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Educação Integral
TEXTO
REFERÊNCIA
PARA O DEBATE
NACIONAL
Ministério
da Educação
Brasília – 2009
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade
Esplanada dos Ministérios,
Bloco L, Ed. Sede, Sala 627
CEP 70.047-900, Brasília, DF
Tel.: (61) 2104-8209/2104-8808
portal.mec.gov.br/secad
Série Mais Educação
Educação Integral
TEXTO REFERÊNCIA
PARA O DEBATE NACIONAL
Ministério
da Educação
Brasília
2009
Secad/MEC, 2009
Realização:
Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação
Esplanada dos Ministérios, Bloco L
CEP 70.047-900, Brasília, DF
portal.mec.gov.br/secad
Coordenação Editorial:
Leandro da Costa Fialho
José Zuchiwschi
Gesuína de Fátima Elias Leclerc
Educação integral : texto referência para o debate nacional. - Brasília : Mec, Secad, 2009.
52 p. : il. – (Série Mais Educação)
ISBN 978-85-60731-74-9
1. Educação integral. 2. Programa Mais Educação. I. Brasil. Ministério da Educação.
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
CDU 37
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 3
APRESENTAÇÃO....................................................................................................................................5
1. INTRODUÇÃO.................................................................................................................................9
1.1. POR QUE EDUCAÇÃO INTEGRAL NO CONTEXTO
BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO?.................................................................................. 10
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................................ 49
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................................ 50
4 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
APRESENTAÇÃO
A
A Educação Educação Integral tem sido um ideal presente na legislação educacional
Integral exige brasileira e nas formulações de nossos mais brilhantes educadores. Iniciativas
mais do que diversas, em diferentes momentos da vida pública do país, levaram esse ideal
compromissos: para perto das escolas, implantando propostas e modelos de grande riqueza, mas
impõe também e ainda pontuais e esporádicos.
principalmente
projeto O Ministério da Educação, por meio das Secretarias de Educação Continuada,
pedagógico, Alfabetização e Diversidade (SECAD) e de Educação Básica (SEB), em parceria
formação de com o FNDE, retomou esse ideal para, a partir do aprendizado com experiências
seus agentes, bem-sucedidas, levá-lo como prática às redes de ensino dos estados e municípios
infraestrutura e do país.
meios para sua
As experiências recentes indicam o papel central que a escola deve ter no
implantação.
projeto de Educação Integral, mas também apontam a necessidade de articular
outras políticas públicas que contribuam para a diversidade de vivências que tornam
a Educação Integral uma experiência inovadora e sustentável ao longo do tempo.
Com essas premissas, foi instituído o Programa Mais Educação no âmbito do Plano
de Desenvolvimento da Educação (PDE).
O Programa Mais Educação empenhou-se na construção de parcerias inter
setoriais e intergovernamentais. Por um lado, no Fórum Mais Educação, constituído
no Governo Federal, diferentes Ministérios têm aportado seus programas e ações
em torno de um princípio simples: lugar de crianças, adolescentes e jovens é na
escola. Portanto, programas e ações de governo voltados para esse público devem
prever, necessariamente, um diálogo com as redes de educação. Por outro lado,
o compromisso dos estados e municípios em aprimorar a qualidade da educação
pública motivou uma ampla adesão dessas redes à proposta em construção.
O Programa Mais Educação já é uma realidade que, como tudo que se faz em
educação, será progressivamente aprimorada com a participação de educadores,
educandos, artistas, atletas, equipes de saúde e da área ambiental, cientistas, gestores
das áreas sociais, enfim, com todos aqueles que, pessoal e profissionalmente, dedicam-
se à tarefa de garantir os direitos de nossas crianças, adolescentes e jovens.
6 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
A participação
dos educadores,
educandos e das
comunidades
contribuirá
para ampliar
os tempos e
os espaços de
formação de
nossas crianças,
adolescentes
e jovens na
perspectiva de
que o acesso
a educação
pública seja
(UNDIME), do Conselho Nacional dos Secretários de Educação (CONSED), da
complementado
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), da Associação
pelos processos
de permanência Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (ANFOPE), de Universidades
e aprendizagem. e de Organizações não-governamentais comprometidas com a educação. Esse
Grupo de Trabalho foi convocado pelo Ministério da Educação, sob coordenação
da SECAD.
O terceiro caderno, Rede de Saberes Mais Educação, sugere caminhos para a
elaboração de propostas pedagógicas de Educação Integral por meio do diálogo entre
saberes escolares e comunitários. Esses caminhos são representados na forma de
Mandalas de Saberes para incorporar as diversas realidades territoriais brasileiras.
Esta trilogia inicial pretende desencadear um amplo diálogo nacional, que
envolva atores diretos da cena escolar – estudantes, trabalhadores e trabalhadoras
da educação, pais, mães, gestor, gestora – e demais profissionais e instituições que
possam colaborar para a construção de novas configurações educativas que nos
ajudem a superar os desafios históricos da educação pública. Além disso, esta trilogia,
no contexto das políticas educacionais brasileiras, propõe-se a animar o debate e
a construção de um paradigma contemporâneo de Educação Integral, que possa
constituir-se como legado qualificado e sustentável.
8 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
1. INTRODUÇÃO
D
Considerando esde 2004, com a criação da Secretaria de Educação Continuada,
a amplitude Alfabetização e Diversidade (SECAD), o Ministério da Educação acelerou o
teórico- enfrentamento das enormes injustiças que persistem na educação pública
conceitual, brasileira. Tendo como base a perspectiva de universalizar o acesso, a permanência
histórica e e a aprendizagem na escola pública, a construção participativa de uma proposta
pedagógica do de Educação Integral – por meio da ação articulada entre os entes federados e/ou
debate acerca também das organizações da sociedade civil e dos atores dos processos educativos1 –
da Educação aponta para esse enfrentamento, sobretudo para a superação das desigualdades e
Integral, este da afirmação do direito às diferenças.
texto procura
auxiliar a Nesse contexto, propõe-se um desenho de Educação Integral que intensifique
reflexão para os processos de territorialização das políticas sociais, articuladas a partir dos espaços
construir o escolares, por meio do diálogo intragovernamental e com as comunidades locais,
debate nacional. para a construção de uma prática pedagógica que afirme a educação como direito
de todos e de cada um.
Desde o final de 2007, e ao longo do primeiro semestre de 2008, um grupo
de trabalho formado por gestores municipais e estaduais, representantes da União
Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), do Conselho Nacional de
Secretários de Educação (CONSED), da Confederação Nacional dos Trabalhadores em
1 O binômio e/ou possibilita pensar-se na ação articulada dos entes federados – sem dúvida –, mas não
obrigatoriamente das organizações da sociedade civil e dos atores dos processos educativos, visto que
estas possibilidades não se efetivam, na prática, em todos os sistemas de ensino municipais/estaduais.
Em outras palavras, elas estão mais presentes nos grandes centros urbanos e raramente – ou nunca –
em pequenas localidades.
10 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
2 O uso do termo “liberdades” observa a leitura de Amartya Sen (2000), ao considerar que a capacidade
de agir conforme o próprio arbítrio tem caráter eminentemente social, pois depende de mecanismos de
justiça e correção disponibilizados em um Estado de direitos.
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 11
3 O Governo Federal sancionou a Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, que regulamenta a alínea “e” do
inciso II do caput do artigo 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Piso
Salarial Profissional Nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Desse
modo, retoma-se na política educacional a pauta do Pacto Nacional pela Valorização do Magistério e
Qualidade da Educação, resultante dos trabalhos do Fórum Permanente de Valorização do Magistério, da
Educação Básica e da Qualidade da Educação (1994 – 1995), é preciso operacionalizar essa Lei.
14 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
2 EDUCAÇÃO INTEGRAL:
CONTEXTO HISTÓRICO E PRESENÇA
NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
N
o Brasil, na primeira metade do século XX, encontramos investidas
significativas a favor da Educação Integral, tanto no pensamento quanto
nas ações de cunho educativo de católicos, de anarquistas, de integralistas
e de educadores como Anísio Teixeira, que tanto defendiam quanto procuravam
implantar instituições escolares em que essa concepção fosse vivenciada. No entanto,
cabe ressaltar que eram propostas e experiências advindas de matrizes ideológicas
bastante diversas e, por vezes, até contraditórias.
4 TEIXEIRA, Anísio. Centro Educacional Carneiro Ribeiro. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Rio
de Janeiro, v. 31, n. 73, p. 78-84, jan./mar. 1959.
16 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
Esse conjunto de elementos desafia a uma nova postura profissional que deve ser
construída por meio de processos formativos permanentes.
Na ampliação da abrangência, a relação tempo, espaço e Educação Integral
talvez seja uma das mais polêmicas quando se discute essa concepção de educação.
Ao se caracterizar a relação como polêmica, têm-se presente os diversos agentes
sociais que podem interagir com o espaço escolar, nas relações cotidianas de trabalho
e nas representações que se produzem nessa relação.
Falar sobre Educação Integral implica, então, considerar a questão das variáveis
tempo, com referência à ampliação da jornada escolar, e espaço, com referência
aos territórios em que cada escola está situada. Tratam-se de tempos e espaços
escolares reconhecidos, graças à vivência de novas oportunidades de aprendizagem,
para a reapropriação pedagógica de espaços de sociabilidade e de diálogo com a
comunidade local, regional e global.
Alguns estudos que consideram a qualidade do ensino estão alicerçados nessa Falar sobre
relação de tempos e espaços educativos. Para alguns, a ampliação da jornada escolar Educação
pode alavancar essa qualidade (Kerstenetzky, 2006); para outros, a extensão do Integral implica,
horário escolar, por si só, não garante o incremento qualitativo do ensino, mas carrega então, considerar
essa possibilidade em potencial (Cavalieri, 2002), ou seja, “se a essa extensão não a questão das
aderir o conceito de intensidade, capaz de se traduzir em uma conjunção qualitativa variáveis tempo,
de trabalhos educativos” (Coelho, 1997, p. 201), de nada adiantará esticar a corda do com referência
tempo: ela não redimensionará, obrigatoriamente, esse espaço. E é, nesse contexto, à ampliação da
que a Educação Integral emerge como uma perspectiva capaz de re-significar os jornada escolar,
tempos e os espaços escolares. e espaço, com
referência aos
É possível citar ainda experiências de Educação Integral em Tempo Integral, territórios em que
na escola pública brasileira, a partir de duas propostas bastante conhecidas que cada escola está
se transformaram em realidade e às quais já nos referimos: a que criou o Centro situada.
Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador, na década de 1950 e a de implantação dos
Centros Integrados de Educação Pública (CIEPs), no Rio de Janeiro, nas décadas de
1980-1990. Nos últimos anos, presenciamos experiências diferenciadas de ampliação
da jornada escolar que entremeiam turno e contraturno, com metodologias diversas
de trabalho; das quais podemos destacar a iniciativa do próprio Ministério da
Educação, com o financiamento de ações educativas complementares no período
de 2004 a 2006, bem como as experiências que são desenvolvidas em municípios
brasileiros, tais como Belo Horizonte/MG, Apucarana/PR, Nova Iguaçu/RJ, dentre
outras5.
O Programa Escola Integrada, por exemplo, foi criado em 2006, pela Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte, como um programa intersetorial. Esse Programa
concebe a educação como um processo que abrange as múltiplas dimensões
formativas do sujeito e tem, como objetivo, a formação integral dos alunos de 6 a
14/15 anos do Ensino Fundamental, ampliando sua jornada educativa diária para
5 Essas experiências valem-se de parcerias e foram citadas porque havia representantes das mesmas
constituindo o grupo de trabalho cujo resultado foi apresentado no texto. Está em curso a pesquisa nacional
sobre as Experiências em Jornada Ampliada no Ensino Fundamental, conduzida pelas Universidades
Federais de Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e UnB.
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 19
nove horas, por meio da oferta de atividades diversificadas de forma articulada com
a proposta político-pedagógica – PPP – de cada instituição educativa.
O programa Escola Integrada é coordenado pela Secretaria de Educação em
articulação com os outros setores da Prefeitura e conta com a parceria de várias
Instituições de Ensino Superior, além de ONGs, de artistas, de comerciantes e de
empresários locais, todos envolvidos na construção de uma grande rede responsável
pela Educação Integral dessas crianças e desses jovens. O Programa utiliza os espaços
das próprias escolas, das comunidades, além de outros espaços físicos e culturais.
Assim, tem como perspectiva a transformação de diferentes espaços da cidade em
Centros Educativos, no sentido de criar uma nova cultura do educar que tem, na
escola, seu ponto catalisador, mas que a transcende, para explorar e desenvolver os
potenciais educativos da comunidade.
Já o Bairro-Escola é um projeto da Prefeitura Municipal de Nova Iguaçu, iniciado
em março de 2006 e sustenta-se em dois conceitos básicos: “Cidade Educadora”
– que parte da ideia de que a educação não ocorre apenas nos limites da escola,
mas em todos os espaços da comunidade – e “Educação Integral” – uma educação
que promove o desenvolvimento da criança e do adolescente em suas múltiplas
dimensões, considerando o corpo, a mente e a vida social, no sentido da construção
da cidadania, do sujeito autônomo, crítico e participativo.
Com o objetivo de estimular a integração da criança com o lugar onde mora e
contribuir para o seu melhor rendimento escolar, o Bairro-Escola oferece atividades
sócio-educativas, o que inclui atividades culturais e esportivas, na modalidade
extraclasse, em turnos alternativos aos das aulas, por meio do estabelecimento de
parcerias locais com diversos espaços e diferentes instituições que se transformam em
espaços de aprendizado. Essas atividades, associadas às orientações dos Parâmetros
Curriculares Nacionais e ao projeto político-pedagógico de cada escola, podem ser
desenvolvidas por monitores – oficineiros e voluntários – selecionados entre os
moradores e integrantes das entidades parceiras que participam de capacitações
periódicas.
Em Apucarana, no Paraná, o Programa de Educação Integral está em
funcionamento ininterrupto desde 2001, tendo sido regulamentado pela Lei
Municipal nº 90/01. O Programa procura ultrapassar o senso comum de uma divisão
entre turno e contraturno, ou de tempo integral limitado à ampliação das horas
diárias de permanência do aluno na escola. Para tanto, considera o educando sob
uma dimensão de integralidade para atender os aspectos cognitivos, político-sociais,
ético-culturais e afetivos. A ênfase desse Programa recai sobre o desenvolvimento
das capacidades de compreensão, domínio e aplicação dos conteúdos estudados,
razão pela qual a oferta de atividades complementares artísticas, culturais, sociais ou
esportivas e de acompanhamento individualizado do desenvolvimento do educando,
é considerada em uma perspectiva de interdisciplinaridade, voltada para os efetivos
resultados de aprendizagem. Para que o programa educacional pudesse atingir
efetividade, foram firmados, de forma estratégica, quatro pactos fundamentais com
a sociedade organizada: Pacto pela Educação, Pacto pela Responsabilidade Social,
Pacto pela Vida e Pacto por uma Cidade Saudável. Por meio desses pactos foram
20 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
6 A ideia básica do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação consiste em estabelecer um con-
junto de diretrizes a serem adotadas na gestão de suas redes de escolas e nas práticas pedagógicas, com
vistas ao cumprimento de metas estabelecidas em relação ao Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB), a partir de um diagnóstico da situação educacional de um determinado município, estado
ou do Distrito Federal. Nesta perspectiva, “a qualidade da educação básica será aferida, objetivamente,
com base no IDEB, calculado e divulgado periodicamente pelo INEP, a partir dos dados sobre rendimento
escolar, combinados com o desempenho dos alunos, constantes do censo escolar e do Sistema de Ava-
liação da Educação Básica (SAEB), composto pela Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB) e a
Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Prova Brasil)” (Art. 3º, do Decreto nº 6.094/07).
24 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
A
formulação de uma proposta de Educação Integral concretiza o ideal de uma
Educação Pública Nacional e Democrática, contextualizada historicamente,
portanto problematizada segundo os desafios, avanços e limites do sistema
educacional e da organização curricular no século XXI, caminhando na direção oposta
à da desescolarização social e da minimização dos efeitos e das possibilidades do
trabalho escolar (Moll, 2007).
A Educação Pode-se dizer, conforme Guará (2006), que conceber a perspectiva humanística
Integral é fruto da educação como formação integral implica compreender e significar o processo
de debates entre educativo, como condição para a ampliação do desenvolvimento humano. Em suas
o poder público, reflexões sobre Educação Integral, a referida autora destaca que para garantir a
a comunidade qualidade da educação básica é preciso considerar que a concretude do processo
escolar e a educativo compreende, fundamentalmente, a relação da aprendizagem das
sociedade civil, crianças e dos adolescentes com a sua vida e com sua comunidade. Para dar conta
de forma a dessa qualidade, é necessário que o conjunto de conhecimentos sistematizados e
assegurar o organizados no currículo escolar também inclua práticas, habilidades, costumes,
compromisso crenças e valores que estão na base da vida cotidiana e que, articulados ao saber
coletivo com acadêmico, constituem o currículo necessário à vida em sociedade.
a construção
de um projeto Nesse sentido, pode-se afirmar que a Educação Integral é fruto de debates
de educação entre o poder público, a comunidade escolar e a sociedade civil, de forma a assegurar
que estimule o compromisso coletivo com a construção de um projeto de educação que estimule o
o respeito respeito aos direitos humanos e o exercício da democracia. Esses debates representam
aos direitos a valorização da pluralidade de saberes e a criação de momentos privilegiados em
humanos e o que se possa compreender a importância das distintas formas de conhecimento e
exercício da suas expressões no mundo contemporâneo. Desse modo, retomam-se questões
democracia. candentes como a da necessidade de re-significação da relação com a natureza, na
perspectiva da sustentabilidade ambiental, na pauta da construção de um projeto
de sociedade democrática em relação ao acesso, usufruto, produção e difusão de
saberes, espaços, bens culturais e recursos em geral, numa interação em rede com
diferentes espaços sociais da cidade. A construção da oferta de Educação Integral,
tal como afirma Torres (2006), está implicada na participação social para orientar,
influenciar e decidir sobre os assuntos públicos.
Instituir o debate para construir uma proposta de Educação Integral,
representa o convite para a criação de estratégias que assegurem às crianças, aos
adolescentes e aos jovens o acesso aos veículos de comunicação, ao domínio de
28 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
8 O Programa Saúde na Escola é uma das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação e tem como
finalidade contribuir para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica, por
meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde. Em 2008, com base no cruzamento de 100%
da cobertura do Programa Saúde da Família com os municípios de baixo IDEB/2005, definiu-se o público
destinatário nos territórios de 646 municípios. Além desses, serão contempladas as escolas do Programa
Mais Educação.
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 29
9 Busca pela palavra chave “política de currículo”, realizada na Plataforma Lattes do CNPQ, em 25 de
setembro de 2008, resultou em uma relação de 2.990 pesquisadores doutores.
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 31
10 “…people have the right to be equal whenever difference makes them inferior, but they also have the right
to be different whenever equality jeopardizes their identity”. (SOUZA SANTOS, 2002, p. 57). As pessoas
têm o direito de serem iguais quando as diferenças as fazem inferiores, mas elas também têm o direito de
serem diferentes quando a igualdade ameaça sua identidade.
32 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
Dizer que o ensino é uma arte não significa que os professores nasçam
e que não se façam. Ao contrário, os artistas aprendem e trabalham
extraordinariamente para isso, mas aprendem por meio da prática crítica
de sua arte (Stenhouse, 1980).
Nesse sentido, educador é aquele que reinventa a relação com o mundo, que
reinventa sua relação com o conteúdo que ensina, com o espaço da sala de aula e
com seus alunos. É aquele que se permite ver nos alunos possibilidade e processos em
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 37
realização. Por isso pode ser comparado a um artista na arte de mediar aprendizagens
e buscar sempre o (re)encantamento com sua profissão.
Para implementar o projeto de Educação Integral e de tempo integral, é
imprescindível a superação de grande parte dos modelos educacionais vigentes.
Assim, a construção de uma proposta de Educação Integral pressupõe novos
conteúdos relacionados à sustentabilidade ambiental, aos direitos humanos, ao
respeito, à valorização das diferenças e à complexidade das relações entre a escola
Contextualizado e a sociedade. Esses conteúdos, os tempos e espaços escolares, suas interações
nos objetivos e com as subjetividades e práticas e as diferentes etapas e modalidades de ensino
metas gerais que ensejam a articulação com os projetos político-pedagógicos11. Trata-se de tarefa a
caracterizam ser empreendida, tanto pelos cursos de formação inicial e continuada, quanto pelos
a atuação sistemas e pelas próprias escolas.
sistêmica,
Em relação ao currículo, para enfrentar o desafio de superar a fragmentação do
o projeto
conhecimento escolar, é preciso investir na articulação entre as atividades pedagógicas
pedagógico
da sala de aula e as da vida na família, no bairro e na cidade, por meio do uso dos
deve preocupar-
equipamentos públicos e das práticas universitárias. A atuação dos profissionais da
se com o
educação não se deve limitar aos espaços tradicionais da escola e, nesse sentido,
planejamento
das atividades ganha relevância a valorização do trabalho e da cultura como princípios educativos.
cotidianas A organização do currículo, dos conteúdos escolares, dos tempos e espaços
da escola; educativos precisa estar inserida no contexto da produção do conhecimento e da
deve prever as pesquisa científica. Esse contexto pode fortalecer as iniciativas que emergem das
possibilidades escolas e de suas comunidades por evidenciar a necessidade da proposição do
de interação projeto político-pedagógico, com a participação dos integrantes do Conselho Escolar.
com a É importante reconhecer o desempenho de funções específicas nessa proposição. O
comunidade e
coordenador pedagógico assume o papel de articulador da relação entre a escola e
com a cidade
a comunidade, na proposição dos projetos político-pedagógicos que se identificam
por meio da
como democráticos. Essa identificação se manifesta, de modo privilegiado, nos
visita a museus,
debates acadêmicos por meio da busca de superação dos reducionismos técnicos ou
parques,
políticos, da proposição de um novo modo de vivenciar as dimensões administrativa
comunidades
indígenas e e pedagógica no planejamento da educação e do incentivo ao protagonismo da
quilombolas. população usuária (estudantes, pais e comunidades).
Contextualizado nos objetivos e metas gerais que caracterizam a atuação
sistêmica, o projeto pedagógico deve preocupar-se com o planejamento das
atividades cotidianas da escola; deve prever as possibilidades de interação com a
comunidade e com a cidade por meio da visita a museus, parques, comunidades
indígenas e quilombolas, dentre outras e deve, ainda, estimular a participação
de colaboradores da comunidade em atividades pedagógicas extraclasse, sob a
supervisão dos profissionais da educação. Outros aspectos importantes referem-
se à definição dos critérios para avaliação sistemática do planejado e do realizado,
11 É importante destacar a compreensão de Veiga (2000), segundo a qual a construção do projeto político-
pedagógico põe em questão a busca de um rumo, de sentido explícito e de assunção de compromissos
coletivos. O que caracteriza o aspecto político dessa construção é a relação íntima que se estabelece com
os compromissos sóciopolíticos, por sua vez, o aspecto pedagógico está relacionado com a efetivação da
intencionalidade da escola por meio das ações educativas.
38 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
à previsão da formação continuada dos educadores, enfim, a tudo aquilo que diz
respeito à promoção do aprendizado e bem-estar dos atores escolares.
Esses pressupostos para a qualidade social da escola de tempo integral, já
aplicados em alguns sistemas de ensino de forma bastante satisfatória, trazem
consigo um outro requisito indispensável: a democratização da gestão. O projeto
político-pedagógico tem por princípio superar a recorrente divisão social do trabalho
e as práticas autoritárias existentes na escola. Nesse sentido, cabe às direções
potencializar a participação social: dos conselhos escolares, dos grêmios estudantis,
das associações de pais, de moradores, dentre outros grupos constituídos na
comunidade que queiram participar, solidariamente, do projeto escolar, bem como
conselhos de idosos, de mulheres, os movimentos negros, de artistas e outros. No
que concerne a um projeto de Educação Integral, o projeto político-pedagógico,
pensado sob a lógica da vivência democrática, congrega sujeitos e agrega valores
socioculturais bastante significativos à formação completa do aluno.
Visando à concretização de uma formação que leve em conta os pontos,
anteriormente elencados, é preciso pensar em uma política que alcance novos
patamares de inclusão, e uma consistente valorização profissional a ser garantida
pelos gestores públicos, de modo a permitir dedicação exclusiva e qualificada à
educação. Também é necessário pensar na adequação dos espaços físicos e das
condições materiais, lúdicas, científicas e tecnológicas a essa nova realidade.
Nesse sentido, para além do debate curricular dos cursos de graduação, a
Educação Integral requer uma maior interação com os estudantes da pedagogia e
das licenciaturas em seu universo cotidiano. A escola pautada pela Educação Integral
representa um laboratório permanente desses futuros profissionais que, desde o
início de seus cursos, passarão a manter intenso contato com as crianças e com os
jovens, numa troca de experiências úteis para a formação e o trabalho de ambos, bem
Foto: Agência Brasil/Elza Fiúza
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 39
pelas negociações para regulamentar o Piso Salarial Nacional Profissional, bem como
pela mobilização nacional para que o piso seja operacionalizado. O incremento no
financiamento da educação e a ampliação dos investimentos públicos em educação,
de modo a alcançar o mínimo de 7% do PIB até 2011, são fundamentais para realizar
a valorização dos profissionais da educação e para a qualidade da educação.
As diferentes etapas e modalidades de ensino ensejam, cada uma, olhares
e projetos diferentes e representam demandas que se complexificam no âmbito
da Escola de Educação Integral em tempo integral, segundo as inter-relações e
interdisciplinaridades pertinentes ao currículo e ao projeto político-pedagógico. Na
concepção de Santos (2008), a distribuição do tempo pedagógico é marcada pela
organização de períodos fixos para disciplinas, controlada pela administração e pelo
professor, tal organização deve ser superada. Desse modo, a Educação Integral, por
estar implicada na mudança da rotina escolar, por meio da reestruturação do tempo
pedagógico, evidencia o currículo em consonância com o referencial teórico que
fundamenta o projeto da escola, e é enriquecida com as concepções da comunidade
escolar.
Dentre as características institucionais do contexto de formulação de uma
Política de Educação Integral, destaca-se o reconhecimento da importância da
construção do Sistema Nacional de Formação dos Profissionais da Educação, no
âmbito do Conselho Técnico-Científico da Educação Básica da CAPES. Esse Sistema
será de imensa relevância para orientar os novos currículos acadêmicos, para aferir a
qualidade dos cursos de pedagogia e das licenciaturas ofertadas nas redes públicas
e privadas, e para orientar o ingresso dos profissionais do magistério nas redes
públicas, seja através da revisão dos estágios acadêmicos – dentro da concepção
de interatividade permanente entre universidade e escola básica – seja por meio da
Foto: Agência Brasil/Elza Fiúza
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 41
12 Destacam-se ainda ações como Prova Brasil, Pró-Infância, Pró-formação, Pró-funcionário, Pró-gestão,
Escola Aberta, Conexões de Saberes e Escola que Protege.
13 Tema central na agenda de discussões sobre a construção do Sistema Nacional Articulado durante a
Conferência Nacional de Educação Básica, realizada em Brasília, em 2008.
EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL 43
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A
s perspectivas de Educação Integral, apresentadas neste texto, reafirmam a
ideia de que a educação desempenha um papel significativo e imprescindível
na formação humana, que não se esgota no espaço físico da escola,
tampouco no tempo diário de quatro horas. Reconhece que os estudantes são
sujeitos de vivências que, embora relacionadas às idades de formação específicas
e que requerem atenção também específica, dependem de processos educacionais
intencionais abrangentes e da abertura do espaço escolar. Tal abertura, por sua vez,
está condicionada ao debate sobre os valores com o quais uma dada sociedade
justifica o que diz e o que faz perante as novas gerações.
Desse modo, o debate sobre a ampliação do tempo de efetivo trabalho escolar
não está colocado simplesmente como questão de aumento de tempo na escola nem
como espaço de atividades extracurriculares assistencialistas, complementares, mas
O debate sobre como condição precípua para que se possa organizar um currículo capaz de integrar
a ampliação os diversos campos de conhecimento e as diversas dimensões formadoras da criança,
do tempo de do pré-adolescente, do adolescente, do jovem e do adulto na contemporaneidade.
efetivo trabalho O que se pretende, ainda, é provocar o debate acerca da intersetorialidade
escolar não
necessária para que se transbordem os marcos institucionais estreitos que pretendem
está colocado
conter os processos educativos.
simplesmente
como questão Compreende-se, como função do presente texto, o desencadeamento de
de aumento um debate nacional que instigue professores, estudantes, gestores, pais, mães,
de tempo na comunidades, profissionais de outras áreas e universidades para a construção de
escola nem novos olhares em relação aos desafios, parafraseando Hannah Arendt, que a presença
como espaço de novas gerações impõe a toda a sociedade humana.
de atividades
extracurriculares
assistencialistas,
complementares,
mas como
condição
precípua para
que se possa
organizar
currículo...
50 EDUCAÇÃO INTEGRAL – TEXTO REFERÊNCIA PARA O DEBATE NACIONAL
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
www.mec.gov.br