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BEIJA FLOR E O POTENCIAL COGNITIVO DA METÁFORA

O Deslocamento da Monstruosidade Como uma Nova "Partilha do Sensível"


(Ihering Guedes Alcoforado)

O Potencial cognitivo da metáfora é objeto de um grande número de trabalhos,


os quais tem em comum o reconhecimento da relevância das metáforas como
recurso epistêmico, além de uma pura contingência estilística (Black, 1977)

A Beija Flor explora as possibilidades em latência da metáfora no seu samba


enredo: “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da
pátria que os pariu”. Isto porque estabelece uma relação de identidade e
similaridade entre os dois domínios de significados incompatíveis, o romance
“Frankenstein” e a realidade social-histórica brasileira. Em função desse
artifício narrativo expõe aspectos de um e outro que modifica não só nossa
perspectiva da problemática brasileira, mas também do seu significado. E,
assim nossa concepção da relação realista da Pátria com o Povo brasileiro é
resignificada a partir do contraste com o imaginário sistematizado no romance
“Frankenstein”, escrito pela inglesa Mary Shelley,

A metaforização das mazelas brasileiras a partir do contraste entre o Monstro e


o Criador, permite a articulação ao longo de 36 alas e nove atos,
representando um cenário “monstruoso” do nosso cotidiano: teve encenação
de arrastão, teve prostituta e homossexual sendo alvos de preconceito, teve
crítica à sonegação de impostos e teve até maus políticos sendo comparados a
ratos.

O resultado é uma contundente crítica social metaforizada, que cria uma


plataforma a partir da qual se pode socializar uma reflexão sobre a natureza e
as origens da problemática relação entre o Estado brasileiro (metaforizado com
a pátria amada) e o Povo brasileiro (filhos).
O fundamental, do ponto de vista político é a inversão da monstruosidade que,
foi deslocada da criatura (o povo) para o criador (a Pátria), o que evidencia a
centralidade na narrativa do último carro alegórico chamado “Ensinando a
Amar”, seguido por um tripé (pequena alegoria) onde se lia que “o samba faz
essa dor dentro do peito ir embora”.

O instigante samba enredo, depois da inversão da relação Monstro vs.


Criador, insinua o "amor" como categoria política e "samba" como um
instrumento político. Uma intervenção estética que configura um ato político
problemático, ao deixar implícito o interdito, não possível de ser mostrado nem
dito: o mundo da contravenção de Diniz Abrão na qual se assenta a Beija Flor.

A reflexão suscitada pelo samba da Beija Flor deve, portanto, partir do


reconhecimento que, na base da política, como assinala Rancière, existe uma
"estética" que não deve ser confundida com a "estetização" da política",
característica da "era das massas" de que trata Benjamin, já que é por meio
dela que se define o lugar e os procedimentos da política num sentido amplo,
estabelecendo o que se ver e o que se pode dizer, além de delimitar quem tem
competência para ver e competência para dizer. Enfim, uma expressão
emblemática dessa estética nos traz a Beija Flor: a estética da malandragem
que cultivada nas margens do sistema no nosso dia-a-dia, assume uma
centralidade na critica ao sistema, ainda que restrita ao período do carnaval.
Isso dar “samba”....

BIBLIOGRAFIA

Black, M. (1977). “More about metaphor.” Dialectica 31(3/4): 431-56

RANCIÈRE, J. La división de lo sensible. Estética y política Prólogo.

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