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2000
Egberto Ribeiro Turato
INTRODUÇÃO À METODOLOGIA DA PESQUISA CLÍNICO-QUALITATIVA
– DEFINIÇÃO E PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Revista Portuguesa de Psicossomática, jan-jun, año/vol. 2, número 001
Sociedade Portuguesa de Psicossomática
Porto, Portugal
pp. 93-108
Revista
Portuguesa
93 Revista
de Introdução à Metodologia da Pesquisa Clínico-Qualitativa
Portuguesa
Psicossomática
de
Psicossomática
Introdução à Metodologia da
Pesquisa Clínico-Qualitativa –
Definição e Principais
Características
Egberto Ribeiro Turato*
Por conseguinte, se não é a coisa entados para o processo, usados para com-
que lhe interessa, o alvo do interesse preender, interpretar, descrever e desen-
do estudioso é, por outro lado, o "sig- volver teorias relativas a fenómenos ou a
nificado" que as coisas ganham, ou settings (1995, p. 243).
seja, significados que um indivíduo
em particular ou um grupo determi- Na falta de uma tradução precisa
nado atribuem aos fenómenos da na- para o português, mantive a palavra
tureza que lhes dizem respeito. Estas "emic" no original, e que deve ser en-
pontuações merecerão cuidado espe- tendida como o estudo e análise de um
cial mais á frente, quando apresento setting ou comportamento interpretados
as características dos métodos quali- a partir da perspectiva do autor (sujeito
tativos. Prosseguindo, em palavras do comportamento). Assim, explicações
semelhantes, Bogdan e Biklen enten- culturais e padrões são indutivamente
dem a pesquisa qualitativa como "descobertos" dentro do contexto cultu-
aquela em que os pesquisadores tem ral em vez de analisados a partir da pers-
como alvo o seguinte: pectiva do pesquisador, de uma
"…melhor compreender o comporta- estruturação prévia ou de teorias (Morse
mento e a experiência humanos. Eles pro- e Field, 1995, p. 242). Este estudo e
curam entender o processo pelo qual as análise, a partir da visão do pesqui-
pessoas constroem significados e descre- sador, são chamados de "emic" e per-
vem o que são aqueles significados. Usam mitem que sejam feitas generalizações
observação empírica porque é com os even- transculturais (referência idem). Os
tos concretos do comportamento humano autores procuraram ser abrangentes
que os investigadores podem pensar mais na sua definição, mas infelizmente
clara e profundamente sobre a condição deixaram de fora a palavra "signifi-
humana " (1998, p. 38). cado", um termo-chave. No seu alvo
amplo, no entanto, ganha força a pa-
Aí também os educadores norte- lavra "teorias", as quais, na ênfase de
-americanos tomam "significados" Morse e Field, devem ser compreen-
como uma palavra-chave. Novamen- didas (já foram postas por outros,
te depreendemos que o pesquisador antes da pesquisa) ou desenvolvidas
qualitativo não quer entender/inter- (o pesquisador propõe a sua) sobre o
pretar as pessoas em si mesmas (me- objecto de estudo.
dindo os seus comportamentos ou Privilegiando uma definição na vi-
correlacionando quantitativamente são estrutural e com objectivos contem-
eventos das suas vidas), explicando plando mais o campo da saúde colec-
o que, a seu ver, acontece com elas. tiva, as metodologias da pesquisa
Morse e Field apresentam uma defi- qualitativa podem ser entendidas
nição detalhada de métodos qualita- como:
tivos: "…aquelas capazes de incorporar a
Métodos de pesquisa indutivos, questão do significado e da intencio-
holísticos, êmicos (emic), subjectivos e ori- nalidade como inerentes aos actos, às re-
to os qualitativos são indutivos. Fala- pelo menos temporária, de que essa for-
mos nos métodos indutivos entendi- ma de representação da realidade é acei-
dos teoricamente como aqueles que tável, embora possam existir outras igual-
partem do particular para o geral e mente aceitáveis, sendo que o importante
nos dedutivos, ao contrário, que par- é manter uma atitude flexível e aberta,
tem do geral para o particular. Con- admitindo que outras interpretações po-
cordo com Triviños, acerca dos fenó- dem ser sugeridas, discutidas e igualmen-
menos, ao comentar que podem ser te aceites (1986, p. 52). Appleton lem-
explicados num processo dialéctico bra-nos que a validade dos dados da
indutivo-dedutivo. É compreendido em entrevista qualitativa acontece na
sua totalidade, inclusive, intuitivamen- medida que o estudo revela uma des-
te. (1987, p. 130). crição acurada das experiências dos
indivíduos e que as pessoas ao terem
10. Validade dos dados como for- esta experiência reconheceriam ime-
ça do método diatamente aquelas descrições ou in-
terpretações como sendo delas pró-
Podemos dizer que os estudos prias (1995, p. 995).
qualitativos têm a sua maior força na
validade, isto é, no alcance para o qual 11. Descrição dos dados e inter -
a medição reflecte autenticamente o pretação como fases concomi-
fenómeno sob exame, em contraste tantes
com a força maior dos estudos quan-
titativos que se encontra na fidedig- Podemos falar que a pesquisa qua-
nidade (confiabilidade, reprodutibi- litativa apresenta dados descritivos e
lidade, qualidade do que é receptível), as descrições são tratadas interpre-
ou seja, no alcance para o qual a me- tativamente (Martins e Bicudo, 1989,
dição produz a mesma resposta a p. 28). Os dados colectados levam a
cada vez que é usada (Pope e Mays, forma de palavras, os resultados es-
1995, p. 43). Bogdan e Biklen pon- critos devem conter citações literais
tuam que pesquisadores qualitativos ilustrativas que dão vida à apresen-
não partilham a expectativa de que tação, bem como as interpretações,
deva haver a mesma consistência nos com toda a sua riqueza, devem estar
resultados de observações feitas por dife- tão próximas quanto possível da for-
rentes autores ou pelo mesmo autor todo ma como aparecem gravadas
o tempo, mas estão preocupados com a (Bogdan e Biklen, 1998, p. 5). Além de
precisão e a compreensão de seus dados que o pesquisador qualitativo deve
(1998, p. 35-36). Para as educadoras complementar a redacção com as ob-
Lüdke e André, o que se espera nos es- servações emergentes no setting da
tudos qualitativos não é que os observa- entrevista, sempre perguntando a si
dores totalmente isentos cheguem às mes- próprio o porquê dos detalhes da lin-
mas representações dos mesmos eventos, guagem verbal e não verbal daquele
mas sim que haja alguma concordância, entrevistado.