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Resumo
A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) é considerada uma das correntes
identificadas com a Terceira Força em Psicologia ou Psicologia Humanista.
Há aspectos significativos que correlacionam o pensamento do seu
fundador, Carl Rogers, com alguns pressupostos da psicologia humanista e
da filosofia existencialista. Mesmo que seu trabalho não tenha sido
orientado pela fenomenologia, percebe-se em sua obra, desdobrada em
várias fases, a prática de uma atitude desta natureza. Considerar, portanto,
a ACP como uma abordagem humanista, existencial e fenomenológica
remete-nos a uma série de questões relacionadas: 1) o que se entende por
humanista? 2) Por consequência, o que é ser humano nesta perspectiva? 3)
Como pensar o humanismo na psicologia? 4) Quais aspectos derivados da
fenomenologia e do existencialismo encontram ressonância com a teoria e
o método da ACP? Este artigo tem como objetivo contribuir na reflexão
sobre as possíveis correlações entre essas perspectivas filosóficas e a
Abordagem Centrada na Pessoa, tema ainda controverso no contexto
brasileiro mesmo diante da diversidade teórica e de perspectivas que esta
abordagem vem assumindo na atualidade.
Abstract
Person Centered Approach (PCA) is considered one of the theories
identified as the Third Force in Psychology or Humanistic Psychology. There
are some significant aspects that estabilsih a relationship between the
thought of its founder, Carl Rogers, and some purposes of the humanistic
psychology and the existencial philosophy. Even though Rogers's work has
not been based on phenomenology, it is possible to realize on his writtings,
trhough its several phases, the practice of an attitude like the
phenomenological one. Therefore, to consider PCA as a humanistic,
existencial and phenomenological take us to some connected issues: 1)
What is understood as humanistic? 2) By consequence, what is being human
in this theorical point of view? 3) How to think humanism on psychology? 4)
What aspects from phenomenology and existencialism can estabilish
relationship with theory and method of PCA? This article aims to contribute
on the reflexion about possible relationships between these philosophical
theories and Person Centered Approach, a very controversial theme at
brazilian context even though there is theorical diversity and a lot of pionts
of view about this approach currently.
Key-
Key-words: humanism; existencialism; phenomenology; person centered
approach.
Resumen
El Enfoque Centrado en la Persona (ECP) se considera una de las corrientes
identificadas con la tercera fuerza en psicologia o Psicologia Humanista. Hay
aspectos importantes que se relacionan el pensamiento de su fundador,
Carl Rogers, con algunos supuestos de la psicología humanista y de la
filosofia existencialista. Aunque su trabajo no haya sido orientado por la
fenomenologia, percibe en su obra, dividida en varias fases, la práctica de
una actitud esta naturaleza. Considerar, por lo tanto, el ECP, como un
enfoque humanístico, existencial y fenomenológico nos lleva a uma serie de
preguntas relacionadas: 1) ?qué se entiende por humanista? 2) Por
consiguiente, ?qué es ser humano en este enfoque? 3) ?Comó pensar
humanismo en la psicología? 4) ?Cualés aspectos derivados de la
fenomenología y de lo existencialismo encuentran resonancia con la teoría y
el metodo del ECP? Este artículo tiene como objetivo contribuir en la
reflexión sobre las posibles correlaciones entre las perspectivas filosoficas y
el Enfoque Centrado en la Persona, tema aún polémico en el contexto
brasileño mismo ante la diversidad teórica y de perspectivas que este
enfoque ha asumido hoy.
existente na própria psicologia. É necessário, estavam muito presentes, daí, o seu extremo
portanto, que ocorram as devidas interesse com a comprovação científica dos
apropriações, para que assim as abordagens dados observados na prática clínica (Barreto,
psicológicas, em seu corpo teórico e técnico, 1999).
possam ser enriquecidas na compreensão e Por ter tido uma formação pragmática e
reflexão da experiência humana por meio de determinista, Rogers considerava a ciência
conceitos filosóficos. como algo externo, como um “corpo de
Quanto às perspectivas filosóficas conhecimento” sistemático e organizado em
presentes na Abordagem Centrada na Pessoa, fatos observáveis; somente quando conheceu
Messias (2001) aponta que a ligação existente outros paradigmas e modelos de ciência
entre a psicologia de Rogers e o movimento tentou integrar esses dois aspectos, o
humanista e existencial é significativa. Não se cientista e o vivencial.
pode, no entanto, afirmar que o seu trabalho
foi direcionado pela fenomenologia, pois A ciência apenas existe nas pessoas.
Rogers só descobriu tardiamente esta Qualquer projeto científico tem o seu
impulso criativo, o seu processo, a sua
filosofia. Ele próprio afirma que nunca conclusão provisória, numa pessoa ou em
estudou filosofia existencial. Seu contato com várias pessoas. O conhecimento – mesmo
a obra de Soeren Kierkegaard e de Martin o conhecimento científico - é aquele que
Buber, por exemplo, deveu-se à insistência de é subjetivamente aceitável. O
alguns de seus estudantes de teologia em conhecimento científico só pode ser
comunicado àqueles que estão
Chicago. Apesar disso, encontramos subjetivamente preparados para receber
convergências entre seu pensamento e a sua comunicação. A utilização da ciência
desses autores. apenas se dá através de pessoas que
procuram valores que significam alguma
É o que leva Puente (1978) a afirmar coisa para elas (Rogers, 1991, p.195).
que Rogers, mesmo não sendo filósofo, “se
encontra na orientação da fenomenologia ao Portanto, reconheceu que a ciência,
reconhecer neste pensamento o seu estilo de como a terapia e outros aspectos da vida,
trabalho, que se caracteriza pelo esforço de baseiam-se na experiência imediata das
se aproximar até aquelas camadas do pessoas, que é comunicável apenas em parte
subjetivo que estão mais próximas do e de forma limitada. Para ele, ao se
objetivo, as experiências pessoais” (p.55). estabelecer uma relação terapêutica, por
Ao tomar a experiência prática, vivida, exemplo, os sentimentos e o conhecimento
como ponto de partida para formular sua se fundem numa experiência que é vivida ao
teoria e método psicoterapêutico, ao incluir a invés de ser analisada, em que o terapeuta,
subjetividade do terapeuta e do cientista e ao no momento da relação, é mais um
se interessar pela compreensão dos participante do que um observador. Atua
significados atribuídos pela própria pessoa às como observador quando se interessa pela
suas vivências e pelos modos de ordenação e pelo processo que ocorre nesta
experienciação dos mesmos, Rogers assume, relação. Deve para tal utilizar-se dos recursos
em seu modo de trabalho, a prática de uma científicos, não de forma impessoal, mas
atitude humanista e fenomenológica. vivendo subjetivamente outra fase de si
Mesmo com tais intenções, não há mesmo. Tentou resolver seu impasse,
como negar que a construção da sua teoria colocando a pessoa, com seus próprios
ainda mantinha-se vinculada ao modelo valores, como a base da relação terapêutica e
positivista e à matriz cientificista que da relação científica.
dominava o projeto de constituição da Considerar, então, a ACP como uma
psicologia da época, em que a noção de abordagem que possui aspectos humanistas,
verdade e o conhecimento representacional existenciais e fenomenológicos remete-nos a
“[...] Ente é tudo de que falamos, tudo que primária o mundo, estrutura fundamental
entendemos [...] ente é também o que e pertencente exclusivamente ao dasein, onde
como nós mesmos somos.” (Heidegger, 2005. se dá o ingresso dos entes diferentes de nós.
p.32) A existência humana, então, não teria
Na perspectiva heideggeriana esse ente uma vida privada, precedente, que depois, se
que cada um de nós somos e que possui em relacionaria com o mundo exterior; ela existe
seu ser a possibilidade de questionar, é no mundo. É o que nos diz Nunes (2004), “o
designado como Dasein, expressão alemã que Dasein (enquanto Ser-no-mundo) não está
significa “ser-aí”. A edição brasileira traduz o para o mundo como uma coisa encaixada
dasein como pre-sença. dentro de outra maior, mas sim que ao
O dasein sempre se relaciona de mundo se liga sob forma de um engajamento
formas distintas com os entes, em virtude do pré-reflexivo, integrante da constituição
seu caráter dinâmico, em constante mesma desse ente que somos” (p.126).
movimento, que está sendo, numa espécie Em lugar da consciência pura do ‘eu
de acontecendo contínuo conforme a transcendental’, Heidegger partiu da
possibilidade existencial vivenciada. Esse facticidade no mundo, da vida que é histórica
caráter pré-ontológico, determinação original e se compreende historicamente. A essência
e constitutiva do próprio dasein, permite que da existência humana é existir em pluralidade,
venha a se expressar com relação aos entes e não em si mesma, uma vez que ela pertence
de múltiplas maneiras, com várias a um mundo circundante, com sua estrutura
possibilidades. Essa amplitude de modos de referencial de utensílios e com a co-presença
ação corresponde ao caráter de existência, dos outros. O homem, enquanto, ser-no-
característico do dasein. mundo, é compreendido no seu próprio
Belém (2004) esclarece que o dasein existir, pois o existente só pode se
“se identifica com o homem, mas não é o compreender em sua relação com o mundo
homem. É dizer o mais originário do homem, (Lanteri-Laura, 1965).
que, ontologicamente é a sua existência” A expressão ser-no-mundo refere-se a
(p.95). O ser-aí diz de um “ser lançado em um fenômeno de unidade que abrange os
um mundo cujo estar presente implica na seguintes momentos estruturais: a) ser-em,
possibilidade da existência”. que não indica uma coisa, um ser
Para Heidegger (2005) “o estar- simplesmente dado, dentro do mundo, mas
lançado, porém, é o modo de ser de um ente se refere a uma constituição existencial, a um
que sempre é suas próprias possibilidades e habitar em, estar familiarizado com; b) ser-
isso de tal maneira que ele se compreende junto ao mundo, no sentido de empenhar-se
nessas possibilidades e a partir delas no mundo e não dar-se em conjunto de
(projeta-se para elas)” (p.244). coisas que ocorrem; c) ser-com, em que a co-
Com isso, pode-se dizer que o dasein é presença dos outros constitui
possibilidade lançada ao mundo. A esta existencialmente o ser-no-mundo, pois,
estrutura do dasein de ser lançado, conforme afirma Heidegger (2005): “na base
Heidegger nomeou de facticidade da desse ser-no-mundo determinado pelo com,
existência. “O dasein se entrega à o mundo é sempre o mundo compartilhado
responsabilidade de assumir o seu próprio com os outros” (p.170); d) ser-próprio
ser e, sendo se relaciona com ele e se cotidiano e o impessoal significa que o ser-
comporta com o seu ser como possibilidade no-mundo é sempre em função de si próprio,
mais própria” (Belém, 2004, p.97). porém o próprio do cotidiano, habitual é o
Desta forma, pelo seu caráter impróprio ou próprio impessoal caracterizado
existencial e promotor de sentido, o dasein é pela dispersão e impessoalidade, em que o
principalmente ser-no-mundo. O acesso do si-mesmo é aprendido como próprio, uma
ente à existência tem como condição vez que “ de início, “eu” não “sou” no sentido
do propriamente si mesmo e sim os outros que nos escapa. Essa ausência da coisa é o
nos moldes do impessoal. É a partir deste e nada, que se revela em parte alguma, com
como este que, de início, eu “sou dado” a que a angústia se angustia. Daí porque
mim mesmo (Heidegger, 2005, p.182). estamos sempre tendendo à cotidianidade,
Ao procedermos uma leitura nos voltando aos entes, para compensar o
psicológica deste conceito eminentemente mal-estar.
filosófico, podemos abstrair que quando o
dasein descobre o mundo, isto é, quando A angústia não é somente angústia com...
ocorre uma abertura para si mesmo, este mas, enquanto disposição, é também
angústia por... O por quê a angústia se
“descobrimento de mundo” e esta abertura angustia não é um modo determinado de
se cumpre e se realiza como uma “eliminação ser e uma possibilidade da pre-sença [...]
das obstruções, encobrimentos, Na angústia o que se encontra à mão no
obscurecimentos, como um romper das mundo circundante, ou seja, o ente
deturpações em que a pre-sença se tranca intramundano em geral, se perde [...] na
angústia se está “estranho” [...] Mas,
contra si mesma” (Heidegger, 2005, p.182). estranheza significa igualmente “não se
Outro aspecto importante refere-se ao sentir em casa” (Heidegger, 2005, p.251-
que Heidegger denomina de decaída,, 252, grifos do autor).
também traduzida por decadência, ou seja, o
desvio de si, o de-cair no mundo das Este “não se sentir em casa”, enquanto
ocupações, a fuga da existência que está fenômeno mais originário, faz com que o
fundada na angústia. Heidegger, inspirado dasein abra-se como ser-possível. Segundo
em Kierkegaard, não conceitua a angústia Heidegger (2005, p.255) só na angústia
como uma experiência disfuncional, um subsiste a possibilidade de uma abertura
estado ou uma propensão, mas a concebe privilegiada na medida em que ela “retira a
enquanto uma disposição fundamental da pre-sença de sua de-cadência e lhe revela a
existência; como aquilo que se teme, mas, propriedade e impropriedade como
que, ao mesmo tempo, se deseja. É na possibilidades de ser”. Através da angústia lhe
angústia que a existência abre-se a si mesmo. é aberto um horizonte de possibilidades, em
O dasein por apresentar diversas que se pode viver no mundo partindo de si
possibilidades de concretizar-se, oscila entre mesmo. Este é o ser-si-mesmo. Sobre essa
fechamento para si e abertura, entre o dinâmica existencial, Critelli (1996) afirma:
próprio impessoal e o próprio pessoal; possui “por mais que se tente arquitetar uma
um modo de ser em que já se põe diante de sociedade em que se logre o controle da
si mesmo e se abre para si em seu estar- angústia, da inospitalidade do mundo, da
lançado. A angústia, como disposição fluidez e liberdade humanas, da transmutação
constitutiva, é que irá propiciar a abertura incessante dos sentidos de se ser, a
para si do dasein, uma saída da empreitada é, de saída, irrealizável” (p.22).
cotidianidade, uma independência dos Como a abertura se refere à
outros, uma ruptura consigo, com o que se é constituição estrutural do dasein, este ente,
cotidianamente, com a estabilidade. Esta em sua totalidade, é explicitado e
disposição para a abertura não significa um determinado pelo conceito de cuidado
voltar-se para si subjetivo, mas caracteriza-se (sorge), como ser do dasein. O ingresso ao
pelo ser a si mesmo, com as coisas e com os cuidado se dá por meio da angústia, que se
outros. Como é uma disposição não se refere explicitamente ao dasein como ser-no-
equivale à abertura; ela é um entre mundo que de fato existe. Desta forma, este
fechamento e abertura, porém, ainda que aspecto de já ser lançado em um mundo,
permeado de cotidianidade, está voltado como ser junto aos outros entes que lhe vêm
para o não-cotidiano. Por sermos ser-no- ao encontro dentro do mundo, pressupõe o
mundo nos voltamos para as coisas, para algo caráter do dasein estar destinado a projetar-
se ao seu poder-ser mais próprio, como uma significados que o sujeito lhes atribui, ou
possibilidade de si mesmo, determinado por seja, o de não priorizar o objeto e/ou
sujeito, mas centrar-se na relação sujeito-
esse sentido originariamente libertário. objeto-mundo (Bruns, 2001, p.63).
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