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Giovana del Prette 53-71

www.revistaperspectivas.com.br
ISSN 2177-3548

Treino didático de análise de contingências e previsão de


intervenções sobre as consequências do responder
Didactic training of contingency analysis and prediction of interventions
on the consequences of responding
Giovana Del Prette1
[1] Núcleo Paradigma de Análise do Comportamento e Universidade de São Paulo (USP), Brasil | Título abreviado: Análise e intervenção: O controle pelas con-
sequências | Endereço para correspondência: Giovana Del Prette. Rua Wanderley, 611. CEP: 05013-000. São Paulo, SP. | E-mail: gdprette@gmail.com

Resumo: O objetivo deste artigo é ensinar o passo a passo da construção de quadros de


tríplice contingência, a partir da elaboração de hipóteses funcionais a respeito das relações
entre respostas, seus antecedentes e suas consequências. O texto contém diversas pergun-
tas grifadas, sinalizando que o leitor deve respondê-las antes de prosseguir. Inicialmente, a
partir de exemplos simples, são discutidas as questões necessárias à elaboração de análises
de contingências e, aos poucos, são colocados exemplos mais complexos. Estes requerem
a compreensão de que, em situações não controladas, as respostas usualmente produzem
múltiplas consequências, sobrepondo ou alternando reforçamento, punição e extinção. Em
uma segunda etapa, apresenta-se também um exercício de previsão dos efeitos de interven-
ções sobre as consequências do responder. São enfocadas a modelagem e o reforçamento
diferencial a partir do relato do cliente e dos seus comportamentos na própria interação
terapêutica. Ressaltando a importância do reforçamento natural, o trabalho se encerra com
a apresentação das prováveis mudanças do cliente no exemplo hipotético, a partir das inter-
venções levantadas.
Palavras-chave: análise de contingências, hipótese funcional, intervenção, modelagem, re-
forçamento natural

Abstract: The aim of this article is to teach how to develop triple contingencies tables, ba-
sed on functional hypotheses about the relationships between responses, its antecedents and
consequences. The text has a number of highlighted questions that should be answered by
the reader. Beginning with simple examples, the issues necessary for the development of
contingency analysis are discussed and gradually more complex examples are presented. The
last requires an understanding that, in uncontrollable situations, responses usually produ-
ce multiple effects, overlapping or alternating reinforcement, punishment and extinction.
Afterwards, an exercise about predicting the effects of interventions over the consequences
of responding is presented. Focus on modeling and differential reinforcement, based on the
client’s relates and his behavior in the very therapeutic interaction, are provided. Emphasizing
the importance of natural reinforcement, the work is concluded presenting the likely changes
of the client in the hypothetical example, based on the interventions gathered.
Keywords: contingency analysis, functional hypothesis, intervention, modeling, natural
reinforcement

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O objetivo deste artigo é ensinar ao analista do uma interação face a face, individual e de gabinete,
comportamento em formação, de modo didático, embora tenha suas variações, como o acompanha-
a construir quadros de tríplice contingência, cole- mento terapêutico e a terapia em grupo. Essa intera-
tando de forma precisa e suficiente as informações ção especial é composta de um indivíduo (o pacien-
necessárias e elaborando hipóteses funcionais a te) que procura ajuda para um problema e outro (o
respeito das relações entre respostas, seus ante- terapeuta) que deve prover condições para aliviar
cedentes e suas consequências. A partir de exem- seu sofrimento e melhorar seu funcionamento co-
plos simples, o texto pretende conduzir o leitor a tidiano (Garfield, 1980). Além disso, embora haja
formular contingências cada vez mais complexas, variações no método e na interpretação dos fenô-
especialmente no campo das consequências. Este, menos psicológicos, os objetivos da clínica são, em
como se sabe, em situações não controladas expe- geral, alcançados primariamente por meio de conta-
rimentalmente, costuma incluir diferentes esque- to interpessoal, via interação verbal entre terapeuta
mas de reforçamento, com componentes de extin- e cliente (Kazdin, 1988; Kazdin & Weisz, 2003).
ção, punição, reforços positivo e negativo, que se Posto isso, entende-se que esta prática se am-
sobrepõem e formam a singularidade da ontoge- para em um modo de compreender o mundo – a
nia de cada ser humano. Em uma segunda etapa, filosofia do behaviorismo radical – e em um corpo
apresenta-se também um exercício de previsão de de conhecimentos cientificamente produzidos - a
intervenções sobre as consequências do respon- análise do comportamento -, coerente com esta fi-
der, com foco na modelagem e no reforçamento losofia (a esse respeito, ver, por exemplo, Carrara
diferencial a partir do relato do cliente e dos seus [2005] e Tourinho [1999]). Segundo Lattal (2005),
comportamentos na própria interação terapêutica. um dos objetivos da análise do comportamen-
Ao longo do texto, são formuladas perguntas ao to, enquanto ciência, é “desenvolver princípios
leitor (destacadas em itálico), com o intuito de que comportamentais gerais que podem ser aplicados
ele mesmo elabore suas respostas (pensando, discu- igualmente a humanos e a não humanos” (p. 16).
tindo com colegas ou escrevendo em folha à parte) Tais conhecimentos são produzidos por meio de
antes de dar continuidade à leitura. Assim, a orga- pesquisas básica e aplicada. Na pesquisa básica, os
nização deste material pretende, adicionalmente, comportamentos do pesquisador estão sob contro-
favorecer um treino das habilidades de raciocínio le da produção final de novos conhecimentos e do
do analista em formação, condizente com os pres- desenvolvimento de métodos e técnicas para análi-
supostos teóricos brevemente explicitados a seguir. se, previsão e controle do comportamento. Na pes-
Somos terapeutas analítico-comportamentais à quisa aplicada, o pesquisador também se comporta
medida que temos uma prática profissional clínica sob controle da produção de conhecimento, mas
guiada por uma filosofia denominada behaviorismo com um foco mais direto em questões práticas.
radical e pela ciência da análise do comportamen- Um dos resultados das primeiras pesquisas
to (Meyer, Del Prette, Zamignani, Banaco, Neno & básicas, conduzidas por Skinner e sua equipe de
Tourinho, 2010; Sturmey, 1996). Dessa afirmativa, pesquisadores, foi a constatação de relações entre
deriva-se muito do que precisamos saber e apren- as respostas dos organismos e suas consequências
der para a nossa formação enquanto profissionais. (e.g., Sidman, 2001; Skinner, 1938). Estas pesquisas
Enquanto prática profissional clínica, queremos são ditas empíricas. O empirismo se refere à uti-
especificar um campo que possui certas caracterís- lização de métodos científicos tradicionais (aque-
ticas e para o qual o terapeuta analítico-comporta- les originários do empirismo filosófico), de modo
mental possui as ferramentas necessárias. A clínica, que as teorias científicas produzidas se baseiam na
portanto, delimita uma das diversas possibilidades observação do mundo, e não na intuição ou na fé.
de prestação de serviços, como a escola (Psicologia Em outras palavras, a relação entre respostas e suas
Escolar), o hospital (Psicologia Hospitalar), as em- consequências é oriunda de observação sistemáti-
presas (Psicologia Organizacional) e assim por dian- ca (com controle de variáveis), de modo que esta
te. A clínica também especifica um setting – cultu- relação é um fato, e não uma suposição ou elabo-
ralmente determinado – que ocorre por meio de ração. Consequências de uma resposta operante

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retroagem sobre ela, aumentando ou diminuindo Análise de Contingências


a sua probabilidade, o que caracteriza o compor- Pense como você selecionaria e descreveria os com-
tamento operante. O comportamento operante é portamentos a seguir:
didaticamente descrito em termos de uma tríplice - Um gato em uma caixa experimental, puxan-
contingência, composta de antecedentes (estímulos do uma corda com sua pata.
discriminativos e operações estabelecedoras, quan- - Um bebê chorando porque “gosta de fazer ma-
do houver), respostas e consequências. nha”.
Dos muitos atributos do comportamento ope- - Um menino birrento de sete anos, com auto-
rante dos organismos, alguns são de especial inte- estima baixa.
resse neste artigo, a saber: Perceba que os exemplos acima não necessa-
- A capacidade das respostas serem afetadas riamente incluem todos os termos da tríplice con-
pelas consequências é determinada filogeneti- tingência, nem mesmo estão descritos da melhor
camente. maneira para que o terapeuta em formação possa
- As relações específicas que são estabelecidas prosseguir em sua análise. Foram assim colocados
entre resposta e consequência são determinadas de modo proposital, pois muitas vezes, devido ao
ontogeneticamente. repertório (ainda incipiente) de descrição de even-
Tais relações podem ser classificadas como re- tos, os clientes podem trazer também informações
forçamento (positivo ou negativo), punição (posi- incompletas, análogas a estes exemplos. Nesses ca-
tiva ou negativa) e extinção operante. sos, o terapeuta tem duas opções básicas, atuando
O empirismo não apenas especifica o método simultaneamente sobre ambas na maior parte das
de produção do conhecimento, como também uma vezes. A primeira é preencher as “lacunas” da trípli-
posição filosófica, segundo a qual este conheci- ce contingência com hipóteses funcionais. Para isso,
mento vem do mundo observável, e não das ideias pode lançar mão de tantas hipóteses quantas forem
(ou mente, consciência, psiquê, alma e afins). Este necessárias e plausíveis, levando em conta todas as
aspecto é, pois, coerente com outros atributos do informações de que dispuser. A segunda, comple-
behaviorismo radical, como o monismo (em opo- mentar, é organizar-se para coletar, de algum modo,
sição ao dualismo mente-corpo). Sendo assim, na as informações omissas - o que o leva a fortalecer
clínica, o método de coleta de dados do analista ou a refutar algumas das hipóteses já aventadas, a
(prestador de serviços) também deve ser, primor- criar novas hipóteses ou a complexificá-las. Vamos
dialmente, a observação do comportamento, orga- verificar como isso se dá a partir do primeiro exem-
nizado sob a forma esquemática da tríplice contin- plo, mais simples: “Um gato em uma gaiola expe-
gência. Usualmente, interações são compostas de rimental, puxando uma corda com sua pata”. Qual
longas cadeias de respostas, em que a resposta de seria a organização didática desta informação?
um indivíduo é antecedente ou consequência para Observe:
a do outro. Para fins de análise (decomposição em
fatores), a tríplice contingência corresponde a um Antecedente Resposta Consequência
recorte da menor unidade funcional dessas cadeias. Gaiola experimental Puxar uma ?
O treino de observação deve fazer parte da Presença de uma corda corda
formação do terapeuta analítico-comportamental.
Ele inclui algumas habilidades, a começar pela ha- No campo da resposta, preenchemos a ação do
bilidade de selecionar um comportamento-alvo gato, puxar uma corda. Sabemos também onde o
(incluindo respostas e estímulos) e de descrever gato se encontra, um contexto mais amplo ou a gaio-
acuradamente este comportamento. O analista em la experimental, descrita em termos de antecedente,
treinamento pode iniciar este treino a partir de em que também acrescentamos outros estímulos re-
comportamentos simples, de organismos humanos levantes, ou o contexto mais específico, a presença de
ou não, conforme será apresentado a seguir. uma corda que possa ser puxada. Note que, muitas
vezes, não é necessário que o antecedente seja algo

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“acontecendo” no mundo, mas somente algo “pre- se assemelha à “esquiva sem sinais de aviso”, descri-
sente” no mundo. Lembrar-se disso facilita a identi- ta por Sidman (2001):
ficação das informações necessárias para este campo. Uma vez que tenham aprendido [a pospor cho-
Quanto às consequências, não temos qualquer ques], eles pressionam a barra com frequência
informação a preencher (isto é muito comum; clien- suficiente para receber choques apenas ocasio-
tes raramente descrevem as consequências de com- nalmente. Macacos ficarão dias sem um choque,
portamentos1!). Então lançamos mão de hipóteses. raramente diminuindo o suficiente a velocidade
Uma vez que puxar uma corda dificilmente seria um para receber um lembrete da contingência. Eles
comportamento respondente, nossa primeira per- comportam-se com uma persistência e uma
gunta pode ser: o que mantém a resposta? Será um compulsividade que se assemelha ao compor-
reforço positivo (o gato ganha algo) ou negativo (o tamento patologicamente rígido e inflexível que
gato elimina algo)? Em seguida, podemos observar frequentemente vemos ao nosso redor – algu-
o gato ou perguntar ao experimentador (e confiar mas vezes em pessoas que, quanto ao resto, são
na precisão de seu relato). Talvez notemos que pu- normais. Com esquiva não sinalizada, o que o
xar a corda não acrescenta nada ao ambiente do gato sujeito faz parece completamente não relacio-
que possa ser detectável pelo observador, mas não nado a qualquer coisa mais. (pp. 144-145)
puxá-la sistematicamente leva à ocorrência de um Passemos ao segundo exemplo, ligeiramente
choque pelas grades do chão da gaiola. Como você mais complexo - “Um bebê chorando porque ‘gosta
operacionalizaria esta contingência, agora completa? de fazer manha’” -, outra descrição não apenas in-
Veja: completa, mas com atribuições causais mentalistas:
diz-se que o bebê chora porque gosta de fazer ma-
Antecedente Resposta Consequência nha e que faz manha quando está chorando; neste
Gaiola experimental Puxar a corda Pospor choque círculo vicioso, perdemos de vista as variáveis am-
Presença de uma com a pata (Sr-)1 bientais. Além de ser uma explicação equivocada,
corda
pode levar o analista pouco experiente a supor que
“gostar de fazer manha” seria uma consequência do
Agora temos uma contingência razoavelmente chorar. Com estas poucas informações, como pode-
completa, em uma situação experimental simples. ríamos preencher corretamente o quadro da tríplice
Em resumo, buscamos características do contexto contingência?
(antecedente), verbos indicativos das ações do su- Observe:
jeito (resposta) e alterações ambientais resultantes
de tais ações (consequência), especificando sua fun-
Antecedente Resposta Consequência
ção (no caso, Sr-, retirada de estímulo reforçador
? Bebê chorando ?
negativo). Como você descreveria o quadro acima? (“manha”)
Observe:
Em uma gaiola experimental, a presença de uma
Note que toda a frase só indica a resposta do
corda é ocasião para que o gato puxe esta corda com
bebê. A manha, aqui, não passa de uma maneira
a pata e, como consequência, posponha um choque
alternativa (e ainda menos descritiva) de se afir-
(Sr-), programado experimentalmente para ser libe-
mar que o bebê chora. Precisamos nos perguntar a
rado a cada x intervalo de tempo e adiado por meio
respeito do antecedente, ou seja: quando e em que
desta resposta.
contextos o bebê chora? Neste caso, temos uma pis-
Exemplos de reforçamento negativo do tipo es- ta, derivada de algumas características socialmente
quiva podem parecer mais difíceis de serem anali- atribuídas à palavra manha: este termo é usualmen-
sados, uma vez que não se observa a ocorrência da te referido a certas ações que produzem impacto
estimulação aversiva. O exemplo aqui apresentado sobre outra pessoa de um modo específico. Não se

1  Nossa cultura costuma referir sentimentos como causa dos pode fazer manha para ninguém ver; isso não se-
comportamentos e um dos efeitos desta prática é o obscure- ria manha, mas alguma outra coisa. Logo, pode-se
cimento dos termos ambientais da contingência. supor a presença de alguém no contexto em que

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essa resposta ocorre. Perguntamos aos cuidadores: suas regras sobre o bebê e atentarem mais para
“Para quem o bebê faz manha?” Assim, obtemos ele nessas situações.)
a resposta de que precisávamos. Mas ainda não é - Quando o bebê faz manha, qual é a sua condi-
uma garantia de que esta verbalização esteja bem ção em relação aos eventos ambientais não so-
formulada, como em: “Ah, ele faz manha para todo ciais? (Por exemplo, o bebê está mais agasalha-
mundo”. Essa descrição dos pais sobre o comporta- do ou menos do que o supostamente necessário
mento do bebê pode ser uma regra2 corresponden- em relação à temperatura ambiente? Ou há in-
te, se a manha é bastante generalizada. No entanto, dícios de privação alimentar, considerando a
é (mais provavelmente) não correspondente, se os passagem do tempo entre sua última refeição e
cuidadores não são bons observadores (no caso, a o início do choro?)
generalização é deles) ou se eles não têm acesso a Veja uma possível descrição de contingências
todas as interações possíveis do bebê para chega- que podemos obter a partir destas perguntas, su-
rem a esta conclusão categórica. Como você testaria pondo que as manhas ocorram mais com a mãe do
a veracidade do dado de que o bebê faz manha “para que com o pai e não com a educadora. A título de
todo mundo”? Que perguntas poderiam ser feitas aos ilustração, vamos supor também que nossas per-
pais? guntas nos levaram a informações sobre uma nova
Seguem algumas opções: resposta do bebê: balbuciar/brincar.
- O bebê faz mais manha com algum dos pais?
(Funções da pergunta: (a) obter dados e, pela Antecedente Resposta Consequência
comparação, (b) alterar a descrição de que as Presença da mãe Bebê chorando ?
manhas são iguais e indiscriminadas.) (“manha”) muitas
- Com quem o bebê passa os dias, além dos pais vezes
Bebê balbuciando,
(e.g., babá, educadora, tios e avós)? Por quanto brincando
tempo os pais já observaram o bebê interagin-
Presença do pai Bebê chorando ?
do com essas pessoas? Em quanto deste tempo
(“manha”) pouco
ocorreram birras? (Funções da pergunta: (a) Bebê balbuciando,
obtenção de dados sobre o acesso dos pais a ou- brincando
tras interações; quanto menor o acesso, maior Presença da Bebê chorando ?
a chance de a descrição ser imprecisa; (b) pelo educadora (“manha”) rara-
mente
questionamento, também colocar a descrição Bebê balbuciando,
em cheque.3) brincando
- Quando o bebê não faz manha? O que mais
ele faz em vez disso? (Funções da pergunta: (a)
obtenção de dados sobre contingências de “não
Agora já temos mais informações do que no
manha”; (b) levar os pais a lembrarem-se de tais
início, mas ainda podemos levantar outras bastante
contingências para, eventualmente, mudarem
importantes, como, por exemplo, horários em que a
manha ocorre e outros aspectos que a tornam mais
2  Note que as descrições verbais aqui estão sendo tratadas prováveis, como fome, sede, frio, desconforto, ba-
como regras no sentido Skinneriano, ou seja, são descrições rulho, sujeira, sono ou isolamento social. Por que a
de contingências (Skinner, 1957/1992). Nesse sentido, essas
presença da mãe faria o bebê emitir o choro “do tipo
descrições fornecem estimulação suplementar às contingên-
cias e, no exemplo, os pais podem se comportar em relação manha” em maior frequência do que a presença do
ao bebê, em parte, sob controle das regras que têm sobre seu pai e, mais ainda, da educadora? Esta pergunta é
comportamento. Para saber mais, recomenda-se a leitura de muito interessante pois, embora não saibamos as
Meyer (2000). consequências dessas respostas em cada contexto,
3  Neste caso, percebemos o quanto a coleta de dados já é, a variação da frequência nos diz que provavelmente
em certa medida, uma intervenção. Isto também significa que a mãe reforça mais a manha do que o pai - o qual,
devemos ter cautela e planejar o método de coleta, para não por sua vez, reforça mais do que a educadora. Mas
levar a intervenções precipitadas.

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qual seria a consequência reforçadora liberada por por que o bebê faria mais manha com a mãe do que
cada um? Lembre-se da mesma pergunta feita no com o pai? Esta seria a próxima pergunta essencial.
exemplo do gato: haveria reforçadores positivos? E Podem existir outras inúmeras variáveis na raiz
negativos? desta explicação. Uma delas inclui a magnitude do
Quem já atendeu, observou ou cuidou de um reforço, a partir da topografia do “pegar no colo”.
bebê terá relativa facilidade em obter dados sobre Em outras palavras, a mãe pega no colo, aperta, faz
as consequências por meio de observação. O bebê carinho, canta, conversa e embala o bebê. Enquanto
suja a fralda, chora, a mãe se aproxima, checa e isso, o pai pega no colo e somente espera, conver-
troca a sua fralda. Mas, neste caso, não estaríamos sando pouco. Outra variável pode ser o tempo de
falando de manha e sim de um início de comunica- contato do bebê com a mãe em relação ao pai. Mas,
ção (e.g., “Estou sujo, me troque”), dentro de suas para fins didáticos, enfatizaremos a diferença entre
capacidades para a idade. Para se caracterizar ma- o reforço dado para a manha e para outras respos-
nha ou birra, tipicamente (a) o reforço social deve tas (no caso, balbuciar e brincar). Novamente, via
estar presente e ser o principal reforço, ainda que observação, devemos ir atrás não apenas das con-
não sozinho e/ou (b) o reforço negativo se relaciona tingências relacionadas ao problema, mas das con-
à fuga/esquiva de algum tipo de demanda também tingências de comportamentos alternativos:
social.
Observe:
Antecedente Resposta Consequência
Presença da 1.Bebê chorando 1.Mãe pega no
Antecedente Resposta Consequência mãe (“manha”) muitas colo, aperta, faz
Presença da Bebê chorando Mãe pega o bebê Bebê no berço vezes carinho, can-
mãe (“manha”) muitas no colo (Sr+) 2.Bebê balbuciando, ta, conversa e
Bebê no berço vezes ? brincando embala o bebê
Bebê balbuciando, (Sr+)
brincando 2.Mãe vai fazer
suas coisas (Ext)
Presença do pai Bebê chorando Pai pega o bebê
Bebê no berço (“manha”) pouco no colo (Sr+) Presença do 1.Bebê chorando 1.Pai pega no
Bebê balbuciando, ? pai (“manha”) pouco colo e conversa
brincando Bebê no berço 2.Bebê balbuciando, pouco com o
brincando bebê (Sr+)
2.Pai conversa
Presença da Bebê chorando Educadora man- com bebê (Sr+)
educadora (“manha”) rara- tém o bebê no
Bebê no berço mente berço (Ext)
Bebê balbuciando, ?
brincando
Presença da 1.Bebê chorando 1.Educadora
educadora (“manha”) raramente mantém o bebê
Bebê no berço 2.Bebê balbuciando, no berço (Ext)
brincando 2.Educadora
conversa com
Temos, agora, uma diferença evidente entre as bebê (Sr+)
consequências dadas pelos pais e pela educadora,
fortalecendo a hipótese da atenção social, dada de
uma determinada forma (i.e., colo), como uma
variável importante na manutenção da manha do Agora temos as informações completas e pode-
bebê. O bebê, eventualmente, pode fazer manha mos descrever a tríplice contingência. Como você
para a educadora (reforçamento levando a uma ge- descreveria o quadro anterior? Faça sua tentativa,
neralização de estímulos), mas logo aprende que, escrevendo em um papel e depois leia atentamente
com esta pessoa, manha não leva a colo (extinção uma forma de descrevê-lo, de maneira completa e
levando a uma discriminação de estímulos). Mas operacionalizada:

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Quando o bebê está no berço e a mãe está por perto, critas neste quadro. Então, por que deveriam ser alvo
ele chora frequentemente e a mãe o pega no colo de intervenção do terapeuta? Na análise do compor-
enquanto aperta, faz carinho, canta, conversa e o tamento, não consideramos as respostas dos clientes
embala, o que provavelmente reforça positivamente como “adequadas” ou “inadequadas”; elas simples-
a resposta de chorar, caracterizada como manha por mente existem e podem ser explicadas por contin-
sua topografia e por ter como principal consequên- gências passadas (que as instalaram) e atuais (que as
cia a atenção social. Nas mesmas condições, quando mantêm). Contudo, algumas consequências das res-
o bebê balbucia ou brinca no berço, a mãe continua postas podem incluir punição para si ou para o ou-
fazendo suas atividades, não havendo consequên- tro, a curto, médio ou longo prazo. Por esse motivo,
cia social para estas respostas, o que caracterizaria uma resposta ou, usualmente, uma ou mais classes
extinção. Como resultado, o bebê faz muita manha, de respostas tornam-se alvo de intervenção do ana-
especialmente com a mãe. lista. A identificação das contingências controlado-
Quando o bebê está no berço e o pai está por perto, ras de uma resposta serve, em última análise, para
ele também chora e o pai também o pega no colo en- melhor controlá-las, ou seja, para manipular variá-
quanto conversa somente um pouco (reforçamento veis de modo a aumentar a probabilidade de reforço
positivo), mas o pai dá atenção social a outras res- positivo e a reduzir a probabilidade de punição (am-
postas, como quando conversa com o bebê balbu- bos imediatos ou atrasados). Skinner (1953/1970)
ciando ou brincando no berço (reforçamento po- é categórico ao afirmar que o controle existe, quer
sitivo). Como resultado, o bebê faz alguma manha, gostemos quer não gostemos. O objetivo da ciência
mas em menor frequência/intensidade (comparado do comportamento é trazer este controle para nós
à situação com a mãe), uma vez que outras respostas mesmos, da maneira menos coercitiva possível, em
também produzem o mesmo reforço. vez de deixá-lo ao acaso ou nas mãos de tiranos.
Por fim, quando o bebê está com a educadora, ela Posto isso, agora avançaremos mais um passo na
o mantém no berço quando ele faz manha, caracte- análise, supondo que o padrão de manha do bebê
rizando uma relação de extinção e, ainda, conversa foi cada vez mais modelado pelos pais ou por outros
e interage com ele quando balbucia ou brinca no cuidadores, até que se tornou uma “criança birren-
berço, caracterizando uma relação de reforçamento ta4”, o que nos leva ao terceiro exemplo apresenta-
positivo. Como resultado, o bebê raramente faz ma- do no início do texto: “Um menino birrento de sete
nha com a educadora. anos, com autoestima baixa”. A autoestima baixa é
Quanto mais operacionalizada a descrição, um termo genérico muito utilizado em nossa cul-
mais as informações são compreendidas, o que se tura, podendo se referir a tantos comportamentos
torna pré-requisito para o planejamento da inter- quanto se possa imaginar, uma vez que não descreve
venção, conforme veremos mais adiante. Algumas nenhuma resposta aberta e nenhum sentimento es-
dessas informações poderiam ser ainda mais pre- pecífico (no máximo, sabemos que deve se referir a
cisas, como, por exemplo, o significado de “muita algum tipo de sensação ruim). Quando o repertório
manha” (e.g., a cada meia hora, em média). Quanto dos analistas começa a ser modelado em cursos de
tempo caracteriza um episódio de manha? Tem a formação, contudo, não raro a “autoestima baixa”
ver com a intensidade do choro (estridente, contí- surge como descrição de algum termo da contin-
nuo, sem lágrimas, etc.)? Por ora, é importante des- gência, seja antecedente, resposta ou consequência.
tacar que a descrição inclui: (a) os três termos da Dessa forma, que perguntas seriam necessárias no
contingência, ainda que alguns elementos possam campo das respostas? O que você espera obter? Sem
ser descritos como hipóteses ainda não testadas; (b) lançar mão de nenhuma hipótese incipiente, a pri-
a relação entre os termos; (c) a função das conse-
quências identificadas e (d) informações adicionais
como, no caso, as contingências associadas ao com- 4  Embora manha e birra sejam semelhantes, coloquialmente
parece mais provável que bebês sejam descritos como “ma-
portamento alternativo. nhosos” e crianças como “birrentas”. O texto faz tal diferen-
As manhas e as birras do bebê dificilmente tra- ciação, passando a partir desse ponto a utilizar o termo birra
riam problemas para ele, do modo como foram des- para analisar a criança.

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meira missão do analista neste caso deveria ser a As respostas do menino, agora aos sete anos,
obtenção de dados objetivos sobre respostas aber- possuem maior complexidade em relação ao cho-
tas (ações observáveis) e encobertas (sentimentos e rar na época em que era bebê. Dadas as respostas,
pensamentos) do menino. Algumas perguntas que agora mais descritivas, como você faria para inves-
poderiam ser formuladas aos cuidadores incluem: tigar os antecedentes contextuais das mesmas? Pelo
- Como é essa autoestima baixa? Fale-me mais conteúdo das respostas, podemos inferir que há
sobre essa autoestima baixa. – no mínimo – algum tipo de aversividade nes-
- Como ele se sente e o que ele pensa? Ele chega ta contingência (o que seria uma hipótese forte).
a relatar isso (e para quem)? Ou é você que per- Algumas situações aversivas relativamente comuns
cebe, mas ele não fala? poderiam ser: (a) frustrações de modo geral, como
- Como ele fica quando está com autoestima receber o doce menor na sobremesa, dificuldades
baixa? O que ele fica fazendo? na tarefa de casa ou não ser escolhido para o time
- Quanto tempo dura esse período em que você de futebol na aula de Educação Física; (b) deman-
o percebe com autoestima baixa? das de modo geral, como ser solicitado a retirar os
Há momentos em que ele parece melhor ou, ao pratos da mesa após o almoço, a guardar os brin-
menos, não tão pior? Como ele fica nesses momentos? quedos ou a ler sua tarefa em voz alta para a classe
Observe que, acima de tudo, nenhuma das per- e (c) demandas por relações socialmente habilido-
guntas contém em si algum tipo de resposta. São sas, desde interações amistosas a provocações que
as chamadas perguntas abertas, que induzem o in- requereriam desenvoltura, colocação de limites ou
terlocutor a discorrer amplamente e sem direcio- tolerância a chacotas. Podemos imaginar também
namento sobre determinado tema (cf. Hill, 1999). uma generalização destas respostas (aliada à falta
A diferença entre perguntar “Como ele se sente?” de repertório, de reforço ou de oportunidade para
e “Ele fica triste?” é que a pergunta aberta, como respostas alternativas), levando a criança a emiti-
antecedente da resposta, trará menor risco de al- -las não apenas em situações aversivas, mas tam-
terar a sua probabilidade numa dada direção. A bém nas neutras ou amistosas, produzindo reforça-
pergunta “Ele fica triste?” pode levar o interlocutor mento positivo, mas também punição ou extinção
a não considerar outras propriedades para relatar de maneira intermitente, conforme será demons-
(ficando sob controle somente do triste), ou mes- trado no próximo quadro de tríplice contingência.
mo a responder aquilo que seria mais correto, pre- Assim, a simples presença do outro pode ser um
sumindo a opinião de quem fez a pergunta. Com antecedente para respostas de aproximação agres-
estas perguntas, vamos agora supor um grupo de sivas, que incitam uma discussão (e.g., provocar a
informações alocadas no quadro a seguir: irmã). Além disso, como ilustrado no exemplo do
bebê, para se caracterizar uma resposta da classe
Antecedentes Respostas Consequências da birra, é necessária a existência de consequências
sociais mantenedoras (reforço social e/ou esquiva
? Abertas: Fica ?
quieto, tranca-se de demanda). Mas nem todas as respostas listadas
no quarto, come no quadro anterior precisam se encaixar na classe
demasiadamente, de birra. Talvez estejamos tratando de uma classe
provoca a irmã, cho-
ra e reclama sobre maior ou de algumas classes diferentes, conforme
o quanto é infeliz o quadro se agrava. A partir do exposto, como você
Encobertas: Pensa preencheria a célula dos antecedentes?
que é infeliz e que
ninguém gosta dele;
sente raiva, tristeza
e irritação

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Giovana del Prette 53-71

Observe:

Antecedentes Respostas Consequências

Receber o doce menor na Reclamar, choramingar Pais dão bronca (Sr+/Sr-)


sobremesa Pensar que ninguém gosta dele

Tarefa de casa difícil Quebrar o lápis, gritar, choramingar Mãe auxilia ou faz a tarefa por ele
(Sr+/Sr-)

É preterido na escolha dos Reclamar, choramingar, empurrar colega, isolar-se Colegas riem dele e colocam apelidos
membros do time de futebol na Sentir-se envergonhado pejorativos (Sr-), professor o retira do
aula de Educação Física time (Sr+)

Frustrações Classe de birra Atenção social (Sr+)


Elimina ou adia evento frustrador (Sr-)
Punição (Sr-, Sr+)

Mãe solicita que retire os pra- Reclamar, choramingar, emburrar e se recusar a Mãe dá sermão (Sr+/Sr-) e/ou retira
tos da mesa fazer os pratos por ele (Sr-)

Pai manda guardar os brinque- Reclamar e falar que só vai guardar mais tarde Pai dá sermão (Sr+/Sr-) e/ou deixa de
dos insistir (Sr-) e empregada guarda os
brinquedos (Sr-)

Professora o escolhe para ler a Choramingar, emudecer Professora mantém o pedido (Ext), o
lição em voz alta na frente dos Encher os olhos de lágrimas ridiculariza para a sala (Sr-), dá “ponto
colegas negativo” (Sr-) e/ou o libera da tarefa
(Sr-)

Demandas gerais Classe de birra e/ou oposição Elimina ou adia a demanda (Sr-);
Atenção social (Sr+);
Punição (Sr-) e extinção (Ext)

Colega o chama para jogar um Aceita, mas impõe condições desiguais que o Colega o chama de chato (Sr-), briga
jogo no recreio favorecem (Sr-) e/ou o expulsa do jogo (Sr-)

Irmã usando o computador Aproxima-se e fala que é a sua vez de usar Irmã diz que não vai liberar o compu-
tador (Ext)

Irmã chora (Sr+) e libera computador


Irmã diz que não vai liberar o Empurra a irmã e procura a mãe choramingando e (Sr+), mãe dá bronca nele (Sr+/Sr-),
computador acusando a irmã ele ganha o computador (Sr+) ou fica
Pensa que é sempre injustiçado de castigo (Sr+)

Demandas por respostas Classe de birra, oposição e/ou agressão Atenção social (Sr+) / ganhos especí-
socialmente habilidosas ficos (Sr+)
Punição mais severa (Sr-/Sr+)

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Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

O quadro acima traz duas novidades, em ter- são mais restritas (chorar, balbuciar, brincar)
mos de forma de organização e representação das e as da criança são mais variadas e complexas
informações. A primeira delas é a especificação de (conversar, fazer lição, usar computador, jogar,
exemplos de contingências, culminando nas clas- praticar esportes, etc.).
ses gerais correspondentes (células em cinza). A - Ainda nesse sentido, os comportamentos-alvo
segunda delas, no último exemplo (i.e., interação do indivíduo também se complexificam: ini-
com irmã para usar o computador), é um modo de cialmente, pertenciam à classe de “fazer manha”
mostrar cadeias maiores de resposta, quando uma e incluíam basicamente o chorar; aos sete anos,
consequência para determinada resposta torna-se são tão variados (choramingar, gritar, reclamar,
antecedente para a próxima. quebrar coisas, empurrar, negar-se, discutir,
Em termos de complexificação da contingên- acusar, pedir, impor) que podem pertencer não
cia, traz também duas condições importantes. A apenas à manha ou birra, mas à oposição e à
primeira delas é que uma dada resposta pode pro- agressão.
duzir várias consequências, simultaneamente ou - Conforme já exposto, as consequências dadas
de forma alternada (especificadas pela expressão às respostas do bebê são mais simples (pegar
e/ou). Outra é que uma única consequência pode no colo) do que para as da criança (ser ajudado,
ter mais de uma função (especificada nas sinaliza- ser liberado da tarefa, zombarem dele, receber
ções Sr+/Sr-, Sr-/Sr+ ou qualquer outra combina- castigo, sermão ou bronca, ganhar ponto nega-
ção possível). Isso significa que tais estímulos têm tivo, etc.).
múltiplas propriedades, podendo haver funções di- Assim, em linhas gerais, podemos dizer que
ferentes para cada uma delas. A consequência “Pais a vida da criança ficou mais complexa, o que tem
dão bronca”, por exemplo, pode ter não apenas uma correlação positiva com o aumento de suas
propriedades aversivas – o conteúdo da ação dos possibilidades de responder, de agir no mundo.
pais, caracterizado como bronca –, mas também Contudo, se os padrões de interação continuaram
propriedades reforçadoras – a atenção despendida os mesmos de quando era um bebê, é provável que
pelos pais à criança enquanto dão a bronca –, as- passe a ter mais problemas, sobretudo porque mui-
sinaladas, respectivamente, como Sr- e Sr+. Deste tas pessoas (e até mesmo os pais) não mais refor-
modo, compreendemos mais facilmente como cer- çam como outrora aquelas respostas que inicial-
tas consequências aparentemente “ruins” podem mente eram reforçadas, ou alternam reforço com
manter o responder, ou seja, reforçá-lo. punição/extinção. A avaliação considera, pois, que
Com relação à compreensão do caso, é neces- as contingências responsáveis pela instalação de um
sário fazer algumas considerações, a partir de uma comportamento nem sempre são as mesmas res-
pergunta muito importante, a que você pode tentar ponsáveis por sua manutenção no presente. Ainda
responder: Como você compararia as contingências em termos da avaliação funcional de tais mudan-
descritas quando o indivíduo era um bebê e agora, ças, diz-se que houve principalmente um processo
aos sete anos? Para responder a esta pergunta, você de generalização: aquela classe de respostas, antes
pode iniciar simplesmente listando (descrevendo) emitida somente diante dos pais e raramente da
as diferenças observadas e, em seguida, procurar as educadora, agora é emitida em outros contextos e
explicações funcionais para elas. Algumas diferen- diante das mais diversas pessoas – em parte por-
ças poderiam ser listadas da seguinte maneira: que a criança não aprendeu respostas alternativas e
- Quando bebê, as possibilidades de interação este era seu principal repertório de interação. Outro
são menores (mãe, pai e educadora) do que ponto da análise é que, como nem todas as pessoas
aos sete anos (mãe, pai, professores e colegas), com quem o menino se relaciona reforçam o pa-
bem como a diversidade de ambientes aos quais drão de birra/oposição/agressão, há alguns termos
pode ter acesso o bebê (grande parte do tempo da contingência em que a consequência principal é
no berço ou no colo) e a criança (todos os espa- a punição ou, no mínimo, a extinção. Demonstra-
ços da casa, sala de aula, quadra, etc.). se, assim, que aquela classe de comportamentos já
- Quando bebê, as possibilidades de respostas detectada quando ele era bebê seria (e ainda é), sim,

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Giovana del Prette 53-71

alvo de intervenção por produzir sofrimento a lon- bém se pode perceber no caso de situações de de-
go prazo. manda, como em: pai manda guardar os brinquedos
A partir desta análise, o que você acha que pode e professora o escolhe para ler a lição em voz alta
acontecer com o padrão comportamental do menino na frente dos colegas. No primeiro caso, o menino
daqui para frente? Uma boa maneira de se levantar sente muita vergonha e suas tentativas de se esqui-
alternativas para a resposta é analisar suas intera- var da demanda (reclamar, choramingar, emudecer)
ções atuais a partir das próprias definições de re- produzem diferentes consequências, como a efetiva
forçamento, punição e extinção, as três consequên- esquiva (pai deixa de insistir e empregada guarda os
cias de suas respostas. O que o reforço desse padrão brinquedos [Sr-]) e a atenção social (Sr+) com com-
poderá produzir? A resposta reforçada se mantém, ponentes aversivos (Sr-) quando o pai “dá sermão”.
ou seja, o menino continua emitindo respostas de No segundo exemplo, em contexto escolar, há algu-
birra, oposição e agressão nos mais diversos con- ma esquiva da tarefa de leitura (Sr-), mas, muitas
textos em que há algum tipo de reforço. O que a vezes, a professora mantém o pedido (Ext) ou aplica
extinção desse padrão poderá produzir? Neste caso, punições, ao ridicularizar a criança diante da sala
mais complicado, devemos lembrar que as consequ- (Sr-) ou dar ponto negativo (Sr). Por fim, situações
ências de uma relação de extinção são inicialmente de demanda por respostas socialmente habilidosas
o aumento da frequência e da diversidade da topo- também parecem ocasionar respostas semelhantes,
grafia da resposta, ocorrendo decréscimo apenas se como um convite de colega para jogar no recreio
a extinção mantiver-se em todo o processo. Caso e a necessidade de negociar o uso do computador
contrário, o menino fará mais birras, tornar-se-á com a irmã. No primeiro caso, a criança, sem re-
mais agressivo e em algum momento será reforçado pertório alternativo bem desenvolvido, pode impor
novamente, piorando o quadro. Dizemos que, nes- ao colega condições desiguais que o favorecem no
sas situações, o ambiente acaba modelando a piora jogo, produzindo punições (colega o chama de cha-
da criança, o que provavelmente já teria acontecido to [Sr-], briga [Sr-] e/ou o expulsa do jogo [Sr+]).
antes, explicando a evolução de sua piora até o mo- No exemplo de interação com a irmã, é provável que
mento em que ele se encontra. O que a punição para ocorra uma cadeia de respostas em que, diante da
esse padrão poderá produzir? Um dos efeitos seria a recusa da irmã às suas primeiras tentativas de obter
supressão temporária da resposta (Catania, 1999), o computador, ele pensa que ninguém gosta dele,
mas também vários efeitos colaterais, como contra- enquanto parte para respostas de topografia mais
controle, reações emocionais, fuga/esquiva do agen- agressiva (empurrá-la) ou de “birra” (choramingar
te punidor e desamparo (Sidman, 2001). O maior para a mãe, acusando a irmã), produzindo diferen-
problema dos três tipos de consequências pode ser, tes tipos de consequências, algumas reforçadoras
na verdade, a falta de alternativas, quando a criança (irmã chora e libera o computador), outras mistas
não tem oportunidade, nem repertório, nem reforço (mãe dá bronca [Sr+/Sr-]) e outras com intermi-
suficiente para a emissão de respostas de outras clas- tência entre reforço (obter o computador [Sr+]) e
ses mais apropriadas. Ao final desta avaliação, como punição (ficar de castigo [Sr+]). Em suma, embora
você descreveria esse quadro de tríplice contingências? produzindo várias punições, o padrão do responder
Observe, agora, uma versão simplificada desta se mantém por também produzir reforçamento e,
descrição: como hipótese, pode-se inferir que se fortaleça de-
Diante de antecedentes de frustração (como uma vido ao esquema intermitente desses reforços.
tarefa de casa difícil ou ser preterido na escolha dos Neste ponto, podemos afirmar que a nossa
membros do time de futebol na aula de Educação avaliação do caso está bastante completa, podendo,
Física), a criança emite respostas da classe de birra é claro, ser ainda mais aprimorada conforme se
(e.g,, choramingar e isolar-se) e obtém diversos tipos obtenham mais dados que confirmem, refutem ou
de consequências, algumas reforçadoras (mãe faz a detalhem as hipóteses funcionais já estabelecidas.
tarefa por ele [Sr+/Sr-]) e outras punitivas (colegas Agora, passaremos a um breve exercício de
riem dele [Sr]). Usualmente, a maior proporção de previsão de intervenções, supondo que a criança
punição parece ser no contexto escolar, como tam- em questão tenha sido encaminhada à terapia

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Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

analítico-comportamental. Este exercício não A mera presença do interlocutor pode ser, em algu-
será apresentado em função de especificidades da ma medida, reforçadora. Dito de outro modo, não
intervenção com crianças, mas sim dos diversos há como o clínico não reforçar, em absoluto, uma
procedimentos e técnicas disponíveis e passíveis dada resposta. Assim, é preferível falar em termos
de uso pelo analista para diferentes casos, de diferentes magnitudes de reforço: um reforço
independentemente da faixa etária. em maior magnitude para algumas respostas e em
menor para outras (Catania, 1999). A escolha de
Planejamento da Intervenção quais são as outras respostas (que recebem reforço
Antes de iniciarmos nossa previsão de intervenção em menor magnitude) leva a alguns subtipos de
sobre os comportamentos do menino, devemos DR, cujos mais conhecidos e úteis ao clínico são
compilar quais intervenções podem ser utilizadas (Catania, 1999):
em geral e qual o foco de cada uma delas. Podemos 1. Reforçamento diferencial de outras respostas
classificar os procedimentos possíveis de acordo ou DRO (Differencial reinforcement of others):
com seu foco sobre a modificação do anteceden- reforçam-se todas as outras respostas do indi-
te ou da consequência da resposta5. Neste artigo, víduo e as respostas-queixa7 recebem o menor
serão enfocadas as intervenções sobre as consequ- reforçamento possível.
ências da resposta, esclarecendo, contudo, de que 2. Reforçamento diferencial de respostas alter-
maneira elas também levam a uma modificação de nativas ou DRA (Differencial reinforcement of
sua relação com o antecedente. alternatives): reforçam-se somente as respostas
Quais procedimentos sobre as consequências você alternativas (com igual função, a despeito da to-
conhece? Neste artigo, serão abordados os procedi- pografia) e as respostas-queixa recebem o me-
mentos de reforçamento diferencial (e seus subti- nor reforçamento possível.
pos) e modelagem, discutindo-se suas variações 3. Reforçamento diferencial de respostas incom-
em termos de reforçamento natural e arbitrário patíveis ou DRI (Differencial reinforcement of in-
(Ferster, 1967). Outras intervenções, com foco em compatibles): reforçam-se respostas fisicamente
extinção e punição, não pertencem à nossa análise incompatíveis de serem emitidas simultane-
neste momento, por um motivo especial: por defi- amente às respostas-queixa - as quais, por sua
nição, elas não ensinam diretamente a emissão de vez, recebem o menor reforçamento possível.
novos comportamentos. Del Prette e Almeida (2011) citam o exemplo
O reforçamento diferencial (DR6) consiste na da intervenção sobre tricotilomania (i.e., compul-
apresentação de consequências reforçadoras, a são por arrancar cabelos) na distinção entre DRO,
depender de qual resposta é emitida pelo cliente DRA e DRI. O DRO seria o reforçamento de todas
(Vollmer & Iwata, 1992). Tradicionalmente, diz- as outras respostas, exceto a de arrancar cabelos.
-se que o DR seria composto do reforçamento das O DRA seria o reforçamento de respostas que pro-
respostas que se pretende aumentar de frequência, duzam função igual à de arrancar cabelos, o que
combinado ao não reforçamento (extinção) das res- requer uma análise de contingências cuidadosa.
postas que se pretende diminuir. Na prática clínica, Supondo que a função seja de autoestimulação tátil,
contudo, o DR não ocorre de modo tão dicotômico por exemplo, uma resposta como a de apertar uma
pois, em uma interação social natural, é difícil não bolinha macia poderia ter a mesma função. O DRI
haver nenhum tipo de reforço para uma resposta. seria o reforçamento de respostas fisicamente in-
compatíveis às de arrancar os cabelos, ou seja, qual-
5  Para informações detalhadas sobre esta classificação e sobre quer coisa que ocupe ambas as mãos do indivíduo.
cada uma das principais técnicas sobre antecedentes e conse-
Já a respeito da modelagem, pode-se dizer que
quências, recomendo a leitura de Del Prette e Almeida (2011).
ela envolve um reforçamento diferencial de respos-
6  Do inglês, differencial reinforcement. Utiliza-se a sigla
referente à terminologia em inglês, uma vez que a comuni-
dade brasileira de analistas do comportamento usualmente 7  Respostas-queixa são aquelas que o indivíduo emite e que
mantém as siglas originais para os diferentes reforços dife- deve ter sua frequência diminuída, passando a ser este um dos
renciais, como DRA, DRO e DRI, citados mais adiante. objetivos da terapia, a partir de uma análise de contingências.

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tas. No entanto, esse procedimento é realizado ao graduais, mas significativas.


longo de um continuum a partir das respostas que Antes de aplicarmos estas considerações ao
o indivíduo já emite, gradualmente se aproximando caso do “menino com autoestima baixa”, um últi-
da resposta final. Leia atentamente a definição de mo ponto merece ser destacado: o significado de
Catania (1999): reforçamento natural e arbitrário. De modo geral
Modificação gradual [ênfase adicionada] de (embora haja exceções, como na economia de fi-
alguma propriedade do responder (frequente- chas, conforme Ayllon & Azrin, 1968), é desejável
mente, mas não necessariamente, a topografia) que o reforço liberado pelo terapeuta se aproxime
pelo reforço diferencial [ênfase adicionada] de mais do natural e menos do arbitrário. O reforço
aproximações sucessivas a uma classe operante natural, em contingências sociais, é aquele que mais
alvo. A modelagem é empregada para produ- se assemelha ao modo como a sociedade (e, espe-
zir respostas que, devido a um nível operante cificamente, o subgrupo em que o cliente se insere)
baixo e/ou devido à complexidade, não seriam naturalmente reforçaria determinadas respostas.
emitidas ou seriam emitidas somente depois de Falar sobre um assunto com clareza, por exemplo,
um tempo considerável. A variabilidade [ênfase costuma fazer com que o interlocutor se mantenha
adicionada] do responder que segue o reforço atento e interessado (reforço natural), e não elo-
geralmente provê as oportunidades para o re- gios sobre esta fala (reforço artificial ou arbitrário).
forço de outras respostas que se aproximem Analogamente, ser gentil aumenta a probabilidade
mais de perto do critério [ênfase adicionada] de agradecimentos ou gentileza recíproca; defen-
que define a classe operante alvo. A modelagem der seus direitos de modo assertivo reduz a pro-
é uma variedade de seleção operante. (p. 411) babilidade de que abusem de sua boa vontade (ou
A modelagem é, certamente, o principal inassertividade) e também reduz a probabilidade
procedimento do terapeuta analítico- de brigas mais graves, caso a defesa fosse agressiva.
comportamental para manipular as consequências O terapeuta analítico-comportamental em
do responder. Seja por meio de DRO, DRA, início de formação, muitas vezes, sucumbe à
DRI ou qualquer outro tipo ou combinação, tentação de utilizar elogios ou exclamações
modelar respostas requer habilidades refinadas artificialmente entusiasmadas, como meio de
de observação, análise, timing para intervir no (supostamente) reforçar as respostas de seus
momento exato, sutileza para fazê-lo do modo clientes e, às vezes, realmente acredita ser este o
mais natural possível, atenção para os efeitos desta modo de intervenção na abordagem. A importância
intervenção e ajustes e reajustes constantes para do reforço natural (ver Horcones, 1992; Santos &
efetuar a progressão de suas etapas. A possibilidade de Rose, 1999), contudo, vem da própria análise de
de as respostas serem modeladas pode ser um contingências: quanto mais naturais as reações do
trunfo ou um perigo, a depender de como isso é terapeuta, maior a probabilidade de generalização
realizado, com qual finalidade e com que nível de do novo repertório do cliente para o ambiente
consciência daquele que manipula as contingências. de seu dia a dia. De todo modo, há um tipo
Relatos verbais, por exemplo, podem ser modelados especial de consequência que terapeutas analítico-
dando a falsa impressão ao clínico de que seu comportamentais provêm aos seus clientes: a
cliente melhorou quando, na verdade, somente interpretação de seus comportamentos. Em certo
parou de se queixar em sessão e passou a contar sentido, a interpretação pode ser considerada
mais frequentemente aquilo que o terapeuta queria menos natural, por ter menos semelhança com as
ouvir (e reforçava). Habilidades interpessoais interações fora do setting terapêutico. Terapeutas
podem ser modeladas na própria interação interpretam (ou levam o cliente a interpretar)
terapêutica, produzindo modos de se relacionar comportamentos emitidos em sessão, ou o relato de
jamais experimentados anteriormente pelo cliente. sua ocorrência fora desta, como modo de aumentar
Quanto maior a consciência do terapeuta sobre este o controle verbal do cliente sobre os mesmos,
processo, mais poderá aproveitar as oportunidades conforme descrito por Skinner (1957/1992).
do período da sessão para produzir mudanças Descrições verbais de contingências são o que

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Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

denominamos de autoconhecimento e, em última Observe:


instância, auxiliam no autocontrole e na autonomia
do cliente para controlar as variáveis de suas
Comportamentos- Comportamentos
próprias ações. Tais descrições podem participar das queixa de melhora
contingências futuras como suplementações verbais
Classes Classes de birra, ?
(Meyer, 2000; Skinner, 1957/1992), no campo do de ordem oposição e agressão:
antecedente. Por ora, é importante lembrar somente inferior choramingar, reclamar,
que descrever, parafrasear, interpretar ou levar o procrastinar, gritar, que-
brar coisas, recusar-se,
cliente a interpretar é uma consequência para as impor e empurrar
respostas do cliente típica do contexto terapêutico;
portanto, pouco semelhante a seu ambiente do dia Classes Classes de ordem ?
a dia. Contudo, é uma intervenção valiosa e mais de ordem superior: forte controle
útil que o uso de elogios. Consequências naturais superior das consequências
imediatas, atribuição ao
(ou intrínsecas) da interação e uso de descrição e outro como responsá-
interpretação das contingências são dois modos vel por solucionar seus
de intervir característicos da psicoterapia analítica problemas
funcional (funcional analytic psychotherapy [FAP]),
proposta de Kohlenberg e Tsai (2001), que enfatiza
a relação terapêutica como o principal instrumento O quadro lista os comportamentos-queixa já
de mudança. A proposta da FAP salienta também o identificados anteriormente, mas traz uma novi-
papel do feedback genuíno e profundo do terapeuta dade importante para o processo de modelagem: a
a respeito de como se sente durante a interação com identificação de classes de ordem superior. A classe
seu cliente, contingente aos seus avanços em termos de ordem superior é definida por Catania (1999)
de comportamentos que denotam aproximação e como
intimidade na relação (Tsai, Kohlenberg, Kanter, a classe operante que inclui, dentro dela, outras
Kohlenberg, Follette & Callaghan, 2009). classes que podem, por sua vez, funcionar como
A partir desta breve análise da modelagem e do operantes, por exemplo, quando a imitação ge-
reforçamento diferencial, passamos agora à previ- neralizada inclui todas as imitações componen-
são de algumas possíveis intervenções sobre as con- tes que poderiam ser separadamente reforçadas.
sequências do responder no atendimento do meni- As classes de ordem superior podem ser uma
no anteriormente analisado. Como você planejaria fonte de comportamentos novos (como na imi-
tais intervenções? Uma vez que temos uma análise tação de um comportamento que o imitador
de contingências bem detalhada, esta etapa se torna nunca viu antes). As contingências operam di-
um pouco mais fácil. Para planejar as intervenções, ferentemente para a classe de ordem superior e
primeiramente esquematizaremos quais compor- para as classes que a compõem. Por exemplo, se
tamentos necessitam ter sua frequência reduzida todas as instâncias de Imitação são reforçadas,
(comportamentos-queixa) e quais precisam ser exceto as de uma classe componente . . . aquela
fortalecidos (comportamentos de melhora). classe pode mudar com a classe de ordem supe-
rior, e não com as contingências planejadas para
ela . . . O controle pelas contingências progra-
madas para a classe de ordem superior define
a pertinência à classe; as classes componentes
são consideradas, às vezes, como insensíveis às
contingências de ordem inferior programadas
para elas. Uma classe de ordem superior pode
ser chamada de uma classe generalizada, no
sentido de que as contingências programadas

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para alguns de seus componentes se genera- A maior vantagem da identificação prévia dos
lizam para todos os outros. Emparelhamento comportamentos de melhora e das classes de or-
com o modelo generalizado e o comportamento dem superior é a possibilidade de se reforçar (do
verbalmente controlado são exemplos de classes modo como foi discutido), respectivamente, qual-
de ordem superior. (p. 389) quer resposta incipiente que se aproxime do com-
Todas as subclasses birra, oposição e agressão portamento final e qualquer comportamento que
guardam propriedades comuns às classes de ordem pertença à classe de ordem superior, ainda que não
superior, descritas em termos de “forte controle das diretamente relacionado à queixa. Você consegue
consequências imediatas” e “atribuição ao outro pensar em alguns exemplos de situações na intera-
como responsável por solucionar seus problemas”. ção terapêutica que poderiam evocar respostas a se-
Seguindo-se o exposto por Catania (1999), as res- rem reforçadas? Este seria outro passo importante,
postas dessas classes inferiores podem se manter pois, com este tipo de previsão, podemos inclusive
devido ao controle das classes superiores. Assim, planejar os contextos mais propícios para a emissão
sem uma mudança das classes superiores, torna-se das respostas. Seguem alguns exemplos de contex-
mais difícil que as birras, a oposição e a agressão tos e de respostas a serem modeladas nos mesmos.
cessem. É necessário planejar não apenas quais Perceba que muitas das respostas exemplificadas
seriam especificamente os repertórios mais efeti- têm correspondência primordialmente com as clas-
vos para as situações em que a criança vive, mas ses superiores identificadas:
também quais seriam as classes de ordem superior 1. Conversas sobre o dia a dia são contextos em
alternativas. Como você preencheria os campos so- que o menino pode relatar e/ou analisar aspec-
bre comportamentos de melhora? tos importantes de sua vida e, nesse sentido,
algumas respostas que podem ser modeladas
incluiriam: (a) descrições de contingências de-
Comportamentos- Comportamentos monstrando melhoras em sua capacidade de
queixa de melhora
observação do ambiente e auto-observação; (b)
Classes Classes de birra, Classes de tolerân-
descrições de contingências envolvendo conse-
de ordem oposição e agressão: cia, concordância e quências a longo prazo (de autocontrole); (c)
inferior choramingar, reclamar, assertividade: con- descrições de tentativas do menino de “parar
procrastinar, gritar, que- versar, concordar,
brar coisas, recusar-se, convidar, negociar,
para pensar” antes de reagir às situações (auto-
impor e empurrar esperar, expressar controle), independente de seu êxito; (d) des-
sentimentos, dentre crições e expressões emocionais relacionadas à
outros
sua capacidade de colocar-se no lugar do ou-
tro (empatia); (e) descrições de “sucessos” do
menino em interações sociais, mas também (f)
Classes Forte controle das Controle verbal em descrições de “fracassos” e dos sentimentos as-
de ordem consequências imedia- geral, autocontrole,
superior tas, atribuição ao outro tolerância à aversi- sociados, que permitiriam à criança entrar em
como responsável por vidade de situações contato com os mesmos e aceitar que nem sem-
solucionar seus proble- e sentimentos, pre as coisas dão certo.
mas imitação generali-
zada, papel ativo 2. Conversas sobre o dia a dia são também
como responsável contextos em que o terapeuta pode modelar
na resolução de respostas relativas ao modo como o cliente in-
seus problemas e
empatia terage na sessão: (a) fala com clareza, tom de
voz e postura corporal adequadas; (b) há cor-
respondência entre o conteúdo de sua fala e os
sentimentos demonstrados (tristeza, alegria,
raiva, medo, etc.); (c) ouve atentamente o te-
rapeuta e demonstra interesse por ele; (d) faz
perguntas, pedidos, propostas, toma iniciativas,

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Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

mas também (e) aceita ingressar em temas mais boa maneira de detectar melhoras ao longo do
desconfortáveis, ainda que demonstre esse des- tratamento é pela combinação dos relatos de
conforto. melhora e dos comportamentos de melhora
3. Treinos do tipo role-play, estruturados ou emitidos na própria interação terapêutica
propostos no meio de conversas, são ocasiões (correspondentes aos comportamentos clinicamente
para o terapeuta modelar (e também apresentar relevantes 2 ou CRB2, de Kohlemberg & Tsai
modelo de) respostas mais parecidas com aque- [2001]). E, dessa forma, uma das maneiras
las que precisam ser emitidas fora da sessão, o de se organizar tríplices contingências sobre
que é especialmente vantajoso para auto-obser- estas mudanças é pela exposição dos dois tipos
vação e aperfeiçoamento de nuances na topo- de indicadores supracitados. Observe alguns
grafia das respostas: (a) terapeuta propõe inter- exemplos de tríplices contingências de melhora,
pretar o papel de alguém significativo (mãe, pai, obtidas por meio do relato do cliente e que incluem
irmã, professor ou colega) e o cliente reage da interação na escola, com os pais e com a irmã.
maneira que precisaria fazer fora da sessão; (b)
terapeuta troca de papel, ficando no papel do
cliente e levando-o a interpretar alguém signifi-
cativo. Nos dois casos, o terapeuta pode liberar
consequências voltando esporadicamente a “in-
terpretar a si mesmo” ou então a reagir ainda no
papel da outra pessoa, da forma que se imagina
que esta reagiria.
4. Atividades em sessão: mais comuns em te-
rapia infantil (Del Prette, 2011), mas também
muito úteis na intervenção com adultos, as ati-
vidades em sessão são oportunidades de mode-
lar respostas do cliente com menor viés do rela-
to verbal e menor semelhança entre este tipo de
interação e as interações baseadas em conversas
que ele usualmente tem fora da sessão. Alguns
exemplos são: (a) jogos e brincadeiras, em que
o menino consiga interagir negociando, pro-
pondo, ganhando por mérito e perdendo sem
fazer birras; (b) exercícios escolares trazidos
para a sessão, em que respostas de autocontrole,
resolução de problemas e assertividade podem
ser modeladas; (c) exercícios de imaginação ou
brincadeiras de fantasia, que tragam, de modo
encoberto, estímulos que evoquem as respostas
de melhora, emitidas também pelo relato ou
demonstração da imaginação.
Em suma, estas e outras intervenções sobre
as consequências do responder do cliente são
essenciais para instalar e/ou fortalecer um
novo repertório que, espera-se, produza mais
reforçamento e menos punição em seu ambiente
do dia a dia. Isso corresponde à melhora do cliente,
que merece uma última análise a ser conduzida.
Como você sabe que o cliente “melhorou”? Uma

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Giovana del Prette 53-71

Antecedente Resposta Consequência

Colega por perto no recreio Chamar colega para jogar um jogo Colega aceita (Sr+)

Colega aceitou jogarem um Jogar o jogo sem impor condições Imediata: diversão intrínseca ao jogo e à interação
jogo desiguais, aceitando quando perde (Sr+)
Futura: aproximação do colega em outras oportuni-
dades; novas amizades (Sr+)

Pai e menino fazendo compras Pedir para comprar o sorvete que ele Pai fala que não vai comprar nada porque a irmã
no supermercado já havia prometido está com dor de garganta e vai passar vontade
(Ext)

Pai fala que não vai comprar Falar, com controle do choro, que o Pai mantém a explicação sobre a irmã (Ext) e orde-
nada porque a irmã está com sorvete já era uma promessa na, ríspido, que ele pare de insistir (Sr-)
dor de garganta

Pai mantém a explicação sobre Calar-se Interação aversiva é encerrada (Sr-)


a irmã e ordena, ríspido, que Ficar triste A longo prazo: faz o mesmo pedido em outros
ele pare de insistir Pensar que vai ser forte e não irá momentos, eventualmente obtendo o que se pediu
chorar (Sr+)

Mãe solicita que ele guarde a Obedecer e guardar a louça Mãe fica de bom humor e satisfeita com ele (Sr+)
louça

Mãe de bom humor e satisfeita Pedir ajuda na tarefa de casa Mãe o ajuda na tarefa (Sr+)
com ele

Mãe por perto ajudando na Faz a tarefa até o fim Imediata: tem a tarefa completada, mãe o parabeni-
tarefa za, sobra mais tempo para brincar (Sr+)
Futura: notas melhores, maior aprendizado (Sr+)

Irmã vendo televisão há mais Pede para a irmã para mudar para o Irmã se recusa (Ext)
de uma hora canal que ele quer

Irmã se recusa a mudar o Fala, enfaticamente, que ela já viu Irmã diz que seu programa não acabou (Ext)
canal de televisão bastante tempo e é a sua vez

Irmã diz que seu programa não Pergunta o horário do término e avi- Imediata: irmã cumpre o combinado (Sr+) e ele ob-
acabou sa, em tom firme, que nesse horário tém a mudança de canal pouco tempo depois (Sr+)
ela deverá mudar o canal A longo prazo: maiores possibilidades de realizar
acordos com a irmã, com menos brigas (Sr+)

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Treino didático de análise de contingências e previsão de intervenções sobre as consequências do responder 53-71

Pela análise de contingências de melhora, per- guntas, não podemos ser deterministas e incorrer
cebe-se que as novas respostas do menino passa- no erro de supor que somente a terapia seria capaz
ram a produzir diversos reforços positivos (atenção, de alterar o curso da história dos indivíduos, ou
ajuda, ganhos específicos, aprendizado), redução da que uma criança com tais problemas estaria auto-
punição ou extinção e também benefícios a longo maticamente fadada a ser um adulto com questões
prazo, que também manteriam a continuidade des- ainda mais graves. É exatamente pela sensibilidade
se padrão de interação. Assim como o ambiente às consequências e pela plasticidade do comporta-
outrora modelou equivocadamente as respostas- mento que alterações podem ocorrer em diversas
-queixa, agora se espera que as mudanças sejam direções ao longo da vida. Por outro lado, é impor-
sustentadas pelas pessoas significativas de sua vida, tante considerar que a terapia é uma maneira de se
auxiliando na manutenção e no refinamento das alterar contingências de modo planejado e a partir
habilidades aprendidas. A mudança nas consequ- de ferramentas que o analista possui, advindas de
ências também modifica, indiretamente, a fun- uma compreensão científica do comportamento.
ção do contexto antecedente que, agora, sinaliza a
ocasião para outras respostas e para mais reforço Referências
positivo do que punição. Quando os antecedentes Ayllon, T., & Azrin, N. H. (1968). The token economy:
deixam de funcionar como pré-aversivos e passam A motivational system for therapy and rehabilita-
a ser sinalizadores de reforço, mais e mais torna-se tion. New York: Appleton-Century-Crofts.
possível a aprendizagem de comportamentos no- Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical: Crítica e
vos. O menino ativamente mudou as contingências metacrítica (2a ed.). São Paulo: UNESP.
de sua vida e esse é um dos principais aspectos que, Catania, A. C. (1999). Aprendizagem:
eventualmente, alguém poderia descrever como Comportamento, linguagem e cognição (4ª ed.; D.
“autoestima alta”: uma complexa rede de contin- G. Souza et al., Trads.). Porto Alegre: Artmed.
gências sociais positivamente reforçadoras! Del Prette, G., & Almeida, T. A. C. (2011). O uso de
técnicas na clínica analítico-comportamental.
Considerações Finais Em: N. B. Borges & F. A. Cassas (Orgs), Clínica
Este artigo procurou focar o ensino da seleção de analítico-comportamental: Aspectos teóricos e
comportamentos-alvo, a qual contempla essencial- práticos (pp. 147-160). Porto Alegre: Artmed.
mente as habilidades de observar, descrever e siste- Del Prette, G. (2011). Objetivos analítico-compor-
matizar a tríplice contingência e sua interpretação, tamentais e estratégias de intervenção nas inte-
assim como de efetuar a previsão de intervenções rações com a criança em sessões de duas reno-
sobre as consequências, a despeito da escolha por madas terapeutas infantis (Tese de doutorado).
técnicas específicas. Outras questões não aborda- Universidade de São Paulo, São Paulo, SP.
das, principalmente quanto ao foco nos antece- Ferster, C. B. (1967). Arbitrary and natural reinfor-
dentes, também merecem a atenção do analista em cement. The Psychological Record, 17, 341-347.
formação. É importante que elas sejam analisadas e Garfield, S. L. (1980). Psychotherapy: An ecletic ap-
descritas na forma de material didático, auxiliando proach. New York: Wiley.
o treinamento do analista em formação. Estas ques- Hill, C. E. (1999). Open questions and probes. Em
tões incluem aspectos como o controle de estímu- C. E. Hill & K. M. O’Brien (Orgs.), Helping
los, o manejo do comportamento verbal e o papel skills: Facilitating, exploration, insight and ac-
das operações estabelecedoras. Caso você queira tion (pp. 117-128). Washington: American
continuar exercitando sua capacidade analítica, Psychological Association.
para além do espaço deste artigo, será interessan- Horcones (1992). Natural reinforcement: A way to
te perguntar para si mesmo: o que teria aconteci- improve education. Journal of Applied Behavior
do com o menino se não houvesse mudança no seu Analysis, 25, 71-75.
padrão de interação social? Como ele seria, quando Kazdin, A. E. (1988). Child psychotherapy:
adulto? E como ele poderá ser, com a continuidade Developing and identifying effective treatments.
das mudanças alcançadas? Ao responder estas per- New York: Pergamon Press.

Revista Perspectivas 2011 vol. 02 n ° 01 pp. 53-71 70 www.revistaperspectivas.com.br


Giovana del Prette 53-71

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Lattal, K. A. (2005). Ciência, tecnologia e análise do 1  As funções presumidas dos estímulos consequentes estão
comportamento. Em J. Abreu-Rodrigues & M. sendo representadas com as seguintes notações: (Sr+) pro-
dução de estímulo reforçador positivo; (Sr-) produção de
R. Ribeiro (Orgs.), Análise do comportamento: estímulo reforçador negativo; (Sr+) remoção de estímulo
Pesquisa, teoria e aplicação (pp. 15-26). Porto reforçador positivo; (Sr-) remoção de estímulo reforçador
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A guide to functional analytic psychotherapy: História do artigo
Awareness, courage, love and behaviorism. New Data de submissão em: 10/08/2011
York: Springer. Primeira decisão editorial em: 30/08/2011
Aceito para publicação em: 19/10/2011

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