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Tania Brandão
As fontes existentes para o estudo do Grupo Oficina exigem uma interrogação primeira,
como resposta contra falsas questões sugeridas pelo início do registro (provisório) de
suas atividades na memória histórica do teatro. Sua produção profissional, de uma
forma geral estabelecida por alguns como a melhor de todos os tempos no país, surgiu
gênios iluminados, projeções subjetivas, desenvolvimento linear de uma tradição?
Incorporações mediúnicas de Téspis rompendo o espaço entre a religião e a arte,
reencarnações de Édipos no enfrentamento Esfinge, duplicatas de figuras hegelianas de
Napoleão adentrando Viena em seus ginetes para instaurar a materialização da História
como saber absoluto?
É preciso destacar uma operação muito sutil existente nos textos de análise e avaliação
do período - os documentos, de uma forma geral, apesar dos objetivos diferentes, optam
por um certo "ufanismo à Afonso Celso" - ou o Oficina é recalcado junto como TBC ou
é uma incômoda continuação do tebecismo que encontra sua verdadeira expressão no
Arena. O Arena seria a verdade nacional, o Oficina espécie de desvio tentador, mas
negativo. Elogia-se, louva-se, exalta-se - mas com a restrição necessária àqueles que
não fazem caso da pobre cara desdentada brasileira. Estudar o Oficina significa assim
explicitar relações, entender no espaço produtivo também o TBC e o Arena -
modalidades de antecessores contemporâneos.
Sem querer endossar o mito das origens e de uma conseqüente linearidade cumulativa
histórica, por si ingênua e já promovida nos poucos manuais existentes, o problema tem
pertinência: o Oficina "irrompe", "rouba" a cena e "evapora-se" num lance mágico de
alçapão, sob potentes refletores. Não é mais possível estabelecer ingênuas explicações
de ordem subjetiva, afetiva, comportamental ou institucional. O fato é a explosão, num
certo espaço de tempo, da própria cena e do grupo. E a verdade estará sempre um pouco
além do sujeito criador, num lugar onde não é lícito escamotear a falta de um processo
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gerador da produção. O Oficina apareceu como grupo num tempo favorável ao teatro e
às artes, a década do automóvel e da penicilina. Não se precisava mais, na cena, de
consumados heróis (como Renato Vianna, Flavio de Carvalho, Paschoal Carlos Magno)
à maneira de Rondon, rompendo a selva com a morte e o telégrafo. O palco passara de
floresta tropical (espontânea) à mata secundária e a queimada oferecia a clareira como
espaço cultural. Quer dizer: existe o Oficina e uma quantidade razoável de companhias
e grupos, calçados num programa cultural ou buscando uma política de repertório,
produtores anteriores ou contemporâneos, sem que se precise do herói romântico; ao
mesmo tempo em que é possível discutir o trabalho que se faz (pululam referências
produtivas, teatrais; debates técnicos são feitos nos jornais; revistas especializadas são
publicadas). Ao mesmo tempo em que as questões flutuam caóticas no ar.
Ao Oficina coube sem dúvida a melhor compreensão produtiva. E isto se faz numa
modalidade de processo sem sujeito, atuação de trabalhadores no espaço de produção,
onde não se deve localizar a figura de indivíduos visionários como força motriz, mas a
figura do trabalho de arte como produção. Nenhuma análise histórica pode negar, aliás,
o sentido do percurso profissional do grupo encerrado numa evidente metáfora: a
oficina é o lugar do trabalho, o trabalho começa com vento forte para papagaio subir a
ponte.
A defesa do TBC, que existiu como luta por um certo programa d trabalho e que
reverbera ainda no espaço das montagens por produção não interessa muito ao texto.
Vale usar aqui, no entanto, um dos melhores exemplos de defesa - o depoimento de
Cleyde Yaconis, repleto d dados para o trabalho do historiador:
O recalque produtivo foi a sua negação, por produtores da mesma época, em favor de
outra cena-programa produtivo imediato para as montagens. Enquanto no caso anterior
discute-se sobretudo política cultural, neste caso o tema é teatro mesmo, privilegiando-
se mais ou menos as questões específicas do palco. Para os que gostam de teatro,
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dificilmente pode-se encontrar instante mais comovente nos tablados do país. Trata-se
do ponto em que a questão moderna é, a um só tempo, compreendida-aprofundada e
afastada-pulverizada. E esta evidência histórica deve ser imposta. por mais horror que a
lembrança do TBC possa provocar. Não é possível negar o papel que ele exerceu como
referência produtiva para tudo o que surgiu ao seu redor.
Arena e Oficina são os dois principais promotores do recalque produtivo. O Arena, sem
que haja aqui uma análise ético-valorativa, defrontou-se com o TBC como referência
produtiva reveladora do massacre nacional, considerando-se o seu trabalho enquanto
intervenção linear e ampla. A atitude da análise é reducionista, mas não há possibilidade
de estabelecer as nuances do trabalho do grupo. De forma ampla, o seu desejo produtivo
é claro - é uma "confusão" em que a questão moderna, antes de ser questão do palco, é
instrumento cultural para transformar a vida através da conscientização. Não existiria o
poder político no interior da própria linguagem, a atuação política só pode ser exterior.
Uma certa dose de xenofobia e ufanismo não pode ser negada, o Arena busca uma
aclimatação radical do teatro como espelho da realidade informada por certa leitura.
Não existe sutileza na sua negação do fato teatral. Se por um lado mantém-se o papel de
destaque do diretor, a direção é diluída no sistema coringa: se há consciência acerca de
um acervo técnico necessário ao ator, a técnica é simplificada na leitura que Arena/Boal
faz de Stanislavski, contra as atitudes "burguesas" latentes nos procedimentos do velho
russo, sobretudo com relação ao tratamento das emoções: se a peça é um espetáculo, a
encenação não tem qualquer sentido a não ser que se submeta enquanto espaço e
cenografia a um problema mais importante e exterior. Não se pode negar, contudo, o
grande saldo positivo do programa fixado - a obsessão por uma dramaturgia nacional,
mesmo que esta fosse buscada sob restritos juízos normativos de espelho da verdade-
realidade. A trajetória do Arena é um esforço crescente de negação, seu estuário éo CPC
e o Teatro do Oprimido. Para fazer teatro, Paulo Pontes e Oduvaldo Vianna serão
obrigados, mais tarde, a rever posições (a revisão não vai em nenhum momento
determinar uma outra atitude diante do TBC - inclusive pelo pouco tempo relativo de
vida que, infelizmente, lhes restará). Além do Arena e do Oficina, promotores do
recalque produtivo por excelência, a questão do TBC restou apenas como espécie de
nostalgia, lembrança dos bancos escolares: os atores, diretores e cenógrafos que foram
formados no TBC e ao lado dele, fora daqueles dois grupos, apropriaram-se dos
elementos construídos pelo tebecismo no sentido de sua diluição, meros referenciais
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Ao Arena, como se tentou mostrar, não interessará a questão da tradição como meio
explícito para buscar um teatro nacional. Sua selvagem apropriação das referencias
teatrais conduz à formulação dos problemas imediatos do TBC como simples equação
matemática a resolver: autor e público. Antes da reflexão produtiva sobre os
procedimentos, cabe a sua aclimatação.
Alberto D'Aversa não está apenas sustentando-se, neste momento, ao lado do TBC -
afirmação que seria no mínimo injusta. Seu texto aponta o impasse da modernidade
tebecista, que ele vê, como já se viu, como impossibilidade pela falta da tradição. Mas
vai além, pois pensa a impossibilidade do moderno, espécie de arbitrário na selva
tropical. O texto revela o ponto básico de atrito entre o TBC e o Arena. E a tan gente
que o Oficina traçou.
Em 1961 o Oficina inaugura sua casa de espetáculos com A vida impressa em dólar.
Impossível deixar de lembrar José Renato saindo da E .A. D. em 1953 como Arena e
Esta noite é nossa e Um Demorado Adeus. Em l961 - sem que se considere o tempo
cronológico diferente de cada grupo, mas considerando-se apenas suas questões - a
atenção do Arena não está mais voltada para a compreensão no tablado da modernidade.
Apesar de Boal19 afirmar que o realismo é apenas uma linguagem entre muitas, ele é a
linguagem. E é como redução. O Arena deseja produzir um teatro verdadeiro, legítimo,
justo, lúcido - revelar a essência nacional no espaço distante-envolvido do público. Para
dominar os meios técnicos adequados, expressar o mundo circundante, a urgência é de
novos autores, novos textos: o Seminário de Dramaturgia de São Paulo é o esforço
central do Arena entre 1958 e 1962.
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O Oficina profissionalizado não trabalha mais à procura do texto brasileiro, esta não é
mais a questão, José Celso não mais escreverá (a peça que comporia sua "trilogia",
"Cadeiras vazias", jamais será encenada). Um paciente trabalho de interpretação é
iniciado, com Eugênio Kusnet como professor (Stanislavski numa versão híbrida, que é
russa-européia, antes de americana). Para a montagem de Odetts recebe-se a
colaboração de Jimmy Colby.
Vendo os fatos à distância, José Celso Martinez Correa percebe a cisão neste momento
em que os grupos aparentemente ainda estão intimamente ligados. Na entrevista citada,
a cisão é referida como posição entre uma tendência à seriedade (Arena) e uma
tendência à super-valorização das questões individuais, tais como o emocionalismo e o
homossexualismo (Oficina). 'Em jargão de certa ortodoxia de esquerda, trata-se do
conflito insuperável entre o verdadeiro revolucionário" e o desbundado". A formulação
ingênua ou a condenação ético-normativa situa o centro do problema: não é apenas a
forma de apropriação da questão moderna que separa os dois grupos como projeto
produtivo. Ou seja - não é apenas o caso de posicionar-se diante do moderno optando
por promover a sua radical negação ou a sua negação no trabalho. É escolher um
posicionamento no interior de um "projeto-Brasil" diferenciado. No primeiro caso, o
Arena pode suprimir a importância da questão moderna sem pensá-la completamente
como questão do palco porque no seu "projeto-Brasil" o país é um dado reificado, uma
revelação simples de mostrar, realidade que se funde ao sujeito pensante e é o que ele
quer sem que nenhum dos termos tenha que ser posto em questão. Basta ao teatro
submeter-se à História, usando os meios mais eficientes possíveis para falar nela (que é
verdade, que é o real).
Cabe localizar nos trabalhos, de acordo com os limites fixados na Introdução, as linhas
gerais da produção do Oficina como produção consciente do moderno e do
contemporâneo. O texto, destaque-se, não é uma história do grupo ou uma análise de
sua trajetória. E, antes, uma tentativa de compreensão da sua questão produtiva na
trajetória da história do teatro brasileiro. Desta forma, na medida em que o TBC pode
ser encarado como modernidade ingênua, o Oficina opera como modernidade
consciente por excelência sua questão produtiva, que explode perplexa ao perseguir a
instauração da ruptura contemporânea.
Seria necessário bem mais do que este texto para analisar o trabalho do Oficina no
espaço histórico-cronólogico fixado, deixando inteiramente claras as linhas do seu palco
em cada montagem. E sem esforço de recuperação institucional anódina, sem adjetivar
para a fossilização. Adjetivar e institucionalizar o Oficina, aliás, é obra fácil - o aplauso
foi um dos meios para promover sua neutralização. A análise aqui terá como eixo básico
a reflexão sobre três trabalhos considerados como decisivos em termo de elaboração
histórica de linguagem cênica: Os Pequenos Burgueses, Os Inimigos, O rei da vela.
Após a localização do Grupo Oficina na Rua Jaceguai, 520, pode-se traçar o percurso de
produtores que optaram pelo teatro como área de trabalho sintonizada com sua época. O
Oficina é antes de mais nada um palco numa cidade em movimento que gostaria de ter a
cultura como inócua contemplação. Manter o trabalho como sintonia produtiva com sua
época é reproduzir em termos teatrais o ritmo febril das máquinas e operários, a
agitação urbana do grande centro econômico que desconhece o "possível humano" e
necessita devorar carne, idéias, entranhas, para dar plena vigência a sua própria questão.
"Espelhar" este movimento, pretender ser apenas um "espelho", é ordenar sob uma
visão unívoca, perspectivista, direcionada - catártica, digamos – a violência cotidiana.
Oferecê-la como objeto de reconhecimento, evocação. Possibilidade de estar no mundo
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Mantendo o teatro como oficina, a encenação como trabalho, o edifício do teatro como
parte da cidade (as obras nunca param) o grupo pode refutar uma opção de facilidade
técnica - recortar um quadro vivo do espaço urbano e concedê-lo como contemplação.
Trabalhando intensamente com Stanislavski, afasta o perigo de uma saída platônica para
o seu problema. Não há 'opinião certa". Há a questão da arte como um saber (poésis),
reproduzir ações humanas pode ser o meio artístico de saber. Mas como colocar estas
ações humanas no palco se nem a sua apreensão fotográfica nem a sua apreensão
dirigida-intencional-calculada registram o núcleo de operação cultural por excelência
que elas encerram? Como atingir no palco a ação humana que é cristalização
inconsciente, social, política, ideológica do gestual vago da época? Quer dizer, se
Stanislavski-Brecht podem aproximar, num certo sentido, o grupo de um "aristotelismo"
(o mundo sensível só pode pensar a idéia como transcendência se encerrar na aparência
algo essencial), este é desde sempre problemático porque o primado da técnica deixou
de ser insinuação de construção do cotidiano para ser o cotidiano. Ou seja-não existe a
possibilidade imediata de esquematizar Stanislavski, adicionar afirmações de Brecht e
colocar um real pretensamente crítico no palco. A técnica, além de indústria, passou a
ser indústria cultural. A era científica pressentida por Brecht não levou a ciência ao
mercado, mas instaurou o mercado da ciência como ideologia. A febre de saber revelou-
se "saber de febre" - ideologia de consumo, banalização, cultura-inútil que é só mais
uma mercadoria. A Razão (metafísica ou não, nem importa) - possibilidade de análise e
conhecimento -foi reduzida à Técnica. A sociedade é a do fazer e da inconsciência do
fazer sabendo. Assim, Stanislavski-Aristóteles e até mesmo Brecht não são soluções,
são quando muito etapas. A transposição rápida de Brecht para o Brasil pode ocorrer
nesta época e neste clima como instauração de um saber sobre o cotidiano que é mais
uma forma de representação, mas não é crítica.
O Oficina tem seu centro básico em São Paulo, mas viaja muito e viajará sempre. Situa-
se como espécie de ponto-fixo-flutuante. Apropria-se das circunstâncias e transforma-as
em produção. Em princípio estas condições fazem do Oficina apenas mais um grupo em
São Paulo, grupo que manipula as questões que estão no ar. O problema é situar os
momentos que fazem com que de um grupo a mais ele chegue a ser uma espécie de
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Passar pela fotografia, analisar todas as suas nuances, dominar os meios de produzida
talvez seja o privilegiado caminho para descobrir o momento além, onde o próprio
fotografar é mistificação.
Note-se que José Celso Martinez Correa não dirigiu a montagem original de Quatro
num quarto, como não dirigiu José do parto à sepultura, Um bonde chamado desejo,
Poder Negro e Don Juan no interior do grupo existe um debate constante sobre teatro
e o atrito entre linhas produtivas diferentes é permanente. O que não significa a
existência de uma linha "melhor" ou "pior", "boa" ou "má", mas configura um clima
produtivo bastante favorável.
Por todas estas razões, a montagem de Os Pequenos burgueses é uma radical resposta
moderna enquanto consciência dos meios técnicos do palco e de seu emprego. E
sucesso. Mas não é solução produtiva a optar. O Oficina em 1963 sabe os meios para
fazer dinheiro e procura dominar todos os meios para fazer teatro. Um teatro que não é
questão de bilheteria ou ferramenta para o dia-a-dia mais imediato, mas opção cultural
pela revolução.
A peça estréia em São Paulo em setembro de 1963. No Teatro Oficina, com seu palco
de duas platéias, opção possibilitadora da arena e de certa variante do palco italiano. A
cena é leve, despojada, construída com alguns móveis, o samovar, pequena capela com
ícones. Objetos, adereços, cores, todos os detalhes são marcados pelo cálculo da
encenação. O exame das fotos da cena causa uma sensação de peso, sobrecarga, até
ingenuidade - este não era ocaso no espaço especifico da época.
escrita - Rússia 1902 -com o Brasil 1965. Por isso o público acha a interpretação tão
viva, tão quente."
No mesmo ano o Jornal do Brasil publica uma grande matéria sobre Eugênio Kusnet, o
responsável pelos cursos de interpretação do Oficina. Kusnet representa, como já se
disse anteriormente, uma "vertente européia", mais exatamente russa, do Método.
Segundo suas declarações, esta opção de trabalho estava no ar na Rússia de sua
juventude (Boal, ao contrário, trabalharia como Método via E.U.A.). O trabalho de ator
em Pequenos Burgueses, a seu ver, é bem sucedido pela atualidade do texto na realidade
do Brasil, pela qualidade geral do espetáculo, pelo trabalho de nacionalização da
escritura cênica realizado por José Celso e pela seriedade profissional do grupo.
Fernando Peixoto reúne em Górki e Pequenos Burgueses o pequeno texto de sua autoria
publicado num dos primeiros programas da peça, preocupado sobretudo com Górki,
com algumas observações mais amplas. Após focalizar, em termos produtivos, os
objetivos do autor, vinculados à possibilidade da pequena burguesia enquanto classe e
ao caráter revolucionário do operariado, que está surgindo em direção ao poder,
considera a cena como microcosmo (o macrocosmo é a sociedade soviética russa no
início do século) onde o autor não deixa espaço para os pequenos dramas individuais,
psicológicos, submetidos a um enfoque simplista:"... atrás de cada contradição
encontramos sempre as razões de ordem social, reflexos diretos da luta de classes."
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Apesar das tendências produtivas divergentes, pois só Renato Borghi e José Celso
situam-se sem maiores conflitos num mesmo sentido produtivo, os textos referidos, com
maior ou menor ênfase, situam em primeiro plano um projeto de ordem "extra-teatral",
digamos, preocupados em conferir um efeito mais imediato à cena. O sentido da palco o
de lutar pela conscientização para transformar o real concreto. isto se faz longe de
qualquer possibilidade de banalizar as questões mesmas do palco. A todo momento é
descrito o trabalho como técnica, sua intencionalidade, seu desejo de fazer a cena passar
por real. A partir daí esboça-se o trabalho do diretor enquanto pensador da cena e diretor
de ator, o trabalho da cenografia e do figurino enquanto materialização ideal de um
espaço que quer ser real, o trabalho do ator como indivíduo específico numa situação
em que é também ser social. A divertência de Boal é clara: minimiza a questão da
pessoa como conflito além do social; para ele, o personagem é espécie de suporte de
uma tese onde a emergência de certos coloridos particularizados constitui "perda de
sentido". O personagem é sobretudo "ser social" e deve ser construído para exemplificar
o ser social em dada situação.
As declarações aos jornais deixam claro o sentido do que é feito e só Fernando Peixoto
consegue atribuir de forma mais estanque uma importância preponderante à temática, à
História, ao "ser de classe" e ao "ser social" como sentidos definidores do trabalho - ou
melhor, do texto mesmo de Górki, afinal o que ele está abordando. Fala-se de teatro, dos
meios e caminhos para fazer teatro, estar no palco, as condições brasileiras para
encenar. Declaram mesmo que conseguiram mostrar uma "família russa" no Brasil (?).
Nem assim causam grande estranheza. Ninguém chega a lembrar de forma explícita a
vinculação do texto ao Teatro de Moscou, a não ser como informação acessória sobre o
autor.
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A crítica olha perplexa a cena. O que vê e o seu desejo mais radical, implícito nos
critérios de avaliação que usa, é desejar o Oficina como espécie de novo TBC. Menos
indigesto, mais à esquerda, com um texto "mais significativo" diante da realidade, se
comparado com os que o "pessoal" do Zampari costumava encenar. Elogia-se. Os
adjetivos do idioma são esgotados. Agradece-se até mesmo aos deuses - ao anjo da
guarda do teatro nomeadamente - pelo presente que veio do céu. Nenhuma referência à
trajetória teatral do grupo enquanto trabalho teatral efetivo. Quando ela é citada, é para
mostrar os frutos que podem ser obtidos através da seriedade e da dedicação.
Conseqüentemente, a crítica não vê o palco; mais tarde, nas remontagens, chegar-se-á a
dizer que o espetáculo é a 'galinha dos ovos de ouro" do grupo - como se a remontagem
tivesse apenas a função de caça-níquel e o teatro fosse um reino encantado onde quem
faz opção pela "cultura" não pode pensar em "dinheiro".
Na verdade, a crítica vê a cena de uma tal distância neste primeiro momento de impacto
que através dela ninguém chega a saber ao certo o que foi e a que veio a montagem.
Busca - inconsciente, logicamente - de esvaziamento do trabalho, tentativa de
transformá-lo em quadro vivo com moldura dourada que só é mais um. Chovem os
prêmios para os jovens. Afirma-se sempre que eles ajudam a compreender nossos pais,
tios, irmãos, primos com a sua montagem. O teatro, para a critica mostra a realidade,
permite uma identificação que é o nosso reconhecimento como pessoa, fornece uma
lição de vida e um quadro norteador da moral. Agradecer aos deuses é um gesto que se
impõe, já que a Arte é um meio para atingir o Bem. Olha-se o Oficina com os mesmos
olhos arregalados que olharam o TBC.
realista do ator está em vias de explodir a si próprio como suporte da razão para
reproduzir a estranha impossibilidade do mundo. Não se percebe que, na estrutura da
cena, insinua-se uma intencionalidade nova: do interior do espetáculo a direção traça
movimentos de tensionamento capazes de duvidar do teatro, da razão, do real. De uma
forma leve e sutil (com Salmos, Marselhesa e Internacional acirrando o ridículo da
angústia de viver que pode ser estraçalhamento na euforia) começa a rondar o palco a
leitura tropical antropofágica de Brecht e Artaud. O Oficina encena o moderno - elabora
a cena como rigorosa consciência de seus meios - o Oficina intui o contemporâneo.
Dois obstáculos ao trabalho do grupo: não só ele é definitivo, como não é discutido. Ao
atender a demanda de mostrá-lo até a exaustão, o próprio grupo viabiliza a
ultrapassagem do trabalho, tornando-o, para os produtores, vazio e banalizado. Os
mecanismos teatrais acionados não foram colocados em xeque a não ser por aqueles que
os formaram; eles próprios se encarregarão de jogá-los no lixo. Impossível tolerar ad
aternum a chatice eternizada da peça.
Mas não só o meio de teatro complica o leque de opções. O mundo dos trópicos é
dotado de um clima onde não é possível manter mínima neutralidade. O golpe militar de
1964 impõe "questões externas "de reflexão que é preciso incorporar ao trabalho. Ao
artista é negado o direito de iludir-se com qualquer insinuação de aperfeiçoamento mais
direto e intenso dos seus instrumentais. Praticamente não existe tempo social para que
ele retire do interior do seu próprio trabalho a questão. Ela surge imponente e impostora
como exigência exterior e não há como negá-la. Fazê-lo significa existir para divertir e
não para trabalhar, significa a perda da arte e de sua força - local onde o poder deseja
vê-la contida. O riso e a razão são perigosos em todos os sentidos, devem ser usados
com moderação em intimidade com o ambiente. O artista não tem - como o intelectual -
um objeto de trabalho delineado em sua especificidade. Deve construí-lo a cada
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Diáspora, Inquisição, Tribunal do Santo Ofício, ser ou não serjudeu, odelírio de ser anti-
semita, o sonho de agradar a Hitler. O Oficina monta Andorra, onde a linha produtiva
pode incorporar diretamente Brecht, com consentimento" do autor. A imediatidade
neutraliza o rendimento artístico, realçando a inserção político-social do trabalho. A
montagem permite um primeiro contato forte com o problema do distanciamento do
épico do teatro como pura obra de razão. Só que, por um lado, a passagem é por demais
brusca; por outro, o trabalho não agrada ao Oficina como proposição técnica. O grupo já
foi mais longe do que o ponto em que está este distanciamento mais didático. E, ao final
das contas, ele oferece o risco de suprimir o que era questão. A passagem brusca
representa a percepção de um hiato na ideologia de produção, onde um nexo não foi
explicitado, onde boa parte das perguntas persiste sem encaminhamento. O trabalho não
oferece lógica de continuidade, mas uma modalidade de adiamento.
Enquanto projeto político cultural, Andorra é mais "frente ampla" do que Oficina. Na
conjuntura existente ficou mais difícil ainda a busca de autodefinição artística no
próprio projeto produtivo. No entanto, coordenadas nítidas foram traçadas. Em Os
Pequenos burgueses refutou-se o interesse teatral em representar o povo e suas
desgraças; não se ameaça mais o público pequeno-burguês com o inferno da miséria. Se
há uma opção para dizer algo à platéia, este algo é relacionável a sua própria miséria de
classe. Desconfia-se do caráter de líder revolucionário localizável em entidades tais
como "burguesia nacional" e "pequena burguesia esclarecida", valores mitificados por
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largos setores culturais da época. A definição é uma escolha do teatro como arte; por
construir, no seu interior, resta a questão política no plano mais integral e interiorizado.
A "falta de público" é objetivada no esforço de formação do público através da
enunciação nítida de suas preocupações. Além disso, eventos culturais variados são
promovidos no Teatro da Rua Jaceguai. Com relação ao problema da dramaturgia, o
Oficina objetivou-o jogando-o num certo afastamento: organização de um concurso de
peças, que não irá resultar nunca em encenação. Se a definição de suas propostas
internas caminha rapidamente, o mesmo não acontece como grupo como lugar artístico-
social. Os problemas gerados em instâncias exteriores devem ser superados - após sua
absorção pelo projeto, de produção.
A atitude política do grupo diante da realidade brasileira será confirmada numa nova
montagem. Sua realização assume alguns contornos derivados de um mecanismo do
grupo: as viagens de trabalho e as viagens ao exterior. Tanto quanto mostra, o Oficina
vê. Neste processo, o grupo estivera quase um ano fora de São Paulo, apresentando-se
pelo país. José Celso Martinez Correa fora à Europa. Para a montagem, foram
dispensados alguns elementos da equipe para "descanso cultural" no exterior (Renato
Borghi e Fernando Peixoto) e atores estranhos foram contratados. Alguém na equipe
tem que exercer sempre alguma liderança, especialmente nos momentos em que mais
claramente o projeto de trabalho se impõe como questão na verdade é apenas um
momentâneo estar à frente "para impulsionar o trabalho. Trata-se do instante em que um
esforço radical de reflexão (também prático) é preço para a continuidade. A
impessoalidade da observação significa dizer que não é possível atribuir a José Celso a
carga de todas as operações; ou não se entende um Oficina que é efetivamente grupo.
Os Pequenos burgueses e Andorra esgotaram a questão moderna e tornaram-se passado.
O projeto produtivo é um vazio a preencher. O detonamento da questão em nova
questão tem que ser procurado inclusive no palco.
propomos ao público é um ato simples: que ele, além de ouvir, veja. O palco não deve
ser considerado como uma caixa mágica na qual os atores pisarão para dizer frases
extraordinárias; o palco é a moldura de uma sociedade e os personagens são seus
homens.
O texto observa ainda que o espetáculo não está acabado" e incita o público a formular
perguntas, levando-as ao conhecimento do grupo - para que este possa caminhar no
sentido da procura de uma nova emoção, uma emoção que tire o espectador de si
mesmo, imponha sua definição a partir dos outros membros de sua sociedade.
José Celso M. Correa comenta e divulga o trabalho com 'dicas" precisas: refere-se ao
problema do "tempo" de montagem estipulado pelo produtor (um mês e meio)
determinando em parte a escolha de autor já conhecido, a falta de um número suficiente
de atores com domínio do Método (para viabilizar, inclusive, uma pretendida
ultrapassagem em direção a Brecht), o uso de procedimentos da pop-art para provocar o
estranhamento de objetos cotidianos, a concepção do cenário como referência narrativa,
o emprego de painéis e cenários para romper a individualização das situações e seu
congelamento no passado.
No mês de maio de 1966 o grupo está no Rio de Janeiro, no Teatro Municipal, e, ao que
tudo indica, está com o processo de montagem de Galileu Gailei bastante adiantado em
São Paulo, em vias de estrear. Sua temporada começará no TBC e Joe Kantor também
participa desta produção. Num grupo que chegou a um momento produtivo altamente
tensionado, tendente à ultrapassagem da ruptura moderna, cercado pela diluição (no
sistema de arte) de suas propostas num ralo mingau, optar por Galileu Galilei e montar
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o texto num clima febril é motivo para indagação. Parece evidente que este texto, tantas
vezes reescrito por seu autor e tão rigorosamente sintonizado com uma temática cujos
contornos tendem a invalidar a discussão (a autonomia da ciência e do artista no espaço
social; a apropriação utilitária-conservadora pelo poder, em diferentes instâncias, das
construções mais inquietantes do espírito humano; a possibilidade de ruptura com as
instâncias castradoras e da opção integral pelo lado do povo), apresenta no seu conteúdo
o claro desejo do grupo de combater-denunciar às claras a pulverização que ele próprio
sofre. O sentido claro de "oportunidade" que Brecht teve na sua elaboração original
impregna a própria forma cênica insinuada pelo texto, como mostra Bernard Dort em
diversos textos, qualificável como "híbrida", intermediária entre os opostos que Brecht
designava como "aristotélico e épico", seus mais importantes conceitos produtivos. A
sedução do tema encerra um perigo claro de fuga ao momento artístico venciado no
Oficina: cristalização num texto "ideal" da escritura cênica manipulada na última
montagem, em especial na direção de cena. O risco é uma adequação "por demais
afirmativa", solucionadora do dilema do palco.
A tentação é optar, na análise, pelo valor místico do fogo como purificador. Na verdade
trata-se de uma situação menos alentadora e mais melancólica: os deuses já morreram
ou baniram o mundo de suas lembranças, estamos entregues ao puro acaso como
história. O processo cultural se faz como sintonia entre o trabalho teimoso de alguns e o
fluxo histórico cego, lance de dados. Para superar a crise geral que o incêndio provoca,
é organizada a primeira grande retrospectiva. O alcance do empreendimento é muito
mais profundo do que uma simples política de repertório ou recuperação de reveses .
Premido pelas circunstâncias, o grupo tem que pensar produtivamente para dizer o que é
- promovendo sua reestruturação. Pode inclusive alargar os contatos na área cultural,
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pelo autor através das metáforas, o que foi dito através do autor "O MUNDO QUE FOI
FALADO POR ELE"); o autor como biografia, fases, projeto existencial - sentido
formal político - ideológico; o estilo do teatro. Cita-se Maiakovski, Meyerhold e "os
russos do começo do século até o stanilismo", Artaud; o teatro moderno e as outras
formas de arte; "O Teatro da Crueldade - O Teatro de Estádio; Oswald -Stanislavski". A
estrutura econômica é qualificada como tendo um sentido final político ("TODO
TEATRO É POLÍTICO... PORQUE PRESSUPÕE UMA AÇÃO COMUM DA
PLATÉIA... ESTA ASSISTE COMO GRUPO E ELE QUE VALORIZA O TEXTO").
A relação com o público é explicitada num desejo de atingir aplausos pela superação do
próprio público: "O inconsciente do ator, de nós, atores, deve ser trazido à tona e
devemos dar à cena, à peça os sentidos mais universais e brasileiros que ela puder ter."
Justifica-se o projeto com uma conceituação da consciência e do alcance da experiência
estética:
A consciência acede ao real não pelo seu desenvolvimento' interno, mas pela prática.
pelo encontro do outro que si mesmo, através do trabalho, da ação - e todas as ações são
feitas no sentido de manterem este mesmo museu de cera.
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"Uma metáfora destinada a confirmar o caráter de ação inútil que hoje sentimos no que
fazemos e a necessidade ideológica ou real de se encontrar uma outra saida...
SISTEMA BRASILEIRO."
(Foram realizadas algumas correções da datilografia e da
gramática para tornar o texto mais claro. Não foram
reproduzidos grifos e sinais diversos.)
Uma bibliografia básica é indicada para cada etapa de trabalho. História e política são
remetidas a Caio Prado Júnior, Lêoncio Basbaum, Edgard Carone, Celso Furtado, R.
Debray, Che Guevara. Para a nova crítica (teatro) são relacionados Dubroviski,
Altbusser (Pour Marx) e Bernard Dort. Para a questão mesma do espetáculo, além da
lista bastante ampla de e sobre Oswald de Andrade, são indicados Meyerhold a Artaud.
Bernard Dort é o crítico que apresenta a peça no programa francês (convites recebidos
para Nancy, Paris, Florença). Observa que o poder da provocação do espetáculo não
provém da situação histórica que enfoca, mas do seu tratamento cênico, tratamento
como representação - O Oficina levou até as últimas conseqüências, a seu ver, as
insinuações de Oswald associáveis a Marinetti e ao dadaísmo. O Brasil no palco é mais
que cadáver, é farsa de cadáver. A montagem é massacre total levado às últimas
conseqüências, com o épico, o teatro de variedades, a opereta, a ópera sendo parodiados.
Uma espécie de escalada no deboche teatral em que a história do Brasil é comédia
histórica monstruosa. "Esta comédia farsa de um Brasil em transe é também uma
maneira de terminar com a estéril imitação do teatro ocidental, de fazer tábua rasa.
Estamos aqui diante não de uma tranqüila tentativa de fundar um teatro folclórico e
nacional (como era o espetáculo brasileiro apresentado em Nancy e Paris há dois anos:
"Morte e Vida Severina") mas de um apelo raivoso e desesperado por um outro teatro:
um teatro de insurreição."
O texto do crítico indica uma relação produtiva que ainda não foi explicitada além de
sua constatação - o cinema-novo, a música popular (tropicalismo), a poesia possuem
manifestações com o mesmo sentido geral, na mesma época. Pode-se dizer hoje que
todos sofrem naquele momento o mesmo tipo de pressão, sendo menor o seu efeito
apenas no caso do cinema.
"Nunca assistimos no Brasil a um espetáculo tão prenhe de intenções, com uma exegese
que não se prende aos elementos óbvios, mas busca a sua validade na obra inteira de
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Oswald e numa meditação sobre todo o teatro moderno e a realidade do país. Talvez a
explicitação excessiva tenha sufocado a espontaneidade e diluído o ritmo, e por isso a
montagem se comunica aqui e ali, sem atingir a platéia como impacto vivo e contínuo,
como nos sugere a leitura do texto, de uma rapidez quase vertiginosa. (Sábato Magaldi -
Jornal da Tarde. S.P. 3/10/1967)
"Nunca julgaríamos, por exemplo, que a carga de sexualidade de O rei da vela fosse
considerada algum dia insuficiente, necessitando de explicitação e reforço. No entanto,
é o que acaba de acontecer. O ideal de encenação de José Celso Martinez Correa é ir
sempre um pouco mais além do texto, ser mais Oswald de Andrade do que o próprio
Oswald de Andrade.(...) A espinafração... pode ser definida como o método por
excelência do novo espetáculo do Oficina(...)
O rei da vela é cheia de altos e baixos: o público ora fica preso ao espetáculo, ora parece
perder por completo o contacto com acena... oscilação (que) não chega a ter no caso
maior importância porque o talento de Oswald não é de equilíbrio, de homogeneidade...
Nem tudo é bom em O rei da vela. Mas o que é bom é muito bom." (Décio de Almeida
Prado. O Estado de São Paulo. S.P. 20/10/1967)
... é a sua realização mais autêntica, porque..., tentando desfazer-se das influências,
absorve-as e mais que isso, transforma-as em criação própria. O Rei da vela é um
espetáculo expressivo, merecedor de nosso aplauso mais amplo." (Van Jafa - Correio do
Manhã. R. J. / /1967.)
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Não creio... que o caminho que o Oficina abre com O rei da vela seja o único possível
para o teatro brasileiro de hoje. A importância e o impacto dessa produção não
invalidam nem as experiências anteriores do próprio grupo paulista, nem o trabalho que
está sendo feito por outras empresas... Há em nosso teatro lugar para muitos tipos de
experiência que exprimam, de muitas maneiras, a realidade brasileira. E, positivamente
não é só através de agressão que essa realidade pode ser captada. Usadas por mãos
menos competentes e talentosas do que as de José Celso Martinez Correa e dos seus
companheiros, ou aplicadas a um texto diferente, na sua essência, de O Rei da Vela, as
técnicas aqui postas em funcionamento poderão levar a resultados simplesmente
ridículos." (Yan Michalski Jornal do Brasil. R.J. / / .
A crítica carioca Luiza Barreto Leite, no texto "Oswald, Oficina e o tempo", publicado
em seu livro Teatro e criatividade" (edição SNT -Funarte) observa principalmente que a
montagem se inscreve no interior de um ciclo juvenil que opta pela violência da
linguagem e cita procedimentos que, acredita. teriam sido úteis: certos cortes e
reduções. Suas observações prendem-se a uma refutação (ingênua) de um pontos
centrais do trabalho como linguagem: solicitam uma vinculação ao sentido. A uma
negação, portanto, da própria antropofagia, afinal. Refere-se ainda a um certo estilo de
Oswald" que teria sido contaminado por um certo tropicalismo carioca... Mas tem uma
intuição mínima, embora vaga, de estar diante de algo de certa significação, ao afirmar
mesmo que será um problema para o grupo a escolha de um novo texto, a opção para
um novo espetáculo. Como nota ao texto, acrescenta que a peça, sem dúvida a mais
discutida montagem de sua própria época, após a apresentação no exterior foi recebida
'como uma espécie de lixo".
desde logo, no seu valor geral e na sua eficácia necessária, no sentido de abalar o
conformismo de amplas parcelas do público. A violência pode certamente funcionar e
tem funcionado no caso de peças e encenações excelentes ou ao menos interessantes. O
mérito de José Celso no terreno artístico é indiscutível. Mas fazer da violência o
princípio supremo, em vez de apenas elemento num contexto estético válido, afigura-se
contraditório e irracional." (ROSENFELD. A. in Texto/Contexto. S.P. Editora
Perspectiva. 1969. pp 55/56)
CONCLUSÃO
No entanto, certos dados precisam ser acrescentados - com um sentido conclusivo, mas
não definitivo - e algumas conexões internas, que atravessaram de ponta a ponta o texto,
trazidas um pouco mais à tona. Em princípio deve ser focalizada a relação com as
montagens estabelecida pela crítica teatral, esta espécie de profundo "não estou
entendendo" capaz de vaiar e aplaudir. Enquanto espaço social de trabalho (que é
concedido e não criado) ela foi vista - independentemente de méritos, valores e anseios
pessoais - como sintonia normativa do sistema de arte (questões sem processo e
discussão). Sua ação abrange o jogo dos processos produtivos, no qual pode interferir
como espécie de "juiz" de questões. Atinge a relação palco-platéia, querendo ou não, ao
lidar com os processos e ao levantar - para pôr em circulação nos textos -apreciações
autorizadas (especializadas) em torno da produção. Dentro da área de trabalho teatral, o
elemento institucional que dispõe de maior poder para interferir, em termos imediatos,
na atmosfera que a envolve, como circulação de idéias, é o crítico. A posteridade
sempre poderá provar ou não a sua razão - não importa. A sua intervenção ficou
registrada naquilo que era o presente. Os prováveis efeitos não se pode abolir. A critica
faz parte do quadro cultural vigente e é levada a ocupar nele um papel que não pode
controlar.
No caso brasileiro foi apontada a peculiaridade deste mecanismo como opacidade diante
dos processos, projetos e questões - situação que não pode ser estendida a toda realidade
da arte no mundo capitalista. O critico pode, no mercado de arte, ser colocado no papel
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Às vezes o crítico propõe outra montagem, a seu ver mais correta. Ou vincula o
percebido a adjetivos tronitroantes , fazendo da peça exemplar raro, digno do museu ou
do lixo, impedindo a sua inteligência com a submersão no deslumbramento ou horror.
Ou aplica sempre a tudo e a todos regras e noções que erigiu sozinho em sistema, sem
nunca se dar ao trabalho de conter suas pretensões.
No interior de uma opção pelo teatro que tornou-se visceral e apaixonada, Calileu
Galilei é desesperada tentativa de retrocesso. O palco explodira e não se delineou o
encaminhamento desta questão, dadas as circunstâncias em que ocorreu. Galileu Galilei
era projeto antigo, preocupação técnica anterior ao próprio incêndio. Possível retorno-
exorcismo da nova ameaça do precário.
Os tempos não são favoráveis e parecem sugerir que precisam de heróis para que se
imponha o terror da estagnação. O Ato Institucional número 5 e Galileu se encontram
em cena aberta. O "carnaval do povo" acontece por trás das grades. A montagem é
grande sucesso, mas sucesso num espaço que se tornou impossibilidade plena. O
precário é a ordem, sem sentido produtivo. Enquanto a platéia delira o delírio da
indústria cultural, a critica 'vai se recolhendo ao estrito limite de conservação do poder.
Talvez fosse possível encontrar mais uma vez a continuidade do projeto de trabalho.
Nova retrospectiva comemora os dez anos do grupo, que faz uma grande viagem pelo
país (utropia). Trabalha-se com Os Pequenos burgueses, O rei da vela e Galileu Galilei,
buscando encadeamento de questão, e num novo trabalho que permanece muito tempo
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sem nome ou com vários nomes, durante sua elaboração. Em 1972, após fracassar o
projeto de vida comunitária, Gracias senor estréia no Rio.
Pensar o Oficina nos anos setenta é operação que envolve outro intrincado de
indagações. Sem considerar, talvez, alguns "encenadores independentes" (Amir Haddad,
por exemplo) ou grupos vinculados de forma direta ao Oficina (Capanema, Ananke, Pão
e Circo), seria possível localizar no período um processo de recalque de Oficina, como
diluição de suas soluções produtivas radicais (ao menos as mais antigas)? Seria possível
afirmar, por exemplo, que certos setores mais próximos das conceituações próprias do
Arena teriam sido levados, neste movimento de diluição, a reconhecer alguns elementos
(mesmo banais) que outrora qualificaram como estetizantes? A cena vigente seria por
acaso a diluição a crítica do moderno em diversas vertentes'? Existiria vinculação entre
este pseudo palco moderno e a racionalidade técnica construída pela TV? O próprio
grupo Oficina não teria sido levado a absorver, por anexação simples, para preservar
certa margem de 'irreverência maldita", velhos temas que descartou ao ultrapassar as
referências tomadas ao Arena? O que seria a obsessão do estádio, a ideologia da
participação, a mística da liberação do corpo como espaços-limites à ideologia de
consumo?
Não se deduza deste trabalho qualquer elemento para a construção de heróis ou vilões.
Não há tragédia na história, apenas um certo movimento de teatro. Os que cruzam a
cena são personagens circunstanciais com tarefas específicas e essenciais à encenação,
mas transitórias. Cada um registra sua própria fala, com seus próprios recursos, na
memória do observador. O importante ainda é que o observador aplique sua razão ao
que vê para atingir o entendimento.
levar adiante o seu próprio trabalho. É possível afirmar também que os resultados
atingidos começaram a ser objeto do esforço (direto) de neutralização de sua
radicalidade, promovido pelo sistema de arte, já a partir de O rei da vela -já que este
sistema, antes, não conseguira realizar seu desejo de imobilizar o trabalho do grupo. É
possível afirmar ainda que a questão contemporânea não chegou a marcar de forma
clara o espaço teatral - subsistiu no ar como caricatura.
O movimento de teatro da história é a comédia, por isso não há o herói trágico. Sequer
humilde. A cada dia um ator ou grupo descobre novamente os textos de Stanislavski e
esforça-se em ensaios para extrair uma 'importante encenação". As montagens em cena
esforçam-se para reconhecer a quarta parede, alcançar uma atuação "verdadeira", passar
uma "mensagem".
"Bien des arts ont leur science ou au moins ses quelques lignes de force.
A présent, c'est le tour du théâtre.
Mais pour que cette scien e trouve un terrain favorable pour naitre et se développer, il
faut que l'art théâtral ait enfin pris une claire conscience de lui-même et se désolidarise
de tous les éléments accessoires; il faut mener la théâtralisation du théâtre jusqu 'au bout
avec fermeté.
Le théâtre est le théâtre.
Il est temps de faire sienne cette simple verité." (Alexandre Talrov - 1915/1920)