em que uma mão tenta virar a chave dentro da
fechadura da porta, mas a chave fica emperrada. O segundo vídeo mostra Canário (de O Grivo)
lendo jornal, e acompanhado por um chiado, um som vazante da pressão da garrafa térmica. Ao
final da cena, Canário deixa o jornal e trata de fechar melhor a garrafa. A terceira “raivinha”
mostra uma mulher que acabou de chupar uma manga. A câmera foca na boca, e na tentativa da
mulher em tirar os fiapos entre os dentes. O último vídeo do inventário mostra, em câmera alta,
uma pessoa de óculos tentando insistentemente colocar o fio em uma agulha de costura.
Guimarães define o Inventário como “Registros simples e diretos de micro-
acontecimentos irritantes que injetam na vida uma espécie de relação tragicômica entre o ser
humano e os seus objetos”. Sobre o que o motivou a iniciar a série, o artista diz que:

Foi uma idéia que eu tive muito tempo atrás de coisas que me incomodavam ou que
incomodam as pessoas de uma forma geral. Então é um trabalho bem divertido que eu

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chamo de Inventário de Raivinhas. Como, por exemplo, tentar abrir a porta e não
conseguir ou tirar um palito de uma caixinha de palito e esse palito nunca sai. Quando
você chupa uma manga, fica aquele tanto de fiapo no dente. Então você vai tirar o palito
não sai, para depois tirar a manga aqui. Ou então, por exemplo, você está lendo um jornal
e da cafeteira sai aquele barulhinho da pressão do ar. (GUIMARÃES, 2013e)

Para a realização do Inventário, Guimarães chamou amigos para encenarem uma


determinada situação. Além da participação de Canário, os vídeos contaram com a participação
dos amigos do artista.
Durante a exibição no espaço expositivo, os vídeos são projetados simultaneamente e
em loop, de modo que o espectador visualize os quatro como um conjunto. Na exposição do
Instituto Itaú Cultural, a instalação foi disposta no caminho das escadas, entre os andares da
instituição. O artista nota que as pessoas permaneciam paradas nas escadas para assistirem aos
vídeos, o que caracterizava como uma outra “raivinha” para as pessoas que tentavam passar pelas
escadas.

4.13 Coletivo, 2002


Curta-metragem. Brasil, 2002 (3 min): p&b, Super-8/dv

Coletivo é um curta-metragem silencioso em que mostra os nomes dos bairros


indicados nos letreiros dos ônibus que circulam na região metropolitana de Belo Horizonte. Os
nomes são Felicidade, Aparecida, Florama, Jaqueline, Pompeia, Saudade, Regina, Santinho, Vera
Cruz, Nazaré, Pilar, Salgado Filho, Tony, Suely, Dona Clara, Durval Barros, Teixeira Dias,
General Carneiro, Maria Gore, Borba Gato, Betânia, Neves, Cristina, Juliana, Suzan, Lindeia,
entre outros.
Alguns dos nomes se repetem e são apresentados sobrepostos no curta-metragem,
montados por meio da fusão de imagens. Em alguns momentos, pode-se ler até três nomes dos
bairros. A edição do artista alterou a velocidade para uma movimentação mais lenta. O lento
deslocamento dos letreiros dos ônibus mostra a chegada e a partida do ônibus na plataforma ou
no ponto de parada.

  69  
A construção do curta se deu pelo interesse do artista em registrar esses nomes de
bairros que também são nomes de pessoas. Para Guimarães, como indicado na sinopse, “Coletivo
– de gente, de ruas, de bairros, de nomes, de ônibus que – conduzem gente pelas ruas de bairros
de nomes de gente, que cruzam o espaço urbano, carregando coletivamente pessoas.”
O curta-metragem apresenta uma lista de nomes próprios que podem ser vinculados
às pessoas e/ou aos bairros. Essa listagem pode ser referenciada a uma forma de organização
típica, inserida no inventário pessoal de Guimarães. No caso de Coletivo é possível pensarmos na
lógica das listas, em que “a lista significa uma relação de nomes de pessoas e coisas,
circunscrevendo-se predominantemente à esfera da palavra, da inscrição simbólica” (MACIEL,
2009, p. 30). Desta forma, o modo como a montagem foi realizada é significativo do pensamento
do artista em organizar e expressar uma ideia, a partir da observação da realidade.

4.14 Volta ao Mundo em Algumas Páginas, 2002


Curta-metragem. Brasil, 2002 (15 min): son., cor, dv

O curta Volta ao Mundo em Algumas Páginas contém o registro de uma ação


performática de Rivane Neuenschwander, em que ela inseria pedaços recortados de um Atlas nos
livros da Biblioteca Pública de Estocolmo. Na ação inicial, aparecem as mãos de Rivane
recortando um mapa em pequenos pedaços retangulares, de acordo com as linhas latitudinais e
longitudinais. A câmera de Guimarães acompanha as mãos com os fragmentos do mapa,
caminhando pelas ruas em direção à biblioteca de Estocolmo.
Ao entrar na biblioteca, a câmera digital, claramente na mão de Guimarães, põe-se a
registrar a ação de colocar os pequenos pedaços recortados em livros aparentemente aleatórios,
mas relacionados à proposta da dupla. O primeiro é o de poesia Le trajet, de Marie-Louise
Maupont.
Segue-se a câmera, que mostra o título dos livros, a inserção dos “países” entre as
páginas e a recolocação dos livros no mesmo lugar na estante. Volta ao Mundo poderia ser apenas
o registro de uma interferência poética de cunho performático, porém o que se vê no vídeo, logo
depois dessa primeira introdução, é a inserção de imagens filmadas em Super-8, de lugares com
pessoas dormindo, reflexos da janela em um barco, entre outras, em que se ressalta o trânsito das

  70  
pessoas em viagens. Alternam-se imagens da ação na biblioteca, com as imagens dos trajetos dos
lugares.
Na ação/performance, sempre nos é mostrada a capa do livro e, com o zoom, o país
inserido entre as folhas. Ao final do vídeo, a indicação da ação continua a reverberar com o
tempo:

…os leitores da Biblioteca de Estocolmo continuam encontrando estranhos fragmentos de


mapas entre as páginas de seus livros…
isso pode lhes significar alguma coisa…
…ou não.

O trabalho de edição sugere que os futuros leitores, ao abrirem os livros, possam


entrar em contato com o lugar do mapa, que projete outra delimitação cartográfica
(des)conhecida. A citação que aparece durante as imagens dos trajetos é a frase “O Acaso é o
Deus da Razão”, do escritor Albert Camus, acompanhada de um barco navegando entre as águas.
A sequência final mostra as mãos de Neuenchwander com a legenda “Onde é mesmo a nossa
casa?”; e então, depois de ela prender algumas plantas no cabelo, a imagem de uma mão
segurando cogumelos aparece com outra legenda “Vamos levar uns cogumelos?”
A sonoridade durante a ação da performance é dada pela captação da câmera digital
de Guimarães. Há, porém, nos “interlúdios” das imagens, a trilha sonora realizada pelo O Grivo.
Ao final do curta-metragem, inicia-se a Ária de Krzysztof Penderecki.
Em Volta ao Mundo percebemos a clara proposição da dupla ao introduzir pedaços de
mapas nos livros da biblioteca de Estocolmo. O acaso é possibilitado pela ação dos artistas e pelo
sentido oferecido pelo recorte do mapa àqueles que vão em busca do livro. Guimarães nota que
eles conceberam inicialmente a ideia como uma ação de cunho performático na Biblioteca de
Estocolmo. Porém, após a visualização das imagens gravadas durante a ação é que Guimarães
decidiu realizar um curta-metragem a partir daquilo que havia gravado.

4.15 Gambiarras, 2002


Fotografia. 2002. Work in progress. Dimensões variadas

  71  
Gambiarras é a série fotográfica mais célebre de Guimarães. Caracterizada como um
work in progress, conta atualmente com mais de cem fotografias expostas em diferentes
formatos, desde projetos expográficos, como o realizado no Museu da Pampulha em 2008, até
livro de artista, integrando mostras como a II Trienal Poligráfica de San Juan.
O interesse pela gambiarra que, em princípio, é o deslocamento da função oficial de
um objeto/material para outras finalidades, surgiu para Guimarães a partir do fascínio pela
precariedade, pela capacidade do brasileiro em reinventar-se para sobreviver.
Para o artista, a série foi iniciada ao observar o quanto de criatividade e
estranhamento havia na presença desses objetos produzidos na adversidade. Ao fotografar as
gambiarras, estes objetos indicavam para o artista uma força transformadora capaz de mudar sua
percepção sensível diante das coisas do mundo.
O ato de fotografar gambiarras, como dito pelo artista, foi o resultado de um processo
iniciado em 2001, no qual percebeu mais claramente seu interesse pela precariedade nos objetos.
Em entrevista concedida à artista plástica Carla Zaccagnini, Guimarães afirma que a coleção de
fotografias é consequência de um processo de observações, uma série de fatores que já
apontavam para o que viria a constituir a série. Nesse período ele também teve contato com a
obra de Arthur Bispo do Rosário, que, junto às interlocuções constantes com Rivane
Neuenschwander, foram essenciais para que ele expandisse seu modo de apreensão da realidade
(GUIMARÃES, 2009d, não paginado).
Depois de viver o período de dois anos fora do Brasil e das viagens por diferentes
estados brasileiros para realização do longa-metragem O Fim do sem Fim, o artista reencontrou,
depois de certo distanciamento, aspectos que permitiram perceber melhor o país e a cultura
brasileira.
Ainda na entrevista, o artista diz que foi nesse período, em 2002, que ele começou a
viajar bastante para lugares de culturas diferentes. Guimarães procurava incessantemente nesses
locais, manifestações ou vestígios de gambiarras para fotografá-las.
Portando sempre uma câmera digital, obrigava-se a um método particular: caminhar
por longos períodos sem ter nenhuma informação prévia do lugar. Por meio desse método, o
artista criou a máxima que utiliza ainda hoje, “é se perdendo que a gente encontra”, em que trata
não apenas de um registro pela casualidade, mas a disponibilidade de estar atento e aberto às

  72  
manifestações do que possa acontecer.
A partir desse método, o artista adota a gambiarra como um potente contraponto aos
guias turísticos, bulas e manuais de instrução, que funcionam como procedimentos para um
resultado preestabelecido. Na necessidade de perceber o mundo a partir das gambiarras, ele
carrega consigo sempre uma câmera a tiracolo, permitindo que no olhar atento o acaso seja
determinante, como se fosse um coautor de suas obras (HOSNI, 2013, p. 745).
Desse modo, Guimarães entende a gambiarra de modo mais amplo, como algo que
extravasa a ideia de objeto ou simples engenhoca, manifestando-se em "gestos, ações, costumes,
pensamentos, culminando na própria ideia de existência" (GUIMARÃES, 2009d, não paginado).
Trata-se de um conceito que está sempre em processo de mutação e ampliação, tornando-se uma
manifestação de estar no mundo.
Por geralmente serem únicas, e não cópias, as gambiarras trazem a transitoriedade a
que estão sujeitas, revelando-se nas constantes mudanças e criações de sentido.
Gambiarras, para o artista, permitiu a criação de um método que, inevitavelmente,
repercutiu no processo de feitura das obras consecutivas. Na expressão “é se perdendo que a
gente encontra”, o artista incorpora a adversidade em sua produção audiovisual, que será
essencial nos trabalhos posteriores.
Entendemos que o acaso na obra de Guimarães não é algo puramente aleatório, mas
construído a partir de métodos e concepções próprias. Ao perder-se para encontrar-se,
caminhando por lugares desconhecidos sem o intuito de formular algo já determinado, Cao
permite que a receptividade do olhar atue como uma “esponja” perante a realidade, mas ao
mesmo tempo, ele seleciona os elementos do seu interesse, passíveis de serem registrados.
Assim, Guimarães, ao longo de sua trajetória, criou maneiras para permitir-se
encontrar com o acaso. A ação de caminhar por lugares desconhecidos sem qualquer informação
prévia faz com que ele entre em contato com uma realidade que passa despercebida para a
maioria das pessoas, justamente pelo caráter ordinário.
O olhar e a percepção, inicialmente despertados pelas Gambiarras deixam de ser
apenas o registro, expandem-se para a vida do artista e tornam-se uma forma de pensamento que
perpassa por toda sua produção. O não-oficioso, a receptividade e a atenção do olhar, aliados ao
ato de caminhar, processo de imersão em um pensamento fluido, observador e movente, torna-se

  73  
um convite ao acaso, um gesto de abertura para que algo inesperado seja encontrado.
Outro aspecto a ser ressaltado, é que no período de 2002 há uma mudança na
perspectiva fotográfica do artista. Diferentemente de Cama para Sonhar que era um díptico, o
artista inicia a ideia de serialidade em suas fotografias.
Guimarães diz que as séries, muitas em constante processo, estão vinculadas à sua
forma de viver. Como artista-viajante, cria inventários e séries fotográficas como uma forma de
passar o tempo. Por viajar frequentemente, a serialidade da produção fotográfica atenta-se para a
repetição de determinados comportamentos humanos, por meio de objetos e vestígios.
Tanto nas Gambiarras, como nas séries consecutivas, Guimarães pode ser visto como
um colecionador que observa, registra e compõe a partir de interesses específicos. O colecionador
é aquele que “ao registrar/catalogar as coisas, retira-as do estado dispersivo em que se encontram
no mundo e as recontextualiza num outro espaço, regido por leis próprias” (MACIEL, 2009, p.
26-27).
Maria Esther Maciel argumenta que a coleção contém a ideia de juntar itens de
natureza próxima, ou de características similares. O colecionismo, se comparado com as listas e
os inventários, é mais específico na aproximação dos objetos. Partindo da ideia de coleção,
Guimarães captura imagens dentro da lógica do seu olhar e as insere em séries fotográficas.
Desse modo, as gambiarras fotografadas em diferentes localidades são sempre diferentes, mas
todas fazem parte do intuito de buscar a solução provisória de um problema.
Iniciadas em 2002, as Gambiarras são um importante marco para a produção de
Guimarães. A série não apenas muda a forma como o artista percebe o entorno, como também o
direciona para a criação de um método em que ele se encontra disponível ao acaso. O ato de
perceber, registrar e “catalogar” em coleções fotográficas é uma das práticas que se tornarão
comum diante a sua prática artística.

4.16 BH, 2002


Fotografia. 2002. 26 fotografias. Dimensões: 24 x 30 cm/cada.

A série foi realizada em parceria com a artista Rivane Neuenschwander. Como o


título indica as fotos são da capital mineira, mas não há nas fotografias nenhum indicativo de

  74  
cartões-postais da cidade de Belo Horizonte. As imagens da dupla de artistas são de cenas
cotidianas, em um primeiro momento, aparentemente desconexas. Ao visualizar a série em
conjunto, percebe-se que os sinais gráficos, às vezes mais evidentes em algumas fotografias,
formam o alfabeto.
As letras do alfabeto surgem em situações cotidianas: o gelo em uma garrafa de
cerveja, em que aparece apenas a letra A; o complexo alimentício de frutas e verduras vazio, com
a sinalização B; a paisagem urbana e um prédio com a letra C; uma mulher esperando na
plataforma D do terminal rodoviário; a cozinha de uma casa com a letra E no vidro; a sinalização
da letra F; uma parede pintada com a letra G; a placa na rodovia marcando 60 h; o posto com o
logotipo da marca Ipiranga; o desenho riscado no tronco de uma árvore e a letra J; a letra K
pintada na parede; um cesto de lixo visto por cima, com um pacote amassado mostrando apenas a
letra L; a letra M ao fundo de três prédios; a letra N na pedra, enquanto o gari varre a rua; uma
senhora sentada na igreja com um jornal com a letra O; a letra P riscada no chão; um adesivo no
carro com a letra Q; o adesivo de um macaco com o logotipo de R, de registrado; o saleiro em S
em cima de um mapa; a letra T em um brinquedo; sacos de lixo em um canto com a letra U
invertida; uma pessoa olhando de dentro de um carro com o volante com a marca W; um monte
de caixotes entulhados, e apenas um riscado com a letra X; a letra Y em um boneco infantil; e a
letra Z pintada de vermelho em um muro.
As fotografias ganham sentido quando visualizadas em conjunto. A série pede
disponibilidade do espectador para que veja cada foto com tempo. Em algumas imagens, os sinais
gráficos não são perceptíveis no primeiro olhar, mas o conhecimento do alfabeto predispõe a
procura pela letra específica.
Os sinais gráficos que formam palavras e sentidos são comuns, principalmente nas
obras de Rivane Neuenschwander. A instalação Uma ou outra palavra, por exemplo, consistia
em palavras suspensas a partir do teto, como um jogo de palavras cruzadas para o espectador que
caminhasse pela sala. Para a realização da instalação, a artista fotografou faixas de rua,
penduradas pela cidade de Belo Horizonte. Depois de fotografadas, ela desmembrou as letras,
rearranjou as cores e as recolocou no espaço.
Segundo a artista, a instalação partiu de um incômodo estético, da saturação de
informações no espaço público. Apesar da instalação de Neuenschwander ser de 2007, pode-se

  75  
considerar que o trabalho da artista com Guimarães em BH uma das influências para os futuros
trabalhos envolvendo letras e palavras para a criação de novos sentidos.

Fig. 6. BH, 2002.

4.17 Paquerinhas, 2002


Fotografia. 2002. Work in progress. Dimensões: 100 x 70 cm/cada

Paquerinhas como o título indica, são fotografias em que se sugere o “flerte” por
meio de dois objetos ou materiais. Em uma das fotografias da série, vê-se duas bitucas de cigarro,
uma ao lado da outra. Uma bituca está com marca de batom, apagada, enquanto a outra encontra-
se ainda acesa, ambas em repouso sobre um pedaço de madeira. Uma segunda imagem, de um
ponto de vista aéreo, mostra dois caminhões, um laranja e outro azul, localizados próximos de
uma estrada.
Outro “flerte” está no registro da situação de dois helicópteros sobrevoando o céu a
alturas diferentes. Já em outra imagem, duas gotículas de água encontram-se próximas em um
vidro. A série contém ainda uma fotografia de dois cordões isolados, cada um com um nó em sua
extensão, e outra com dois agasalhos pendurados em um varal.
O vestígio da presença humana é uma característica recorrente na prática de
Guimarães. Como apontado pelo curador Abílio Guerra (GUIMARÃES, 2012), as séries
fotográficas trazem na narrativa fotográfica o vestígio da presença humana, como ocorre na

  76  
fotografia do “flerte” entre bitucas, na qual está marcada a clara ação humana, e, no entanto o que
se vê são apenas os objetos já consumados.
As diferentes coleções de Guimarães, guiadas pelas séries fotográficas, permitem que
ele organize formas, cores e temáticas distintas a partir da lógica do seu olhar. Aquilo que lhe
chama atenção e mostra a frequência dos hábitos são passíveis de serem registrados pela câmera
fotográfica. Diante dessas coleções fotográficas, há o interesse do artista pelos objetos dispostos
ao acaso, percebidos, por exemplo, durante uma caminhada matinal. Organizar as informações
que o artista “colhe” do mundo, também é uma forma de materializar um pensamento, às vezes
de forma metafórica, como em Paquerinhas.
Além das fotografias, a série também pode ser vista em conjunto com o vídeo Pipas
em que aparecem duas pipas que vagueiam “amorosamente” pelo céu.

4.18 Nanofania, 2003


Curta-metragem. Brasil, 2003 (3 min): son., cor, dv

Nanofania é um dos poucos curtas-metragens em que a montagem das imagens foi


realizada posteriormente à trilha sonora de O Grivo. Soares e Canário já tinham a trilha quando
Guimarães resgatou as filmagens de bolhas em p&b estourando, não utilizadas em Sopro.
Adicionando a movimentação diagonal de uma mosca, o curta foi montado a partir da estrutura
rítmica dos sons. Guimarães diz que “essa música é interessante, pois tem um grave e um agudo e
coloquei uma imagem que simbolizaria o grave e outra o agudo” (GUIMARÃES, 2011a, p. 81).
O curta contém planos, ora repetidos com a mesma imagem, ora alternados com a
movimentação diagonal de uma mosca. Os primeiros planos mostram bolhas estourando em
velocidade reduzida, sincronizadas com o som de uma pianola de brinquedo. Há também o ruído
do tique-taque de um relógio, e um outro ruído grave e oco produzido por um instrumento que
aparenta marcar o ritmo regular.
A partir de certo momento, inicia-se a repetição da movimentação da mosca, que
percorre em diagonal da esquerda para a direita, até sair do campo visual. Os sons da pianola
acompanham a mosca. Depois dos planos das bolhas, da mosca e da alternância entre ambos, as
imagens começam a apresentar intervalos em que a tela aparece em preto. Apesar de não haver

  77  
nenhuma imagem, por um curto período, os sons continuam.
Ao final, uma bolha sem estourar, é mostrada, suspensa no ar, em direção ao sol.

4.19 Aula de Anatomia, 2003


Curta-metragem. Brasil, 2003. Brasil (5 min): cor., Super-8/dv

O curta-metragem Aula de Anatomia inicia-se com uma imagem em que se vê um


porco deitado, morto. Um corte é dado na imagem e o processo reverso mostra o animal se
movimentando de forma moribunda. O curta, composto de planos em que animais, vísceras e
carcaças são apresentados diante da câmera, alterna cenas coloridas e em preto e branco.
Logo no início, vemos a mão de alguém raspar a pele de um porco, cortar a barriga e
tirar os órgãos, até que reste apenas a carcaça. São apresentados outros fragmentos de animais,
como pé de galinha e órgãos não identificados apoiados em uma mão. Em uma das cenas, uma
pessoa aparece com o rosto encoberto com a pele de um animal. As imagens alternam pedaços de
animais, com uma cesta de frutas e uma pessoa com cajado na praia. A cena final de uma ema
está presente também no curta-metragem The Eye Land.
A trilha sonora de O Grivo, realizada em alguns momentos com uma chapa de aço
pontualmente riscada, cria um som agudo e estridente, gerando a sensação de desconforto perante
as imagens dos corpos dos animais.
A sinopse de Aula de Anatomia descreve o curta-metragem como “Corpos, partes de
corpos. Carne, pele, poros. O pulsar da imagem na tela como o ir e vir do ar dentro do corpo”.
Para a realização do curta, Guimarães contou com a participação de Gibi Cardoso, José Bento e
Rivane Neuenschwander.

4.20 Saudade, 2003


Fotografia. 2003

A série mostra fotografias de mulheres anônimas de costas, com destaque para seus
cabelos sem nenhum penteado.
As fotografias foram expostas na exposição coletiva Artistas Mineiros, no Centro

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Cultural São Paulo - CCSP. Na época da exibição, o artista, em depoimento dado a Folha de São
Paulo (2003), diz que fazia certo tempo que não apresentava trabalhos fotográficos. A
prevalência das exibições, durante o período, estava ocorrendo em museus e galerias
principalmente por meio dos seus curtas-metragens. Na reportagem, o artista ressalta que antes de
ser cineasta, atuou sempre como fotógrafo.

4.21 A Alma do Osso, 2004


Longa-metragem. Brasil, 2004 (74 min): stereo, cor, dv

Em 2004, Cao Guimarães estreia o documentário A Alma do Osso. O longa-metragem


acompanha alguns dias na vida de Dominguinhos, um ermitão de 72 anos que vive em uma
caverna encravada na montanha, no interior de Minas Gerais.
O filme tem como epígrafe a frase de Guimarães Rosa, “solidão é gente demais”. Nos
quatorze minutos iniciais do documentário, a câmera acompanha Dominguinhos preparando café.
A organização inicial de Dominguinhos consiste em buscar a lenha já cortada para o fogo e a
limpeza da panela para ferver a água. As ações às vezes são acompanhadas por uma breve
cantoria do ermitão.
Depois de tomar o seu café, vemos Dominguinhos caminhando pela vegetação, indo
em direção a um lago, ou rio, para buscar água. De volta para a residência-caverna, o ermitão
recebe a visita de um grupo de adolescentes que chega ao lugar por meio de uma ônibus e uma
van escolar. Os estudantes permanecem do lado de fora da cerca, fotografam o ermitão e vão
embora.
As imagens mostram a fala constante do ermitão, expressando suas opiniões e
pensamentos, ora incompreensível para o espectador. Em um dos seus pronunciamentos,
Dominguinhos mostra onde esconde o canivete e o dinheiro, para que Guimarães possa resgatar
se um dia ele morrer.
Na cena final, Dominguinhos aparece com fones de ouvido, olhando para o ecrã televisivo, onde
ele visualiza as suas imagens que foram gravadas.
Os aspectos da filmagem incidem no primeiro momento do filme, com a imagem de
Dominguinhos em planos fechados. Progressivamente, a caverna, os “suplementos”, as garrafas

  79  
de plástico penduradas, as latas de alumínio são mostradas; o universo do ermitão. Não são
incomuns os primeiríssimos planos que mostram a pele e as partes do corpo de Dominguinhos,
como os pés ou as mãos.
Durante o documentário, Guimarães dispõe para o espectador, entre os planos de
Dominguinhos, imagens de gotas d’água, vegetações ao vento, formas abstratas da natureza. O
artista diz que isso são liberdades poéticas constituídas principalmente no momento da
montagem.
Uma das liberdades poéticas do diretor é a associação da imagem do personagem com
a forma pela qual ele imagina o que o personagem está pensando. Guimarães em A Alma do Osso
faz alguns jogos de associações, como no momento em que o ermitão vai buscar água no rio. A
câmera foca a imagem em uma bolha d’água, depois, em Dominguinhos sentado, olhando de
frente o rio. Em seguida, acompanhamos as imagens de um cardume de peixes, uma cabana
flutuante em meio ao mar, até o final da sequência aquática que mostra o mar em sua extensão.
Após essas imagens, a câmera se volta para Dominguinhos sentado, olhando continuamente as
águas do rio.
Guimarães diz que é na montagem que ele relaciona a imagem de Dominguinhos com
o mar. Mas trata-se da imaginação do artista e um possível olhar do que o ermitão poderia pensar
enquanto olha para uma bolha d’água:

[…] Aquele momento em que ele vai pegar a água, ele olha para a gotinha e eu vou até o
mar. Ou seja, é uma projeção minha sobre o que ele está sonhando, o que ele está
pensando. Então é uma imaginação do que ele estaria pensando naquele momento na
água, depois eu volto pra ele. São liberdades poéticas, digamos, que a gente tem.
(informação verbal). 15

No texto, Breve Nota Sobre o Eremita, Guimarães fala da experiência de conviver


com Dominguinhos por um certo período de tempo. A convivência fez com que o artista
percebesse as diferenças entre os hábitos do ermitão e os da equipe. Além disso, o convívio era
sempre acompanhado pelos constantes pronunciamentos de Dominguinhos e o seu desejo de
saber o que estava acontecendo no mundo. O silêncio, como nota o artista, era o lugar comum
                                                                                                               
15
GUIMARÃES, Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr.2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni

  80  
para o ermitão, a fala era o estado de exceção, permitida apenas pela comunhão temporária com a
equipe de produção.
O artista começa a ter visibilidade com o documentário quando este é premiado como
Melhor Filme Brasileiro da Mostra Competitiva Nacional e Internacional no 9º É Tudo Verdade,
Festival Internacional de Documentário, em São Paulo. Na época da premiação, a matéria do
jornal O Estado de São Paulo, ressaltava o tratamento estético do filme. Como notado por
Michael Renov, um dos membros do júri, o filme é “meticuloso em sua observação detalhada de
um indivíduo único e ainda poderosamente inovador em sua forma” (MERTEN, 2004).
Para a produção do longa-metragem, o terceiro na trajetória de Guimarães, a Cinco
em Ponto, junto à associação da produtora 88 filmes, atuou com apoio para finalização da
Agência Nacional do Cinema – ANCINE. A Alma do Osso teve também patrocínio da Telemont
– Engenharia de Telecomunicações. A realização foi efetuada com recursos do Programa de
Estímulo ao Audiovisual – Filme em Minas, parceria entre a Secretaria de Estado de Cultura e a
Companhia Energética de Minas Gerais – CEMIG, por meio da Lei do Audiovisual do Ministério
da Cultura.

4.22 Concerto para Clorofila, 2004


Curta-metragem. Brasil, 2004 (7 min): stereo, cor, Super-8/dv

O curta-metragem Concerto para Clorofila foi filmado no CACI – Centro de Arte


Contemporânea Inhotim. Atualmente o CACI mudou de nome para Inhotim - Instituto de Arte
Contemporânea e Jardim Botânico, na cidade de Brumadinho, Minas Gerais. Encomendado pelo
então curador do CACI, Ricardo Sardenberg, o curta mostra a vegetação e os aspectos
paisagísticos do lugar.
O plano inicial é da estrada, a caminho para o Centro de Arte, ainda com o dia
amanhecendo. Aos poucos, os planos revelam o dia clareando, o céu alaranjado, o reflexo das
árvores e a ondulação do lago. As cores são vibrantes, com predominância para o azul, o laranja e
o verde.
As imagens revelam planos gerais da paisagem e também planos detalhes de
folhagens ao vento, gotículas de água, sendo que a maior parte dos planos foram filmados com a

  81  
câmera fixa. Uma das poucas cenas em que a câmera se movimenta é para acompanhar a queda
de uma folha desprendida da árvore.
A música presente em toda a duração do curta foi composta por Guimarães quando
ele era criança. É a única música que ele compôs ao dedilhar sem nenhum conhecimento o antigo
piano de sua mãe. Percebe-se durante o curta alguns momentos de sincronismo mais ressaltados
entre som e a imagem. O acorde do piano tocado de forma mais forte entre a mudança de planos
permite a sensação de maior unidade, o que Michel Chion chama de síncrese (CHION, 2011). A
síncrese, que designa a mescla de sincronismo e síntese, está representada no curta quando o
acorde atua em um determinado momento da imagem para uma conexão mais efetiva de
significado com a imagem.
O Grivo também está presente na trilha sonora, pontuando ruídos, como o barulho do
carro na estrada, a passagem de um avião e o som de um trovão. Os ruídos auxiliam na
continuidade como, por exemplo, a imagem de nuvens que segue com o barulho do trovão. Logo
depois, a imagem da chuva aparece por meio das gotas d’água em uma piscina e numa série de
planos de gotículas de água nas plantas.
A decisão de incorporar a música composta por Guimarães coube ao cineasta
Marcelo Gomes. Ele e Guimarães trabalharam na edição do curta, marcando a primeira parceria
entre os cineastas.
Concerto para Clorofila recebeu o Prêmio de Júri (Estado da Arte) e o Prêmio
Videobrasil de Residência em sua 15o edição, em 2005.
A residência, com duração de três meses, foi iniciada em outubro de 2006. No blog
da 16o edição do Videobrasil, Guimarães conta como foi chegar a Londres dez anos depois de sua
convivência com a cidade. O cansaço inicial do artista, pela intensa produção da época, foi sendo
aos poucos dissipado e a necessidade de produzir algum material novo, de acordo com as
exigências da residência, fez com que ele realizasse um vídeo com a temática sobre o sono. Nesse
período também retomou um antigo projeto chamado Do Amor dos Amigos de uma Década, uma
série de imagens não utilizadas e que foram gravadas durante os últimos anos. O projeto buscava

  82  
um resgate da memória que, segundo o artista, seria como uma “madeleine proustiana”16. Apesar
do relato no blog da residência artística, não há nenhum vestígio da apresentação desse trabalho
para o público.

4.23 Da Janela do meu Quarto, 2004


Curta-metragem. Brasil, 2004 (5 min): son., cor, Super-8/dv

Da Janela do Meu Quarto é um dos filmes mais premiados de Guimarães. O curta-


metragem foi filmado, como o título indica, da janela do quarto, enquanto o artista esperava o
transporte chegar no hotel na Ilha do Algodoal. Guimarães olhou pela janela e viu duas crianças
que “brigavam se amando e se amavam brigando”, segundo a sinopse. O artista tinha somente um
rolo de Super-8 e, ao observar a cena, começou a filmar a movimentação particular entre um
garoto e uma menina, como uma “dança” debaixo da chuva.
Logo no início do curta-metragem aparece a imagem de um cavalo parado, à frente de
uma carroceria com toldo azul. A câmera movimenta-se para a direita onde há no solo arenoso o
garoto puxando a menina pelo pé. O curta totaliza doze planos em que prevalecem, ora o menino,
ora a menina, na tentativa de atingir o “adversário” na luta.
Durante o segundo e terceiro plano existe a presença de outro garoto, que acompanha
as duas crianças, porém, ele aparece somente de relance. A escolha de Guimarães é privilegiar a
relação entre a menina de calção vermelho e o garoto de calção azul.
Guimarães chega a utilizar levemente o zoom da câmera Super-8, no quarto plano,
em que a menina imobiliza o garoto e eles permanecem por um momento deitados no chão.
Nesse instante, existe a impressão de que a garota direciona o olhar para cima, como se
percebesse a câmera do artista.
Os cortes entre os planos da imagem são acompanhados pelos cortes sonoros. A
mudança entre um plano e outro é feito de modo sutil e há predominância em todas as cenas de
gotas de chuva, vento, e, mais pontualmente, trovões e grilos. A trilha sonora, composta pelo O
Grivo busca nos ruídos potencializar as ações e sentimentos das crianças. Em alguns momentos,
                                                                                                               
16
Maiores informações sobre o relato na residência artística estão disponíveis no blog do Videobrasil. In:
GUIMARÃES, Cao. Para perder o sono, uma residência (que não é sua). 6 nov. 2007. Disponível em:
<http://www.videobrasil.org.br/16/blog/>. Acesso em 15 jan. 2014.

  83  
como no quinto e no sétimo planos, existe uma maior sincronização entre a imagem e o som.
Nesses planos, a menina corre em direção ao garoto, buscando dar-lhe socos, enquanto o plano
sonoro apresenta um gotejar pesado e mais rápido dos que os anteriormente escutados.
Os pesquisadores Rafael de Almeida (2011a) e Marina Mapuranga de Miranda
Ferreira (2013), em seus respectivos artigos sobre a obra, atribuem interessantes significados ao
aspecto sonoro da chuva que intensifica-se durante os golpes da menina. Para Almeida, é como se
a chuva estivesse passando por um momento de fúria, como a personagem. Já para Ferreira, o
gotejar mais intenso aparenta palmas de uma plateia, uma torcida para a menina.
No artigo da pesquisadora sonora Marina Mapuranga de Miranda Ferreira, ela nota
que o curta-metragem tem em sua sonoridade dois planos sonoros para o vento: um plano de
preenchimento é composto pelo que ela chama de vento base, responsável pela forma grave;
outro é caracterizado como primeiro plano de vento solo, em que o uivo é apresentado de forma
aguda. Existe também o som dos grilos e da chuva como plano de preenchimento, que mantém-se
constante no plano sonoro. (FERREIRA, 2013, p. 12).
Ferreira também argumenta que o desenho sonoro é maleável, de modo a construir
um som ambiente que potencialize os sentimentos e a ações das crianças por meios dos ruídos.
A cena final tem um ruído específico, como um assobio de alguém que chama as
crianças. A câmera acompanha a menina correndo e aos poucos vai abrindo o campo visual para
mostrar a sua frente o garoto, também correndo como se estivesse fugindo dela. Os dois correm
até saírem do campo visual e o que câmera capta por último são algumas casas ao redor da
paisagem.
Guimarães costuma dizer que ele teve sorte na “estratégia” das crianças, pois foi
como um final depois da luta. O artista diz que o maior receio durante o processo de filmagem
era saber se os três minutos do cartucho da câmera Super-8 seriam suficientes para filmar a ação
das crianças (GUIMARÃES, 2005b, não paginado). Quando o rolo estava para acabar, ocorreu
das crianças saírem correndo até não estarem mais presentes no campo visual da câmera.
Apesar do rolo de Super-8 ter apenas três minutos, Guimarães diz que, enquanto
filmava, já tinha em mente colocar as imagens em slow motion, para esticar um pouco a duração
do curta. Desse modo, na pós-produção do curta diminuiu a velocidade para ter a duração final de
cinco minutos. O retardamento das imagens permite ver com mais detalhes os golpes, recuos,

  84  
passos e a corrida durante o embate da luta entre o garoto e a menina. As gotas da chuva que
caem pela janela do hotel também aparecem de forma mais nítida, a partir da alteração da
velocidade.
Guimarães recebeu a revelação do filme Super-8 alguns meses depois da filmagem. A
edição e a telecinagem foram realizadas pelo próprio artista.
Da Janela do Meu Quarto recebeu os prêmios: Melhor filme no 10º Festival É Tudo
Verdade; Menção Especial do Júri no Festival de Cinema Latino de Toulouse; Melhor curta-
metragem no 3º Cine Esquema Novo; e Melhor curta-metragem do Festival do Rio. Atualmente o
curta faz parte da coleção permanente do Instituto Cultural Inhotim.

4.24 Acidente, 2006


Longa-metragem. Brasil, 2006 (72 min) stereo, cor, Super-8/mini-dv

Em 2006, Guimarães realiza seu quarto documentário, Acidente, em parceria com o


artista visual e cineasta Pablo Lobato. Para a realização do longa-metragem, os realizadores
criaram um poema a partir do nome de vinte cidades pertencente ao estado de Minas Gerais. Os
nomes das cidades foram escolhidos aleatoriamente, a partir da sonoridade e do ritmo, compondo
o poema:

Heliodora Virgem da Lapa Espera Feliz Jacinto Olhos D'Água / Entre Folhas / Ferros
Palma Caldas / Vazante / Passos / Pai Pedro Abre Campos / Fervedouro Descoberto /
Tiros Tombos Planura / Águas Vermelhas / Dores de Campos.

Os nomes escolhidos das cidades funcionaram como o roteiro do filme. Chegava-se


em cada lugar e esperava-se que algo acontecesse, sem que houvesse a necessidade de
interligação ou relação entre cada um dos lugares mencionados no poema. Antes de apresentar o
que ocorria em cada cidade, um desenho do contorno geográfico e o nome do lugar é exibido,
introduzindo uma a uma cada cidade, até formar o poema.
Inicialmente, a proposta do filme consistia em buscar a história por detrás dos nomes
das cidades escolhidas, porém, ao estarem presentes nos lugares, perceberam que nem sempre
havia uma razão significativa para o nome da cidade. Na cidade de Tombos, Lobato e Guimarães

  85  
decidiram mudar o método de captação das imagens. Eles preferiram estar atentos às
especificidades de cada local e ligarem a câmera para aguardar que alguma ação se manifestasse
diante das câmeras.
A primeira cidade apresentada é Heliodora. As cenas noturnas indicam a falta de luz
na cidade, onde toda a iluminação é restrita às luzes dos faróis dos carros que passam pelas ruas.
A câmera acompanha uma pessoa que, ao carregar uma vela, cantarola e depõe sobre os
sofrimentos amorosos de ser homossexual. O personagem é acompanhado até a casa, onde enfim
descansa.
Em seguida, Virgem da Lapa mostra algumas crianças se preparando para uma
procissão religiosa. A câmera se move entre as meninas, vestidas de branco, com lenços coloridos
na cabeça. Durante a procissão, alguns meninos estão simbolicamente crucificados, esperando
que a missa termine para que a encenação e a procissão continuem pela cidade.
A terceira cidade mineira é Espera Feliz. Os enquadramentos das imagens capturadas
na cidade são todos fixos, mas há sempre um fator de interferência humana que entra em
cena/quadro. Assim, na imagem de uma fotografia de time de futebol, pendurada na parede
levemente torta, entra um homem em cena que a endireita. No plano detalhe da válvula de
bicicleta, há a entrada de uma mão que coloca a capa de proteção no bico. Em um bar, a câmera
detém-se no copo vazio, que é, em seguida, preenchido com café. A sonoridade de pessoas
conversando está sempre fora de campo, com exceção da música Coração Materno, de Vicente
Celestino, que pontua algumas das ações de Espera Feliz.
Jacinto mostra a cidade em vista panorâmica. Depois da imagem de um casal em um
quadro de fotopintura, um homem canta um pedaço de uma música de Cartola.
A cidade de Olhos d’Água concentra-se em um posto de gasolina e em um homem,
de chapéu verde, do lado de fora da lanchonete. Ele está parado, observando, com um dos braços
apoiado na mureta. Logo depois, forma-se a primeira estrofe do poema: Heliodora Virgem da
Lapa Jacinto Olhos d’Água.
Entre Folhas inicia-se com as pessoas varrendo a folhagem e a poeira do chão. Em
seguida, mostra-se a movimentação de um bar, acompanhada do lado interno do balcão. Os
proprietários, um homem e uma mulher, ocupam-se das tarefas diárias. Destaca-se que em
determinado momento, o ponto de vista do homem é adotado pela câmera, de forma subjetiva,

  86  
quando ele põe diante da câmera uma “luneta” improvisada, um ovo como uma “lente”. Atrás do
bar, a residência dos donos e os hábitos cotidianos. Anoitece e o ambiente interno da casa, atrás
do bar, é exibido até o homem apagar as luzes.
A cidade de Ferros mostra um pau de sebo e uma criança tentando subir para pegar
os prêmios. Uma banda toca animadamente junto ao esforço do menino. A cena seguinte mostra
um garoto fazendo o sinal da cruz e saltando em direção ao rio da cidade.
Palma inicia-se com um homem descendo uma ladeira de paralelepípedos, tocando
uma trompa. A cidade foi filmada em Super-8 colorido e apresenta coloração diferente das
imagens das cidades anteriores. A subida e a descida da ladeira são acompanhadas pela câmera,
que registra as pessoas que caminham, as bicicletas, os caminhões que passam em momentos
distintos do dia. A voz de alguém ofegante finaliza a última cena da ladeira.
Após, a cidade de Caldas tem um homem (Gibi Cardoso) e uma mulher que
conversam e buscam a chave da casa perdida na bolsa. Em seguida, imagens de uma casa de
banho termal, o reflexo da água escorrendo no ladrilho e fragmentos de corpos imersos na água.
Os ruídos das águas são predominantes, mas há em um momento uma música executada ao
piano, quando uma bola laranja encontra-se no meio da casa de banhos.
Em Vazante, duas jovens interagem animadamente com os cineastas. Na cena
seguinte, uma das garotas, autodenominada Black, aparece concentrada escutando música.
Segue-se uma sequência de imagens sem cunho representativo, com ruídos predominantemente
graves que acompanham o perfil pouco iluminado de Black. Depois de Vazante, a segunda
estrofe do poema é montada: Entre Folhas Ferros, Palma, Caldas Vazante.
Na cidade de Passos, um sapateiro está engraxando quando uma mulher tenta
insistentemente pegar o cigarro que ele está fumando. Ele reza pedindo para que Deus faça uma
obra na vida dela e o deixe trabalhar tranquilo.
Pai Pedro é o 12º lugar do poema. As imagens iniciais, filmadas em Super-8, são de
uma estrada com a movimentação de uma carroça, passantes e o trilho de um trem. A música que
acompanha é um trecho das Bachianas Brasileiras n. 2 – O trenzinho do caipira, de Heitor Villa-
Lobos. Logo após, as imagens voltam a ser no formato digital e uma mulher depõe sobre a razão
do nome da cidade. Ao anoitecer, uma dupla de moda de viola canta dentro de uma casa. A
imagem de um homem, olhando para a câmera é acompanhada da sonoridade do relinchar e o

  87  
trotar de um cavalo. Ouve-se também o latido de um cachorro na cena final de Pai Pedro. Esses
sons seguem-se, em sentido de continuidade, até a cidade seguinte, Abre Campos.
Em Abre Campos, a cena noturna mostra o reflexo do relógio e a cidade de
paralelepípedos vazia, com apenas alguns ruídos de grilos. O som de uma rádio indica que são
4:50h da madrugada. Nas ruas, três cachorros aparecem brincando, um dos cães vira em direção à
câmera, mas logo em seguida sai de campo para se juntar aos outros cachorros.
A cidade de Fervedouro é apresentada por meio da câmera que acompanha um
caminhoneiro pela cidade. Ao chegar ao destino, ele sai do veículo e pula em uma piscina. A
cena seguinte mostra a câmera submersa com bolhas de ar indo em direção à superfície. As
pernas e o tronco de pessoas são exibidas caminhando no que parece ser uma fonte/piscina
natural, com a presença de peixes. A música que acompanha a cena aquática é Noite Cheia de
Estrelas, de Vicente Celestino. Ruídos graves e densos de bolhas de ar que explodem e
reverberam na superfície também são escutadas.
A 15ª cidade do poema é Descoberto. Imagens noturnas mostram algumas pessoas
paradas ou caminhando nas ruas de paralelepípedo da cidade interiorana. Amanhece e a
vegetação do lugar aparece encoberta de névoa.
Em Tiros, os realizadores presenciaram um rodeio. O momento de descanso dos
vaqueiros e a dança de um travesti ao som da música eletrônica do evento são exibidos, assim
como os fogos de artifício, e a preparação para a entrada na arena. A cena final é seguida do
fragmento de uma música de Richard Strauss, Vier Letzte Lieder n. 4 em que os vaqueiros
tentam, em câmera lenta, permanecer em cima do boi.
A cidade de Tombos é seguida por duas vozes de pessoas conversando. Após, o som
de uma gaita acompanha a movimentação de gotas d’água que rodopiam em um carrossel. O som
da gaita some com o corte na imagem, e ouve-se os ruídos de algo que assemelha-se a um som de
engrenagem. Também ouve-se as batidas e os compassos de um pandeiro. Depois das imagens e
dos sons do carrossel d’água, vemos fragmentos de casas, em enquadramentos fixos “de ponta
cabeça”, que ocupam um espaço mínimo no campo visual da tela.
Planura exibe inicialmente uma plantação, cortada pela linha do horizonte. Se segue
a imagem aérea da cidade é acompanhada por ruídos e sons de crianças brincando.
Em Águas Vermelhas, a câmera fixa se detém nas mãos de uma senhora segurando

  88  
um lenço. A câmera não mostra o seu rosto, mas ouve-se o seu depoimento, em que diz que se
lembra do passado, mas não do presente. Ela fala sobre o esquecimento cotidiano quando chega
ao quarto e não lembra mais o que iria fazer.
A última cidade do poema é Dores de Campos. Filmada em Super-8 colorido, mostra
a vegetação se movimentando ao vento. O som é de algumas notas agudas ao piano junto a um
instrumento de cordas. Apresenta-se a última estrofe do poema: Passos Pai Pedro Abre Campo
Fervedouro Descoberto Tiros, Tombos, Planura Águas Vermelhas, Dores de Campos.
Guimarães diz que o método para expressar o que era cada cidade, constituía-se em
chegar em um determinado horário e andar para ver o que poderia acontecer. Realizado com uma
pequena equipe de cinco pessoas, o longa Acidente foi delineado inesperadamente, como uma
entidade que se manifesta aos poucos, no ritmo dos seus processos de descobertas.
Ao caminhar pela cidade Espera Feliz, por exemplo, Guimarães atenta-se a uma
bolsa perdida no chão, sem nenhuma pessoa ao seu redor. Ao começar a filmar o objeto, há a
entrada inesperada de alguém, que resgata a bolsa e segue o seu caminho. Guimarães observa
então, como a ação dos moradores incidia de modo determinante sobre alguns objetos: era como
se os objetos, por sua vez, estivessem aguardando que alguém alterasse seu estado inicial
(GUIMARÃES, 2011c).
Carlos Alberto Mattos nota que o longa-metragem se revela com calma, pelo olhar
cuidadoso dos diretores em captar os flagrantes mínimos e expressivos de cada lugar. Segundo
ele, algumas cidades passam pelas metáforas referentes ao nome. A cidade de Tombos, por
exemplo, “é visto em fragmentos de prédios enquadrados contra um imenso céu azul, assim como
se a cidade tivesse virado de ponta-cabeça” (MATTOS, 2011, p. 37).
Mas o filme também é composto por outros fatores que vão além da metáfora, são
lugares que remetem a sonhos, que interagem em maior ou menor nível com os personagens e
também na acuidade da plasticidade dos elementos visuais. Mattos ressalta que apesar de toda a
aparente causalidade, o filme apresenta uma rigorosa construção de imagens e sons.
Não à toa, o filme foi um dos sucessos do DOCTV17, abrindo um novo leque de
experimentações para o documentário, principalmente no que se refere ao “chamado
                                                                                                               
17
O DOCTV é um programa de fomento à produção e difusão do documentário brasileiro. Iniciado em 2003, marcou
a iniciativa da Secretaria do Audiovisual e a televisão pública. Acidente foi contemplado na II Edição do programa,
destinado ao estado de Minas Gerais.

  89  
‘documentário de dispositivo’, que substitui os tradicionais roteiros e pesquisas por eleições
prévias e critérios predefinidos de filmagem que vão gerar a unidade e a força do filme”
(MATTOS, 2011, p. 38).
Nesse sentido, Acidente trouxe importantes contribuições no que se refere ao
dispositivo no documentário, trazendo em primeiro plano os aspectos líricos sem a necessidade
obrigatória de uma construção narrativa. Consuelo Lins e Cláudia Mesquita notam que o método
de realização do filme funciona como um dispositivo-poema. Ao mesmo tempo em que os
realizadores não poderiam abster-se de filmarem uma cidade (pois o poema perderia o sentido),
eles estavam livres para eleger qualquer temática para o lugar.
Outro aspecto determinante do filme é o apuro visual. Sem a necessidade de
gravarem um assunto preestabelecido, Guimarães e Lobato permitem-se filmar longos planos-
sequências em que há “o privilégio a valores plásticos e de composição (na imagem) e uma certa
gratuidade nas escolhas de assuntos e objetos” (LINS; MESQUITA, 2008, p. 61).
Porém, o interesse formal e estético que é transmitido pelos sons e imagens nunca é
banal ou isento de significação. Mesquita chama atenção para a cidade de Entre Folhas, à cena
em que o boteco é acompanhado até o cair da noite. Para ela, a temporalidade atravessa não
apenas a duração do filme, mas também a vivência dos habitantes da cidade. Discorrendo sobre
filme, e também com o média-metragem Uma encruzilhada aprazível, ela argumenta que os
valores plásticos coexistem no cotidiano daqueles que habitam o lugar:

A vivência do tempo nessas localidades é sugerida pela duração e repetição de planos ou


enquadres numa convergência entre a aposta estética dos dois filmes e um suposto
conteúdo de estagnação – tempo que escorre ou mudança lenta – que marcaria o cotidiano
destes lugarejos. Outros conteúdos relacionados a processos sociais e políticos aparecem
de modo fragmentário e indireto” (MESQUITA, 2010, p. 213-214)

Desse modo, tanto o dispositivo-poema, como a causalidade dos lugares e a escolha


dos realizadores, trabalham de modos complexos em que a forma estética e a experiência
vivencial criam uma amálgama na representação de cada cidade. Lobato e Guimarães imprimem
um olhar sensível, mas também respeitoso da realidade que os cerca.

  90  
Acidente possui duas versões: uma de 55 minutos, realizada para o formato do
DOCTV; e outra versão estendida de 72 minutos que foi convertida para o formato 35 mm para
exibição nos cinemas. O filme também teve exibição pelo Canal Brasil. O longa-metragem
recebeu o prêmio de Melhor Filme Documentário no 22º Festival Internacional de Cinema de
Guadalajara e o Prêmio de Melhor Documentário no Festival Internacional do Rio 2006. Em
2012, Acidente foi adquirido pelo Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – MAM/RJ, por
meio do Edital da Funarte/Prêmio Marcantônio Vilaça, para aquisição de novas obras para o
acervo.

4.25 Quarta-feira de Cinzas, 2006


Curta-metragem. Brasil, 2006. (6 min): son., cor, hdv

Quarta-feira de Cinzas é um curta-metragem realizado por Guimarães e Rivane


Neuenschwander em uma cidade próxima de Belo Horizonte, conhecida por ser um lugar com
grande incidência de formigas. Assim como Word/World, filmado em 2001, os personagens são
formigas que carregam algum material proposto pelos artistas. Para o processo de realização, os
artistas passaram alguns alimentos como bacon, mel, açúcar, para que as personagens-formigas se
sentissem estimuladas a carregar o material.
No curta, lantejoulas coloridas são levadas pelas formigas em direção ao formigueiro.
A sinopse do curta indica que “após o Carnaval, no ocaso melancólico de uma quarta-feira de
cinzas, as formigas começam sua festa profana, multicolorida, ao ritmo de samba de caixa de
fósforos”. A trilha sonora, minimalista, foi composta digitalmente pelo O Grivo. O duo baseou-se
na canção Me deixa em paz, de Monsueto e Ayrton Amorim e utilizaram-se também dos sons de
palitos de fósforos caindo no chão.
O curta-metragem foi adquirido em 2007 para a coleção permanente do museu Tate
Modern, em Londres.

4.26 Andarilho, 2006


Longa-metragem. Brasil, 2006 (80 min): stereo, cor, hdv

  91  
No ano de 2006, o artista lança seu quinto documentário, Andarilho. Inicialmente
com o título Com os Pés um Pouco Fora do Chão18, o filme é descrito como um filme sobre a
relação entre o caminhar e o pensar. Nos 80 minutos de duração, o longa-metragem acompanha o
percorrer de três andarilhos, Valdemar (Gaúcho), Nersino e Paulão, que caminham naquele
momento pela Estrada de Salinas, Montes Claros e Pedra Azul, em Minas Gerais. As filmagens
ocorreram nas rodovias BR-251, BR-135 e BR-122, no nordeste do estado mineiro.
Gaúcho é o primeiro andarilho mostrado nas imagens e é o que mais ganha destaque
durante o longa-metragem. As cenas iniciais registram a fala verborrágica do andarilho e as suas
considerações sobre o mundo. A câmera o acompanha por alguns trajetos, exibindo momentos
em que o andarilho tenta escrever dentro de um bar ou lavando o rosto em um banheiro de beira
de estrada.
Logo depois, Nersino aparece e permanece num ponto de ônibus desabitado, falando
consigo mesmo. O terceiro andarilho revelado no longa-metragem é Paulão. Dentre todos, Paulão
é o único com uma “carroça-carrinho” que carrega todos os itens necessários para sua vivência.
Durante o filme, imagens de estradas, pessoas que transitam e aguardam por um
instante no acostamento; e a atenção à movimentação de um gafanhoto que pula no asfalto de
acordo com a agitação incessante dos veículos.
Em dado momento do documentário, Guimarães promove o encontro de Gaúcho com
Paulão. Os dois iniciam uma conversa na beira da estrada, quando o barulho de um trovão eclode
inesperadamente. A cena é uma das mais comentadas por Guimarães, pelo caráter de
imprevisibilidade durante o processo de filmagem.
Andarilho é o segundo longa-metragem da trilogia da solidão, iniciada por Guimarães
com A Alma do Osso. Em depoimento gravado para os extras do DVD do filme, o crítico de
cinema, José Carlos Avellar diz que uma das suas primeiras percepções, antes das filmagens
ocorrerem, é que Andarilho era semelhante à Acidente. Para Avellar, o diálogo com a pintura e a

                                                                                                               
18
O título inicial baseou-se no seguinte escrito de John Cage: "Numa conferência sobre Zen-budismo no inverno
passado, o dr. Suzuki disse: 'Antes de estudar Zen, homens são homens e montanhas são montanhas. Enquanto se
estuda Zen as coisas se tornam confusas: não se sabe exatamente o que é o que e qual é qual. Depois de estudar Zen,
homens são homens e montanhas são montanhas'. Depois da conferência foi feita a pergunta: 'Dr. Suzuki, qual é a
diferença entre homens são homens e homens são homens e montanhas são montanhas depois de estudar Zen?'.
Suzuki respondeu: 'A mesma coisa, só um pouco como se você tivesse os pés um tanto fora do chão'". In: CAGE,
John. De segunda a um ano: novas conferências e escritos. São Paulo: Hucitec, 1985.

  92  
fotografia são nítidos nos dois longas-metragens. Em ambos os filmes, o enquadramento estaria
localizado não de um modo frontal, mas de esguelha, um meio de olhar personagens e
acontecimentos que permitiria um outro jeito de acesso aos personagens, tema caro ao mundo do
documentário.
O longa-metragem, assim como nos outros documentários realizados por Guimarães,
contém imagens e sons que buscam “traduzir” uma certa percepção do realizador perante aquilo
que os andarilhos viviam no cotidiano. É representativo, por exemplo, a imagem em que as
pernas de Paulão aparecem distorcidas, pela atmosfera de calor do asfalto. Para Guimarães, as
imagens foram construídas na edição, a partir de como ele imaginava que era a vida de um
andarilho que caminhasse por longos períodos em um asfalto escaldante.
O artista põe-se no lugar dos andarilhos para tentar imaginar como seria o
pensamento de alguém que andasse pelas estradas. Algo que também percebeu, durante o
processo de filmagem, foi como a presença intensa dos caminhões é sentida corporalmente pelos
andarilhos:

A forma do pensamento, a forma meio aluviada, meio desfocada, meio evanescente, meio
exalatória do asfalto quente. E o caminhão pra mim... eu imaginava justamente os
caminhões, porque a quantidade de caminhão que passava o tempo inteiro andando na
beira da estrada... é muito louco. Você fica pouco tempo ali e já começa, e eles ali tem um
vácuo, o caminhão traz um corpo que traz um vácuo que te joga pro lado. (informação
verbal)19

Guimarães nota que o ato de caminhar, no caso dos andarilhos, envolve uma outra
percepção dos objetos. A partir da montagem, o artista traduz em imagens e sons como poderia
ser sentido o ato de caminhar dos andarilhos à beira das estradas.
Composto de longos planos, o filme foi montado de maneira que a sonoridade,
composta pelo O Grivo, atuasse como uma camada narrativa. Cao diz que durante a montagem o
som tem uma característica elementar, até mesmo mais que a imagem, para criar um sentido de
percepção para o espectador (GUIMARÃES, 2010a, não paginado).
Para que o som funcione dessa maneira, O Grivo costuma espalhar microfones em
                                                                                                               
19
GUIMARÃES, Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr. 2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.

  93  
diferentes pontos, tanto nos personagens como na locação, independente se há ou não ação a ser
gravada pela câmera. Carlos Alberto Mattos nota que no caso de Andarilho “ouvimos os
murmúrios dos personagens em suas andanças, enquanto o ruído off dos carros que passam na
estrada enfatizam a indiferença entre o mundo dos andarilhos e o dos que têm rumo” (MATTOS,
2013, p. 38). Ele também argumenta que a captação do som direto pode ser o primeiro degrau
diante a incorporação de outros sons na criação audiovisual. Assim, Mattos afirma que O Grivo e
um time de sound designers brasileiros vêm trabalhando a sonoridade no documentário
contemporâneo como paisagens sonoras20 e tem como uma das características pensarem música,
ruídos e vozes em uma mesma unidade.
Se de um lado temos as imagens de Guimarães e o primoroso trabalho da edição que
altera visualmente as formas, buscando transmitir uma percepção do caminhar pelas estradas; a
composição sonora de O Grivo vem criar novos sentidos para a relação imagético-sonoro, em que
os andarilhos, “figuras desgarradas, habitantes de passagens, lugares quaisquer em estradas
quaisquer” (MIGLIORIN, 2006, não paginado), são apresentadas ao espectador.
Em entrevista a 27ª Bienal de São Paulo, onde o filme foi exibido pela primeira vez a
partir da temática Como Viver Junto, Guimarães é questionado sobre o porquê da predileção por
personagens como um ermitão e andarilhos. O artista diz que seu trabalho procura sair do lugar-
comum, e vai atrás, pela necessidade, de novas formas de vivências (GUIMARÃES, 2006b, não
paginado).
O artista ressalta que Andarilho foi a primeira produção em que obteve auxílio de um
assistente de câmera, na época Alexandre Baxter. Ao ter alguém que pudesse portar um tripé para
os diferentes locais, existia também a possibilidade do artista em optar por planos de maior
duração.
O documentário recebe os prêmios de Melhor Diretor no Festival Internacional do
Rio; Melhor Filme no 11º Festival de Filme Documentário e Etnográfico, no Forumdoc.bh 2007;
Lady Hamariguada de Oro – Melhor Filme no 9º Festival Internacional de Cine, em Las Palmas
                                                                                                               
20
O conceito de paisagem sonora (soundscape, no original) foi cunhado por R. Murray Schafer. Para ele, a paisagem
sonora, pensada interdisciplinarmente, pode ter três critérios: O som fundamental (que pode ser o vento, a água, etc);
o sinal sonoro (um som mais marcado, como um apito de trem); e a marca sonora (um som específico de uma
comunidade). Maiores detalhes estão presentes no livro SCHAFER, Murray. A afinação do mundo: uma exploração
pioneira pela história passada e pelo atual estado mais negligenciado do nosso ambiente – a paisagem sonora. São
Paulo: Unesp, 2001.

  94  
de Gran Canária.
Com produção de Cinco em Ponto e com a produtora associada 88 filmes, o filme foi
realizado com recursos do Programa de Estímulo ao Audiovisual – Filme em Minas. A Telemig
Celular, também viabilizou recursos para a realização do filme através da Lei Estadual de
Incentivo a Cultura do Estado de Minas Gerais. Andarilho foi patrocinado majoritariamente pela
ANCINE e Filme em Minas, e contou também com patrocínio da VIVO e apoio das empresas
Hardy e Voltz. O filme é distribuído em DVD pela produtora e distribuidora Lume Filmes.

4.27 Atrás dos Olhos de Oaxaca, 2007


Curta-metragem. México/Brasil, 2007 (8 min): son., cor, Super-8

O curta-metragem Atrás dos Olhos de Oaxaca foi filmado por Guimarães a partir de
sua fascinação pelo olhar de um homem comum. Na sinopse “Um pequeno eye-movie pelas
estradas do estado mexicano de Oaxaca. Até que os olhos saltem de trás para frente da câmera e
todo um povo se condense dentro de apenas uma retina”.
A primeira imagem mostra a movimentação do mar. Vemos em seguida, uma estrada
e uma série de planos que revelam a paisagem montanhosa do lugar. Em uma cabana, inicia-se a
filmagem de Guimarães por um homem acompanhado de duas crianças, enquanto Canário grava
atrás de um vidro a interação de Guimarães e o processo de filmagem. Vemos Guimarães medir a
luminosidade do rosto e solicitar ao homem que olhe para câmera. O enquadramento nos olhos
do homem é a última cena.
A música que acompanha parte do curta-metragem é Sarabande – Cello Suite n° 6, de
Johann Sebastian Bach.

4.28 Sin Peso, 2007


México/Brasil, 2007 (7 min): son., cor, Super-8

Sin Peso foi filmado a partir do convite para a participação da exposição Chocolate
(gíria para trambique, comércio ilegal) no Museo Carrillo Gil, na Cidade do México.
Guimarães diz que ao caminhar pelas ruas, absorvendo toda e qualquer influência

  95  
externa, percebeu a forte presença sonora, marcante para a construção do vídeo.
O curta-metragem inicia com a imagem de tecidos coloridos, que servem como
tendas para proteger do sol e da chuva o comércio de rua local. Os planos detalhes revelam
inicialmente as cores fortes das tendas dos comerciantes. Guimarães atenta-se às extremidades
dos tecidos que contêm um gancho e um fio para prender a tenda em algum lugar fixo. Essa
qualidade do tecido repuxado traz textura à imagem, que apresenta as tendas como formas e cores
com volume. A agitação dos tecidos coloridos pelo vento também é percebida pela câmera fixa e
pelos enquadramentos geométricos de Guimarães.
Gradualmente, o campo visual vai abrindo-se no transcorrer da duração, mostrando o
entorno como placas de banheiros e bandeiras. O único indicativo de que essas tendas são de
comerciantes é a sonoridade. Sabe-se que há comércio apenas pelo som, capturado nas ruas pelo
O Grivo, de pessoas que falam/cantam os produtos a serem vendidos. A fala dos vendedores é
acompanhada de ruídos de carros, sons musicais que passam ocasionalmente na rua.
Há em Sin Peso, a indissociação mais direta entre a imagem e o som. O curta-
metragem só pode ser compreendido pela união da dimensão sonora e visual. Michel Chion fala
em valor adicionado21 para tratar dessa relação entre imagem e som, na qual o som traz um valor
expressivo e informativo, potencializando uma determinada imagem. Essa capacidade de alterar o
valor da imagem pode ser alcançada de diversas formas, como a previsibilidade ou
imprevisibilidade que ocorre com o ritmo do som. A cadência da fala dos comerciantes nem
sempre acompanha o ritmo e o corte das imagens, o que cria um alerta, um estado de atenção
sugerido, no qual o espectador deve estar alerta a algo que vai acontecer na imagem.
Assim, o curta-metragem é o resultado do trabalho de Guimarães, junto ao O Grivo,
criando uma amálgama sonoro-visual impossível de ser desvinculada para a criação de sentido
para o espectador.

4.29 Peiote, 2007


México/Brasil, 2007 (4 min): son., cor, Super-8

                                                                                                               
21
No original valeur ajoutée. Na tradução dada à edição portuguesa do livro A Audiovisão, usa-se o termo valor
acrescentado. Todavia, adotamos a grafia de valor adicionado de acordo com a literatura acadêmica presente nos
congressos brasileiros.

  96  
Os primeiros planos de Peiote mostram a preparação dos adultos, regulando um
objeto de percussão e adorno nos pés. A câmera volta-se para os pés que pulam e giram. No
plano, mulheres e homens enfeitados com penas dançam enfeitados em uma aparente festa
folclórica.
No meio da manifestação popular mexicana, a câmera de Guimarães foca-se na dança
particular de um garoto que mistura coreografias de super-heróis japoneses com luta livre
mexicana. Diante da dança folclórica dos adultos, vestidos de colares e penas, o garoto apresenta
uma contradança, improvisada e alheia à câmera.
A trilha sonora d’O Grivo é predominantemente composta por uma sonoridade grave.
Há a presença de um som seco de curta duração que marca o ritmo irregular e um instrumento de
cordas graves, similar ao som de um violoncelo, que é tocado com maior duração. O contraponto
dessas duas sonoridades é a base da música do curta-metragem. Quando o menino aparece em
cena a câmera passa a ter um ponto de vista na altura da criança, há então a inserção de um som
mais agudo, indicativo da presença da criança. Essa sonoridade mais aguda passa a “brincar” com
os sons mais graves, mas é instável na duração, permanecendo ausente por alguns minutos.
O titulo, Peiote, refere-se ao pequeno cacto alucinógeno utilizado por povos
indígenas no norte do México e sudoeste dos Estados Unidos. Como escrito na crítica de Calac
Neves (2007, não paginado) para o Festival Internacional de Curtas do Rio de Janeiro, embora o
título seja sugestivo para a ação esfuziante do garoto, é a naturalidade e o cuidado do realizador
que podem fascinar o espectador: A câmera encontra-se na mesma altura que o garoto e a trilha
sonora potencializa a dança, podendo sugerir um tipo de experiência alucinatória para aquele que
assiste.

4.30 Mestres de Gambiarras, 2008


Curta-metragem. Brasil, 2008 (31 min): son., cor, dv

Mestres da Gambiarra é um curta-metragem que mostra o ofício de três


“gambiarristas”. Entende-se, como “mestre da gambiarra”, pessoas com diferentes profissões e
formações que utilizam da improvisação para a construção de novos objetos. O primeiro a ser
apresentado é o técnico Darcy do Instituto de Biologia da Universidade Federal de Minas Gerais -

  97  
UFMG. Ele mostra como foram adaptados os caros instrumentos científicos, na maior parte
importados, a instrumentos construídos com simples materiais do cotidiano. O “respirógrafo”,
por exemplo, é totalmente arquitetado por meio da gambiarra.
O segundo personagem é Paulo Marques de Oliveira. O seu ofício de Mestre dos
Mestres já havia sido revelado no longa-metragem O Fim do sem Fim, que Guimarães, em
parceria com Lucas Bambozzi e Beto Magalhães, filmou em 2001. Oliveira apresenta desenhos,
modos de instrução para que os canoeiros utilizem garrafas plásticas para atravessar o rio.
Já Sérgio Neuenschwander, neurocientista, apresenta, no terceiro depoimento “3
formas de secar um tênis em um dia de chuva”. Por meio de maquinários construídos por ele, ele
argumenta sobre a gravidade e formas de movimentação para secar o tênis. O neurocientista
reflete sobre a função da gambiarra, dizendo que por ser única é mais difícil o conserto da
gambiarra do que sua criação.

4.31 Memória, 2008


Curta-metragem. Brasil, 2008. (5 min): son., cor, hdv.

O curta-metragem Memória foi realizado por Guimarães durante um trajeto para


atravessar a Grécia. Gravado na ilha de Santorini, o curta é um plano-sequência que registra a
paisagem vista do ponto de vista de Guimarães, sentado dentro de um ônibus. A câmera fixa
próxima ao motorista mostra, junto à paisagem, um espelho retrovisor suspenso no meio do para-
brisa do veículo.
Nos cinco minutos de duração, o ônibus percorre as ruas sinuosas de uma das ilhas da
Grécia, sendo um pedaço da paisagem transparecida pelo para-brisa frontal, ao mesmo tempo em
que há outra parte da imagem, um recorte, sendo refletido pelo espelho retrovisor. Durante o
trajeto, ouve-se os sons ambientes e a voz de um locutor de rádio.
O trajeto é constituído de pessoas, cartazes de cunho turístico e uma topografia árida.
O artista diz que viajando nesse local, carregado em si pela ideia de tempo e memória, viu esse
espelho recortando o quadro, refletindo o que se passava, ao mesmo tempo em que mostrava o
caminho. Para Guimarães, há uma relação entre esse trabalho e as fotografias de Campo Cego, no
que diz respeito à temporalidade e à memória.

  98  
Em artigo sobre a exposição Memória e outros esquecimentos, o curador Michael
Asbury diz que a obra pode ser considerada uma “meditação do presente sobre o passado”. Para
Asbury, como o título da obra indica, pode-se falar de dois tipos de memórias: uma pessoal, tal
como um registro de férias; e uma memória coletiva, em referência à Grécia, berço da civilização
ocidental (ASBURY, 2009, não paginado).
O curta-metragem Memória é o registro de uma situação a qual Guimarães
encontrava-se momentaneamente. Apesar de não ter nenhuma relação na fala de Guimarães, o
curta-metragem do artista mineiro guarda certa semelhança com um filme em Super-8 realizado
pelo artista plástico Paulo Bruscky. Viagem Numa Paisagem de Magritte II, filmado em 1979, é
um plano-sequência em que Bruscky, grava de dentro de um carro a paisagem à beira da estrada.

Fig. 7. Frame de Viagem Numa Paisagem de Magritte Fig. 8. Frame de Memória

Ainda que os conceitos utilizados pelos artistas sejam distintos, pois Bruscky fez o
filme como uma reflexão sobre o pintor belga, a aproximação é interessante, pelo nítido interesse
dos artistas entre o que transparece e o que é refletido por um para-brisa e um espelho retrovisor.

4.32 El Pintor Tira el Cine a la Basura, 2008


Curta-metragem. Espanha, 2008. (5 min): áudio 5.1, cor, hdv

O curta-metragem El Pintor Tira el Cine a la Basura foi realizado por Guimarães a


partir da observação de uma cena específica que ocorreu na desmontagem de sua exposição, no

  99  
Centro de Arte Contemporáneo de Caja de Burgos, Espanha. As primeiras imagens do curta são
de um pintor de costas que começa a passar tinta com um rolo pela superfície da parede. Logo
depois, aparece a projeção do curta Da Janela do Meu Quarto, na parede em que está sendo
pintada.
O pintor realiza a ação da esquerda para a direita, em movimentos ascendentes e
descendentes, na aparente parede branca. A iluminação da sala restringe-se à luminosidade da
projeção e também de uma luz indireta pelas laterais superiores da sala.
O cuidado de delimitar o espaço da projeção com fita crepe, a pintura das laterais e
dos rodapés são atividades do pintor e são realizadas alheiamente à projeção que perpassa o seu
corpo e também a parede.
A sonoridade que acompanha no curta-metragem a ação do pintor é de Da Janela do
Meu Quarto, mas há também o som capturado pela câmera digital de Guimarães, que registra o
som da fricção do rolo com a parede.
Durante a ação, Guimarães reveza planos abertos, médios e detalhes: os planos
médios do pintor de costas constituem a grande maioria dos planos; alguns poucos planos abertos
da sala de projeção mostram os materiais de trabalho do pintor, como latas de tinta e uma escada.
A ambientação geral da sala também exibe a iluminação indireta dos cantos superiores das
paredes, na sala expositiva; os planos detalhes da superfície da parede pintada também são
limitados, mas percebemos por meio dessas imagens que a parede da projeção está coberta por
uma película plástica. A projeção de Da Janela do Meu Quarto é exibida no espaço recoberto por
esse plástico, como uma máscara de proteção. Todos os planos, até então, são fixos, registrados
por meio de um tripé.
Após a pintura ser finalizada, o pintor retira a fina camada da película (onde o curta
estava sendo projetado), puxando o plástico da esquerda para a direita.
Ao retirar essa película plástica, as imagens em movimento de Da Janela do Meu
Quarto acompanham a movimentação do pintor, como se a imagem do curta-metragem
descolasse da parede.
Nota-se que ao final da extração da película-imagem da parede, inicia-se o som de
“gotejar de chuva”, uma sonoridade que está presente em Da Janela do Meu Quarto. Guimarães
adiciona a trilha sonora do curta-metragem Da Janela do Meu Quarto para as cenas seguintes.

  100  
A câmera agora encontra-se nas mãos de Guimarães, que acompanha o pintor na ação
de embrulhar a película em um papel, fora da sala de exposição. Em seguida, a câmera
acompanha a saída do pintor para a parte externa do museu com o embrulho contendo a película
anteriormente utilizada. O pintor joga o pacote em um contêiner e sai de campo. A última
imagem é o contêiner de lixo com a frase “utilízame con bolsa”.
O curta-metragem mostra uma interferência na edição “efeitos especiais” pouco
comum no trabalho de Guimarães. No momento em que o pintor retira a película da parede, a
imagem de Da Janela do Meu Quarto vem unida à película que está sendo retirada,
acompanhando a movimentação do pintor. Esse efeito de descolar o curta-metragem
simultaneamente à película da parede foi realizado posteriormente na edição. Sem esse trabalho
posterior, o pintor retirava a película plástica e a imagem da projeção do curta continuava no
mesmo lugar da parede. Porém, com essa interferência de Guimarães, o filme tomou ares mais
propositivos, próximo ao título irônico do curta-metragem.
Guimarães considera o filme um film-gag, film-joke, em que o artista ironiza a relação
entre pintura e cinema.
Percebemos que El Pintor Tira el Cine a la Basura é composto de dois momentos: a
primeira parte é expressa na pintura da parede e no registro da ação do pintor, enquanto há
simultaneamente a projeção de Da Janela do Meu Quarto; o segundo instante pode ser
caracterizado após a retirada da película-imagem e a continuação da trilha sonora de Da Janela
do Meu Quarto enquanto o pintor leva o embrulho para o lixo.
Desse modo, observa-se mais claramente nesta segunda parte, a proposta do artista
que não mais registra o som ambiente, mas passa a inserir por meio da edição o som de Da
Janela do Meu Quarto como um “organismo vivo” embrulhado pelas mãos do pintor. Sugere-se
dessa maneira que o cinema não está mais presente em imagem, mas está na forma sonora. O
pintor que carrega o embrulho “contendo“ Da Janela do Meu Quarto, carrega também os sons do
filme. Não à toa, quando o pacote é jogado para o contêiner de lixo, os sons vão gradualmente
desaparecendo, com os sons em um volume baixo, como se abafado pelo container.
Por meio da sutileza sonora e também pelo título indicativo, Guimarães propõem uma
brincadeira em que o cinema, no caso o curta-metragem Da Janela do Meu Quarto, é jogado em
um contêiner de lixo por um pintor de parede.

  101  
4.33 O Sonho da Casa Própria, 2008
Instalação. Brasil, 2008 (15 min)

O Sonho da Casa Própria foi realizado inicialmente para uma instalação no Museu
de Arte da Pampulha, em Belo Horizonte. O museu tem em sua parte externa um jardim
projetado pelo paisagista Roberto Burle Marx. O local é conhecido na cidade como um lugar
utilizado para fotografar noivas, em sessões fotográficas próximas a Lagoa da Pampulha.
A instalação inicia-se com imagens de um ambiente interno de uma igreja. Seguem-se
imagens que alternam o ambiente da igreja que celebra um casamento, com as imagens de
redes/telas de segurança que recobrem os prédios em construção. No casamento, as imagens
capturadas por Guimarães, focam em planos detalhes, como a renda do vestido e as mãos
agitadas da noiva que porta a aliança. Nas telas de segurança, utilizada nos prédios em
construção, ou que passam por reformas, vê-se a movimentação em plano geral das redes pela
passagem do vento.
Na sinopse da instalação, a dúvida sobre possíveis relações de sentido, “Sonho
velado, véu sonhado. O que existe em comum entre um casamento e um canteiro de obras?”. O
trabalho sonoro é significativo para a relação entre esses dois tipos de imagens, aparentemente
distintos.
O som de um canteiro de obra, com toda a irritabilidade dos ruídos, é deslocada para
a imagem do casamento. Em determinada sequência, a fala do padre mescla-se aos sons das
estacas de uma construção, e também há um terceiro som, de um rádio ligado. Do mesmo modo,
a música Cânone em Ré Maior, de Johann Pachelbel, comum em casamentos, é “tocada” nas
imagens das redes de proteção.
As imagens do casamento apresentam a “textura” de um enevoado, como se a rede de
segurança dos prédios estivesse encobrindo a lente da câmera. Além disso, os cortes que saltam
do casamento para os prédios e vice-versa são associados a todo o momento aos ruídos do
canteiro de obras.
O trabalho da montagem da imagem e do som é responsável para criar uma possível
relação entre os dois ambientes. Guimarães sugere a leitura de que o casamento traz o desejo de
obter um lugar apropriado, o sonho da casa própria, como indicado pelo título da instalação.

  102  
O Sonho da Casa Própria foi definido por Guimarães como uma “crônica plástica
social”. A trilha sonora incisiva d’O Grivo atua não apenas com os ruídos, mas também de modo
mais brando em determinados momentos. A cena final mostra a movimentação das telas de
proteção pelo vento com poucos elementos visuais. As imagens vão se tornando abstratas
progressivamente até chegarem a uma total brancura.
A captação das imagens foi feita por Guimarães, que contou com apoio de Beto
Magalhães. A produção da instalação foi realizada pela 88 Filmes e a finalização das imagens por
Roberto Bellini.

4.34 Campo Cego, 2008


Fotografia. 2008. 10 fotografias. Dimensões: 130 x 86 cm/cada

A série fotográfica foi realizada em parceria com a artista Carolina Cordeiro. As


imagens mostram placas de sinalização à beira das estradas, porém, os dizeres informativos estão
velados seja pela poeira acumulada e/ou pela vegetação que cresce à beira da estrada. Guimarães
e Cordeiro realizaram as fotos no quadrilátero ferrífero mineiro. Por ser uma região de muitas
mineradoras, as placas apresentam o vestígio dos caminhões, uma poeira vermelha que soma-se à
falta de limpeza e manutenção das placas.
Guimarães diz que as fotografias são imagens de paisagens, montanhas, às vezes à
beira da estrada, mas com essas formas das placas que escondem alguma coisa. As placas
veladas, segundo o artista, funcionam como nossa memória, nosso inconsciente, que ora esconde,
ora aflora (GUIMARÃES, 2009e).
Uma análise formal também foi feita pelo crítico Michael Asbury, para a exposição
Memória e outros esquecimentos, de 2009. Asbury ressalta os aspectos formais das fotografias,
como a placa monocromática que divide a estrada de asfalto com a de terra. A imagem, que
segundo o crítico produz um trompe-l’oeil interessante, não permite identificar a exata posição
diante a câmera, criando entre outras leituras, diferentes significados, como um corte na encosta
da montanha, ou uma pintura sobre a superfície da fotografia (ASBURY, 2009, não paginado).

  103  
Fig. 9. Campo Cego, 2008.

4.35 De Portas Abertas, 2008


Fotografia. 2008. 8 fotografias. Dimensões: 40 x 60 cm/cada

A série De Portas Abertas mostra casas ou simples locais de descanso ao ar livre, os


quais não apresentam nenhum tipo de barreira ou de restrição ao acesso. As fotografias mostram
apenas os objetos, vestígios humanos como nas fotos que apresentam: uma cadeira de plástico ao
lado de um caixote; cadeiras e um quadro embaixo de uma árvore; um sofá e uma cozinha
improvisada; um tecido no chão com alguns poucos objetos sobre ele; uma tenda azul localizada
em um canteiro; uma série de plantas ao lado de uma vassoura; dois tablados de madeira unidos
com o quadro de um casal pendurado; e um ponto de ônibus com alguns objetos no assento e
imagens penduradas na parede.
As fotografias não exibem nenhuma presença humana, apenas a estrutura da pessoa
que habita ou habitou o local. As fotografias revelam desde “construções” mais sofisticadas, com
fogareiro e sofá, até um simples tecido no chão.

4.36 Sculpting, 2009


Curta-metragem. Brasil, 2009 (6 min): stereo., cor, hdv

  104  
O curta-metragem Sculpting mostra a movimentação de um cinturão de ferro,
utilizado para amarrar barcos, pela agitação das águas em um canal veneziano.
Guimarães diz que a gravação do vídeo foi um momento encontrado, assim como
grande parte dos curtas-metragens. O artista atentou-se para a ação do cinturão, como se o objeto
de metal estivesse esculpindo o mastro ao qual está preso, em uma imagem quase masturbatória –
“fálica assim, aquele mastro e aquela corrente. E quando passa um barco a coisa acentua e quase
chega ao orgasmo quando a água fica tranquila” (GUIMARÃES, 2013e).
Um aspecto referente ao modo de composição da imagem, é a câmera, que encontra-
se estática, posicionada durante todo o período do curta-metragem em um tripé. Verônica
Cordeiro, em texto sobre Sculpting, diz que ao nos depararmos com a não movimentação da
câmera, a repetição dos movimentos entre o cinturão e o mastro, junto ao som da água, traz um
efeito sinestésico que é transmitido de modo tátil para os nossos corpos. Os objetos parecem falar
diretamente com uma incrível força sexual (CORDEIRO, 2011, não paginado).
Além do lado erótico, Sculpting é o primeiro de uma série de trabalhos que
Guimarães pretende desenvolver sobre a ideia de escultura. O artista entende que tudo está sendo
esculpido a todo o momento, sendo que qualquer ação fenomenológica é também um agente
escultórico.
O curta-metragem mostra a inter-relação entre os elementos, o que esculpe e é ao
mesmo tempo esculpido. Uma das frases frequentemente ditas pelo artista é de Merleau-Ponty, já
mencionada no capítulo 2, “Não é o escultor que esculpe a escultura, é a escultura que esculpe o
escultor”. (GUIMARÃES, 2007, p. 69)
Guimarães entende que as formas são vivas e mutantes e que deve-se buscar ações
que expressem a comunhão com a realidade. Em um dos seus escritos, o artista diz que ele se faz,
do mesmo modo que se faz um filme. Assim, a frase de Merleau-Ponty pode ser escrita pelo
artista também como “não é o cineasta que faz o filme, mas o filme que faz o cineasta” (2007, p.
69). Guimarães acredita na inversão daquele que atua como sujeito e daquele que atua como
predicado, afirmando que na relação entre ambos há um processo escultórico.
Com efeito, ao registrar um fragmento da realidade, a sonoridade do curta-metragem
aplica-se da maneira mais naturalista possível. A trilha sonora d’O Grivo corresponde aos sons da
movimentação do cinturão. Há apenas algumas presenças pontuais de sons como o choque do

  105  
cinturão com o mastro de metal e uma lancha que passa sincronizada visual e sonoramente pelo
canal veneziano.
Em Sculpting ressalta-se o trabalho de Lucas Sander na gradação de cor. A tonalidade
mais sóbria é uma das características que estará presente na produção audiovisual de Guimarães
principalmente a partir de 2009.

4.37 Espantalhos, 2009


Fotografia/Instalação. 2009. Dimensões: 110 x 70 cm e áudio 5.1

A série fotográfica Espantalhos, como o título indica, é o registro fotográfico de 16


espantalhos localizados em uma mesma plantação de milho, na região do Alto Jequitinhonha, em
Minas Gerais.
Guimarães realizou a série ao acaso, durante viagens pelo Brasil, junto a sua equipe,
enquanto procurava profissões em extinção para o longa-metragem O Fim do Sem Fim. O artista
passava pela região mineira quando chamou-lhe a atenção os espantalhos da plantação, sobretudo
pelas diferentes maneiras com que os bonecos foram criados, alguns com requinte e refinamento,
outros mais despojados.
As imagens de Guimarães são o registro fotográfico dos modos de construção dos
espantalhos, desde o modo mais sofisticado, com casacos e calças, até o modo mais simples,
como a junção de duas madeiras entrecruzadas com garrafas vazias nas pontas.
Espantalhos foi exposto pela primeira vez na exposição individual Memória e outros
esquecimentos, em abril de 2009, na galeria Nara Roesler. No espaço expositivo, a série
fotográfica foi acompanhada por uma trilha sonora original composta pelo O Grivo. A sonoridade
do vento e o canto dos pássaros podiam ser escutados durante o trajeto de visualização das
fotografias.
Em 2011, Guimarães publicou a série na 54ª edição da revista Filme Cultura. As
imagens foram acompanhadas de um texto poético, escrito por Guimarães, em que contava a
fascinação do artista pelos espantalhos, figuras aparentemente congeladas no tempo.
O espantalho que é a princípio a representação da figura humana que busca inibir e
assustar, atuando de forma assustadora, é descrito de forma lúdica pelo artista. No texto, ele

  106  
escreve como sentou silenciosamente em meio à plantação esperando que algo acontecesse. A
imobilidade dos bonecos é desfeita quando Guimarães vai embora, e, já no carro, os espantalhos
aparecem em seu sonho. Nele, os espantalhos "dançavam em roda entoando uma canção antiga
pontuada por gritos paleolíticos. A cada grito uma peça de roupa de seu fabuloso vestuário era
lançada no meio da roda” (GUIMARÃES, 2011d, p. 59).
O devaneio onírico, escrito por Guimarães no ensaio fotográfico da revista Filme
Cultura, funciona como um elemento instigante para Espantalhos. O texto atribui outro valor à
figura estática do espantalho, em que a imaginação do artista dá vida e a transforma em
elementos que perduram através dos tempos.

Fig. 10. Espantalhos, 2009.

4.38 Paisagens Reais – Homenagem a Guignard, 2009


Fotografia. 2009. Dimensões: 71 x 98 cm

Paisagens Reais foi realizada depois de Guimarães acordar e ver a cidade de Belo
Horizonte toda encoberta por nuvens. O artista mora em um apartamento alto e logo que viu que
apenas alguns poucos lugares despontavam sobre as nuvens, registrou-os pela fotografia. Para

  107  
ele, a série fotográfica é uma homenagem à Alberto da Veiga Guignard, pintor que retratou a
paisagem mineira. O título da série de Guimarães faz menção ao quadro de Guignard Paisagem
Imaginária de Minas Gerais, de 1947.

Fig. 11. Paisagens Reais, 2009.

4.39 Ex Isto, 2010


Longa-metragem. Brasil, 2010 (86 min): stereo, cor, hdv

Em 2010, a partir do convite do Instituto Itaú Cultural, Cao Guimarães dirige Ex Isto,
seu primeiro longa metragem de ficção. O filme, cujo projeto faz parte da série Iconoclássicos,
idealizada pela instituição, é uma livre adaptação do livro Catatau, do poeta e ficcionista Paulo
Leminski. O título do filme, Ex Isto, foi retirado de um dos poemas de Leminski, em seu livro
Toda Poesia:

o
ex
isto
ex
ist (LEMINSKI, 2013, p. 299)

  108  
A obra literária parte da seguinte hipótese: “E se René Descartes tivesse vindo ao
Brasil com Maurício de Nassau?”. A hipótese soou possível a Leminski, já que Descartes foi
fidalgo da guarda de Nassau, enquanto ele estava na Companhia Holandesa das Índias
Ocidentais. Nessa época, Nassau tinha interesse e esforçou-se em trazer pintores, cartógrafos,
artistas para registrar a fauna e a flora do Brasil, o que não torna totalmente improvável a
possibilidade da vinda de Descartes, imaginada por Leminski.
O livro Catatau, de caráter inventivo e experimental, desenvolve-se a partir do
personagem Renatus Cartesius (nome latinizado de René Descartes) que está esperando seu
interlocutor, Artiscewski. Ao longo da prosa, Cartesius passa por uma ego-trip (LEMINSKY,
2004, p. 257), fluxos de pensamento, interações com a fauna e flora não conhecidas, viagens
alucinatórias.
Na livre adaptação de Guimarães, o filme mostra Descartes, interpretado pelo ator
João Miguel, vagando, descobrindo as peculiaridades de lugares incógnitos. Destaca-se que o
processo de criação de Guimarães sobre a obra de Leminski ocorreu com total autonomia
artística.
O diretor selecionou excertos do livro, colocados no filme por meio da voz de João
Miguel, como se fosse o pensamento de Cartesius. Os fragmentos textuais utilizados em Ex Isto
não seguem a ordem de Catatau. Desse modo, Guimarães criou novas formas de composição
para as frases de Leminski, dispostas não obrigatoriamente no sentido cronológico da prosa. Há
também a repetição de certas frases de Leminski, não presentes no livro do poeta, utilizadas por
Guimarães para enfatizar o sentido ou a sonoridade da frase.
Logo no preâmbulo do filme surge a frase apresentada palavra a palavra: Quem pôs a
luz no cu do vagalume? (LEMINSKY, 2004, p. 39). A tela escura é acompanhada da imagem de
pequenas luminosidades esverdeadas piscando como vagalumes. A sonoridade é de grilos e da
movimentação sutil de água. A partir de então, começa uma série de narrações, que, com uma
única exceção, são todas indicativas do pensamento de Cartesius. Um homem aparece
manipulando e destrinchando algum pedaço de objeto ou animal, diante a uma lamparina. Um
trecho do O Discurso do Método é pronunciado enquanto a câmera detém-se em planos detalhes
da perscrutação do objeto pelo homem:

  109  
O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo, pois cada um pensa estar tão bem
provido dele, que mesmo aqueles mais difíceis de se satisfazerem com qualquer outra
coisa não costumam desejar mais bom senso do que têm. Assim, não é verossímil que
todos se enganem, mas pelo contrário, isso demonstra que o poder de bem julgar e de
distinguir o verdadeiro do falso, que é propriamente o que se denomina como bom senso
ou razão é por natureza igual em todos os homens. E portanto, que a adversidade de
nossas opiniões não decorre de uns serem mais razoáveis que os outros, mas somente de
que conduzimos os nossos pensamentos por diversas vias. Não consideramos as mesmas
coisas, pois não basta ter o espírito bom, mas o principal é aplicá-lo bem. Quanto a mim,
jamais presumi que meu espírito fosse nada mais perfeito do que o do comum dos
homens. Muitas vezes até desejei ter o pensamento tão pronto ou a imaginação tão nítida e
distinta ou a memória tão ampla ou tão presente como alguns outros, e não conheço outras
qualidades além destas que sirvam para perfeição do espírito. Pois quanto à razão ou
senso visto que a única que nos torna homem e nos distingue dos animais quero crer que
está inteira em cada um. E isto seguindo a opinião comum dos filósofos que dizem que
soa mais e menos entre os acidentes e não entre as formas, ou naturezas dos indivíduos de
uma mesma espécie. Mas não recearei dizer que penso ter tido muita sorte por ter me
encontrado desde a juventude em certos caminhos que me conduziram a considerações e
máximas com as quais formei um método.

Após essa primeira sequência, a imagem mostra o mesmo homem, no andar de cima
de uma biblioteca. Ele continua a discorrer sobre O Discurso do Método:

Não deixo de sentir uma imensa satisfação pelo progresso que penso já ter feito na
procura da verdade. E de conceber tamanhas esperanças para o futuro que se entre as
ocupações dos homens puramente homens há alguma que seja solidamente boa e
importante atrevo-me a crer que é a que escolhi.

O homem para diante da manipulação de um livro em especial. O desenho de uma


onça pintada está disposto atrás de um papel semitransparente. A câmera acompanha a
movimentação dos dedos, puxando esse papel e revelando o desenho do animal. O homem
pronuncia algo e vemos a movimentação dos seus lábios, sendo que esta é a única voz direta do
personagem. Assim, o personagem e a sua voz são apresentados para o espectador e a narração
passa do O Discurso do Método para Catatau:

  110  
Não sou máquina, não sou bicho, eu sou René Descartes com a graça de Deus.
(LEMINSKY, 2004, p.31)

Extensão pura, sem a escória de vossos corações, sem o mênstruo desses monstros, sem as
fezes dessas rezes, sem a besteira dessas teses, sem as bostas dessas bestas. Abaixo as
metamorfoses desses bichos, - camaleões roubando a cor da pedra! Polvos no seco: no
ovo quem deu antes no outro, uma asa na linha do galho, ou um pulo em busca do
agasalho? Não sabem o que fazer de si, insetos pegam o formato da folha; mimesis.
(Idem, p. 32)

Horas minhas no ouro de relógios perfeitos. Debrucei-me sobre livros a ver passar rios de
palavras. Todos os ramos do saber humano me enforcaram, sebastião flechado pelas
dúvidas dos autores. Naveguei com sucesso entre a higiene e o batismo, entre o catecismo
e o ceticismo, a idolatria e a iconoclastia, o ecletismo e o fanatismo, o pelagianismo e o
quietismo, entre o heroísmo e o egoísmo, entre a apatia e o nervosismo, e sai incólume
para o sol nascente da doutrina boa, entre a aba e o abismo. (Idem, p. 34)

Esse lugar existe. (Idem, p. 38)

Aparece, em seguida, Descartes manipulando um mapa, seguido da frase “E se René


Descartes tivesse vindo para o Brasil com Maurício de Nassau?”. A trilha sonora que acompanha
esta e as próximas cenas é do compositor renascentista Orlande de Lassus, em Domine, ne in
furore tuo-1.
Consecutivamente, mostra-se o início da jornada de Descartes. Ele navega solitário
por um rio, envolto da vegetação das margens. Atento aos sons da natureza, ele pensa: “E esse
calor acalma o silêncio, onde o pensamento não entra. Ingressa, integra-se na massa”
(LEMINSKY, 2004, p. 18).
Embrenhado na mata, Descartes está com as roupas de seu país e época de origem,
um chapéu de penas, casacos e botas. Ele caminha, observa, navega e a retira primeiramente a
bota. Aparecem imagens de madeira em meio à água, uma linha de pescar e uma aranha que tece
lentamente a teia, a narração continua:

  111  
Essa aranha geometrifica seus caprichos na Idéia dessa teia: emaranha a máquina de
linhas e está esperando que lhe caia às cegas um bicho dentro: aí trabalha, aí ceia, aí folga.
Caminha no ar sustenta-se a éter, obra de nada: Não vacila, não duvida, não erra. Organiza
o vazio avante, apalpa, papa e palpita, resplandecente no nada onde se engasta e agarra-se
pela alfaia em que pena, deserto de retas onde a geometria não corre riscos mas se caga.
(LEMINSKY, 2004, p. 33).

A aranha leva daqui a ali o tempo que levei para conseguir o teor de semelhantes
teoremas. (Idem, p. 32)

Descartes olha através uma luneta observando o sol, árvores e pássaros. Ele
permanece sentado em cima de uma árvore:

Esta lente me veda vendo, me vela, me desvenda, me venda, me revela. Ver é uma fábula.
Ver é uma fábula, - é para não ver que estou vendo (LEMINSKY, 2004, p. 18)

Ponho mais lentes na luneta, tiro algumas: regulo, aumento a mancha, diminuo, reduzo a
marcha, melhoro a marca. O olho cresce lente sobre as coisas. O mundo despreparado
para essa aparição do olho, onde passeia não cresce mais luz, onde faz o deserto chamam
paz. [Paz]. Um nome escrito no céu. (Idem, p. 17)

Inicia a parte dos animais. A imagem de uma arara é acompanhada de Descartes


caminhando e levando-a entre os dedos:

Índio pensa? [Índio pensa?] Índio come quem pensa. [Índio pensa. Índio come quem
pensa. Índio pensa? Índio come quem pensa. Índio come quem pensa] (LEMINSKY,
2004, p. 45)

Um papagaio pegou meu pensamento, amola palavras em polaco imitando Articzewski


(Cartepanie! Cartepanie!). Bestas geradas no mais aceso fogo do dia... Comer esses
animais há de perturbar singularmente as coisas do pensar. Palmilho o dia entre essas
bestas estranhas (Idem, p. 15).

Uma lesma rasteja entre a terra. A sonoridade de O Grivo é composta por diversos

  112  
ruídos, uma base que cria um sentido de apreensão e ruídos graves e descompassados. Formigas
aparecem em solo vermelho:

Meus sonhos se populam da estranha fauna e flora: o estalo de coisas, o estalido dos
bichos, o estar interessante: a flora fagulha e a fauna floresce... Singulares excessos...
[Excesso] (LEMINSKY, 2004, p. 15)

Descartes encontra-se navegando novamente, não veste mais o casaco. A câmera


centra-se no personagem deitado sobre o bote. Aparece a movimentação das mãos, no ar. Ele
pensa:

[Ah!] Aspirar estes fumos de ervas, encher o peito nos hálitos deste mato, a essência, a
cabeça quieta, ofício de ofídio. [Ah! Aspirar estes fumos de ervas, encher o peito nos
hálitos deste mato, a essência, a cabeça quieta, ofício de ofídio. Aspirar estes fumos de
ervas, encher o peito nos hálitos deste mato, a essência, a cabeça quieta, ofício de ofídio].
(LEMINSKY, 2004, p. 15)

Despido as roupas mais pesadas, ele deita-se sobre uma árvore, observando o mundo
com a luneta, Descartes acompanha a movimentação e o encontro das águas da pororoca. As
águas chegam até a árvore onde está o personagem:

O barco é parado em pedra mas para ir nada como um rio. [O barco é parado em pedra
mas para ir nada como um rio. O barco é parado em pedra mas para ir nada como um rio.
O barco é parado em pedra mas para ir nada como um rio]. (LEMINSKY, 2004, p. 81)

O personagem dorme em uma rede. O barulho de um avião em pouso é acompanhado


pelo interior da nave e vistas aéreas. Descartes encontra-se chupando um bloco de gelo,
folheando um livro, percorrendo o rio. Juntamente com as imagens fragmentadas de diferentes
tempos e espaços, vem o som crescente agudo de um coral indicando a perturbação do
personagem. Diante uma imagem “abstrata” escura, acompanhamos alguns riscos em movimento,
Descartes diz:

  113  
Colabrincorinto circunta, orgranizo: [...] adredevargarde, tomaxalá! Nada como um som
nos cornos para levantar a moral da moringa. Dá-se uma idéia e querem a mão da obra,
uma mão quer turgimão, perguntargum! Pelos bucaneros de nosso senhor! Cada vez
menos num passado longínquo, o atual dinâmico na vez. Chega demessias cauimxiba, o
cachimbo, impérigo em cadumdenós! A vida sobrenatural, superartificial, gente não fica
muito tempo num aspecto. Longequinquagésimo, espantagônio! Quem canta curte o que a
fala tem de melhor. Bandido cândido, castigo contigo, não se arrependa, não vá se
arrepender! Sobretudo não existe hesitar, e isso é vital não pense. Pensar é para os que
tem, prometa começar a pensar depois. Experimenta malaxaqueta, experimonta
pressungo. Monolonge, um monjolo de esponja bate espuma. Esdruxúlias, quemquer? A
ninfa em pleno orgasmo mas sempre comendo a laranja. (LEMINSKY, 2004, p. 79)

O rio aparece em meio a chuva. A segunda parte do longa-metragem apresenta o


letreiro das cidades de Recife/ Olinda/Vrijburg/Freiburg/Mauritzstadt. Recife é a primeira cidade
que aparece, depois da imersão do personagem em meio a primeira parte composta de fauna e a
flora. Descartes chega com a canoa, de pé, vestindo suas roupas originárias, em meio a música
Misere, Opus 44, de Henryk Górecki.
A cidade é a Recife urbana dos tempos atuais. Descartes passa por um barco de
turistas, eles o fotografam e acenam para o personagem.
Ele aparece em meio ao comércio e a uma feira, comendo entre a população, tocando
o interior dos legumes com ares de indagação e estranheza. Com algumas exceções, a maior
parte dos transeuntes está alheia a sua presença. Em um mercado de peixes, Descartes fica com
um pedaço do olho de um peixe, retirado por um peixeiro.
Nas ruas, em meio a uma música caribenha, ele dança com um grupo de artistas que
se apresenta. Dentro de um bar, Descartes dança com uma mulher ao som de Toalha de Mesa, do
sambista Noite Ilustrada.
Chega a noite e ele caminha por um terminal rodoviário repleto de gente. A narração
continua:

ACONTECEU ALGO INACONTECÍVEL. Minha situação é perigosa. Não tenho boas


impressões das coisas: Impressiono-me facilmente. (LEMINSKY, 2004, p.110)

  114  
Digo que sei, e que sei é ou que sinto, sinto muito: só sei o que posso dizerdizer e só sei
dizer o que não posso calar. (Idem, p. 96)

Deus só sabe o que é; mas eu sei o que não é, o que é mais. (Idem, p. 91)

Deus não morreu. Perdeu os sentidos. (Idem, p. 69)

O mundo não quer que eu me distraia; distraído, estou salvo. Essa necessidade não é só
física: é a necessidade da verdade, a carência de informações, a pobreza dos dados. (Idem,
p. 70)

E a música da carência. Ouvimos em direção ao nada. Perder-se no nada. Abri a porta:


nada. Nada dizia nada [nada]. O Nada no ar. O nada no som. A cidade não era nada. Eu
não era nada. Mas eu voltei do nada. Nada tenho a declarar. O nada é o maior espetáculo
da Terra. (Idem, p.70)

Ele continua a caminhar pelo terminal rodoviário. Entra em um dos ônibus e circula
pela cidade:

Pergunta Miguel: quem feito deus? [Pergunta Miguel: quem feito deus? Pergunta Miguel.
Pergunta Miguel: quem feito deus?] Mede-se, mede-se gente pela qualidade dos sonhos,
nunca me deixe passar por acordado: tendem a provar que existo (...).
Deus e eu, ao mesmo tempo, não pode. (LEMINSKY, 2004, p. 246)

Um ruído inicia-se e Descartes aparece com as mãos nos ouvidos. Uma luminosidade
forte e branca ocupa gradualmente a cena. Descartes aparece fumando em meio a essa brancura.
Imagens de Brasília aparecem apenas pelo recortes das formas dos monumentos. A primeira
imagem é “negativada” rapidamente no momento de transição dos planos. Ruídos agudos de
diferentes intensidades acompanham a tonalidade dos monumentos em branco.

Este mundo é o lugar do desvario, a justa razão aqui delira. (LEMINSKY, 2004, p. 18)

Tigre sabe que não erra. Fuma até tudo ficar vermelho. Quero febre: Brasília não vai a
Cartésio, vai Cartésio até Brasília. (Idem, p. 72)

  115  
O ruído cresce gradualmente, assemelhando-se às turbinas de um avião. Descartes
aparece, em suas vestimentas pretas, sem foco, caminhando diante os monumentos brancos.
Depois da sequência de Brasília, retorna-se ao mar/rio. Ele encontra-se sentado à margem. Risca
a areia e maneja uma espada de esgrima, como se lutasse contra a câmera:

Só pensando não dá para chegar lá: tem que andar, olhar bem para os lados, atirando ao
menor movimento, o maior olhar. Me indigno, para todos os efeitos. Reta, o pior dos
labirintos: altíssimo abismo - o tal ponto. Nos antípodas da boca, o mar undibundo. Por
quem me toma? Por paralítico? Por narcótico? On. Man. Occam. O cônscio. O
plenipontenciário não ta fácil. Não está fácil. [Não está fácil]. Também não está difícil.
Está bem. [Está bem] (LEMINSKY, 2004, p. 250)

Manejando cocos, caminhando, deitando ao mar, ele pergunta:

Que espécie de lugar é este que nos pergunta onde estamos? (LEMINSKY, 2004, p. 139)
Tenho a certeza absoluta que não chegarei ao absoluto, tenho a duvidosa impressão que
eterno é isso e acho-lhe uma graça infininda. (Idem, p. 156)

Ouvem-se tambores, palmas e cantorias. Algumas crianças caminham pela margem


enquanto Descartes encontra-se imerso nas águas. A câmera encontra-se sem foco até chegar
novamente próxima do personagem. Segue-se com a imagem dele nu, coberto de areia, que
rodopia, cambaleia; a câmera se afasta e perde novamente o foco. Deitado na areia, ele se levanta
e ri.

Pensar por pensar. Some um círio suando de pensar, aceso na cabeça e as formigas me
comendo e me levando em partículas para suas monarquias soterradas. A existência existe
no existente. [A existência existe no existente. A existência existe no existente]. A
presença presente no presenciar, [a presença presente no presenciar. A presença presente
no presenciar] a circunstância no circunstancial, a totalidade totalmente no total. Contacto
coeso: compactas coisas. No grande livro do mundo, páginas enigmáticas, incólumes ao
siso e à fala. Este capítulo não deslindo nem decifro: erro? Sofro, e este livro sem textos -
só ilustração iluminura. Não traduzo nem leio: giro e jazo. Um círculo de giz em volta de

  116  
meu juízo, uma nuvem, uma caligem, um bafo me embacia o entendimento para que
Brasília... Ergo. Lentes e dentes de vidro. Fedor de antas e araras, pela inhaca se conhece
a peste que grassa. Uma fera urra dando a luz. A onda está parindo Artischewsky? [A
onda está parindo Artischewsky?. A onda está parindo Artischewsky?]. Este pensamento
sem bússola é o meu tormento. [Este pensamento sem bússola é o meu tormento]. Quando
verei meu pensar e meu entender voltarem das cinzas deste fio de ervas? Ocaso do sol do
meu pensar. Novamente: a maré de desvairados pensamentos me sobe vômito ao pomo
adâmico.[ Novamente: a maré de desvairados pensamentos me sobe vômito ao pomo
adâmico. Me sobe vômito ao pomo adâmico. Novamente: a maré de desvairados
pensamentos me sobe vômito ao pomo adâmico]. Estes não. E esta terra: é um descuido,
um acerca, um engano de natura, um desvario, um desvioque só vendo. Doença do
mundo! E a doença doendo, eu aqui com lentes, esperando e aspirando. Vai me ver com
outros olhos ou com os olhos dos outros? AUMENTO o telescópio: [AUMENTO o
telescópio. Vai me ver com outros olhos ou com os olhos dos outros? AUMENTO o
telescópio]: na subida, lá vem ARTYSCHEWSKY. E como! Sãojoãobatavista! Vem
bêbado, Artyschewsky bêbado... [Artyschewsky, Artyschewsky, Artyschewsky]. Bêbado
[bêbado] como polaco que é. Bêbado, quemme comprenderá? [Bêbado, quemme
comprenderá?] (LEMINSKY, 2004, p. 251-252)

Na praia, depois de tentar perfurar um coco, um bloco de gelo aparece às margens,


até dissolver-se aos poucos. Em seguida, a câmera foca-se em planos detalhes de uma boca
fumando um charuto, (o entorno embaçado), o gemido de Descartes. Ele agora encontra-se no
colo de uma mulher negra, que lhe dá banho e o acolhe nas águas do mar. A música renascentista
retorna, ele finaliza com os dizeres:

Sinto em mim as forças e formas deste mundo, crescem-me hastes sobre os olhos, o pêlo
se multiplica, garras ganham a ponta dos dedos, dentes enchem-me a boca, tenho assomos
de fera, renato fui [renato fui]. Se papai me visse agora, se mamãe olhar para cá! [Renato
fui. Renato fui] (LEMINSKY, 2004, p. 43)

A câmera gradativamente se afasta dos dois personagens. Segue o letreiro indicativo


“O (meu livro) ‘Catatau’ é o fracasso da lógica cartesiana branca no calor, (...) emblema do
fracasso do projeto batavo, branco, no trópico” (LEMINSKY, 2004, p. 254). Os créditos do filme
são acompanhados da música Luzes, de Arnaldo Antunes, junto às imagens de Descartes em

  117  
frente a uma loja de manequins.
Nas palavras de Guimarães, Ex Isto foi a primeira livre adaptação literária para o
cinema com um ator profissional. Apesar de considerar todas as pessoas que encontram-se diante
da câmera como atores, mesmo que atores não formados, o artista ressalta que o cinema é uma
construção como qualquer obra de arte, em que não apenas esse filme, mas como todos os outros,
contém elementos ficcionais e documentais. Para Guimarães, a discussão do porquê de uma
ficção depois de seus documentários é algo irrelevante para o seu percurso (GUIMARÃES,
2011b).
Ao deparar-se na dificuldade da transcriação literária ele entende o cinema e a
literatura como linguagens distintas. Assim, o longa-metragem não foi roteirizado baseando-se
em Catatau, mas a partir de viagens e lugares que demonstravam as ideias e conceitos livremente
adaptados que estão relacionados à produção e trajetória de Leminski. :

A gente não roteirizou o Catatau, como eu disse a gente roteirizou a viagem. E os pontos
da viagem aonde iam coincidir digamos assim os conceitos. Por exemplo, a pororoca que
é um elemento importante, que o Leminski chamava o encontro do Tropicalismo com o
Concretismo, eu fui até a pororoca porque o Leminski chamava da pororoca cultural
brasileira, o encontro do Concretismo com o Tropicalismo, que é a história da vida dele,
porque ele foi concretista, e tropicalista logo em seguida. Então eu resolvi ir atrás da
pororoca no Amapá, para filmar o que o Leminski falava conceitualmente do encontro
entre o tropicalismo e o concretismo, ou seja, essa pororoca, ver essa pororoca, já ia me
traduzir ou me trazer imagens o que ele conceitualmente pensou entre essas duas coisas.
(GUIMARÃES, 2011b)

A cena da pororoca mostra Descartes sentado em uma árvore, observando o céu e o


encontro das águas pela luneta. Outra criação realizada por Guimarães foi a construção das
imagens e sons para representar Brasília. Com a narração dos pensamentos do personagem,
surgem, por exemplo, os ruídos ensurdecedores de uma Brasília mergulhada em brancura:

Da mesma forma Brasília, que foi a cena que eu sugeri, era uma idéia do conceito que eu
tinha, que eu acho que o Catatau traz muito forte, que é de um pensamento cartesiano
perdido nos trópicos. […] Toda a seqüência de Brasília, foi construída pensando no que o

  118  
Leminski falava o tempo inteiro no Catatau, que era dessa Brasília, ele falava Brasília o
tempo inteiro, referindo a idéia do Brasil, de uma certa utopia, o que que é esse embate a
razão e a loucura, entre o cartesianismo nos trópicos, e o personagem René Descartes no
filme sempre presente. Eu quis radicalizar na arquitetura, o símbolo da arquitetura
modernista da grande utopia brasileira, que foi a capital, Brasília no planalto central e
misturar com Malevich, Branco sobre Branco, justamente esse nada, essa diluição da
razão nos trópicos, porque eu acho que aquilo ficou muito forte, porque formalmente eu
acho que consegui captar todo um conceito, a idéia do filme nessa imagem dos prédios
brancos estourados naquele luz tênue, tropical (…).A idéia de um calor insuportável e
formas geométricas, que é a geometria que o René Descartes. (GUIMARÃES, 2011b)

Para que ele visualizasse certas imagens, a partir das palavras, Guimarães costumava
ler três ou quatro páginas do livro em voz alta, selecionando algumas partes do texto (LINS,
2013, p. 10).
A comparação entre Catatau e Ex Isto, analisados por Consuelo Lins, aponta algumas
semelhanças e diversas diferenças entre as duas obras. Para ela, enquanto o livro de Leminski
submete o leitor à exaustão, Guimarães permite que o espectador testemunhe e experiencie o
processo de descoberta de Cartésio, em interação sensível com o mundo (LINS, 2013, p. 12).
Lins também nota que, enquanto o personagem de Leminski viaja pelo pensamento,
nos jardins do palácio de Vrijburg, Guimarães coloca o personagem viajando de fato pelo Brasil.
Ao colocar Descartes em movimento, descobrindo o mundo, a autora o entende como um “ser de
sensação”, semelhante não apenas aos personagens filmados nos documentários de Guimarães,
como também a própria forma como o artista vivencia e percebe o mundo.
No processo da viagem, a autora ressalta a narração e a exploração sonora das
palavras, a pronúncia e o ritmo vigoroso dado por João Miguel.
Destacamos que toda a narração de João Miguel, não atua como uma representação
direta e cronológica do livro de Leminski. Guimarães inverte a ordem das passagens de Catatau,
criando assim novos sentidos. A cena final é significativa, pois, se no livro Cartésio recebe a
chegada de Artiscewski (grafado de diversas maneiras por Leminski), bêbado, Guimarães
evidencia a mudança do personagem e a sua constatação de não ser mais a mesma pessoa. Em
“Renato fui”, mostra-se um Descartes abandonado nos braços de uma mulher, em posição de
recolhimento e longe da postura das cenas iniciais do filme.

  119  
Desse modo, Guimarães acentua o caráter da transformação de Cartésio e o abandono
de sua lógica de entendimento, a partir das experiências vivenciadas nos trópicos. Ao mostrar
Cartésio, depois de todo o delírio na praia, decepcionado pela chegada de Artiscewski,
Guimarães finaliza o filme com um personagem que sofreu profundas alterações em seu juízo
analítico, não sendo mais a mesma pessoa cercada de livros, profundamente certo da criação de
seu método.
A sonoridade do filme acompanha a transformação do personagem. No início,
durante o processo de exploração da fauna e da flora brasileira, escutamos as músicas de teor
renascentista, onde ouve-se os corais em estilo polifônico. Quando Cartésio chega a Recife e
inicia a interação com as pessoas, as músicas populares como a rumba e o samba predominam e
chegam mesmo a invadir as cenas, por meio da dança de Cartésio e a população local. Ao final,
durante a epifania do personagem, os batuques dos tambores africanos são dominantes e são
representativos do desvario de Cartésio.
Os sons criados pelo O Grivo também são efetivos em potencializar a percepção e o
sentimento de Cartésio diante sua incompreensão perante as paisagens. O impacto com seres e
animais inclassificáveis, as formas geométricas de Brasília são acompanhadas de sons
dissonantes que mostram a não compreensão e a confusão do personagem.
Uma das cenas ressaltada por Maria Cristina Mendes é a imagem abstrata em preto e
branco e a cena da chuva que antecede a chegada do personagem à Recife. Para ela, a cena
abstrata foi realizada a partir da cena real da chuva. A edição e a intensificação da imagem até
sair de sua forma mimética foram trabalhadas para falar de “um tempo em desacordo com a
narrativa, de um intervalo, de um outro lugar” (MENDES, 2013, p. 9). As imagens e os sons
favorecem o que a autora chamou de clipoema, a passagem de imagens da natureza para uma
imagem abstrata que se torne poesia.
A edição do filme contou com o trabalho de Guimarães e Marcelo Gomes e
assistência de Lucas Sander. Este, após esse filme, além de trabalhar como assistente de
Guimarães, será responsável pela finalização dos filmes posteriores do artista.
Ex Isto é um filme singular na carreira de Guimarães, pois é a livre adaptação fílmica
a partir de uma obra textual complexa e investigativa. Porém, o longa-metragem não se preocupa
em questionar as doutrinas filosóficas de Descartes, mas de colocá-lo como um ser que

  120  
experimenta e vivencia um mundo desconhecido. As construções das imagens e dos sons,
também em caráter experimental, vêm acompanhar a transição do personagem e o apresenta para
os espectadores como um Descartes regido pelas sensações.

4.40 O Inquilino, 2010


Curta-metragem. Brasil, 2010 (10 min): son., cor, dv

O Inquilino foi realizado em parceria com Rivane Neuenschwander. O curta mostra


uma grande bolha de sabão que percorre os cômodos de uma casa vazia, aparentemente em
reforma. Para a criação, os artistas planejaram criar um curta-metragem em que houvesse um ar
de suspense. O titulo O Inquilino, refere-se ao filme Le Locataire, de Roman Polanski.
Assim como o curta-metragem Sopro, o personagem principal é uma bolha de sabão
que nunca estoura o seu formato. Em alguns momentos, dependendo da luminosidade, é possível
ver o reflexo de janelas ou mesmo o reflexo de Guimarães carregando a câmera.
A bolha efetua o trajeto por diferentes cômodos e há um forte apelo de continuidade
entre as cenas, como a bolha que sai fora de campo, retorna ou permanece estável, suspensa no
ar. Todas as janelas da casa estão fechadas, como dito na sinopse, o que garante que a bolha-
personagem não escape de cena.
O aspecto psicológico do curta-metragem é dado pela trilha sonora d’O Grivo. Como
dito no texto indicativo do filme, a trilha sonora “traz sons de casa vazia, presença humana e
sintetizadores, imprimindo um aspecto psicológico à narrativa”.
Ouvem-se durante o transcorrer de O Inquilino os sons que imprimem densidade à
imagem: latidos de cachorro, fechamento/aberturas de portas que rangem, passos, tentativa de
abertura de portas, um som agudo que se assemelha ao chiado de uma panela de pressão, gotas
d’água, o mecanismo de um relógio analógico. Alguns ruídos reverberam com o tempo, próximo
a um eco, criando ainda mais a sensação de que a casa está vazia.
A edição do curta-metragem foi realizada por Guimarães e Lucas Sander, que
também realiza a gradação de cor. As imagens foram gravadas no estúdio de Rivane
Neuenschwander.

  121  
4.41 Viagem ao Interior de uma Lagarta, 2010
Performance/texto. 2010

Em 2010, a revista Bravo! fez um convite para que Cao Guimarães refizesse, nos dias
atuais, a Experiência no 2 do artista modernista Flavio de Carvalho. A performance original de
Carvalho foi realizada em 1931, em uma procissão de Corpus Christi. Nela, Carvalho portava um
chapéu durante a procissão religiosa, o que era considerado um ato desrespeitoso e que provocou
indignação e fúria dos fiéis. Posteriormente a performance, Carvalho publicou um livro com o
relato da Experiência no 2.
A versão de Guimarães resultou em três vídeos em que o artista registra seu caminho
portando um chapéu, em fluxo contrário ao de uma procissão religiosa na Sexta-Feira da Paixão.
Junto aos três registros audiovisuais, esteve disponível no site da revista o texto Viagem ao
Interior de uma Lagarta, em que o Guimarães descreve a experiência na cidade mineira de
Mariana.
O artista relata no texto como foi a sua performance e como viu a mudança dos
costumes, se comparados com a época em que Experiência no 2 foi realizada. A presença de um
boné ou de um chapéu já não incomodava mais a multidão, indiferente a vestimento e ao fluxo
contrário da caminhada. A experiência torna-se, aos olhos do artista, também interessante para
homenagear o artista Flavio de Carvalho:

O efeito do uso do chapéu sobre a multidão foi nulo, tendo os costumes mudado bastante
durante esse período (pude até observar pelo menos mais dez pessoas também vestindo
chapéus ou bonés ao longo da cerimônia). Mas, para além dessa primeira proposição, o
que mais me impactou nessa experiência foi a vertiginosa sensação de "furar" uma
procissão no seu contra-fluxo. Longe de uma tese a esse respeito, o que tirei da
oportunidade foi a chance de fazer uma homenagem ao artista (GUIMARÃES, 2010, não
paginado)

Durante a caminhada, com a câmera na mão, Guimarães sente o percurso como se


estivesse percorrendo o interior de uma lagarta, por meio dos diferentes estímulos visuais, táteis e
sonoros. De teor inventivo, o texto, inicialmente descritivo, ganha ares poéticos ao transformar a

  122  
experiência do artista em uma viagem que vai além da procissão:

Furo a Forma. Defloro-a! Sinto jatos de estalactite massageando-me as costas. Tremores


tectônicos desconectam-me os pés. Caio. Fecho os olhos. Petrifico. Passam anos. Abro
mares em sonhos. Corro entre paredes de água e acordo na cauda da lagarta.
Na cauda da lagarta reencontro, doce, a realidade. Gente feita de gente. Gente que foi ali
pra namorar. Em cada rosto um pote de doce em calda: figo, goiaba, casca de laranja,
doce-de-leite, ambrosia, marmelada, baba-de-moça, espera-marido, pecado-de-anjo,
quindim. Suspiro fundo e me lanço no escorregador intestinal tornando-me enfim uma
espécie de gás liberto no espaço. Um salto no abismo e o chapéu de Carvalho perdido no
chão (GUIMARÃES, 2010, não paginado)

A literatura, como vimos anteriormente, sempre teve um lugar de destaque na


produção de Guimarães. No caso deste trabalho em particular, a experiência do artista torna-se
mais expressiva principalmente pelo trabalho textual. Os três vídeos que acompanham a
caminhada na Sexta-feira da Paixão são registros que acompanham os transeuntes e as rezas.

4.42 Zum Zum Zum, 2010


Documentário/Instalação. 2010

Em novembro de 2010, Guimarães apresentou junto com o artista plástico José


Bento, a exposição sinestésica Zum Zum Zum, na galeria A Gentil Carioca. Para essa instalação,
os artistas perguntaram inicialmente para dezesseis músicos qual era a “cor” do instrumento
musical que eles tocavam. A partir da resposta que obtiveram, eles criaram uma instalação
interativa, em que a movimentação do público resultava em diferentes cores e sonoridades,
baseando-se na sinestesia entre o som e a imagem.
A exposição Zum Zum Zum foi composta de um documentário e de uma instalação.
Em uma das salas da galeria era possível acompanhar o documentário de trinta minutos, em que
os artistas entrevistaram os dezesseis músicos e as respectivas “cores” dos seus instrumentos. A
dupla entrevistou diferentes músicos, desde integrantes de uma banda de Ouro Preto até um
acordeonista. No espaço maior da galeria foi montada uma instalação interativa, a partir das

  123  
respostas dos músicos no documentário.
Para a instalação, foram colocadas dezesseis estantes de partituras, feitas em acrílico
e led, que eram iluminadas e sonorizadas a partir da movimentação do público. A formação de
diferentes combinações de sons e cores, como uma orquestra, foi realizada pelo O Grivo, que
dispôs de sensores ao longo da galeria. Uma pessoa que caminhasse em uma determinada região,
por exemplo, acionava o sensor e a estante iluminava-se de vermelho e o som de um fraseado do
acordeão era tocado na sala.
Primeiramente, o espectador passava pela instalação, e só depois tinha acesso à sala
em que era exibido o documentário. Guimarães diz que a montagem da exposição foi bem
lúdica. As pessoas dançavam e movimentava-se na procura de novas cores e sonoridades.

4.43 Brasília, 2011


Curta-metragem. Brasil, 2011 (13 min): son., cor, dv

O curta Brasília foi realizado a partir do convite para a exposição And Then It
Became a City, uma mostra integrante da Bienal de Urbanismo e Arquitetura das cidades
chinesas de Shenzhen e Hong Kong. O curador David van der Leer pediu para seis artistas
analisarem a vida cotidiana de cidades que surgiram na década de 1960. Foram representadas as
cidades de Gabarone, Chardigarh, Shenzhen, Almere, Las Vegas e Brasília. A exibição dos
filmes durante a Bienal foi realizada por um ônibus que percorria as cidades. Depois da exibição,
o ônibus permanecia parado em pontos estratégicos para discussões e debates relacionados ao
planejamento urbanístico.
Em Brasília, Guimarães trouxe dois aspectos que considerou primordiais para as
pessoas que viviam na capital brasileira: os meios de transporte e as habitações e áreas de
convívio.
Logo no início, Guimarães chama a atenção aos atalhos na grama criados pelos
passantes - como não há passarelas, surgem caminhos alternativos e improvisados. No curta-
metragem, aparece o entrecruzamento desses atalhos relacionado ao plano piloto em cruz, projeto
de Niemeyer e Lúcio Costa para a construção da capital. Apresenta-se imagens de pessoas
caminhando pelos atalhos, mas também por outros meios de transporte como carroça, bicicleta,

  124  
ônibus e trem;
As habitações das pessoas são representadas pelos blocos dos condomínios. Os
conjuntos habitacionais, pessoas que habitam nas ruas, barracas em frente ao Ministério.
Guimarães nota a presença do comércio de ambulantes na Esplanada dos Ministérios. Pela
dificuldade de acesso a qualquer tipo de mercado, os camelôs são essenciais para permitir a
melhor convivência entre as pessoas e a cidade.
A trilha sonora d’O Grivo trabalha com alguns sons que tendem a um naturalismo do
ambiente urbano, por meio dos ruídos. Ressalta-se dois momentos em Brasília, quando ocorrem
“explosões” de baixa frequência, que se tornam perceptíveis sobretudo no ambiente expositivo
pelos alto-falantes.
Os ruídos, inicialmente agudos, que aparecem no início do curta-metragem
acompanham as imagens dos fragmentos dos monumentos de Brasília. Essas imagens estão
cobertas por uma brancura, como um véu que ainda não revela o objeto em sua totalidade. O
ruído de alta frequência, agudo, vai intensificando-se até desembocar em um explosão de baixa
frequência, em que vemos a epígrafe de Clarice Lispector22. A introdução é marcada por essa
primeira explosão delimitadora. Depois da epígrafe, é apresentada a cidade de Brasília, junto a
pessoas que habitam cotidianamente a cidade.
A segunda explosão sonora ocorre quando há a passagem dos planos em que os
ambulantes protegem-se do sol, para a existência de um acampamento com diversas barracas.
Inicia-se então um mosaico de lugares de Brasília, desde um cinema desativado, até uma
ocupação à beira da estrada.

4.44 Drawing, 2011


Curta-metragem. Brasil, 2011 (1 min): cor, dv

                                                                                                               
22
“If I say Brasilia is beautiful, you immediately would know I like Brasilia.
But if I say Brasilia is the image of my insomnia, people presume it as an accusation; however my insomnia is
neither beautiful nor ugly - my insomnia is I, myself, it is experienced, it is my astonishment.
Both architects did not think in building glamour, it would be easy;
they raised their astonishment, and they left astonishment unexplained.
The creation is not a comprehension, it is a new mystery.”  

  125  
Drawing é um curta-metragem considerado minimalista por Guimarães. A câmera
estática exibe ladrilhos geométricos de uma piscina, em que há a entrada de água que escorre
pelos sulcos. Durante o minuto da sua duração, vemos a água ocupar os ladrilhos até preencher
toda sua extensão. Segundo o artista, Drawing [Desenho] é uma forma de homenagear formas
artísticas distintas da sua produção.

4.45 Limbo, 2011


Curta-metragem. Brasil/Uruguai. 2011 (17 min): son., cor, dv

O curta-metragem Limbo foi realizado a convite da curadora Aracy Amaral para a


mostra Além Fronteiras da 8º Bienal do MERCOSUL, ocorrida em 2011 no Museu de Arte do
Rio Grande do Sul - MARGS. A proposta da curadora, que convidou diversos artistas, baseava-se
em trazer uma visão crítica e poética do Brasil e de países fronteiriços, como o Uruguai e a
Argentina.
Gravado nas cidades de Tacuarembó, Melo, Salto, Alegrete, São Gabriel e Rio Pardo,
o curta de Guimarães mostra os pampas rio-grandenses e uruguaios. Para Guimarães, a imensidão
da paisagem dos pampas, que recorta tudo pela linha do horizonte, era um atrativo formal. Além
disso, a população dos pampas tinha características muito próprias, o que aguçava a curiosidade
do artista. Segundo ele, o isolamento, a incomunicabilidade entre vizinhos e a sensação de
deslocamento do tempo constituíam a percepção obtida ao passar por essas pequenas cidades.
O curta-metragem mostra brinquedos infantis em movimentação, mas sem nenhuma
criança brincando ao redor. Guimarães diz que lhe chamou a atenção principalmente os
brinquedos abandonados que estavam relacionados à infância, mas que continham algo de
desolamento, melancolia e fantasmagoria.
A escolha do título refere-se, na teologia cristã, a um lugar intermediário em que as
almas das crianças não batizadas iriam permanecer fora dos limites do céu. Para Guimarães, o
título menciona esse espaço em que “crianças-fantasmas” estariam se divertindo nesses
brinquedos:

  126  
Eu pensei nessa idéia, a de um mundo de universo infantil aonde os brinquedos
estivessem ali habitados por fantasminhas infantis, brincando. Então aqueles brinquedos
que não tem ninguém, que andam sozinhos no meio daquele espaço. Por isso dei o título
de Limbo, que é esse lugar “entre”. Esse lugar que não é nem o paraíso, nem o inferno.
(GUIMARÃES, 2013f).

A atmosfera fantasmagórica é dada pelas imagens enevoadas, com tonalidades pasteis


que dão a impressão de uma luminosidade suave, sem grandes contrastes. Os planos são fixos,
mostrando a paisagem dos pampas, a intensa movimentação do vento, algumas crianças e
playgrounds desabitados. Os brinquedos vazios que movimentam-se com o vento, apresentam
cores mais intensas, como um vermelho, amarelo e verde, diante da paisagem monocromática.
A movimentação dos brinquedos trazem o ruído de algo parecido com engrenagens
enferrujadas. Composta pelo O Grivo, a trilha sonora privilegia ruídos agudos, para criar a
densidade psicológica do lugar. Em uma das cenas, por exemplo, o ruído de engrenagem
enferrujada deixa de ser exclusividade dos brinquedos vazios e passa a ser ouvido na imagem de
uma criança que sorri, sentada na carroceria de uma festa.
A escolha pelos brinquedos desabitados e pelas poucas crianças que aparecem no
curta é também influenciada pela futura paternidade do artista. Sua esposa Florencia Martinez,
uruguaia, estava grávida. Ela também realiza o registro de algumas imagens do curta-metragem.
Para Guimarães, era inevitável pensar a região fronteiriça dos pampas como um lugar-entre, um
limbo.
A gradação de cor, realizada por Lucas Sander, marca uma mudança expressiva na
qualidade da imagem de Guimarães. A partir de Limbo, os curtas-metragens passam por um
tratamento digital em que as cores são trabalhadas de forma mais sóbria, sem tantos contrastes.

4.46 Meio:Mediodia, 2011


Fotografia. 2011. Dimensões: 98 x 178 cm.

A série composta de 12 fotografias apresenta balanços de brincar em um mesmo


enquadramento. O brinquedo infantil, representado em várias cores e formatos, encontra-se vazio,
sem nenhum vestígio de crianças.

  127  
Fig. 12. Meio:Mediodia, 2011.

4.47 Dia de Festa, 2011


Fotografia. 2011. Dimensões: 66 x 100 cm
A série Dia de Festa foi realizada em parceria com a artista Carolina Cordeiro. As
fotografias mostram a vegetação de um campo com plantas em um comprimento alto, similar a
grama. Em algumas das imagens, vê-se que os punhados de grama foram trançados. A série
apresenta ora uma “trança” na grama, ora quatro “trançados” ao vento 23.

                                                                                                               
23
A série fotográfica pode ser encontrada no site da artista Carolina Cordeiro. Disponível em:
<http://cordeirocarolina.tumblr.com/diadefesta>. Acesso em 1 out. 2012.

  128  
Fig. 13. Dia de Festa, 2011

4.48 Otto, 2012


Longa-metragem. Brasil, 2012 (71 min) ): son., cor, hdv

No ano de 2012, Guimarães produz dois longas-metragens: Otto e Elvira Lorelay


Alma de Dragón, ambos relacionados com sua esposa Florencia Martinez. Otto é considerado por
Guimarães como um filme-ensaio, um diário filmado em que ele acompanha de perto o processo
de gravidez de sua mulher. Para o artista, o longa-metragem é um filme de amor em que há a
celebração da vida.
Logo no início do filme, aparece a epígrafe do escritor Emil Cioran, “As mais
profundas experiências subjetivas são também as mais universais, pois por meio delas chega-se à
profundeza primordial da vida…”. Em seguida, ouve-se o som de um trovão em meio à chuva,
acompanhado apenas pela narração de Guimarães, sem nenhuma imagem:

Numa noite de verão do final de 2010, a única espectadora que foi assistir meu filme
Andarilho, no cine Casablanca em Montevideo, sentou-se uma fileira atrás de mim.
Assistimos ao filme inteiro, calados, naquele cinema vazio. Num momento crucial do

  129  
filme, ela se levantou e eu pensei que tinha ido embora, mas logo em seguida voltou e
sentou-se no mesmo lugar. Talvez tenha perdido a melhor cena do filme em função de sua
bexiga cheia, mas também por causa dela, tive necessidade de abordá-la ao final para
dizer que ela precisa ver o filme outra vez. Saímos dali andando, pela madrugada, e
continuamos andando juntos até hoje.

O som de chuva cessa ao fim das palavras. A primeira imagem do filme vem junto
com a sonoridade de grilos e mostra uma pessoa de costas, no meio de uma estrada asfaltada
vazia. Nessa primeira imagem, começa a música-tema, executada no piano e presente em partes
pontuais ao longo do filme. Após, a imagem são de pés fincados na areia, seguido por uma
mulher de vestido branco em frente ao mar. A narração de Guimarães continua e vemos o perfil
de Martinez, imagens do mar, a espuma das ondas, ela sentada olhando para o horizonte,
caminhando pelos trilhos, sozinha em um acostamento de uma estrada de terra:

Nasce uma gota. Já de imediato depreende uma descida vertiginosa e suicida, do céus até
o seu corpo. O impacto a faz multiplicar em novas gotas que escorrem sobre sua face.
Outras gotas caem do céu, cada vez mais velozes e mais fortes. Algumas ficarão presas
em seu corpo molhado para mais tarde secarem ao sol. Será o fim de sua curta existência.
O nascimento e morte de uma gota. A não ser que ela a salve, pulando na água do rio de
água doce ao seu lado. Ali ela encontrará refúgio na mesma matéria líquida de que é feita.
Fundirá seu corpo ao corpo de outras gotas, formando o grande corpo de um rio. E bem
apertadinha como em um exército em marcha para uma guerra improvável, empreenderá
uma nova viagem. Da superfície para o fundo, do fundo para a superfície, na cadência das
marés e das fases da lua, até que o rio encontre o mar. O marrom turvo, o verde claro. E
ela sinta no corpo as partículas de sal. E a salobra espuma explodirá pequenas bolhas de ar
na direção dos céus, que formarão então novas nuvens e novas gotas. À sorte, à direção
dos ventos, e do humor dos deuses. Então ela pensa: A vida é um círculo.

Ao fim da música, a câmera de Guimarães acompanha, quase como um testemunho,


as situações em que Martinez está agarrada às árvores, o plano detalhe de seus pés, pernas, o
caminhar e a corrida na estrada em meio à montanha. A música-tema inicia-se novamente e
aparece, pela primeira vez, a frontalidade do rosto de Martinez, iluminada indiretamente pelas
luzes dos carros.

  130  
Primeiramente, o título do filme é mostrado pelas letras TT, e, logo em seguida pelos
dois O’s que acompanham o início e o fim do nome Otto.
Depois das imagens introdutórias e do nome OTTO, surge Martinez, enrolada no
cobertor, dentro de um apartamento observando a neve cair. Segue-se, a partir de então, registros
de Istambul. As ruas, o mercado, um garoto comendo de pé dentro de um ônibus, olhando pela
porta. Soa uma segunda música, desta vez com melodia oriental diante as cenas da cidade.
Em um parque infantil, os brinquedos, a sorte sendo tirada por um galo, a interação
da protagonista junto a pessoas, brinquedos e paisagens. Há, no olhar de Guimarães, a presença
de cenas cotidianas de Istambul, como o trabalhador que limpa a parte externa da fachada de um
prédio, a tecladista/cantora cega que se apresenta na rua e outros personagens que interagem com
a câmera.
No interior de um táxi, a imagem noturna do sorriso de Martinez é seguida da terceira
narração de Guimarães. A música-tema reaparece junto à fala:

Ela tem 25 anos e seus olhos querem ver. Gosta de gatos e deuses. Carinho no pescoço e
bife à milanesa. Rádio AM e ficar pulando na cama pela manhã. Agarrar coisas com os
dedos dos pés, ruas planas e reuniões de velhos comunistas. Gosta de palavras inusitadas e
grifar frases em livros difíceis. Falar bobagens com o amigo Vicki e fazer massa
pasqualina. Gosta das lareiras, das sombras e das borboletas. Gosta de passeatas de rua e
das mitologias antigas. De caricaturas e cartoons. De óperas e zoombies. Do cheiro de
jasmim e da textura de uma barba. De narrar os sonhos pela manhã e fechar cortinas ao
anoitecer. Como é gostoso conhecer uma pessoa.

Em seguida as cenas noturnas são acompanhadas por uma música executada por um
instrumento de cordas, o santoor indiano. Volta-se para imagens de Martinez em Istambul e parte
da cidade sendo percorrida de ônibus, em que se vê os reflexos sendo transparecidos pela janela
do coletivo.
Há na sequência o retorno das imagens iniciais com a movimentação da água do mar.
Uma pessoa deitada na areia, em que apenas o seu corpo encontra-se colorido, diante da
paisagem em tons de cinza e preto. O mesmo acontece com um fruto colorido, pousado na areia
monocromática e nas imagens seguintes, trabalhadas de forma mais perceptiva na edição, durante

  131  
a pós-produção.
O movimento das águas e tudo que se relaciona com a fluidez líquida é seguido pelo
som de sinos de igreja e depois a campainha da chegada de um trem. Nas imagens seguintes,
Martinez é filmada dentro de uma mesquita, junto a um aparente canto religioso.
Após essas imagens, Guimarães filma durante a noite a movimentação das linhas das
varas de pescar, tendo ao fundo as luzes da cidade. A narração aparece novamente:

Fiz essas imagens pensando na germinação. No estreito do Bósforo, parte de mim em sua
Trompa de Falópios. Meioses, mitoses, gametas e zigotos, uma profusão de cromossomos
e DNA’s buscando seus pares. A pesca da cor do olho. Da unha filada. Do joanete. Do
Tendão de Aquiles. Da quantidade de siso. Da qualidade do riso. Mas não da ética. Talvez
da ótica. O que dizer da matéria que não se pesca? A matéria sem memória? Que é
justamente a vida que se inicia.

Ao final das palavras de Guimarães, ouvimos a música Vespro della Beata Vergine,
de Claudio Monteverdi e a imagem de um embrião aparece no aparelho de ultrassonografia. A
imagem é sucedida de símbolos da maternidade, como o teste de gravidez de Martinez, pequenos
sapatos de bebê, azulejos com motivos de vestidos infantis.
A câmera de Guimarães acompanha os hábitos cotidianos da esposa, como fazer pão,
comer um melão, ouvir e cantarolar um tango, cuidar das plantas do jardim, ler um livro enquanto
se exercita na bicicleta ergométrica.
O artista registra Martinez dormindo e as imagens seguintes são do arquivo de
filmagens em 16mm de Cisalpino Gontijo, avô de Guimarães. No arquivo, aparecem bebês,
crianças tomando leite, uma corrida entre crianças. A música ouvida durante as imagens é The
Romance of the Red River Valley, executada pela solista de pipa, instrumento musical chinês, Liu
Fang.
A barriga de Martinez vai gradualmente crescendo diante a câmera. Momentos de
espera, leitura, um filme de Herzog no cinema, brincadeiras com os dedos dos pés, a pintura de
uma estátua, tudo é filmado por Guimarães. Algumas imagens em planos-detalhes do corpo de
Martinez são pontuadas pela sonoridade de O Grivo, por meio dos ruídos secos das cordas.
São exibidas, durante o crescimento do feto, formas orgânicas representativas, como

  132  
as bolhas de sabão, a barriga que se encosta próxima ao vidro, a flor do chá que desabrocha
liberando pequenas e seguidas bolhas de ar que se unem na superfície. A música de O Grivo é
compassada pelos fenômenos da natureza; a chuva mostra a espera do nascimento.
A música compassada continua quando, na sequência, mostra-se um avental, a mão
de Martinez com a marcação 01/12/11, 16:15h, e a câmera de Guimarães, que sem orientação,
filma o chão. Em seguida, mostra-se alguns pequenos pés de bebê agitados na água.
As imagens do mar retornam. Há a repetição das mesmas imagens do começo do
filme, os pés de Martinez fincados na areia e também ela de frente pro mar. A música-tema é
ouvida junto à última narração de Guimarães:

Há 25 anos atrás eu cruzei este rio Uruguai e escrevi um poema que falava de uma flor.
Talvez ela estivesse nascendo quando eu passava por ali. Seu líquido amniótico
escorrendo pelas tubulações de Montevidéu até alcançar as águas do rio por onde o meu
barco passava. Nem ela, nem eu, imaginávamos que 25 anos depois ficaríamos em uma
varanda contemplando o encontro dessas mesmas águas com o mar. Nem ela, nem eu,
imaginávamos escorregando desta forma na espiral do tempo. Pois a vida gira, gira, e dá
uma volta em si mesma. Otto é o palíndromo fruto deste amor. Há 25 anos atrás, Otto não
existia, mas é como se existisse.

A última cena do filme é a imagem do bebê Otto, enrolado em um tecido laranja, de


frente para o mar. O longa-metragem finaliza-se com a citação “O ser não é mais real que o não-
ser”, de Heráclito. O som da chuva, como no início do longa-metragem, permanece durante a
apresentação dos créditos.
Guimarães diz que a grafia de Otto é um palíndromo, cujo nome o fascina pela ideia
simbólica da vida como um círculo: “Então o Otto, esse nome é um nome circular, é um nome
que é um rosto, se você ver aqui tem a sobrancelha, os dois Ts e o O e o O24.
Antes da escolha do nome, o casal acreditava que o filho seria menina, sendo que eles
o chamavam nos primeiros quatro meses de Olívia. Essa é uma das razões que, ao longo do filme,
junto ao teste de gravidez, está uma placa decorativa de vestidos infantis. Depois do exame em
que eles descobriram que o sexo do bebê, Gibi Cardoso auxiliou os amigos na escolha do nome.

                                                                                                               
24
GUIMARÃES , Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr.2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.

  133  
O filme teve a sua primeira exibição na exposição individual Passatempo, com
curadoria de Solange Farkas, na galeria Nara Roesler, em julho de 2012. Farkas elegeu a água
como elemento simbólico para nortear a exposição, estando ela presente na maior parte das obras,
fosse em vídeo ou em fotografia. A curadora escreve:

Nos refluxos do meio líquido, na passagem do tempo, muda a vida. Em Otto, o outro –
antes entrevisto, desejado, ausente – está no centro da cena. Silenciosa e precisa, gestada
em tempo orgânico, a narrativa tem como fio uma imagem de uma mulher. Ora se fixa em
seu rosto, seu corpo, sua voz, sua risada, descobrindo-a desde um lugar de intenso
encantamento. Ora a faz contracenar com as obsessões poéticas desse cinema – as coisas
que se movem sozinhas, insufladas de vida por algum vento; a barriga que cresce e vira
bolha prestes a explodir num rebento. (FARKAS, 2012)

Para que o longa-metragem fosse exibido, Guimarães montou uma sala de cinema,
em que havia a exibição de três sessões diárias durante o período da exposição.
Assim como foi percebido por Farkas, observa-se que Otto contém as obsessões
poéticas do artista. O olhar que se atém ao garoto do ônibus (como no curta Peiote), os reflexos e
as sobreposições de imagens transparecendo a cidade (similar a The Eye Land), as gotículas de
água no vidro e a movimentação da vegetação ao vento, frequente em todos os audiovisuais.
Porém, apesar das formas que o interessam estarem presentes, o filme é o primeiro
trabalho, e por isso o mais íntimo, em que há a exposição direta do artista por meio da narração
em primeira pessoa. O texto escrito por Guimarães conta desde o encontro dele com sua esposa
até o momento em que o filho é concebido.
Não à toa, as imagens são a de uma câmera “carinhosa”, um testemunho dos dias em
que ele apenas observava a gestação de Martinez. A forma do artista se manifestar vem por meio
das imagens simbólicas da água, mas também do texto, em que seus pensamentos são declarados
por meio das metáforas.
A trilha sonora também é inerente ao sentido intimista do filme. Composta pelo O
Grivo, a música-tema executada ao piano, aparece em momentos pontuais, como o início do
filme e também antes das falas do artista. Existe também a presença de outras músicas, com um
teor étnico, que Guimarães utilizou para expressar o sentimento de universalidade. Destaca-se, no

  134  
aspecto sonoro, a escolha da música sacra, Vespro della Beata Vergine, cujo coro feminino
potencializa o sentimento de descoberta do artista diante da paternidade.
O filme foi produzido pelo Studio Cao Guimarães e pela Cinco em Ponto. Por meio
da edição de Guimarães, junto a Martinez, o longa-metragem foi premiado nas categorias melhor
documentário, fotografia, trilha sonora e som no 45o Festival de Cinema de Brasília, em 2012.

4.49 Elvira Lorelay Alma de Dragón25, 2012


Longa-metragem. Brasil/Uruguai, 2012 (61 min) ): son., cor, hdv

O documentário Elvira Lorelay Alma de Dragón foi dirigido em parceria com


Florencia Martinez e acompanha a cartomante Elvira em seus trabalhos esotéricos na cidade de
Montevidéu. O filme inicia-se com uma mulher no interior de uma casa, segurando um telefone
celular, ouvindo atentamente e concordando com a voz e a cabeça o que a outra pessoa da linha
diz. Ouvem-se ruídos de outras pessoas em outros cômodos da casa. Nos planos seguintes, ela
está ainda com o celular, parada ou caminhando na rua, escutando de maneira concentrada. Pela
duração do plano e a atenção da câmera a essa mulher, presume-se se tratar de Elvira, a
personagem título do filme.
A cena seguinte mostra Elvira carregando alguns objetos nas mãos em direção ao Rio
da Prata. Ela joga o que aparenta ser um par de brincos e duas colheres nas águas. Ainda na praia,
ela tenta acender uma vela azul. Uma voz feminina, possivelmente da personagem, canta um
trecho da canção Desde El Alma, da compositora uruguaia Rosita Melo. O som do barulho das
ondas acompanha a música.
O título do filme é apresentado como caracteres de celular sendo digitados. Segue-se
a imagem de Elvira respondendo a mensagem de uma de suas clientes pelo celular. A câmera
foca em objetos de cunho religioso como anjinhos pendurados, um Buda, Ganesha - o elefante
indiano símbolo da prosperidade - , uma ferradura junto a imagens de santos atrás da porta.
A câmera acompanha Elvira interagindo com um vendedor, comprando velas
coloridas e outros objetos em uma loja esotérica. Ao celular, Elvira tira as cartas de Tarot para
                                                                                                               
25
O título do longa-metragem aparece, no filme, com a grafia Elvira Loreley Alma de Dragón. Adotamos a grafia,
Elvira Lorelay Alma de Dragón de acordo com as informações contidas no site do artista e também do material de
divulgação.

  135  
um de seus clientes que está com problemas amorosos. Ouvimos Elvira explicando as cartas e
pedindo paciência para o cliente.
A seguir, vemos a cartomante em seus momentos de lazer. Ela observa o Rio da
Prata, caminha sozinha pelas ruas de Montevidéu, vai a um bar, organiza sua agenda. Durante a
noite, ela mexe no celular. O ruído grave de tambores, e, em seguida ruídos mais agudos,
dissonantes, são acompanhados de planos das mãos de Elvira. Em seguida, uma criança sentada
em uma cadeira assistindo televisão. Os olhos maquiados da cartomante aparecem em plano
detalhe, olhando para os lados.
A sequência seguinte mostra Elvira realizando um trabalho na casa do cliente
Fernando que deseja arranjar um namorado. Ela limpa o chão da casa, “abre” os caminhos ao
passar incensos especiais no entorno do corpo e da residência do cliente. A câmera acompanha a
interação entre Elvira e Fernando e as indicações dela para que ele acenda as velas durante a
semana.
Em alguns momentos acompanhamos a conversa dos dois não de forma visual, mas
apenas pelo som do diálogo. A câmera encontra-se estática, ora afastada, por detrás do ventilador,
ora no corredor da casa. Elvira e Fernando encontram-se supostamente alheios à equipe de
filmagem, e ficam, não raras vezes, de costas para a câmera.
Elvira tira as cartas do Tarô e diz considerações sobre o futuro amoroso e também
quanto ao trabalho para o cliente. O som resume-se à conversa e ao ruído do ventilador que
encontra-se na sala. Durante a consulta, ela tira três vezes as cartas, sempre mencionando o futuro
amoroso.
Após o trabalho espiritual, aparece a imagem de um catavento colorido girando. Há
também a movimentação da vegetação ao final do dia como indicativo visual e sonoro do vento.
O grunhido de um pássaro acompanha os planos bucólicos das plantas se mexendo celeremente.
A tonalidade violácea, presente ao longo do filme, é mais perceptível nas cenas das
movimentações das plantas e vegetações, em contraste com o céu.
Seguidamente, mostra-se a agitação das ondas formadas no Rio da Prata,
acompanhadas de um ruído grave que gradativamente torna-se composto com mais camadas
sonoras. Vemos Elvira cochichando em um copo de vidro e depois o copo com a base para baixo,
apoiado em uma mesa. As águas que antes estavam movimentadas, mostram-se calmas. A

  136  
cartomante caminha pela areia, beirando o rio, pronunciando palavras não audíveis, levantando as
mãos e o olhando para o céu.
A última cena exibe Elvira, já deitada na cama, com a luz do celular incidindo sobre
seu rosto. Ela telefona, sussurra algumas palavras, disca novamente um número no celular, mas
aparentemente ninguém atende.
A sinopse de Elvira Lorelay Alma de Dragón indica que o documentário “acompanha
a vida de uma cartomante uruguaia, os contrastes de um ofício milenar que lida com o destino das
pessoas, inserido numa sociedade contemporânea com pressa de obter respostas para tudo”.
A concepção do filme surgiu a partir do convite do Sesc SP para a exposição coletiva
Território de Contato em que as obras centravam-se na relação entre arte e arquitetura. Por meio
da curadoria de Marta Bogéa e Abílio Guerra, o Sesc viabilizou recursos para a realização do
documentário.
Quando do convite do Sesc, Guimarães estava no Uruguai. O que o fascinou e o
motivou a filmar a cartomante é que ela estava presente, mesmo que indiretamente, na história de
vida do artista. Elvira era vizinha de Florencia Martinez em Montevidéu. O artista conta que
antes de Florencia conhecer Guimarães, Elvira já havia alertado a vizinha por meio de seus dons
premonitórios que ela conheceria, se apaixonaria e teria um filho com um brasileiro.
(GUIMARÃES, 2012).
O artista conta que um dos fatores que também o instigaram a filmar Elvira foi que
ela era uma personagem totalmente diferente de como imaginava ser uma cartomante. Elvira não
era a imagem comumente associada a uma vidente, cheia de ornamentos ciganos:

[...] o negócio dela era muito sofisticado, tinha uma coisa pelo celular muito forte,
atendimento pelo celular 24 horas por dia. Eu ficava impressionado com essa mulher
porque ela ficava o tempo inteiro escutando problema dos outros. [...] Então o filme
começa com essa escuta” (GUIMARÃES, 2012)

Para ele, o ofício da cartomante envolvia uma série de mistérios associados ao dom
premonitório. O documentário também tem em sua construção cenas que buscam sugerir um
certo “exagero”, por meio da montagem. Quando Elvira sopra o copo, por exemplo, e o coloca de
boca para baixo em cima da mesa, essa era uma ação para passar o soluço do filho de Guimarães.

  137  
Após a filmagem, ele ressalta que montou o filme de modo a aparentar que, ao soprar o copo,
Elvira “acalmou” o mar. Ele diz:

No caso do filme, eu coloquei o mar revolto, e tal, põe as imagens dela soprando o copo,
põe [o copo para baixo] e o mar fica quietinho. Um exagero, essas coisas, essas
possibilidades, que nos dá o cinema, não importa se é verdade ou mentira, importa se é
expressivo (GUIMARÃES, 2012)

O artista acompanhou a vida de Elvira durante uma semana. A equipe consistia na


presença de Guimarães, Lucas Sander como assistente, Florencia Martinez e Nelson Soares. A
produção do filme foi do Studio Cao Guimarães.
Elvira Lorelay Alma de Dragón é o terceiro trabalho em que o Uruguai é aludido,
sendo que o interesse pelo país está associado à esfera particular do artista. Desde sua união com
Florencia Martinez, o aspecto pessoal pode estar mais claro, como em Otto, ou menos direto
como no curta-metragem Limbo.
Porém, Elvira insere-se na grande gama de personagens comuns e singulares que
despertam a empatia de Guimarães. A cartomante poderia estar presente em um dos ofícios em
extinção, em O Fim do Sem Fim, ou mesmo ser abordada pela temática da solidão, como nas
cenas em que Elvira caminha solitária por Montevidéu. Nesse sentido, é contundente o modo
como os personagens são tratados e como se estabelece a relação de respeito entre o artista e o
sujeito retratado:

A Elvira ela não deixou eu entrar muito na vida íntima dela, porque a casa dela, na
verdade, ela mora num lugar desse tamanho aqui com sete pessoas da família dela,
pequenininha assim, então é uma bagunça a casa dela. Ela quis aparecer como, então eu
não tinha além dos contatos de trabalhos dela ali, eu não pude entrar um pouco na vida
privada dela, que seria fascinante, mas aí eu respeitei e tudo mais. (Informação verbal)26

Durante o filme, há algumas passagens que são indicativas das pessoas que estão ao
redor da cartomante, porém ela nunca é evidentemente explícita. Não se sabe quem é a garota que

                                                                                                               
26
GUIMARÃES, Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr. 2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.

  138  
assiste televisão na sala, mas percebe-se que ela está dentro do ambiente familiar de Elvira.
Assim como nos personagens anteriores de Guimarães, não se sabe o passado ou como vieram
parar ali, naquele ofício ou situação. Sabe-se apenas que eles permitiram, por um determinado
período, que o artista registrasse um pouco de suas vidas.

4.50 Pipas, 2012


Curta-metragem. Brasil, 2012 (8 min): son., cor, dv

O vídeo Pipas é o registro de duas pipas sobrevoando o céu. Guimarães entende esse
“flerte” entre as pipas como um trabalho bem minimalista. Para o artista, as pipas vistas de perto
são grandes, mas ao serem visualizada de longe, assemelham-se a dois espermatozoides
dançando no espaço do céu (GUIMARÃES, 2012c).

4.51 Sem Título, 2012


Fotografia. 2012

A exposição Passatempo, realizada na galeria Nara Roesler, foi a primeira exposição


em que as três séries Sem Título foram apresentadas ao público.
Essa primeira série é composta de duas fotografias que foram posicionadas uma ao
lado da outra. Em uma foto vemos duas varas de pescar, fincadas na areia. A segunda fotografia
são de roupas, sapatos, calças e uma garrafa térmica deixadas na areia. Em ambas as fotos não há
nenhuma presença humana.

4.52 Sem Título, 2012


Fotografia. 2012

A fotografia em preto e branco mostra algumas linhas no campo da imagem, o que


aparenta ser um fragmento de uma vegetação ao vento.
É muito comum observar, tanto nas fotografias, quando nos filmes de Guimarães, o
interesse pela natureza e a movimentação da folhagem das plantas. O artista, em entrevista, diz

  139  
que essa é uma daquelas obsessões “

[...] é isso que a gente chama de estilo, uma marca, obsessão, o que você tava
falando do vento na folhagem. Todo diretor tem obsessões, Fellini gosta de gente
esquisita, eu gosto de ventinho na planta ou de gotinhas no vidro, luz, forma, isso
vai muito do estilo mesmo, obsessão do diretor. (informação verbal)27

Fig. 14. Sem Título, 2012

4.53 Sem Título [Pessoas Deitadas], 2012


Fotografia. 2012. Work in progress

Sem Título era composto de apenas um fotografia na exposição Passatempo. A única


fotografia mostrava um homem deitado de bruços em um rochedo, rodeado pela água.
No ano seguinte à exposição, o caderno Videobrasil lançou sua 8ª Edição, com
curadoria de Moacir dos Anjos. Na publicação foram apresentadas cinco fotografias da série que
mostravam pessoas de diferentes partes do mundo dormindo em lugares aparentemente públicos.
Guimarães fotografou desde um pedinte dormindo na rua até um homem deitado em uma esteira,
em um templo budista.
No texto do caderno, Moacir dos Anjos escreve sua interpretação para a série Pessoas
Deitadas. O crítico acredita que a série

registra imagens de homens que se aproximam seus corpos cansados ou

                                                                                                               
27
GUIMARÃES , Cao. Cao Guimarães: depoimento [abr. 2013]. Entrevista concedida a Cássia Hosni.

  140  
preguiçosos dos chãos onde passeiam, moram ou trabalham, como se
ostentassem, por vontade ou pela falta de escolha, formas de identificação íntimas
e já perdidas com a terra (ANJOS, 2012, p. 70).

A série continua em andamento.

Fig. 15. Sem Título [Pessoas Deitadas], 2012

4.54 Sem Hora, 2012


Curta-metragem. Brasil, 2012 (7 min): son., cor, dv

Sem Hora mostrava um casal de idosos sentados a certa distância, pescando à beira de
um rio. Guimarães diz que o título do vídeo é um trocadilho vinculado ao sair de si que envolve o
ato da pescaria: “As poucas vezes que eu pesquei na vida eu senti isso. Essa confluência,
integração sua com o universo, com o cosmos. Uma atividade aonde você tende a sair um pouco
de si” (GUIMARÃES, 2012c).

  141  
4.55 O Homem das Multidões
Longa-metragem. Brasil, 2013 (95 min) digital 5.1, cor, dv

O Homem das Multidões é um longa-metragem ficcional, dirigido por Cao Guimarães


e Marcelo Gomes. O filme partiu inicialmente do conto O Homem da Multidão de Edgar Allan
Poe e é o terceiro filme que integra a trilogia da solidão, de Guimarães.
A narrativa segue a relação de dois personagens: Juvenal (Paulo André) e Margô
(Silvia Lourenço), ambos funcionários de uma linha de metrô de Belo Horizonte. Ela é a chefe do
setor e controla, por meio das câmeras de vigilância, o fluxo dos trens e dos passageiros. Juvenal
trabalha como condutor/maquinista dos vagões. A história mostra a lenta aproximação dos
protagonistas, que acontece a partir do convite de Margô para que Juvenal seja padrinho de seu
casamento.
Margô está sempre vestindo uma munhequeira, indicativo de uma tendinite adquirida
pelo hábito incessante do uso do computador. Ela “encontrou” o seu noivo pela internet, mas
apesar dos tantos amigos virtuais, não conhece ninguém para ser padrinho do casamento. Juvenal,
quando não está em seu inóspito apartamento, passa o período da tarde e da noite caminhando
pelas ruas, procurando estar em meio à multidão.
Segundo depoimento dos diretores, Juvenal tem uma solidão mais “análogica”, sem
contato com as pessoas no dia a dia, já Margô tem uma solidão “virtual”.
Exibido no cinema em formato incomum, em uma tela quadrada, os diretores dizem,
em entrevista, que foram os personagens que levaram à escolha do formato (GUIMARÃES;
GOMES, 2013g). Durante a escrita do projeto, eles procuravam passar a sensação de
claustrofobia para o espectador. Cao diz que o quadrado achata as beiradas e com isso ganha-se
em profundidade. Ao filmar uma multidão em um quadrado, aumenta-se a sensação de
claustrofobia do personagem. Gomes também declara que o formato permite uma sensação de
vazio, caso deixe o personagem sozinho no quadro. Comparando o formato da tela de exibição
com as tecnologias, Gomes diz que Juvenal “é a polaroide, o 6X6, e ela é o Instagram”
(GUIMARÃES; GOMES, 2013g).
O filme é a primeira parceria em que os diretores dividem a direção. Anteriormente,
eles haviam trabalhado na edição do curta-metragem Concerto para Clorofila e também na

  142  
edição de Ex Isto. Desde então, Guimarães e Gomes conversaram e vieram ao longo dos anos
elaborando o projeto para o longa-metragem. Guimarães diz que essa é a primeira vez que
trabalha o cinema nesse sentido:

A primeira vez que eu pego um tipo de cinema onde eu tenho que trabalhar um pouco a
dramaturgia. Tem essa noção que ele tem [Marcelo Gomes] do pique emocional do filme,
sabe, ou da linha emocional, da curva emotiva do filme, que ela não passa só através das
linhas, das formas, ela passa através do que o ator tem que falar, se o ator tem que sorrir,
chorar. Para mim é o que mais eu tenho gostado de estar junto com ele fazendo isso.
(GUIMARÃES; GOMES, 2013h)

Marcelo Gomes complementa a fala e diz que o olhar de Guimarães, por meio das
formas e detalhes, também atua dramaturgicamente:

E comigo é justamente o contrário, é aprender que nessas linhas visuais do filme, na


possibilidade de parar toda a filmagem, deixar os atores esperando e filmar um certo
detalhe, ou um certo reflexo do olhar do ator. Aqueles mínimos detalhes que o Cao
percebe muito bem, aquilo ali também é dramaturgia (GUIMARÃES; GOMES, 2013h)

A princípio, o projeto do longa-metragem propunha ser dividido em duas partes: uma


de teor documental, em que haveria o depoimento de pessoas dizendo o que é para elas a solidão;
e outra em que a ficção, baseada no conto de Poe, seria representada pelos atores. Durante o
processo de montagem e finalização, os diretores privilegiaram manter apenas a segunda parte do
filme. No dia 6 de junho de 2014, a página do filme, disponível no Facebook, compartilhou
alguns dos relatos gravados inicialmente para o filme. A página também instigava os usuários da
rede social a enviarem seu relato sobre o que é solidão.
O Homem das Multidões foi produzido pela Cinco em Ponto e Rec Produtores
Associados. O longa-metragem estreou em 2013 no Festival do Rio e participou em 2014 da 37ª
Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e da 64ª Berlinale, Berlin International Film
Festival. Em 2014, foi premiado nos festivais Cinélatino Rencontres de Toulouse, com o prêmio
Grand Prix de Coeur; e no Festival Internacional de Cine de Guadalajara, com o Prémio Especial
do Júri e Fotografia para Ivo Lopes Araújo. A previsão de estreia em circuito comercial é 31 de

  143  
julho de 2014.

  144  
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Abordamos neste estudo a obra de Cao Guimarães produzida entre 1986 e 2013,
procurando entender o que o motiva e como ocorre o processo de criação em suas obras
audiovisuais. Na trajetória do artista vimos que, concomitante às realizações artísticas, uma série
de conceitos e reflexões foi desenvolvida por ele, revelando considerações e pensamentos sobre o
audiovisual.
Guimarães é conhecido principalmente pelo trânsito bem sucedido que realiza entre a
arte contemporânea e o cinema. A diversidade de suportes e os meios utilizados permitem uma
permeabilidade entre ambas as áreas, o que possibilita que o artista explore as especificidades de
cada linguagem. Para isso, foram fundamentais as parcerias artísticas, como a realizada com a
artista Rivane Neuenschwander, bem como nas composições imagético-sonoras de O Grivo.
À primeira vista, a recepção da obra de Cao Guimarães conduz o espectador a um
sentimento de encantamento, seja pelo ordinário ou pela simplicidade com a qual o artista
representa o mundo ao redor. São significativas as gotículas d’água, folhagens ao vento,
diferentes luminosidades, formigas e bolhas de sabão, imagens percebidas de maneira artística e
pessoal. Do mesmo modo, estão presentes as temáticas que envolvem as gambiarras, a solidão,
andarilhos, entre outros aspectos que (co)movem o artista e também àqueles que experienciam
sua produção.
A arte de Guimarães nos permite ver o mundo de uma nova forma. A atenção aos
detalhes cotidianos, a poesia que se cria a partir do ínfimo e do banal, são alguns dos aspectos
centrais de suas obras. Para isso o tempo é um elemento constitutivo, desde a maneira pela qual o
artista percebe o mundo, até a forma que as obras são apresentadas para o espectador. Precisa-se
de tempo para ver e sentir. O artista, por meio de suas obras, sugere que o espectador perceba a
temporalidade de maneira distinta da habitual, buscando relações de sentido que atuem além da
superfície.
Assim sendo, as imagens, fotográficas ou em movimento, são resultados de uma
intenção prévia do artista, que considera o olhar e a contemplação do mundo como o primeiro
nível de uma escala, a de todo o trabalho da criação artística. Estar aberto às casualidades e aos
eventos externos permite que ele realize registros da realidade que o cerca, por meio de apurados

  145  
enquadramentos fotográficos. Segue-se a isso ideias e construções imagético-sonoras que
consideram o trabalho da edição e a montagem das imagens.
Como analisamos, o acaso como um método, mencionado pelo artista a partir de
2002, e que é notável na série fotográfica Gambiarras, predispõe uma abertura e receptividade
que estarão presentes em todo o trabalho de Guimarães. Tornando-se assim um dos aspectos que
ele levará às futuras obras.
Desde as primeiras investigações fotográficas, por meios das fotomontagens, até o
longa-metragem mais recente, O Homem das Multidões, houve um extenso percurso em sua
produção. Assim, diferentes fases pelas quais Guimarães passou em sua vida são claramente
perceptíveis em sua trajetória artística. Dessa forma, destacam-se algumas mudanças que
ocorreram em seu percurso: os curtas-metragens, antes filmados em Super-8, passam a ser
capturados exclusivamente em formato digital, a partir de 2008; as cores também, inicialmente
fortes e contrastantes, como nos curtas do México, começam a ser exibidas em uma nova paleta
de cores, mais discreta e suave, a exemplo de Limbo; ou ainda, se antes o artista era avesso à
criação de longas-metragens com grandes equipes de produção, O Homem das Multidões vem
sinalizar futuros voos, em que há a possibilidade de mudança no modelo Cinema de Cozinha. Do
mesmo modo, a condição familiar de Guimarães, agora pai de família, sugere que o artista não vá
se deslocar em incontáveis viagens, como vinha fazendo.
Durante a pesquisa, foi inevitável defrontar-se com inúmeras questões sobre como
tratar ou selecionar diante da diversidade da obra de Guimarães. Nesse sentido, a escolha por um
inventário, procurando evitar classificações por meio das linguagens, foi um dos caminhos,
dentre tantos outros que poderiam ter sido trilhados. Frisando que a busca de algo que não seja
categorizável recai inevitavelmente em gostos pessoais e circunstâncias que envolvem o contato
subjetivo do sujeito e a relação deste com determinadas obras. É importante ressaltar que
Guimarães acredita que a obra de arte precisa ser o mais aberta possível, para que a criação
artística reverbere de modos distintos para os espectadores.
À vista disso, acreditamos que este estudo ainda irá proporcionar futuros
desdobramentos, visto que Guimarães tem construído um sólido percurso audiovisual,
inegavelmente autoral. Ao que tudo indica, o artista de prolífica criação artística, disponibilizará
ainda muitas obras propícias à reflexão.

  146  
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  157  
  158  
FILMOGRAFIA

A ALMA DO OSSO (2004). Direção: Cao Guimarães. Edição: Cao Guimarães. Arte: Jimmy
Leroy. Produtora: Cinco em Ponto. Direção de Produção: Beto Magalhães. Som direto: Marcos
M. Marcos. Fotografia em Super-8: Cao Guimarães. Fotografia em vídeo: Cao Guimarães e
Marcos M. Marcos. Pesquisa de Personagem: Gibi Cardoso. Música: O Grivo. Brasil DVD (74
min) dv, cor, dolby digital 5.1/2.0

ACIDENTE (2006). Direção: Cao Guimarães e Pablo Lobato. Edição: Cao Guimarães e Pablo
Lobato. Direção de Produção: Beto Magalhães. Produção Executiva: Beto Magalhães e Pablo
Lobato. Produtor Associado: Helvécio Marins Jr., Ricardo Sardenberg e 88 Filmes . Assistente de
Produção: Gibi Cardoso. Produtora: Cinco em Ponto e Teia. Realização: Fundação Padre
Anchieta - TV Cultura, ABEPEC e SAV/MINC. Direção de Fotografia: Cao Guimarães e Pablo
Lobato. Música: O Grivo. Brasil (72 min), dv, 35 mm, cor, stereo

ANDARILHO (2006). Direção: Cao Guimarães. Edição: Cao Guimarães. Assistente de Edição:
Aline X. Arte: Hardy Design. Produtora: Cinco em Ponto. Direção de Produção: Beto Magalhães.
Assistente de Produção: Gibi Cardoso. Som direto: O Grivo. Fotografia: Cao Guimarães.
Assistente de Fotografia: Alexandre Baxter. Pesquisa de Personagem: Pedro Motta, Gibi Cardoso
e Beto Magalhães. Música: O Grivo. Brasil DVD (80 min) 35 mm, cor, dolby digital.

ELVIRA LORELAY ALMA DE DRAGÓN (2012). Direção: Cao Guimarães, Florencia


Martinez. Edição: Cao Guimarães e Florencia Martinez. Fotografia: Cao Guimarães. Roteiro:
Cao Guimarães. Finalização: Lucas Sander. Produção: Studio Cao Guimarães. Música: O Grivo.
Brasil DVD (61 min), HDSLR, cor, stereo.

EX ISTO (2010). Direção: Cao Guimarães. Edição: Cao Guimarães e Marcelo Gomes.
Fotografia: Evandro Rogers. Roteiro: Cao Guimarães. Produção executiva: Beto Magalhães.
Direção de produção: Beto Magalhães. Produção: Heloísa Lô. Elenco: João Miguel. Figurino: Ró
Nascimento. Direção de Arte: Júlio Dui. Narração: João Miguel. Assistente de direção: Aline X.
Assistente de produção: Aline X. Assistente de fotografia: Alexandre Baxter. Assistente de
edição: Lucas Sander. Assistente de figurino: Gabriela Campos. Trilha sonora original: O Grivo.
Brasil (86 min), HDV, cor, stereo

OTTO (2012). Direção: Cao Guimarães. Fotografia: Cao Guimarães e Florencia Martinez.
Imagens de arquivo: Arquivo de Cisalpino Gontijo. Elenco: Florencia Martinez e Otto Martinez
Guimarães. Roteiro: Cao Guimarães. Narração: Cao Guimarães. Finalização: Lucas Sander.
Tradução: Alice Medrado. Legendagem: Lucas Sander. Trilha sonora original: O Grivo. Brasil
(71 min), dv, cor, stereo.

O FIM DO SEM FIM (2001). Direção: Beto Magalhães, Cao Guimarães e Lucas Bambozzi.
Assistente de direção: Gibi Cardoso. Edição: Beto Magalhães, Cao Guimarães e Lucas
Bambozzi. Arte: Júlio Dui. Produtoras: Diphusa, Bananeira Filmes, Cinco em Ponto. Produção
Executiva: Vânia Catani e Lucas Bambozzi. Direção de Produção: Beto Magalhães. Pesquisa de

  159  
Personagem: Gibi Cardoso. Som Direto: Marcos M. Marcos. Fotografia em vídeo: Beto
Magalhães e Lucas Bambozzi. Fotografia em Super-8: Cao Guimarães e Lucas Bambozzi.
Fotografia em 16mm: Cao Guimarães. Música: O Grivo. Brasil DVD (92 min) 1:66, 35 mm, cor,
dolby digital 2.0.

O HOMEM DAS MULTIDÕES (2013). Direção: Cao Guimarães e Marcelo Gomes. Fotografia:
Ivo Lopes Araújo. Roteiro: Cao Guimarães e Marcelo Gomes. Produção: Beto Magalhães e João
Vieira Jr. Coprodução: Cao Guimarães, Chico Ribeiro, Marcelo Gomes e Ofir Figueiredo.
Direção de produção: Lívia de Melo. Elenco: Silvia Lourenço, Paulo André, Jean-Claude
Bernardet. Figurino: Ró Nascimento. Direção de Arte: Marcos Pedroso. Assistente de direção:
Aline Xavier, Felipe Oliveira e Isadora Lerman. Assistente de figurino: Gabriela Campos.
Preparação de elenco: Pedro Freire. Assistente de figurino: Gabriela Campos. Trilha sonora
original: O Grivo. Brasil (95 min), DCP, cor, dolby digital 5.1

RUA DE MÃO DUPLA (2002). Direção: Cao Guimarães. Assistente de Direção: Marcos M.
Marcos. Edição: Cão Guimarães. Captação de imagens realizadas pelso personagens: Rafael
Soares e Eliane Lacerda/ Paulo Dimas e Mauro Neuenschwander/ Roberto Soares e Eliane Marta.
Brasil (75 min) dv, cor, stereo.

  160  
VIDEOGRAFIA

ATRÁS DOS olhos de Oaxaca. México/Brasil, 2006 (8 min): son., cor, Super-8

AULA de anatomia. Brasil, 2003. Brasil (5 min): cor., Super-8/dv

BETWEEN - Inventário de pequenas mortes. Brasil, 2000 (10 min): son., cor, Super-8

BRASÍLIA. Brasil, 2011 (13 min): son., cor, dv

COLETIVO. Brasil, 2002 (3 min): p&b, Super-8

CONCERTO para clorofila. Brasil, 2005 (7 min): son., cor, Super-8

DA JANELA do meu quarto. Brasil, 2004 (5 min): son., cor, Super-8

DRAWING. Brasil, 2011 (1 min): cor, dv

EL PINTOR tira el cine a la basura. Espanha, 2008. (5 min): son, cor, hdv

HYPNOSIS. Brasil, 2001 (7 min): son., cor, Super-8

INVENTÁRIO de raivinhas. Brasil, 2002 (1; 1; 2; 5 min): son., cor, Super-8/dv

LIMBO. BRASIL, 2011 (17 min): son., cor, dv

MEMÓRIA. Brasil, 2008. (5 min): son., cor, hdv.

MESTRES DA gambiarra. Brasil (31 min): son., cor, dv

NANOFANIA. Brasil, 2003 (3 min): son., cor, dv

O INQUILINO. Brasil (10 min): son., cor, dv

O SONHO da casa própria. Brasil, 2008 (15 min): son., cor, hdv

OTTO, eu sou um outro. Brasil, 1998 (20 min): cor, 35 mm.

PEIOTE. México/Brasil, 2008 (4 min): son., cor, Super-8

PIPAS. Brasil, 2012 (8 min): son., cor, dv

QUARTA-FEIRA de cinzas. Brasil, 2006. (6 min): son., cor, hdv

  161  
SCULPTING. Brasil, 2009 (6 min): son., cor, hdv

SEM HORA. Brasil, 2012 (7 min): son., cor, dv

SIN peso. México/Brasil, 2007 (7 min): son., cor, Super-8

SOPRO. Brasil, 2000 (5 min): p&b, dv

THE EYE land. Brasil, 1999 (11 min): cor, dv

VOLTA ao mundo em algumas páginas. Brasil, 2002 (15 min): son., cor, dv

WORD/WORLD. Brasil, 2001 (8 min): p&b, Super-8

  162  
ANEXO

Entrevista concedida a Cássia Hosni, realizada em 11 de abril de 2013, no Studio Cao Guimarães,
em Belo Horizonte.

CH - Sobre a exposição Ver é uma Fábula, você gostou da concepção espacial da Marta Bogéa, a
ideia dos três telões?

CG: Gostei muito, achei assim: Primeiro que para um artista é sempre bom ver trabalhos,
principalmente em uma retrospectiva que geralmente são coisas que o artista está cansado de ver,
ver de uma forma diferente que eu nunca tinha visto. Porque as obras elas existem em si, mas elas
quando instaladas no espaço expositivo elas começam a se conectar com outros elementos
arquitetônicos, com o espaço, com as outras obras também. Então isso é muito rico, você poder
conceber uma coisa que você não tem muita garantia, ainda mais se é um processo que você,
montar uma exposição você projeta um espaço que é caro montar, complicado, então se não der
certo você não tem como voltar atrás. Então é um risco, mas a gente apostou nisso, nessa idéia do
Moacir. A gente teve que espalhar, tirar as salas fechadas e deixar só algumas que são os filmes
mais longos e deixar os mais curtos interagindo entre si. No sentido de uma praça mesmo, como
se tivesse aqueles banquinhos, aqueles queijos ali no meio.

CH - Você sabe que o espaço do acolhimento do Educativo está ali perto. As pessoas estão
conversando e o som acaba invadindo todos os espaços. Conversando com os educadores da
exposição, eles perceberam que desse modo as obras acabam tendo outra abordagem sonora.

CG: Exatamente, porque tudo vaza ali. Já é um problema, sempre assim, nunca é muito, um som
invadir um filme, nunca é muito agradável, claro que você faz uma trilha específica para um
filme. Por isso que as salas de cinema são lacradas, e as salas de vídeo da mesma forma que elas
tinham que ser, principalmente como o som é muito fundamental como é o meu trabalho. O
Grivo compõem cada trilha muito específica de cada trabalho. Mas no caso dessas pracinhas,
desses lugares, aonde tinha três telas, existia uma coisa de cada trabalho em uma ordem
específica, seguindo uma montagem no tempo, entra um e sai, e depois entra e sai o outro. Em
alguns momentos fazem alguma conexão de duas telas, então aonde contém dois filmes mudos,
caso do Coletivo e do Sopro eles entram juntos, e o caso do Da Janela do Meu Quarto e do, tem
dois filmes outros que eles entram juntos também, o Da Janela do Meu Quarto que são sons
muito suaves.
Mas o Coletivo entrou junto com o Sopro que são os dois mudos. Em duas telas ao mesmo
tempo, é o único momento, e o Da Janela do Meu Quarto com o, algum outro que é bem
suavizando o som, o Word/World, das formiguinhas. Então são sons que não tem problema muito
interagir, que fica mais bonito assim.

CH - O que eu percebi quando eu vi o Brasília, é que vazava o som dos curtas do México. Mas
também é inevitável.

CG: Vazava para dentro do Brasília. É porque depende do momento em que está passando na

  163  
tela grande. Por exemplo, aquele do México é o mais barulhento dos filmes, então você deu azar
que estava no Brasília aquele momento. É porque às vezes aquilo tem uma hora ou mais com
sons mais suaves. E é inevitável que essas conjunções do acaso aconteçam. Não são assim, as
vezes é gostoso, mas às vezes incomoda, isso depende muito de cada um.

CH - Sobre essa ideia desse espectador que muda de lugar, vocês pensaram em um espectador
mais ativo, diante às telas? O que eu tenho percebido é que os adultos têm certa preguiça, elas
apenas viram o rosto. Mas as crianças adoram o jogo, essa "coreografia" que o Moacir chamou,
de ir e de repente mudar, ter realmente outra perspectiva a partir da mudança de banco e posição.
Mas vocês pensaram nessa relação?

CG: Essa coisa do adulto e da criança acho que é natural. Porque a criança é inquieta e aqueles
bancos, redondos e aquelas telas, aquelas imagens e tal, eles tem uma interação muito mais com o
espaço do que com o filme que está passando ali, naturalmente eu acho. A criança é menos
viciada na sala escura do cinema, com você compenetrar e concentrar, o adulto já está ali para
prestar atenção em alguma coisa e depois outra e tal. Ou seja, talvez ele esteja mais estragado,
mas isso é uma boa observação porque ainda mais o Itaú que vai muita criança ali, às vezes deve
ser meio infernal para um adulto ver um filme ali, com aquele tanto de menino passando,
gritando, e se escondendo atrás das telas.
Então são coisas inevitáveis de um espaço público, mas eu acho que o interessante daquilo é que
você não precisa sair de um lugar e entrar numa outra sala, sala fechada também, aonde ficaria
vinte e tantas salas fechadas, fica um lugar desagradável de estar, no sentido que não tem um
espaço compartilhado como tem aqueles retângulos, que são as telas soltas no espaço, que são
esculturas vivas, imagens soltas no espaço e aqueles redondos que são os bancos. Então você já
tem uma composição de figuras geométricas muito interessante na sala que é convidativo das
pessoas estarem ali, como eu disse, uma praça que é cheia de filmes, que aí você só tem que
mudar o corpo para lá, para a tela, para uma outra, e desse jeito eu acho que ficou mais, você
perde um pouco de você entrar no filme e ficar nesse filme, imerso, com essa capacidade de
imersão digamos. Você tem um outro tipo de imersão, você tem uma imersão não em uma obra
específica, mas em um conjunto de obras e no espaço físico. Se eu colocasse, por exemplo, Sopro
numa sala fechada, você entraria naquela bolha e ficaria ali. Então é um outro tipo de relação que
você tem, você pode entrar na bolha e ficar ali, mas você tem pessoas passando, um outro filme
que vai passar ali, uma conjugação de filmes diferentes. Você não estar ali vendo, você pode ficar
ali no mesmo espaço e pegar vários filmes só movimentando o corpo de um lado para o outro,
mudando de banco e tal.

CH - Nessa ideia de espaço, surgiu a ideia de passarem os longas como se fosse esse “cinema de
exposição”, onde você entra a qualquer momento? Porque estava relendo uma entrevista que
dizia que o Acidente, depois de ter ido para mostras ele englobou o Panorama de 2007. Imagino
que a montagem que fizeram era colocar o Acidente onde a pessoa podia entrar a qualquer
momento então assistir a alguns pedaços. Ou você tinha pensado o longa nesse formato de ciclo
de filmes?

CG: Os longas eu não gosto desse formato, do longa solto no espaço expositivo, junto com outras
obras. Porque o longa já é um outro esquema, ele realmente precisa de uma imersão maior. Seria

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interessante se a pessoa entrasse no início do filme e saísse no final do filme para ver o filme
inteiro, uma narrativa no tempo. Ao contrário dos curtinhas que eu chamo de Micro-dramas da
forma que são coisas que são interativas entre si, aonde a forma é um personagem, então ela não
tem uma narrativa de começo, meio e fim. Os filminhos não tem isso, enquanto os longas já tem
mais, apesar de não ser aquela narrativa clássica.
Existe um desejo do diretor em que o espectador entre no início da obra e saia no final, ou saia
quando tiver vontade de sair, mas pelo menos comece, tem toda uma construção, uma curva
dramática no filme que você faz na montagem, esperando fisgar o espectador desde o primeiro
momento.
Então todo o longa tem uma intenção no tempo de seduzir o espectador, ou seja, seduzir no
sentido melhor da palavra, de jogar de trocar com o espectador desde o primeiro momento, desde
o primeiro plano. Então é bom isolar ele em uma sala escura, tendo o conforto de uma cadeira
confortável, fisicamente é estranho ficar em pé ou sentado em um banco duro, durante 70
minutos, 80 minutos, 1h e meia, não dá. Então por isso que eu faço sempre esses ciclos. No
Panorama, que eu me lembre a gente fez uma salinha específica com arquibancada confortável e
tal, e eu não lembro se tinha horários, eu acho que não tinha, mas no Otto tinha.

CH - No Otto tinha as três sessões

CG: No Otto tinha os horários. Agora no Acidente, você sabe que o Acidente foi adquirido pelo
MAM do Rio, foi o primeiro longa metragem adquirido por um museu enquanto obra de arte. E
esse foi exibido nas novas aquisições no MAM do Rio, como um, eu ainda não vi a montagem,
mas também dessa forma expositiva que você chega, olha o que quiser do filme.

CH – Como um “cinema de exposição”

CG: Cinema de exposição, que, não sei, funciona, mas não funciona igual numa sala fechada com
horário porque você tem toda uma construção dos poemas, das cidades que vai gerando, aquelas
três estrofes que vai gerando o poema todo no final. Então essa construção perde, que é uma das
graças do filme.

CH - O que chama atenção do Acidente é que não existe um enunciado explicando sobre o
processo. Mas as pessoas que assistem, e vão procurar saber mais, elas acabam tendo noção do
processo anterior. Apesar disso, o filme existe por si só. Independente se você sabe ou não, mas o
filme faz mais sentido com a duração, a partir das construções das estrofes.
Falando em instalação, a instalação Histórias do Não Ver que está no Itaú, foi a mesma
montagem do MAM?

CG: Foi parecida. Acho que o texto ali era um pouco menor, no MAM era um pouco menor.
Esse eu coloquei um pouco maior, aquele texto que está lá na parede impresso, mas era isso.
Tinha o livro ali que se você quiser ler, sentar ali, e tinha aquele vídeo instalado.

CH - Por que você acabou decidindo acabar a série de sequestros? O último relato, com o Ramón
Lopes, é o relato que teve a maior falta de controle. Foi traumático, mas por que você decidiu
acabar o projeto?

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CG: Foi um pouco traumático, porque eu acabei de acordar de manhã com um revólver na minha
cara. Foi radical o sequestro dele. Mas a questão não foi pelo trauma, porque já tinha um corpo de
sequestros interessantes e eu achei que fosse, que o resultado do livro culminasse muito bem
nesse último seqüestro, que foi realmente um sequestro de verdade. Então acho que ele
completou como último sequestro sem imagem, quando só tem a narração do texto, e depois tem
imagens, de eu com aquela mulher nua. Mas na primeira parte aonde tem o casal de atores de
bandidos, que entram lá com uma arte e tal, essa é, está vendo essa parte aqui, não tem imagem,
porque eu realmente tava sendo sequestrado. Eles me encapuzaram, eu falo aqui…

CH - Até entrar no taxi

CG: A segunda parte. Aqui já tem imagem. No filme tem a imagem do taxista. Nessa terceira
parte, aqui já é o negócio da menina que ficou lá comigo.

CH - Mas aí você percebeu que era parte do projeto, ou em algum momento você desconhecia e
era real?

CG: Na hora que o casal entrou?

CH - Isso

CG: Eu tava assustado, achando que era de verdade, que meu amigo tivesse envolvido com
alguma coisa, droga, sei lá o que. Mas a partir do momento que eles me encapuzaram, aí essa é
coisa do Ramón, que sabia desse meu projeto, conheço muito bem ele, e eles me encapuzaram,
me tiraram do apartamento, e foram me levando, aí o Ramón chegou me abraçou disse tranquilo,
tranquilo, só ta começando seu seqüestro agora. Porque é isso, ele falou, agora eu sou o “Tirano
de Bergerac”, você vai ter que me obedecer a tudo, porque era essa a regra do jogo. E ele levou
isso a cabo.

CH - Foi o que mais levou, né?

CG: E ele não tinha sido convidado para fazer isso. Foi interessante.

CH - Isso eu ia perguntar, como você escolheu as pessoas do projeto? Eram os amigos mais
próximos?

CG: Eram amigos, gente conhecida, gente que tava passando por Londres, ou tava em Londres na
época. A Ana Baravelli, a Rivane que era minha mulher, a Patrícia Lacerda aqui, José Henrique
Horta, eram amigos da época.

CH - Nessa SP-Arte eu fui assistir à palestra da Rivane e ela falou do período londrino, as
instalações, e ela citou também o Word/World e falou um pouco da época que vocês viviam em
Londres e a época em que você estava como cônjuge.
Foi ali que começou a idéia desse tempo ocioso, de observação dos micro-fenômenos, ou era algo

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que você já tinha e em Londres foi despertado, algo que estava latente?

CG: Eu acho que sempre fui um pouco preguiçoso, essa coisa do ócio, do contemplativo,
digamos assim, isso é uma parte da minha personalidade. Eu sou assim, um pouco contemplativo,
tá chovendo, às vezes eu fico assim, olhando a chuvinha. Fico assim, com aquele olhar morto,
perdido.

CH - Minha amiga tem uma frase que acho ótima, ela diz que mineiro é assim mesmo, andar
arrastado e olhar de paisagem.

CG: Muito boa, olhar de paisagem é muito boa. Mas foi isso, é claro que, você morando em uma
cidade que não é a sua, em um país que não é o seu, a cultura que não é a sua, longe dos amigos,
longe da família, longe de tudo, o que eu senti foi uma fortificação muito grande do eu. É um
crescimento porque você se auto enxerga a distância, você enxerga o Brasil a cultura brasileira e
você começa a perceber de onde você realmente é que é justamente esse contato com o outro, a
alteridade do povo inglês, de uma outra cultura e tal. Você começa a se perceber como você é,
seus preconceitos, suas bobagens, como isso é enraizado, como você acha que o mundo se
resume a Belo Horizonte ou a seu bairro, sua casa, e não é, entre outras coisas. Esse momento foi
realmente uma experiência radical que toda pessoa que mora fora que eu chamo de exílio de
morar fora. Não é exílio porque você pode voltar. Mas, você morar fora, longe, é super
importante, da sua cultura, acho que super importante para qualquer um, para crescimento. Tem
gente que não se adapta, não gosta, agora eu gostei muito dessa experiência.

CH - Foram dois anos

CG: Dois anos. E no momento aonde a cidade era muito cosmopolita e tinha muito coisa para
ver, exposição, muito museu interessante. A Rivane que foi, ela que tinha responsabilidades, eu
tava meio a toa, ocioso, arrumei até um mestrado para fazer, um Master que eu frequentava a
aula de vez em quando, mas não tenho muito esse espírito acadêmico. Eu ficava me
vagabundeando mesmo. E trabalhava, fazia algumas coisas aqui no Brasil ainda, já tava fazendo
Otto, eu sou um outro, esse primeiro curta

CH - É difícil achar esse curta, você escondeu na gaveta?

CG: Não, está em VHS. Eu nem mostro porque ele é um filme, ele é diferente, ele é bastante
diferente dos outros.

CH - É com ele que você aprendeu a como não fazer cinema?

CG: É, de uma certa forma sim. É uma grande produção para um curta, para uma coisa que às
vezes era mais simples. E foi um filme que, assim, tem seus valores. Você já vê lá Cao
Guimarães assim, alguma coisa minha, característica, era dividido com o Lucas a direção, mas
era um primeiro momento e, eu acho que é um filme interessante.
Não é que eu escondi ele, é que ele não é um filme para galeria, na época ele rodou, ganhou
prêmio em festival, mas é um filme para cinema. Ele é mais narrativo, ele tem acho que 35 mm,

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não sei, e ao contrário do The Eye Land e do Between, que vem logo depois, ele é completamente
diferente, que foi um filme que eu fiz sozinho, em Super-8. Então, esse filme teve uma carreira,
um circuito de festivais e depois, meus filmes passaram mais em galeria e museu, eu não ficava
mandando.
Como é que você manda um curta depois, não tem, mas ele foi, nem sei se ele foi vendido para a
TV, se alguém adquiriu esse curta, mas tanto eu como o Lucas deixamos ele de lado.
Mas esse período lá de Londres foi isso. Essa coisa, essa forma de olhar, esse exercício do olhar
foi muito acentuado, muito pelo espírito de um aprendizado mesmo sobre si mesmo e sobre a
vida de uma forma em geral. Estar só é muito importante, muito bom. Mas tem gente que não
gosta, por isso que eu fiz três filmes sobre a solidão. Mas estar só naquele momento, por
exemplo, eu escrevia muito, era um momento produtivo, eu lia muito, eu estudava muito, lia
livros em inglês. Eu tinha uma concentração fabulosa, comecei a escrever uma novela que eu
nunca terminei mas tem uma coisa aí meio inacabada, uma novelinha. Então a literatura é uma
coisa que eu sempre gostei, exercitei muito na época. Ainda tava começando o email, então eu
mandava muita carta, recebia muita carta, tinha uma troca de correspondência.

CH - Que aparece em The Eye Land

CG: Aparece, que é quando eu tinha uma secretaria eletrônica. Então o The Eye Land é um pouco
sobre isso. Sobre essa coisa das pessoas que visitavam. Então você recebia as pessoas, os amigos,
ao invés daquele coisa todo o dia, tal e tal, e vários ao mesmo tempo, era um de cada vez, durante
uma semana morando na sua casa, você tinha uma outra relação com tudo, com seus amigos, com
seu país, e isso é muito rico para qualquer pessoa.

CH - Mas teve uma mudança, não? Porque aqui em BH você estava trabalhando com
fotomontagem. Até eu encontrei que uma das primeiras experiências em 1985 com "Um lance
Dadá em Minas", que foi no Palácio das Artes

CG: Nossa, voce achou isso? Com o Marco Paulo Rolla

CH - E voce apresentou uma performance?

CG: Isso foi, gente você precisa me mostrar essas coisas que eu realmente não lembro. Teve um
negócio que a gente enterrou, mas não era uma coisa minha que eu participei, um caixão com um,
como é que era, a gente entrou no Palácio das Artes com um caixão, e tinha um defunto lá, quem
é que era, tinha um manifesto com o Tristan Tzara, dadaísta e tinha um defunto. Não sei mais
quem que era o defunto. Era uma época meio dark

CH - É curioso porque eu vi suas primeiras fotomontagens. Até o folder do Après le Déluge, que
é o momento em que você está investigando as sobreposições, e está no ambiente década de
1980. Mas você também aponta certa influência nas fotografias do seu avô, Cisalpino. Ele
também aparece no Otto, não?

CG: Cisalpino, aparece. Ele tinha os filminhos dele. Filminho familiares da minha mãe, das
minhas tias. E meu avô tinha um arquivo macabro de fotos, de crianças deformadas

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CH - Xipófagos, barriga d'água

CG: Exatamente. Ele era médico então ele fazia fotos científicas mesmo, e não deixava a gente
ver. Mas eu via, pelo proibido que a gente tem mais fascínio, desejo. E essa época era meio
hippie, meio dark que tem coisas que eu fiz, se você fuçar você acha. Trabalhei de ator em Super-
8, aí dirigi um Super-8 em curso de cinema que teve, fiz um filme, como é que era, tem uns
vídeos bem malditos, esses sim eu nem sei aonde que ta. Maratona de um homem só, que eu fiz
com o Roberto Soares e o Fabinho.

CH - Quando tinha aquele programa ZOOM, na TV Cultura, você apareceu. O vídeo que eles
mostraram foi o The Eye Land

CG: VHS, se você fuçar em VHS vai achar milhões de coisas. Tinha, era uma época, um período
meio performático, meio aparecido. Menino, coisa de menino, mas tinha muita bobagem. Tinha
muita coisa de poesia marginal, eu andava muito com uns poetas marginais, então já publiquei,
tinha umas coisas, jornalzinho de poesia, de literatura, um período delicioso em Belo Horizonte.
Tinha muita coisa da moçada fazendo. Não existia mercado de arte, isso é uma coisa que não
existia na época. Eu entrei para galeria com 40 anos de idade, quase, 38. Em 2002 que eu entrei

CH - Com a Nara Roesler

CG: Participei da Bienal, ou seja, minha primeira exposição individual foi aqui no Itaú Cultural
daqui de Belo Horizonte, em 1992. Eu tinha feito coletivas antes, mas foi a primeira individual, e
vendia por mim mesmo, as pessoas me pagavam

CH - E teve também os salões, da Funarte

CG: A gente mandava para salão, entrei em alguns

CH - Então antes de Londres, já havia esse interesse nas artes visuais bem marcante?

CG: Tinha, e Eu tinha um trabalho para ganhar a vida, tinha uma laboratório de fotografia p&b e
um estudiozinho com o Daniel Mansur e com o Fabinho [Fabio Cançado], na época tinha 2
sócios. A gente fotografava de tudo, casamento, barco, foto de sapato, foto de arame farpado, foto
de cavalo, e até vídeo, com o início do vídeo, filmar o evento, essas coisas. A gente fazia tudo
isso, e foi toda uma escola, essa coisa de fotografar casamento, como é que eu fotografo um
prédio, e eu nunca tive tino comercial, o Daniel era muito mais focado nesse sentido, mas eu
fazia umas coisas bem doidas que as vezes colava, e os clientes, mais moda, as vezes gostavam,
já os engenheiros e arquitetos, os engenheiros não gostavam tanto. Então a gente tentava inventar,
mas o processo daquilo de revelar, tinha um laboratório imenso com dois ampliadores p&b. [Eu]
ficava ali naquele laboratório escuro, revelando foto, brincando, fazendo minhas primeiras coisas,
experiências, realmente um processo bem artesanal de fotografia analógica, química. E
eventualmente eu participava de uma exposição ou outra, em Belo Horizonte, que era bem
provinciano naquela época, e vendo filme um atrás do outro. Assim, os cineclubes, fazer cinema

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era simplesmente um sonho nessa época, porque não tinha ainda o vídeo do jeito que existe hoje,
essa facilidade que a gente tem.

CH - Em uma das entrevistas você diz que havia uma câmera 35 mm com os padres lá na PUC.
Mas você chegou a fazer um curso de manutenção na Embrafilme.

CG: Nossa, você viu até isso, eu fiz mesmo. Nem lembrava mais disso. Que loucura, você sabe
mais da minha vida do que eu.

CH - É interessante tudo o que aparece na primeira fase, o que influencia. A gente vai fazendo
conexões, é uma vida que a gente não conhece, mas ao mesmo tempo é pelas ações, que algumas
coisas vão fazendo sentido.

CG: E tem muito coisa. O importante nisso é a vida da gente é vivida, experimentada por alguém,
no meu caso eu, no seu caso, você, mas na hora de falar dela, na hora que te perguntam, você já
ficcionaliza. Então nunca é inteiramente verdade o que você fala. E eu, de tanto fazer palestra, ser
demandado de onde, aonde é que eu comecei, o que eu fiz, e a minha memória é muito ruim, eu
tenho, eu vou e às vezes, involuntariamente, você cria umas coisas, você ficcionaliza o passado,
que é um pouco isso assim.
Eu não sei exatamente, aí, por exemplo, agora eu to lembrando desse curso, não to lembrando
exatamente aonde foi. Uma câmera de 35 mm era um objeto de fetiche, igual no início do cinema
o projetor de 35 mm, as pessoas ficavam, acho que isso você já deve ter lido de tanto eu ter
falado também. Fico olhando para o projetor de 35 mm, e ta lá, câmera era um objeto de fetiche.
As imagens, o cinema, eu descobri o mundo pelo cinema. Antes de Londres, antes de sair do país,
o cinema, os novos cinemas que me, e os antigos também, que me mostravam o mundo e outras
formas de viver, então você gera um fascínio por aquele tipo de coisa. E esse curso foi isso, a
vontade de fazer e eu já mexia com fotografia, queria entender um pouco tecnicamente. E eu
fazia algumas experiências com 16 mm, o meu avô tinha uma Bolex a corda, então a gente filmou
uns clipes, umas coisas doidas, eu e o Fabinho, fizemos várias coisas em 16 mm, revelamos os
filmes de 16mm e Super-8. Mas essas experiências que não tinham, os filmes estão meio
perdidos, eu devo ter alguma coisa, mas eu não considero, é digamos, o preparativo da sopa. Do
sopão, do tempero, a cebola, você corta o alho

- Sobre esse resgate: Primeiro eu vi o Otto, e depois o Otto, eu sou um outro. Criou um entre-
tempos que se cruzou inversamente. Eu gostaria de perguntar, Otto é um nome que você gosta já
faz um certo tempo?

CG: Já tem bastante tempo. Na verdade o Otto eu sou um outro, é coisa do Rimbaud, je est un
autre, que é uma frase que eu adoro, eu é um outro, é diferente do filme. Mas o filme, o Otto era
sobre o duplo, sobre essa coisa de dois gemeozinhos, de duas crianças que eram gêmeas, é um
pouco a lembrança de alguém sobre a sua infância. Olha aí, eu to fazendo psicanálise com você,
porque eu to tentando lembrar porque que é Otto, será que a minha infância teve um amiguinho
imaginário, que eu chamava de Otto, e minha mãe nunca me disse? Pode ser, não sei, não lembro.
Mas o que mais fascina no nome era a grafia dele e é um palíndromo, eu sempre fui fascinado por
palíndromo, por coisas circulares.

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A idéia do círculo para mim é uma coisa fundamental, a vida como um círculo. Eu lembro que eu
fui com o Fabio Cançado, isso aí você já deve ter pesquisado também, no México pesquisar o dia
de Finados, eu fui com o Fabinho, ganhei um negócio, o prêmio Marc Ferrez para fazer sobre Ex-
Votos, e mais ou menos nessa época eu viajei para o México porque eu tinha essa fixação sobre
essa festa dos mortos lá no México. Eu lembro que eu lia Octavio Paz, O Labirinto da Solidão,
esse livro foi muito importante assim, e tinha um pouco essa conexão do mórbido, essa coisa
dark da época, fixação em cemitério, o fascínio da morte, e você ser jovem. E eu tinha um pouco
de que cultura é essa aonde a morte é colorida, os cemitérios são coloridos, a morte não significa
um fim, uma coisa circular, as pessoas fazem biscoitinho para receber os mortos, e tal, ou seja,
isso me fascinou muito.
Então o Otto, esse nome é um nome circular, é um nome que é um rosto, se você ver aqui tem a
sobrancelha, os dois Ts e o O e o O. Você põe uma boquinha, você escreve Otto assim. Quando o
Otto nasceu eu escrevi, tem um quadro negro lá em casa. É a cara de alguém

CH - Você sabe que quando eu vi a grafia do Otto, eu vi isso aqui como uma porta, um tori. E foi
a primeira vez que essa grafia me remeteu a nascimento

CG: Um portal, exatamente. Nascimento, vida. E tem pi, é um nome muito simbólico, é um nome
bem rico nesse sentido. E aí, anos depois, a gente pensou que Otto seria Olívia, seria uma
menina. Ficamos quatro meses chamando ele de Olívia e em um dia, aí era menino. Aí saímos
assim, pô é menino, aí fomos no Gibi, Gibi é meu amigo que mora aqui pertinho, e depois com o
exame, com a primeira imagem dele e foi ele que sugeriu, porque você não coloca Otto, Otto é
mesmo. Aí ficou chamando Otto, tinha várias listinhas de nomes, mas aí não conseguimos mais
tirar o Otto, e ficou o Otto. É um nome forte, eu acho super forte, simbólico. Não, mas viajamos
agora, gostei. Me lembrou desse curso que eu fiz, que loucura

CH - E o Ex-Votos, ele está em uma coletânea de fotografias

CG: Novas Travessias, você já fuçou aqui?

CH - Vi, em 1993. Tem um hiato, né? Você fez em parceria com a Rivane o Ex-Votos?

CG: Foi, eu nem lembro. A gente viajou, foi eu, a Ri e o Fabinho. Fabio Cançado, eu era sócio do
Fabinho essa época, na época tinha o Opera Filmes, e a gente viajou, fizemos uma viagem pela,
fomos ali por Alagoas, Sergipe, Bahia, pesquisando ex-votos, igrejinhas, interior de Minas e tal.
E tem várias coisas que a gente filmou, fotografou muito esse tipo de coisa.
Na época a gente queimava foto, fazia umas experiências de, tem até uma trabalhando, eu nunca
mostrei isso mas ta num portfólio desse que a gente pegava, botava no fogão, a emulsão saía, do
papel, aí você pegava só a película do papel, da imagem, como uma pele, e pregava em outro
lugar. É tipo uma pele fotográfica, um papel e isso era essas experiências com os ex-votos, eu fiz
essas fotos. Na época participou de algumas coisas, eu não lembro exatamente do que, da
exposição, tinha uns decalques também. Os decalques eram interessantes

CH - Esse eu não cheguei a ver. Mas pela trajetória em que você tem essas primeiras
investigações das fotomontagens, esses excessos na fotografia. E logo depois em 1996 tem o

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Histórias do Não Ver que é uma saturação do olhar e me parece que logo depois seu olhar vai
para uma síntese. Em 1998 com Solaris, ou mesmo Cama para Sonhar. E acaba indo para a
experiência de Londres, que teve um caráter muito crucial, ao longo de sua trajetória.

CG: O Histórias do Não Ver é um momento muito importante, é aonde você tem um corte. Pô,
chega de imagem. Eu trabalha em 1996, imagina, eu trabalho com fotografia desde os 3 anos de
idade eu fico olhando meu avô mexer com foto e tal. Em 1996, eu tinha quantos anos, 31, 31
anos, aí eu queria, aí é aquela coisa você tenta aquela coisa de tentar experimentar sem imagens,
experimentar. E havia um fascínio pelos cegos, por essa coisa, na época acho que eu vi algum
jogo de futebol de cegos, acho que foi isso, na bolinha tinha um e nos jogadores tinha um sininho.
Tinha uma bolinha que fazia uns sininhos e eles iam correndo atrás do som, era impressionante
aquilo.
Então eram essas experiências, e tinha também, na época eu descobri Sophie Calle também, que
era uma influência grande. Ela fez um trabalho perguntando para os cegos o que que era beleza
para os cegos, nossa, é tão bonito esse trabalho. Que ela põe a foto do cego, agora não sei se era
foto ou se ela descreve o que era beleza para cada um deles. E eu não sei se ela fotografa a
beleza, ou o cego, não lembro.

- E depois você sai da fotografia única e começa a trabalhar com as séries, com uma ideia, com
uma proposição anterior. Mas a imagem sempre foi um lugar de afeto, né, Cao? Até no catálogo
do Cinema de Cozinha, você dedica a mostra que teve no Sesc a Zezé.

CG: Que era a empregada.

CH - E seus antebraços. A esse lugar, a experiência de misturar a farinha, e tudo. Então, o


cinema, a imagem, o laboratório é sempre um lugar da lembrança e da memória, até quando,
lendo o Histórias do Não Ver, quando você fala do mergulho na piscina e o resgate da memória.
Então há sempre essa questão das memórias dos trabalhos, eles estão impregnados de alguma
forma

CG: Bonito isso que você falou. Porque realmente a imagem ela está relacionada ao afeto, o que é
óbvio, porque os meus primeiros momentos na vida foram dentro de um laboratório de fotografia
do meu avô, ou projetando filminho, provavelmente eu devo ter ficado fascinado com aquilo. E
era um momento realmente de afeto, de família, de núcleo familiar, então essa imagem do afeto
ela é muito próxima, da cozinha, do feito em casa, do amateur, do cinema amador, tudo isso se
relaciona dessa forma

CH - Queria falar um pouquinho agora sobre o acaso, que é algo que sempre aparece na sua fala,
está sempre presente. E foi curioso que o Nelson, ao perguntar a ele sobre o acaso ele disse que
tem uma amiga que não fala acaso, é o indeterminado, e que ele preferia acreditar no
indeterminado, porque achava que acaso ficava, de repente, muito solto. Mas quando você diz
acaso, também está relacionado com a abertura ao mundo, de estar relacionado a uma
receptividade das coisas que, provavelmente é de seu temperamento, mas que ficou mais latente,
mais forte, com as Gambiarras, certo? A ideia do precário, do não-oficioso, e em alguns lugares
estar simplesmente como uma esponja. Queria saber um pouquinho, é uma estratégia, é um

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método, de encontrar-se com o acaso?

CG: Uma deficiência eu acho. Você estava falando aqui essa palavra, por acaso eu estava
pensando em um possível trabalho. Através de um título que nunca aconteceu, raramente, a casa
acaso. A gente tava falando de casa antes, do afeto, aí você falou do acaso. Será que a casa. é um
trabalhinho bonitinho, a casa acaso. Trabalhar com essas imagens.
Eu tenho umas coisas assim, por exemplo, de alguma influência também, dadaísta, surrealista. Eu
li bastante, eu vi muita obra desse período, mesmo os filmes feitos pelos surrealistas, dadaístas ou
os textos, e depois, um pouco mais para a frente, o Burroughs, William Burroughs, que fazia
aquele método cut-up. Recortar coisas e montar meio ao acaso, e o George Perec também, são
métodos, digamos assim, de criação, formas, que eu chamo de proposições criativas, que são bem
interessantes. Eu acho que alastra assim, abre perspectivas do simples olhar do mundo e captar
como uma esponja, fotografar o mundo e tal. Você vai criando outros métodos, da mesma forma
que Histórias do Não Ver é uma tentativa de não ver o mundo, sentir de outra forma, você
começa a criar conceitos ou detonadores de acaso.

CH - O estalido

CG: Para soltar uma boiada assim, entendeu? Rua de mão dupla é assim. É o controle do
descontrole, mas isso é um tipo de coisa, é claro que o acaso está presente em todos os meus
filmes porque geralmente eu prefiro o descontrole. Acho que é uma questão de fé, nem é do
indeterminado. É o indeterminado, Deus é o indeterminado na verdade, né. Mas é o descontrole,
eu acho que o acaso é uma questão de fé, de confiança no seu taco.

CH - O acaso é o Deus da razão?

CG: É o Deus da razão, exatamente. Essa frase do Camus é maravilhosa, porque a experiência de
um filme, eu sempre considero uma obra quando eu to me impregnando dessa obra, ela não é
uma coisa que me chega assim, pela razão pura e simplesmente, que eu vou e delimito,
esquematizo, sistematizo e depois vou fazer dessa forma. O meu método é abrir, para que o
exercício da contemplação do olhar ou de escutar ou de me relacionar com a coisa, que é esse
filme, fique livre para que haja esse contato, esse diálogo, essa interseção e para que surja outra
coisa dali para além de mim, de minhas certezas e minhas verdades, dos meus conceitos e
preconceitos. Porque isso eu acho que, a arte fica mais viva, a obra fica mais viva, do que eu
chegar com as minhas "verdades" e, não é uma tese, um mestrado que eu vou defender e, não é
um tratado antropológico sobre um eremita e sobre o andarilho. Mas eu quero esse encontro. Esse
encontro é obviamente que o acaso tá. Todo o encontro é, eu e você nesse momento, tem milhões
de coisas acontecendo aqui na minha cabeça, no meu e na sua também que vão formando um
texto, e se você tiver uma câmera aqui vão formando uma obra, um filme. Então, a graça eu acho
que é ir, criar justamente essas situações de encontros com o indeterminado, com o desconhecido,
e o que o Nelsinho tava falando, com até o, a palavra, sugerido, talvez seja mais sutil do que o
indeterminado. Porque você tem alguma determinação

CH - Você tem o estalido, até o método de caminhar

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CG: O método de caminhar, exatamente.

CH - Então é algo que já está a procura de. Quando você está procurando

CG: É. Por isso que eu não gosto de escrever roteiro. Porque o roteiro ele não é a obra. É ao
contrário de escrever um livro, literatura, escrever uma novela, um conto, um poema que você ta
sentado, você não ta andando já começa por aí. Fica quieto ali numa máquina, antigamente era
máquina de escrever e tal, agora o computador, eu lembro que o processo de literatura tinha, eu
tinha, café, whisky, cigarro, uma coisa que me detona demais assim, e é um processo de ligação
mental que é delicioso, mas a obra está sendo feita ali. O roteiro não, o roteiro você está
especulando o tempo inteiro. Você ta ali querendo vislumbrar um bicho que ainda nem começou
a nascer direito, que é completamente diferente. Claro que eu fiz agora com O Homem das
Multidões um pouco isso, que foi fascinante também, mas tinha uma parceria. Uma troca ali,
porque sozinho eu acho muito difícil de escrever roteiro. E a literatura é a mesma coisa, a
literatura ta ali com a palavra, você ta criando a forma da coisa, o bicho ta nascendo ali, você tem
todo o dia. E o roteiro é uma forma de controle, de certa forma, de algo que nem nasceu ainda.
Claro que você pode fazer um roteiro pra descontrolar depois, mas da muito trabalho e eu sinto
vontade de fazer com alguém, vontade sempre de trocar, porque é um processo que não tem, a
forma do roteiro ela é muito cruel, é muito sem graça, muito técnica

CH - Você sabe que, falando sobre documentário, eu pego muito da literatura escrita sobre você
relacionada ao Comolli. Separei aqui até uma parte que ele fala da roteirização das relações
subjetivas. Justamente isso, como está tudo roteirizável, todas as relações, a possibilidade de você
não ter controle dá uma abertura…

CG: Uma liberdade

CH - Uma liberdade que permite que você tenha consciência de que, as verdadeiras questões da
vida você não vai ter controle

CG: Porque senão é mais fácil fazer telha pra telhado, que já ta ali, que é a mesma coisa. Você
vai com alguma coisa roteirizada, absolutamente no sentido controlado, é a mesma coisa que
você entrar numa fábrica para fazer alguma coisa que vai dar mais dinheiro que fazer um filme,
naturalmente. O negócio é aprender fazendo, essa frase que eu falo, que você já deve ter ouvido,
do Merleau-Ponty, que é “não é escultor que esculpe a escultura, é a escultura que esculpe o
escultor”. Então é a mesma coisa o cinema, eu quero fazer coisas que eu vá sendo esculpido por
elas.

CH - Aliás eu peguei uma entrevista com o Felipe Scovino em que você fala que a sua concepção
em relação ao espectador é uma visão completamente fenomenológica. Você cursou filosofia na
UFMG, teve influência o curso de filosofia e a fenomenologia em relação ao seu modo de ver ou
mesmo a criação de conceitos, como a Metáfora do Lago?

CG: Acho que sim. O fazer filosofia, o fato de, ou de ter lido, muita literatura ou ter, de adorar
Dostoievsky ou Guimarães Rosa, ou sei lá, as influências de um modo geral, tudo que você faz na

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vida influencia meu trabalho, e filosofia apesar de ser uma coisa muito complexa, acadêmica e
muito difícil para mim porque eu sou, eu tenho esse lado preguiçoso, eu não to a fim de ficar
lendo sete livros de filosofia por semana, entendeu. Acho que é muito cruel também o que eles
exigem de um acadêmico, de um aluno e tal, e tem muita coisa que não me interessava,
naturalmente, então eu levava pau em várias matérias, o cara pedia para fazer um tratado sobre
Kant, um trabalho lá, eu pegava Dostoiévski e fazia Dostoiévski com os mesmos conceitos e tal.
Tinha muita coisa que não me interessava ler e eu achava chato, ler Kant eu nunca consegui ler
direito. Já ler Walter Benjamin, Nietzsche, pessoas que têm a forma literária do escrever, mesmo
o texto filosófico, isso me fascinava muito mais. Não era aquela coisa árida de um texto de
lógica, lógica então eu nem passei do primeiro período. Então é óbvio que eu não me formei em
filosofia, mas foi muito importante entrar em contato com esses filósofos, com esses conceitos
todos, com esse exercício do pensar, ou de criar conceitos. E isso eu acho que é uma ferramenta
muito importante para o artista. A filosofia ela é uma irmãzona assim da arte que ela provê a arte
de milhões de possibilidades, que é fascinante esse mundo abstrato dos conceitos, digamos assim

CH - Até quando você fala as várias realidades que estão ao redor, eu sempre fico pensando nesse
mundo de possibilidades espaços-temporais. Ao mesmo tempo está muito relacionado com uma
discussão filosófica ou mesmo quando falamos na realidade, como uma forma de registro do
mundo

CG: É, porque as realidades elas são, isso é uma questão de fé também. Ou existe uma realidade
comum a todos nós, ou existe várias realidades, dependendo se sou eu que estou vivendo a minha
realidade, se é você vivendo essa mesma realidade de uma forma diferente para você. E mesmo
pra mim mesmo, se eu ver essa realidade dessa mesa desse lado ou daqui de baixo, são realidades
diferentes, mas é a mesma mesa. Então são problemas filosóficos mesmo, do objeto real. Por isso
que eu prefiro chamar de várias realidades, porque eu acredito que, nessa intersecção de pontos
de vistas, de subjetivação das manifestações fenomenológicas, de quem vê, como vê, de que
ângulo.

- E quando apareceu a Metáfora do Lago? Foi com uma filme, algum um longa, alguma
produção?
CG: Eu não lembro. Eu repito tanto que eu to tentando não falar mais merda. E ela é tão boa, ela
foi um insight tão bom pra mim que me chamaram para fazer palestra

CH - Sim, dá para abordar a história do documentário a partir da Metáfora do Lago

CG: Pois é, exatamente. Ela é ótima, agora deixa eu ver, eu tenho que lembrar como é que eu
cheguei nessa metáfora, provavelmente alguma coisa na época do Rua de Mão Dupla, essa coisa
de jogar uma pedra, essa imagem é muito legal do conceito como uma pedra que embaralha,
agora eu não lembro porquê.

CH - O Rua de Mão Dupla é um trabalho que é bastante discutido na academia.

CG: Acho que é o trabalho mais discutido até agora

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CH - E o Alma do Osso. Tem até uma fala do Michael Renov dizendo sobre o seu respeito em
filmar o assunto. Tem essa questão de ter um personagem sendo retratado, mas ao final você
mostrar aquela imagem para ele, colocado como espectador. Tem muito dessa relação de
observar, mas ao mesmo interferir. A ideia de mostrar para o Dominguinhos sua imagem surgiu
durante as filmagens?

CG: Foi durante as filmagens. A gente, tomando um café a noite, e na hora, eu vi, esse cara eu
vou mostrar pra ele. Foi naquele momento, eu não tinha pensado nisso, vamos filmar. Eu nem
lembro, mas se eu, a gente tinha duas câmeras, e essas camerazinhas viram o visor, então, eu não
sei se eu mostrei, já pensando em filmar essa cena ou se eu tava mostrando e aí, nossa, a cara dele
ta impressionante, filma ele aí. Não sei, eu não lembro mais que veio primeiro o ovo ou a galinha,
mas é o processo. E também na montagem. Terminar o filme com aquilo, não tinha nada
programado. Foi tudo um processo de construção absolutamente desorganizada. A montagem ela
é fascinante justamente por causa disso

CH - A montagem é onde as suas idéias vão tomar corpo?

CG: É, porque durante a feitura de um filme de longa-metragem, você vai sentindo a força do
material. Por não ter roteiro, você não tem filmamos tantos porcentos do roteiro, não é assim.
Mas a gente, como é um fluxo assim de saída da cidade e de ir viajar, ficar todo dia imerso
naquele filme, e eu filmo e o Beto também filma, geralmente ele filma o que eu to filmando e tal,
então eu tenho passando pelo meu olho, pelo meu cérebro, registrando o que eu tenho de imagem.
Às vezes é a imagem de uma gotinha, mas eu sei que ela pode me servir lá e eu já vou criando
essa metáfora possível de usar essa imagem por causa de, sei lá, de ele pegar uma água ali ou vou
filmar uma coisa que me complementa essa imagem que eu tenho que ela é muito bonita.
Então é um processo de sentir, a filmagem é um processo de sentir quando tem algo ali que dá
alguma coisa. Até hoje, todos os meus filmes deram em alguma coisa, eu acho que já deu. Por
exemplo, o Andarilho depois daquela conversa que foi quase no final depois de eu ter colocado
os dois juntos, se encontrar, e aquele raio que, é coisa de Deus, dá aquele raio, então depois
daquilo que foi tão forte, e com o que a gente já tinha filmado, podemos juntar as coisas e ir
embora que depois eu me resolvo com a edição. Agora, como organizar esse material é que é o
fascinante depois, porque é aí que você vai escrever realmente o filme

CH - Vai esculpindo

CG: Vai esculpindo o tempo daquilo, vai colocando como começar o filme, com qual imagem e
como terminar. E tem um processo de esgotamento também, na edição. A edição as vezes você
desiste, você não termina. Agora com o Marcelo, com O Homem das Multidões eu to percebendo
que ele é muito mais insistente que eu, eu desisto muito mais rápido. Meus filmes tem uma coisa
de, o bicho que ta passando e ele querendo sair, ali, logo, pronto, mas vivo. Não quero aquela
coisa perfeita, mexer até cavoucar, cavoucar, até ficar perfeito, eu acho que não existe isso
direito.

CH - Você tem um esgotamento

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CG: Você tem um esgotamento, hoje nós vamos ver esse filme, fiz questão de ver 10, 15 dias sem
ver, para ver de novo porque a gente tava dois meses editando, não aguento mais olhar para esse
negócio de filme. E aí fica difícil trabalhar, porque tem uma relação de afeto com o objeto
também, que é o filme, ou com essa entidade fílmica que ta ali, ganhando existência ali na sua
frente, e você é um pouco responsável por isso.

CH - Ao reassistir os seus filmes, eu estava pensando sobre o seu processo e também na


recorrência de alguns temas, como a vegetação ao vento em Elvira e também na série fotográfica,
Dia de Festa. Me lembrou do Limite e a cena dos campos com a vegetação.

E em Elvira tem a cena do copo, que você disse que era para curar o soluço do seu filho. É uma
das cenas belíssimas do filme. Porque eu não sabia do contexto. Na cena só aparece ela
sussurrando e depois o copo na mesa.

CG: Porque ela é uma bruxa, né. E eu ponho depois o mar ali

CH - E a personagem da Elvira tem uma força. Ao mesmo tempo, ela está só, como nas cenas em
que caminha pelas ruas de Montevideo e naquele bar tipicamente espanhol. Não sei se posso
dizer solidão, mas o seu “estar só” está preocupado com a vida alheia e a acompanha; está muito
ligada a vida e ao trabalho dela.
Pensando na arte e na vida, não tem como desvincular isso também na sua trajetória, né, Cao?

CG: Não, eu acho que cada vez mais eu quero isso, o vínculo. Porque a vida fica muito mais
fascinante. E na verdade, a vida que interessa, não a arte. Então a arte ajuda bastante a vida ficar
fascinante, você ir para caminhos que você não esperava e que você vai, não é um caminho fácil,
mas preferível, porque é mais emocionante, é mais misterioso, mais arriscado
A Elvira ela não deixou eu entrar muito na vida íntima dela, porque a casa dela, na verdade, ela
mora num lugar desse tamanho aqui com sete pessoas da família dela, pequenininha assim, então
é uma bagunça a casa dela. Ela quis aparecer como, então eu não tinha além dos contatos de
trabalhos dela ali, eu não pude entrar um pouco na vida privada dela, que seria fascinante, mas aí
eu respeitei e tudo mais. E a vida dela é isso, impressionante, é o telefone tocante o tempo inteiro,
os clientes e tal, e ela jogando a carta ali pelo telefone mesmo, que que você ta assistindo, é o
tempo inteiro, e acerta, é impressionante. Acerta tudo, tem clientes fiéis e viaja as vezes para
atender o cliente, fazer um descarrego, energização.

CH – (…) Quando você fala da ideia do espectador entrar em contato, imagino com os longas-
metragens, numa espécie de transcendência. Eu queria entender um pouco em que sentido, o que
você entende como transcendência?

CG: Eu penso um pouco em sair de si, esse movimento do sair de si. Você, é claro que não
consegue o tempo inteiro, você leva você junto, mas é um pouco o chamativo para compartilhar
isso com o espectador. É chamá-lo para uma viagem que transcenda ele mesmo, que ele vá para
lugares inesperados, que ele não conhece, de si mesmo, pode ser por um tempo dilatado que ele
não ta acostumado, pode ser por prestar atenção em alguma coisa ou ver de uma forma diferente
das coisas, mas é que transcenda o que ele ta acostumado normalmente a ver. Não é uma

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transcendência religiosa

É mais nesse sentido, de um deslocamento, digamos, do eu, de sair de si. Transcender para mim é
um pouco esse ir para um outro lugar, na direção do desconhecido. O desconhecido você pode
chamar de Deus ou pode chamar de qualquer outra coisa, mas também pode chamar de um lugar
diferente ao qual você está acostumado. Então você transcende desse lugar, da expectativa desse
lugar, viajar a esse recorrente e ao inesperado. Eu acho que essa é a verdadeira transcendência da
arte, ela não ta em busca de um Deus, mas ela ta em busca de um, de uma, de levar a lugares
estranhos em que você vai ter que crescer ali, você vai ter que se situar, esse deslocamento para
um outro lugar que é interessante. Não é aquele lugar que você vai comer ali naquele restaurante
e já sabe que comida você tem, você vai para um lugar que você não sabe o que te espera.

CH - E ele pode ser obtido também nos trabalhos relacionados ao aspecto formal, não? Sempre
me vem a imagem de Andarilho, aquele calor insuportável na rua e aquelas distorções que se
formam. Na sua visão também existe esse trabalho para que o espectador tenha esse contato
transcendental também pela forma?

CG: A forma como um todo. Eu acho que uma imagem específica pode, mas aí você ta falando
mais do desconhecido, que você não entende direito aquela forma, que ta ali. Porque a forma,
imagem ela tem um símbolo, ela é simbólica, ela simboliza alguma coisa, ela tem, ela emana
potência de metáforas, por exemplo. E aquela imagem, por exemplo, ela sintetiza um sentimento
de um personagem, que é o caminhar e o pensar, que é o sentimento de um filme. Ela sintetiza
justamente quando eu ando, aquela imagem é bem, os pensamentos ficam embaçados,
desfocados, soltos.

CH - A representação de algo corriqueiro, mas como transformar esse corriqueiro de uma forma
que possa permitir uma outra visão. Ou que possa abrir possibilidades para uma outra forma de
pensar. Penso nesses momentos em que a edição é trabalhada, e mesmo a montagem, em que
você tem não só o discurso do filme, mas também algumas questões plásticas que aparecem e que
permitem que o espectador tenha essa outra visão.

CG: É, e justamente cada espectador cria uma síntese diferente daquela imagem que eu pensei.
Para mim ela foi aquilo, o desejo de fazer aquela imagem era uma tradução o que era para mim,
talvez o pensamento de um andarilho que tivesse andando o tempo inteiro naquele asfalto quente,
aquilo é uma tentativa de tradução em imagens o que aqueles caras estavam pensando. A forma
do pensamento, a forma do pensamento, a forma meio aluviada, meio desfocada, meio
evanescente, meio exalatória do asfalto quente. E o caminhão pra mim... eu imaginava justamente
os caminhões, porque a quantidade de caminhão que passava o tempo inteiro andando na beira da
estrada... é muito louco. Você fica pouco tempo ali e já começa, e eles ali tem um vácuo, o
caminhão traz um corpo que traz um vácuo que te joga pro lado. É uma presença muito louca,
esses monstros passando o tempo inteiro. Então eu fico imaginando quem está ali há horas,
andando, comece a perceber ali como outras coisas que caminhões. Monstros, figuras que ele está
se relacionando naquela caminhada que, por que não virarem outra coisa que não caminhão.
Assim, e essa imagem do asfalto quente que deforma o objeto para mim era muito simbólico
disso, o que seriam esses objetos para aquele homem que caminha. Como traduzir aquilo em

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imagem.
Na mesma forma A Alma do Osso, aquele momento em que ele vai pegar a água, ele olha para a
gotinha e eu vou até o mar. Ou seja, é uma projeção minha sobre o que ele está sonhando, o que
ele está pensando. Então é uma imaginação do que ele estaria pensando naquele momento na
água, depois eu volto pra ele. São liberdades poéticas, digamos, que a gente tem.

CH - E principalmente nas cenas das águas, há um processo de retroalimentação dos curtas com
os longas. A produção dos curtas está muito presente nos longas, né? Você traz ali alguns
elementos, a parte da água eu lembrava muito do Between.

CG: A água vem, o fogo, tudo que gera movimento pra mim, o vento, a gente tava falando do
vento antes.

CH - O vento, na vegetação. E mesmo no O Fim do sem Fim, quando tem o garimpeiro, eu vejo
muito da sua mão ali, apesar de serem vocês três estarem produzindo. Quando você tem essas
pausas, não sei se posso dizer “abstrações”, mas elas são recorrentes.

CG: É isso que a gente chama de estilo, uma marca, obsessão, o que você tava falando do vento
na folhagem. Todo diretor tem obsessões, Fellini gosta de gente esquisita, eu gosto de ventinho
na planta ou de gotinhas no vidro, luz, forma, isso vai muito do estilo mesmo, obsessão do diretor

CH - Os micros-dramas da forma também estão muito presentes nos longas, né?


CG: Completamente.

CH - As vezes você fala neles mais nos curtas, como o Hypnosis, Nanofania, mas eles estão ali a
todo momento, e acaba criando essa marca autoral em todos. Embora eu ache, particularmente,
que a partir do Otto, você está caminhando para um outro processo

CG: Graças a Deus. Mudanças

CH - Sobre esse processo, de viajar bastante. Esses inventários das pequenas obsessões. Agora
com um filho você vai entrar em uma outra dinâmica?

CG: É, porque é muito relacionada a vida, como a gente tava falando. Eu vou, os meus objetos
fílmicos, os meus objetos de interesse são naturalmente, por estar mais parado, mais em casa,
vivendo um processo familiar, doméstico, de ligação com uma criança, naturalmente meu foco de
interesse vai ser por aí. Da mesma forma que foi o nascimento da criança, ou o processo de
gravidez, agora já to acumulando outras observações dessa realidade de uma criança.

CH - Até a utilização da voz, da sua voz, uma outra colocação extremamente pessoal do encontro

CG: Nos Histórias do Não Ver tem também.

CH - Na instalação, eu não tinha visto a instalação antes no MAM. Para mim foi muito
importante a exposição no Itaú, principalmente porque são obras de diferentes períodos. Só senti

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falta mesmo de outras série fotográficas

CG: Não tinha espaço, porque a gente teve que eleger ali, porque o espaço do Itaú não é simples,
é complicado. Se a gente fosse colocar foto, imagem emolduradas, fotos no papel, a gente tinha
que iluminar o espaço, aí ia perder o andar inteiro nesse possibilidade, então a gente resolveu
fazer um recorte de imagem em movimento

CH - E as obras que estão nas escadas

CG: As Raivinhas, o Sculpting e o Drawing

CH - E estão em um lugar de passagem

CG: Mas ali você dá para ver, você não precisa descer as escadas. Porque logo do térreo você já
vê, fica vendo os dois. Então você não precisa estar ali. Foi uma opção, mas não tinha outro
espaço, não prejudicou e é uma coisa de chamativo para entrar, para descer a escada e subir a
escada, que a exposição continua. Mas o das Raivinhas realmente teve uma conexão mais
interessante porque é conceitualmente interessante, justifica você estar subindo uma escada, tem
um filme no meio da escada é uma outra raivinha. Gera uma dinâmica, assim como os bancos ali
na pracinha de filmes, gera uma dinâmica diferente, também na escada cria uma outra dinâmica.
Da mesma forma que a gente fez uma gambiarra, uma arquibancada-gambiarra para ver a
gambiarra na escada.

CH - É inevitável, mas a gente sempre deseja ver toda a produção no espaço.

CG: Que é um sonho da gente fazer uma, essa exposição no Itaú abarcou uma quantidade de
obras de vários períodos interessantes, foi o que foi possível de ser feito naquelas condições. Mas
é óbvio que um outro museu mais, com uma arquitetura mais generosa, convidar a gente colocar,
aí sim, uma sala inteira com todas as fotografias, os grupos fotográficos, aí tudo claro, com luz
apropriada, como o Zum Zum Zum, que um trabalho maravilhoso na A Gentil Carioca que eu
mostrei com o Zé Bento que é uma instalação muito legal mas que exige um andar inteiro para
ele, um espaço muito grande que é bem interativo pro público. Tem outras trabalhos que são,
precisa de um espaço muito maior que aí é difícil de você encontrar. Essa exposição ainda vai
viajar, de repente encontra outros espaços maiores.

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