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empregada doméstica, o preto bobo ou ignorante que faz a gente rir e o bandido. Do
lado positivo, o jogador de futebol, o sambista ou aquele personagem que interpreta a
exceção: o moço de família humilde que lutou muito e “venceu na vida”. Figuras que
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não são exclusividade dos produtos de ficção, visto que são assim também
apresentados em programas de auditório e em quadros do jornalismo.
Até três anos atrás, a TV Globo veiculava nas noites de sábado, em seu programa
A eleição de certos atributos dos negros como metonímia para definir e consolidar
determinado olhar negativo sobre a negritude vem sendo há muito tempo uma das
mais contundentes estratégias para fixar sentidos e inviabilizar a diferença racial.
O indiano Homi Bhabha (2007) identificou essa estratégia ao estudar o discurso do
colonialismo. Segundo ele, a diferença é reconhecida como parte da cultura, mas ao
mesmo tempo é repudiada em nome da construção de uma identidade unificadora e
idealizada. Dessa forma, mantém-se o controle sobre determinadas raças e culturas
por meio do alijamento de suas próprias identidades.
racial, que por sua vez elaborou a ideia de miscigenação e convivência racial pacífica
para forjar o sujeito social mestiço denominado “brasileiro”. Enquanto isso,
violentamente produzia o apagamento sistemático e sistêmico da cultura e identidade
negras, o que ocorreu pari passu a uma política de exclusão dos negros (do trabalho e
dos centros urbanos) no Brasil pós-abolição.
A análise é precisa, basta lembrar que a primeira protagonista negra numa telenovela
da TV Globo foi vivida pela atriz Taís Araújo em Da cor do pecado, no recentíssimo ano
de 2004 – a mesma atriz havia interpretado Xica da Silva numa novela de época na
extinta TV Manchete, nos idos de 1996, e voltou ao protagonismo a representar Helena
O audiovisual é onde os silenciamentos são mais sentidos, visto que lidam com
imagem. Para não ficar apenas nos exemplos das telenovelas, vale jogar luz sobre o
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que acontece no campo das séries de TV. No Estados Unidos, a presença de sitcons
e seriados protagonizados por negros é uma realidade desde os anos 1970.3 No
Brasil, por outro lado, as tentativas de produzir séries com protagonistas negros são
muito recentes, datam da última década: na TV Globo, Antônia (2006), Suburbia
(2012), Sexo e as negas (2014) e Mister Brau (2015).
Mas estes avanços ainda são pequenos do ponto de vista da qualidade – é preciso
garantir maior representatividade positiva do negro nos meios de comunicação – e
também do ponto de vista da quantidade, visto que esta representatividade ainda está
bem distante da proporção numérica da presença do negro na sociedade brasileira.
Nas matérias de cotidiano, que pautam família, educação, transporte, saúde, moradia
etc., quase nunca os negros são personagens das situações ordinárias.
Contraditoriamente, estão sempre estampando os cadernos policiais e as imagens
deletérias dos programas policialescos que promovem autoritarismo na TV, associando
violência, pobreza e negritude.
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Mantém-se, assim, tudo exatamente como está: naquela “repetição demoníaca” dos
estereótipos descrita por Bhabha. E assim a repetição do estereótipo vai negando a
articulação da ideia de raça como elemento cultural, histórico, identitário, permitindo
que esta apareça tão somente em sua fixidez como racismo, conforme destaca o
filósofo.
O frisson causado pela presença da jornalista Maria Júlia Coutinho no quadro fixo do
mídia é algo que requer política pública. Nesse sentido, a regulação dos meios,
especialmente das mídias eletrônicas de massa (rádio e TV), que no país são objeto de
concessão pública, é essencial para garantir a diversidade racial e a participação
efetiva dos negros. Não se trata apenas de um debate sobre o consumo, mas do
entendimento de que a não representatividade produz consequências devastadoras
para a construção da identidade de um povo.
Na ausência de identificações positivas com negros na TV, nas revistas, nos livros, nos
brinquedos, “a criança negra afasta-se de si própria, de sua raça, em sua total
identificação com a positividade da brancura que é ao mesmo tempo cor e ausência de
cor” (Bhabha, 2007, p.118). E são muitas as gerações que passaram por isso no Brasil
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(eu mesma tive dificuldade outro dia em me lembrar dos personagens negros que
marcaram minha infância e adolescência).
Por fim, se as mudanças são poucas diante da amplitude do problema, podemos dizer
que elas seguem persistentes, à revelia daqueles que não aceitam a diferença e não
querem promover a inclusão. Felicidade seria ver, daqui para frente, outras crianças
podendo se identificar com personagens negros no cinema e na TV, tal como Matias.
XX.
2 A branquitude “é um lugar estrutural de onde o sujeito branco vê aos outros e a si
mesmo; uma posição de poder não nomeada, vivenciada em uma geografia social de
raça como um lugar confortável e do qual se pode atribuir ao outro aquilo que não se
atribui a si mesmo” (Frankenberg, 1995, p.43).
3 Dentre as chamadas black sitcoms nos EUA estão com That’s My Mama, Good
Times, Sanford and Son, What’s Happening?, nos anos 70; The Cosby Show, A
Different World e Frank’s Place, nos anos 80; The Fresh Prince of Bel-air (Um maluco
no pedaço), nos anos 90; e recentemente, Everybody Hates Chris (Todo mundo odeia
o Chris).
4 Mais sobre esse assunto pode ser encontrado nas pesquisas de Fernanda
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Felisberto ou no mapeamento da Fundação Palmares, que resultou na publicação
Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro,
leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (2014).
Referências bibliográficas
Unicamp, 1997