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Taisa Mattos
Mestranda/Pesquisadora
Programa EICOS
UFRJ, Brasil
taisapmattos@gmail.com
Resumo
Vivemos um momento de crise global generalizada, onde o atual modelo de
desenvolvimento se mostra insustentável. A transição para outros estilos de vida e modos de
desenvolvimento é emergencial. Para isso, precisamos não apenas de conscientização, mas de
engajamento comunitário e de uma ação coletiva para garantir a possibilidade da vida no
planeta.
Ecovilas são comunidades intencionais com foco no desenvolvimento local sustentável.
São experiências rurais e urbanas, que buscam a sustentabilidade em seus diversos aspectos.
Com princípios semelhantes, o Movimento Cidades em Transição mostra como é possível
transformar nossas cidades através da mobilização e do engajamento social, da redução do
consumo e do impacto ambiental, e do fortalecimento de economias locais.
Buscaremos evidenciar os princípios e as conexões entre ambos os movimentos sociais
e como estão contribuindo de forma efetiva para o redesenho do modo de vida nas cidades,
criando sustentabilidade e melhorando a qualidade de vida.
Abstract
We are facing global multiple crises where the current development model proves to
be unsustainable. The transition to other lifestyles is urgent. For that, we need not only to
raise awareness but to foster social engagement and a collective action in order to ensure the
continuity of life on Earth.
Ecovillages are intentional communities focused on local sustainable development.
They are experiments that are working on creating community and sustainable living models
in various aspects. With similar principles and practices the Transition Towns Movement
show us how to build resilient cities through social engagement, reducing consumption and
environmental impact and strengthening local economies.
This article intend to highlight the principals and connections between both social
movements evidencing how they are contributing to redesign the way of living in our cities,
creating sustainability and improving the quality of life.
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Resiliência pode ser entendida como a habilidade de um ecossistema retornar ao seu estado
natural após um choque ou perturbação, sendo que, quanto menor o período de recuperação,
maior é a resiliência de determinado ecossistema. Pode também ser definida como a medida
da magnitude dos distúrbios que podem ser absorvidos por um ecossistema, sem que o mesmo
perca seu potencial de equilíbrio estável. As atividades econômicas apenas são sustentáveis
quando os ecossistemas que as alicerçam são resilientes (Arrow et al., 1995).
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de não existir uma „Ecovila ideal‟ (JACKSON, 2004), sendo iniciativas e processos em
construção (JOSEPH, BETES, 2003/ CHRISTIAN, 2003 /JACKSON, 2004 /SEVIER, 2008),
as Ecovilas estão estabelecendo as fundações de uma nova cultura (SEVIER, 2008), exibindo
uma ética distinta (KASPER, 2008/SEVIER, 2008), e esse é um dos grandes legados das
Ecovilas: relembrar que somos seres interdependentes, e criar modelos cooperativos que
possam ser perpetuados, fazendo frente a atual cultura dominante.
A Rede Global de Ecovilas (GEN) foi fundada em 1995, com o objetivo de encorajar o
desenvolvimento de assentamentos sustentáveis ao redor do mundo. A GEN possui um papel
crucial na difusão dos princípios e práticas do Movimento, além de conectar as diversas
iniciativas e projetos relacionados. (SEVIER, 2008). Realiza serviços internos e externos de
comunicação, facilitando o fluxo e a troca de informações entre Ecovilas e outros projetos
afins (a partir da criação de diretórios e informativos, e também da realização de encontros e
conferências internacionais); faz articulações em rede e coordenação de projetos em áreas
relacionadas a assentamentos sustentáveis; além de se dedicar a cooperação global e parcerias,
especialmente com as Nações Unidas. (DAWSON, 2006). É interessante atentar para o fato
de que o Movimento de Ecovilas já emerge enquanto rede, e dessa forma se articula e se
expande. (GEN, s.d)
Apesar de diversas iniciativas estarem formalmente registradas no site da GEN, parece
não haver ainda um mapeamento detalhado das Ecovilas em cada país, indicando quantas
pessoas vivem em cada uma, o tamanho dos locais, seu modo de organização, entre outros
(BÔLLA, 2012). Ninguém sabe precisar, ao certo, o número de experiências, mas estima-se
que haja cerca de 15 mil Ecovilas pelo mundo, (JOSEPH, BETES, 2003 / SEVIER 2008),
embora sejam poucas por país (SEVIER, 2008). De uma vila medieval na Itália, a uma antiga
sede do Serviço Secreto Soviético na Alemanha, incluindo vilas tradicionais no Senegal e
comunidades espirituais no Sri Lanka, experiências muito simples ou altamente tecnológicas,
cada uma com seu próposito e desafios próprios. Existem experiências com aproximadamente
20 pessoas, como é o caso de Terra Una (Brasil) ou Torri Superiori (Itália), assim como
pequenas cidades, como Auroville (Índia) com cerca de 2.500 integrantes.
Apesar da maior parte das iniciativas serem em contextos rurais, destaca-se a
efetividade das Ecovilas urbanas na integração desses princípios e práticas em cidades e
subúrbios, onde está hoje localizada a maior parte da população mundial. Podemos citar como
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particulares, ou ainda, projetos de uma única família ou casal, que possuem a vontade da vida
comunitária, mas nunca conseguiram se efetivar enquanto comunidades.
oficialmente o Modelo de Transição, aumentando sua resiliência local e reduzindo sua pegada
ecológica, abrindo caminhos para o redesenho de nossas cidades e consolidando o Movimento
de Transição, que rapidamente se espalhou pelo mundo. (BRANGWYN; HOPKINS, 2008)
Na perspectiva do Movimento, a necessidade de transição evidencia-se a partir de 4
reconhecimentos. São eles:
A inevitável redução do consumo de energias fósseis - A vida com menos
energia é inevitável e é melhor nos planejarmos em relação a isso do que
sermos pegos de surpresa.
A necessidade de re-localização dos recursos que precisamos para viver,
criando resiliência local - Perdemos a capacidade de lidar com os choques
externos quando tudo o que precisamos para viver vem de fora. É fundamental
trazer para perto os recursos que realmente precisamos.
A urgência em relação a uma ação coletiva em resposta aos desafios atuais.
Precisamos agir por nós mesmos e precisamos agir agora. Ao invés de ficar se
lamentando ou se queixando, devemos nos unir e agir. Sair do discurso para a
prática.
A crença na existência de uma “genialidade coletiva”, na força e no potencial
criativo dos grupos. Ao liberarmos o gênio coletivo da comunidade podemos
desenhar formas de viver mais enriquecedoras e resilientes.
As Iniciativas de Transição são um exemplo do princípio de se pensar globalmente e
agir localmente. Através do fortalecimento da comunidade local e do redesenho de espaços,
ações e relações, estas iniciativas criam um processo que engaja pessoas e instituições para,
juntos, pensarem e implementarem as ações necessárias – de curto, médio e longo prazo –
para fazer frente aos desafios atuais como as mudanças climáticas, o pico do petróleo, a crise
econômica, entre outros. O objetivo do Movimento de Transição é a conscientização e o
engajamento comunitário para a implementação de ações visando tornar as cidades resilientes,
menos dependentes, mais harmônicas e integradas à natureza e mais resistentes a crises
externas, tanto econômicas como ecológicas.
O Modelo de Transição inclui princípios e práticas, inspirados na Permacultura, que
foram criadas ao longo do tempo através da experiência e observação de comunidades a
medida em que avançavam no caminho do desenvolvimento sustentável, criando resiliência
local e reduzindo o impacto ambiental. O Movimento parte de 7 Princípios. São eles:
1. Manter uma visão positiva do futuro, mesmo diante do caos.
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direcionamentos, sendo a sua prática diferenciada em cada localidade, a partir das demandas e
vontades de cada grupo. (BRANGWYN; HOPKINS, 2008)
Durante o processo, não apenas a conscientização é importante, mas também o
aprendizado de novas habilidades, como, por exemplo, aprender a plantar, a fazer
compostagens domésticas, a separar o lixo e reaproveitar a água, a praticar as metodologias
colaborativas, a facilitação de grupos e a mediação de conflitos, a criar redes de troca e
moedas sociais, além de muitas outras práticas que não são comuns no cotidiano
“mainstream” urbano.
Ao longo do processo torna-se evidente que o fortalecimento da comunidade local
passa pelo empoderamento individual e pelo engajamento comunitário, pelo desenvolvimento
de novas ferramentas econômicas, pela utilização de tecnologias ecológicas apropriadas para
o uso eficiente dos recursos, e também, pela criação de novas subjetividades. Percebe-se a
necessidade de honrar as tradições culturais locais, os saberes populares e os anciões, que, de
alguma forma, zelaram por esse patrimônio antes de nós. Evidencia-se a necessidade do
cuidado com a natureza, de buscar recuperar o controle sobre o que realmente é essencial para
nossas vidas.
com seus objetivos e prioridades. As ações incluem a revitalização de espaços públicos, como
a revitalização de uma praça com a construção de uma sala de aula ecológica e pequenas
hortas, no terreno de uma escola municipal na Vila Brasilândia, o projeto “Luz nas Vielas”
que embeleza becos antes obscuros da comunidade, e o plantio de mudas no Parque das
Onças, zona leste de São Paulo. O grupo da Granja realiza feiras de trocas mensais, atentando
para a questão do consumo, além de feiras orgânicas quinzenais, entre muitas outras
atividades.
É bastante relevante o papel de cada indivíduo no processo de transição. Ressalto aqui
a iniciativa de May East, a primeira treinadora brasileira do Cidades em Transição,
responsável por impulsionar o Movimento no Brasil. Hoje são 5 treinadores oficiais no Brasil,
contribuindo com a capacitação dos grupos de transição pelo país. Como explicita um dos
princípios do movimento, a participação de cada um é fundamental, e a transição não seria
possível sem a contribuição de muitas pessoas, que investem diariamente tempo e energia
para fazer esta roda girar.
A Rede de Transição (Transition Network) surge para inspirar, informar, apoiar, e
treinar comunidades que desejam estabelecer iniciativas de Transição. O papel da Rede de
Transição é difundir o Movimento, dando suporte e capacitando os grupos na implementação
da sua versão do modelo. (BRANGWYN; HOPKINS, 2008) No Brasil, a rede é impulsionada
pela plataforma NING, onde estão disponíveis os materiais em português, notícias da
transição, como eventos e treinamentos, além do cadastro dos grupos nacionais.
O processo de construir resiliência serve como um catalisador para repensarmos o
local. Comunidades estão implementando sistemas de plantio, companhias de energias
renováveis, moedas sociais (HOPKINS, 2012), como é o caso das cidades britânicas Totnes e
Lewes, que criaram suas próprias moedas complementares: o totnes pound e o lewes pound,
para fomentar suas economias. São adaptações locais para um futuro viável, que não
dependem de políticas, mas da ação coletiva na direção da mudança. (CONNORS, Mc
DONALD, 2011). Os princípios do modelo de transição estão relacionados com os princípios
do desenvolvimento comunitário: sensibilizar, ser inclusivo, trazer respostas positivas, não se
posicionar contra instituições ou projetos, mas apresentar soluções viáveis. Trata-se de um
movimento poderoso, que passam pelo desenvolvimento comunitário, envolve o engajamento
e participação social, além de outros princípios e formas de governança. A chave é fortalecer
o local, já que é no nível local que a maior parte dos indivíduos se sente empoderado para
agir. (CONNORS, Mc DONALD, 2011).
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bem-estar das pessoas, a partir da mudança no estilo de vida. Os envolvidos com a Transição
acabam por adotar hábitos mais saudáveis, como o consumo de alimentos orgânicos locais,
além de se exercitarem mais, ao adotar outras formas de transporte, como a bicicleta e
trabalharem no cultivo de seus próprios alimentos, por exemplo. Existem ainda os benefícios
sociais e de bem estar advindos do engajamento social, relacionados ao senso de
pertencimento, de segurança e apoio comunitário, além de desenvolverem novas habilidades,
confiança e espírito de grupo. (RICHARDSON, 2012).
Nas iniciativas de transição, os indivíduos assumem um papel de cidadãos e não de
consumidores. Desenvolvem a capacidade de trabalharem juntos e de transformar a sua
realidade local (HEISKANEN, 2010). A transição promove uma mudança de comportamento,
além de uma mudança de valores e visão de mundo (TAYLOR, 2012).
Em seu desdobramento o Movimento Cidades em Transição passa a ser chamado
simplesmente de Movimento de Transição, dada a diversidade adquirida pelos iniciativas,
presentes nas mais diversas localidades e contextos. De ruas em Transição no Reino Unido à
prédios em Transição no Brasil. Toda e qualquer iniciativa é estimulada e bem-vinda.
Ecovilas e de Transição, contruir o novo aqui e agora e ir atraindo pessoas, gerando massa-
crítica para essa mudança tão necessária. (TRAINER, 2000). Dessa forma, não precisamos de
confronto, mas sim, desenvolver, aprimorar e replicar modelos viáveis para realmente
contribuição com a transição para uma sociedade sustentável. (TRAINER, 2000). Pelas
estratégias utilizadas, os movimentos não são visto como perigoso pelo status quo (KIRBY,
2004), o que é uma vantagem na a difusão de seus princípios e práticas.
Conforme artigo escrito por Madeleine Bunting no The Guardian:
“ Se quiser ter um lampejo dos tipos de lugares fora do mainstream onde nas ovas
políticas estão sendo incubadas, olhe para o Movimento de Transição. (...) Não é tão difícil de
ver porque os políticos estão tão interessados. O Movimento de Transição está engajando as
pessoas de forma que as políticas convencionais tem fracassado em fazer. Gera emoções que
não tem sido vistas na vida política há um bom tempo: entusiasmo, idealismo e
comprometimento apaixonado.” (tradução nossa). (BUNTING, 2009 APUD HOPKINS,
2012, p. 75).
É importante ressaltar que a possibilidade de sociedade sustentável depende não apenas
de nossa ações, mas de como pensamos, daí a importância de se criar novas subjetividades
para manter e reforçar uma visão de mundo sustentável e resiliente. (KASPER, 2008).
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