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Universidade de Brası́lia

Departamento de Matemática
Prof. Celius A. Magalhães

Cálculo III
Notas da Aula 07∗

Diferenciabilidade
Já se conhece a importância de estudar a reta tangente ao gráfico de uma função de
uma variável. O análogo dessa reta para funções de duas variáveis é o plano tangente. Para
compreender o que significa o plano tangente, e como obter a sua equação, vale voltar ao
caso de uma variável e fazer uma leitura apropriada de como a reta tangente é obtida.

Lembrando: Infinitésimos
Uma observação simples, mas importante, é que o quociente p/q é uma comparação de
tamanho entre o número p relativamente ao número q. Por exemplo, os números p = 2×10−2
e q = 10−2 são ambos pequenos se comparados com a unidade 1, e no entanto o quociente
é p/q = 2 não é pequeno, isto é, p não é pequeno se comparado a q. Como outro exemplo,
os números p = 2 × 10−5 e q = 10−2 são pequenos se comparados com a unidade 1 e, além
disso, p é muito menor do que q, uma vez que o quociente p/q = 2 × 10−3 é pequeno.
Esta observação sugere uma definição interessante. Suponha que se queira comparar o
tamanho de duas funções p(t) e q(t), onde q(t) é conhecida e se torna cada vez menor à
medida que t → t0 , isto é, limt→t0 q(t) = 0. Suponha ainda que exista o limite
p(t)
lim =l
t→t0 q(t)
Nesse caso, se l 6= 0, então p(t) ≈ lq(t) para valores de t ≈ t0 . Assim, p(t) e q(t) são pequenos
e comparáveis, uma vez que um é múltiplo do outro. Mas, se l = 0, além de p(t) ser pequeno,
ele é muito, muito menor do que q(t): é infinitamente menor do que q(t)! Isso justifica a
Definição 1. Suponha que limt→t0 q(t) = 0. Se p(t) é tal que
p(t)
lim =0
t→t0 q(t)
então p(t) é dito um infinitésimo em relação a q(t) quando t → t0 .
Essa definição é a chave para se compreender o significado de diferenciabilidade, tanto
em uma como em várias variáveis.
Exemplo 1. Suponha t0 6= 0 um número dado e seja q(t) = t − t0 . Verifique se as funções
p1 (t) = (t − t0 )2 e p2 (t) = t2 − t20 são infinitésimos em relação a q(t) quanto t → t0 .

Texto digitado e diagramado por Yuri Santos a partir de suas anotações de sala
Solução. Começando com a função p1 (t), tem-se que

p1 (t) (t − t0 )2
lim = lim = lim t − t0 = 0
t→t0 q(t) t→t0 t − t0 t→t0

e portanto p1 (t) é um infinitésimo em relação a q(t) quanto t → t0 . Já em relação a p2 (t),


usando a decomposição t2 − t20 = (t + t0 )(t − t0 ) obtém-se que
p2 (t) t2 − t20
lim = lim = lim t + t0 = 2t0 6= 0
t→t0 q(t) t→t0 t − t0 t→t0
p2 (t)
e daı́ segue-se que p2 (t) não é um infinitésimo em relação a q(t)
quanto t → t0 .
A diferença entre as duas funções pode ser percebida por
meio da figura ao lado, que ilustra os gráficos dessas funções q(t)
para valores de t próximos a t0 . Apesar de p2 ser pequeno, o
seu tamanho é quase o dobro de q. Por outro lado, p1 é também
pequeno, mas é infinitamente menor do que q.  p1 (t)
t0 t

Aprecie a importância dos infinitésimos na noção de diferenciabilidade dada a seguir!

Lembrando: Diferenciabilidade em Uma Variável

Sejam I ⊂ R um intervalo e g : I → R uma função dada.


y(t) Sejam ainda t0 ∈ I um ponto interior e y(t) = g(t0 ) + m(t − t0 ) a
η(t − t0 ) equação da reta por (t0 , g(t0 )) de inclinação m, conforme a figura.
Caso a função g(t) seja aproximada pela reta y(t), então
g(t)
η(t − t0 ) = g(t) − y(t)
= g(t) − [g(t0 ) + m(t − t0 )]

t0 t é o erro nesta aproximação.

É claro que o erro depende da escolha da inclinação m, e uma forma de estimá-lo é


comparar com a distância |t − t0 | entre t e t0 . Comparando obtém-se que

η(t − t0 ) g(t) − [g(t0 ) + m(t − t0 )] g(t) − g(t0 )


= = −m
t − t0 t − t0 t − t0
de onde segue-se que

|η(t − t0 )| η(t − t0 ) g(t) − g(t0 )
= = − m
|t − t0 | t − t0 t − t0

Suponha agora que g(t) seja derivável em t0 e que y(t) seja a reta tangente ao gráfico de
g(t) no ponto (t0 , g(t0 )), isto é, que m = g ′(t0 ). Nesse caso, usando a definição de derivada,
o erro η(t − t0 ) é tal que

|η(t − t0 )| g(t) − g(t0 ) ′

lim = lim − g (t0 ) = 0 (1)
t→t0 |t − t0 | t→t0 t − t0
Surpresa! Se for escolhida a reta tangente para aproximar a função, então o erro η(t − t0 )
é um infinitésimo em relação à distância t − t0 quanto t → t0 .
Além disso, a condição do erro ser um infinitésimo caracteriza a reta tangente no seguinte
sentido: suponha que a reta y(t) = g(t0) + m(t − t0 ) seja escolhida de modo que o erro

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η(t − t0 ) = g(t) − y(t) = g(t) − [g(t0 ) + m(t − t0 )] seja um infinitésimo em relação a t − t0
quanto t → t0 . Então, dos cálculos feitos acima segue-se que

g(t) − g(t0 ) |η(t − t0 )|
lim
− m = lim =0
t→t0 t − t0 t→t0 |t − t0 |

g(t) − g(t0)
Daı́ segue-se que g(t) é derivável em t0 e que m = limt→t0 = g ′(t0 ), isto é, que
t − t0
y(t) = g(t0 ) + m(t − t0 ) é a reta tangente.

η(t − t0 )

t0 t

Resumindo, pode-se dizer o seguinte: a função g(t) é derivável em t0 se, e somente se,
existe m ∈ R tal que o erro η(t − t0 ) = g(t) − [g(t0 ) + m(t − t0 )] seja um infinitésimo em
relação a t − t0 quanto t → t0 . Nesse caso m é necessariamente igual à derivada g ′ (t0 ).
O próximo exemplo ilustra essa caracterização da reta tangente.
Exemplo 2. Verifique que a função g : R → R, g(t) = t2 , é derivável em t0 = 2.
Solução. A equação da reta por (t0 , g(t0)) = (2, 4) de inclinação m é y(t) = 4+m(t−2). Logo,
η(t − 2) = g(t) − y(t) = t2 − 4 − m(t − 2)
= (t + 2)(t − 2) − m(t − 2)
= (t − 2)(t + 2 − m)
η(t − 2)
de onde segue-se que = t + 2 − m. É claro agora que existe m = 4 tal que o erro
t−2
η(t − t0 ) é um infinitésimo em relação a t − 2 quanto t → 2, isto é, tal que
|η(t − 2)|
lim = lim |t + 2 − 4| = 0,
t→2 |t − 2| t→2

Assim, a função é derivável em t0 = 2 e, claro, a derivada é g ′ (2) = 4. 

Diferenciabilidade em Várias Variáveis


O foco agora é em torno do seguinte problema: dado um domı́nio D ⊂ R2 , uma função
f : D → R e um ponto P0 = (x0 , y0) interior a D, o que significa um plano ser tangente ao
gráfico de f no ponto (x0 , y0, f (x0 , y0))? Uma vez respondida essa pergunta, como obter a
equação desse plano? Essas perguntas podem ser respondidas usado a discussão anterior,
sobre infinitésimos!
A ideia é aproximar a função por um plano e, em seguida, verificar se é possı́vel escolher
esse plano de forma a que o erro na aproximação seja o menor possı́vel. Em geral, um plano
por (x0 , y0 , f (x0 , y0 )) tem equação na forma z(x, y) = f (x0 , y0 ) + a(x − x0 ) + b(y − y0 ), onde
a e b são quaisquer dois números dados. Usando a notação P = (x, y), se a função f (P ) for
aproximada por esse plano, o erro η(P − P0 ) nessa aproximação é dado por
η(P − P0 ) = f (P ) − z(P ) = f (P ) − [f (P0 ) + a(x − x0 ) + b(y − y0 )]
Em vista do que já se sabe sobre infinitésimos, a próxima definição é bastante natural. O
nome diferenciável é usado para distinguir essa definição do caso em que a função é derivável
(possui derivada parcial) em relação à uma de suas variáveis.

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η(P − P0 )

P0 P

Definição 2. Com a notação acima, a função f é diferenciável em P0 se existem a e b em


R tais que o erro η(P − P0 ) = f (P ) − z(P ) = f (P ) − [f (P0 ) + a(x − x0 ) + b(y − y0 )] seja um
infinitésimo em relação à distância kP − P0 k entre P e P0 .

Se a função é diferenciável então ela pode ser escrita na forma

f (P ) = z(P ) + η(P − P0 ) = f (P0 ) + a(x − x0 ) + b(y − y0 ) + η(P − P0 ) (2)

onde o erro é um infinitésimo, isto é,


|η(P − P0 )|
lim =0
P →P0 kP − P0 k

Nesse caso, z(P ) = f (P0 ) + a(x − x0 ) + b(y − y0 ) é dito o plano tangente ao gráfico de f no
ponto (x0 , y0, f (x0 , y0)). É dito ainda a aproximação de primeira ordem de f no ponto P0 .
Como no caso de uma variável, para uma função ser diferenciável ela tem que ser neces-
sariamente contı́nua. Esse é o conteúdo do próximo resultado.

Lema 1. Se f é diferenciável em P0 , então ela é contı́nua nesse ponto.

Demonstração. Da equação (2) tem-se que f (P ) = z(P ) + η(P − P0 ), onde é claro que
limP →P0 z(P ) = f (P0 ). Além disso, como η(P − P0 ) é um infinitésimo, tem-se que

|η(P − P0 )|
lim |η(P − P0 )| = lim kP − P0 k = 0
P →P0 P →P0 kP − P0 k

Desses dois limites segue-se que

lim f (P ) = lim [z(P ) + η(P − P0 )] = f (P0 )


P →P0 P →P0

e portanto f é contı́nua em P0 
O próximo ponto é em relação aos números a e b que determinam o plano tangente z(P ).
Também como no caso de uma variável, eles ficam inteiramente determinados pela condição
de diferenciabilidade.

Lema 2. Suponha f diferenciável em P0 = (x0 , y0 ). Então f possui as derivadas parciais


nesse ponto, e o plano tangente tem equação z(P ) = f (P0 ) + fx (P0 )(x − x0 ) + fy (P0 )(y − y0 ).

Demonstração. Como f é diferenciável, existem a e b em R tais que o plano tangente é


z(P ) = f (P0 ) + a(x − x0 ) + b(y − y0 ), isto é, tais que o erro η(P − P0 ) = f (P ) − z(P ) é um
infinitésimo. Escolhendo o ponto P na forma P = (x0 , y), que está sobre uma reta paralela
ao eixo Oy (veja a figura abaixo), tem-se que kP − P0 k = |y − y0 | e

η(P − P0 ) = f (x0 , y) − z(x0 , y) = f (x0 , y) − [f (x0 , y0) + b(y − y0 )]


= f (x0 , y) − f (x0 , y0 ) − b(y − y0 )

Cálculo III Notas da Aula 07 4/6


Daı́ segue-se que

|η(P − P0 )| f (x0 , y) − f (x0 , y0)
= − b
kP − P0 k y − y0

Finalmente, como o erro é um infinitésimo, tem-se que



f (x0 , y) − f (x0 , y0 ) |η(P − P0 )|
lim
− b = lim =0
y→y0 y − y0 P →P0 kP − P0 k y0
x0
Isso mostra que f possui a derivada parcial em relação
a y e fy (P0 ) = b. Analogamente mostra-se que f possui a
derivada parcial em relação a x e fx (P0 ) = a. 

Este lema é um resultado sobre inclusão de conjuntos,


P como ilustra a figura ao lado. De fato, indicando por D o
conjunto das funções diferenciáveis em P0 e por P o conjunto
das funções que possuem derivadas parciais nesse ponto, o
D
lema afirma que D ⊂ P. Assim, por exemplo, se uma função
não possui derivadas parciais, ela não é diferenciável. Mas
pode acontecer da função ter derivadas parciais, e mesmo
assim não ser diferenciável. Essas situações estão bem ilus-
tradas nos próximos exemplos.

Exemplo 3. Verifique se a função f : R2 → R, f (x, y) = x2 + y 2, é diferenciável em um


ponto genérico P0 = (x0 , y0).
Solução. O primeiro passo é verificar que f possui derivadas parciais em P0 , que são dadas
por fx (P0 ) = 2x0 e fy (P0 ) = 2y0. Daı́ segue-se que o candidato a plano tangente tem equação
z(P ) = f (P0 ) + f x(P0 )(x − x0 ) + fy (P0 )(y − y0 )
= x20 + y02 + 2x0 (x − x0 ) + 2y0(y − y0 )
Resta ainda verificar se o erro η(P − P0 ) = f (P ) − z(P ) é de fato um infinitésimo em
relação à distância kP − P0 k. Ora! O erro é dado por

η(P − P0 ) = x2 + y 2 − [x20 + y02 + 2x0 (x − x0 ) + 2y0 (y − y0 )]


= x2 − x20 − 2x0 (x − x0 ) + y 2 − y02 − 2y0 (y − y0 )
= (x2 − 2x0 x + x20 ) + (y 2 − 2y0 y + y02 )
= (x − x0 )2 + (y − y0 )2 = kP − P0 k2

e é claro agora que


y0
x0
η(P − P0 )
lim = lim kP − P0 k = 0.
P →P0 kP − P0 k P →P0

Assim, o erro é mesmo um infinitésimo, e portanto a função é diferenciável em P0 . Por


exemplo, se P0 = (1, 1), então o plano tangente ao gráfico de f nesse ponto tem equação
z = 2 + 2(x − 1) + 2(y − 1) = 2x + 2y − 2. 
p
Exemplo 4. Verifique se f : R2 → R, f (x, y) = |x y|, é diferenciável em P0 = (0, 0).
Solução. Como a raiz não é derivável na origem, pode-se imaginar que f não possua as
derivadas parciais em P0 . No entanto, usando a definição de derivada, obtém-se que
f (0, 0 + t) − f (0, 0) 0
fy (P0 ) = lim = lim = 0
t→0 t t→0 t

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Esse resultado pode ser percebido a partir do gráfico da
função, ilustrado ao lado, uma vez que f (0, y) = 0 para todo
y ∈ R. Analogamente obtém-se que fx (P0 ) = 0.
Como as derivadas parciais e a própria função se anu-
lam em P0 , segue-se que o candidato a plano tangente tem
equação z(P ) = 0, isto é, o candidato é o plano Oxy.

Resta verificar se o erro η(P − P0 ) = f (P ) − z(P ) é de fato um infinitésimo. Ora! Como


kP − P0 k = kP k e z(P ) = 0, segue-se que
p
η(P − P0 ) f (P ) |x y|
= =p
kP − P0 k kP k x2 + y 2
(
0 se x = 0
=
√1 se x = y
2

Assim, para P → P0 , o quociente η(P − P0 )/kP − P0 k tem limites distintos ao longo


das retas x = 0 e x = y. Da regra dos dois caminhos segue-se que não existe o limite
η(P − P0 )
limP →P0 , e portanto a função não é diferenciável em P0 . 
kP − P0 k
Em resumo, se uma função é diferenciável, então ela possui as derivadas parciais, e é
fácil obter a equação do plano tangente. No entanto, como ilustra o último exemplo, a
função pode ter derivadas parciais e não ser diferenciável. Esse fato é natural, uma vez que
as derivadas parciais dão informações sobre a função ao longo de duas retas, e isso não é
suficiente para caracterizar o plano tangente.

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