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O PEQUENO NICOLAU

As divertidas aventuras do Pequeno Nicolau, um menino igual a muitos outros, são


narradas com humor perspicaz por Goscinny, o inesquecível autor do Asterix, e ilustradas
pelo genial Sempé. Em cinco títulos, situações como a visita do inspetor à escola, os
recreios tumultuados, as férias na praia, a chegada do irmãozinho, a visita da vovó são
contadas com graça e sensibilidade. As travessuras do Nicolau e suas observações
hilariantes sobre os colegas, os pais, os professores e as situações do cotidiano têm
cativado crianças e adultos do mundo todo.

Obras da série

O Pequeno Nicolau
As férias do Pequeno Nicolau
Novas aventuras do Pequeno Nicolau
O Pequeno Nicolau e seus colegas
o Pequeno Nicolau no recreio
Sempé/Goscinny
O Pequeno Nicolau

Martins Fontes - São Paulo 2000


Título original: LE PET1T NICOLAS.
Copyright © Denoël, Paris, 1960.

Tradução - LUÍS LORENZO RIVERA


Revisão da tradução - Monica Stahel
Revisão gráfica - Andréa Stahel M. da Silva - Célia Regina Camargo
Produção gráfica - Geraldo Alves
Paginação Moacir Katsumi Matsusaki

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Sempé, Jean Jacques, 1932-
O Pequeno Nicolau / Sempé, Goscinny ; [tradução Luis Lorenzo Rivera]. - 5- ed. -
São Paulo : Martins Fontes, 1997. - (As Aventuras do Pequeno Nicolau)

Título original: Le Petit Nicolas.


ISBN 85-336-0822-5
1. Literatura infanto-juvenil I. Goscinny, René. II. Título. III. Série.
97-5702 CDD-028.5
índices para catálogo sistemático:
1. Literatura infantil 028.5
2. Literatura infanto-juvenil 028.5
Todos os direitos desta edição reservados à Livraria Martins Fontes Editora Ltda.
01325-000 São Paulo SP Brasil
http:llwww.martinsfontes.com
índice
Uma lembrança para guardar com carinho 7
Os caubóis 11
O Sopa 17
O futebol 22
A visita do inspetor 27
Rex 32
Djodjo 37
O lindo buquê 42
Os boletins 47
Luisinha 51
O ensaio para a visita do ministro 56
Eu fumo 60
O Pequeno Polegar 65
A bicicleta 69
Estou doente 74
Foi muito divertido 79
Fui visitar o Agnaldo 84
O sr. Bordenave não gosta de sol 89
Fugi de casa 94
Para Henri Amouroux, padrinho deste Nicolau
Uma lembrança para guardar com
carinho
Hoje de manhã todo o mundo chegou muito contente na escola, porque
nós vamos tirar uma fotografia da classe, que vai ficar de lembrança para a
gente guardar por toda a vida, como a professora disse. Ela também disse
para todo o mundo vir bem limpo e penteado. Eu entrei no pátio do recreio
cheio de brilhantina na cabeça. Todos os meus amigos já estavam lá e a
professora estava brigando com o Godofredo, que veio vestido de marciano.
O Godofredo tem um pai muito rico, que compra todos os brinquedos que
ele quer. O Godofredo estava dizendo para a professora que ele queria de
todo jeito ser fotografado de marciano e que, senão, ele ia embora.
O fotógrafo também já estava lá com a máquina, e a professora disse
para ele andar logo, porque senão a gente ia perder a aula de matemática. O
Agnaldo, que é o primeiro da classe e o queridinho da professora, disse que
seria uma pena não ter aula de matemática, porque ele gosta muito e tinha
feito todos os problemas. O Eudes, um colega muito forte, queria dar um
soco no nariz do Agnaldo, mas o Agnaldo usa óculos e a gente não pode
bater nele tanto quanto gostaria. A professora começou a gritar que nós
éramos insuportáveis, que se continuasse assim não ia ter mais fotografia e
que ia todo o mundo para a classe. Aí o fotógrafo disse: "Vamos, vamos,
calma, calma. Deixe que eu sei como se fala com criança, vai dar tudo
certo."

O fotógrafo resolveu que a gente tinha que ficar em três filas; a primeira
fila sentada no chão e a segunda, em pé em volta da professora, que ia ficar
sentada numa cadeira, e a terceira, em pé em cima de uns caixotes. Esse
fotógrafo tem boas idéias mesmo.
Fomos buscar os caixotes que estavam no porão da escola. Foi muito
divertido, porque não havia muita luz no porão e o Rufino enfiou um saco
velho na cabeça e ficou gritando: "UUU! Eu sou o fantasma." E aí a gente
viu a professora chegar. Ela não parecia muito contente, então saímos
depressa com os caixotes. O único que ficou foi o Rufino. Com aquele saco
ele não via o que estava acontecendo e continuava gritando: "UUU! Eu sou
o fantasma", e foi a professora que tirou o saco da cabeça dele. O Rufino
levou um baita susto. Quando chegou de novo ao pátio, a professora largou
a orelha dele, bateu com a mão na testa e disse: "Mas vocês estão imundos."
Era verdade, a gente tinha se sujado um pouco fazendo palhaçadas no porão.
A professora estava zangada, mas aí o fotógrafo disse que não fazia mal, que
dava tempo de a gente se lavar enquanto ele arrumava os caixotes e a
cadeira para a foto. O único que estava com a cara limpa era o Agnaldo, e
fora ele também o Godofredo, porque ele estava com a cabeça dentro do
capacete de marciano, que parecia um aquário. O Godofredo disse para a
professora: "Está vendo só, professora, se todos tivessem vindo vestidos
como eu, não tinha acontecido nada disso." Eu vi que a professora estava
com muita vontade de puxar as orelhas do Godofredo, mas não tinha jeito de
segurar no aquário. Essa roupa de marciano é um arranjo incrível!

Depois que todo o mundo se lavou e se penteou, nós voltamos. A gente


estava um pouquinho molhado, mas o fotógrafo disse que não fazia mal, que
não aparecia na fotografia.
O fotógrafo disse: "Bom, vocês querem deixar a professora contente?"
Respondemos que sim, porque gostamos muito da nossa professora, ela é
boazinha demais quando a gente não deixa ela furiosa. Aí o fotógrafo disse:
"Então, vocês vão tomar os seus lugares para a foto, bem comportados. Os
maiores em cima dos caixotes, os médios em pé, os pequenos sentados."

Nós fomos, e o fotógrafo começou a explicar para a professora que com


paciência a gente consegue tudo das crianças, mas a professora não pôde
escutar até o fim o que ele estava dizendo. Ela teve que nos separar porque
todo o mundo queria ficar em cima dos caixotes.
"Aqui só tem um grande, sou eu!", o Eudes gritava, e empurrava os que
queriam subir nos caixotes. O Godofredo ficou insistindo e o Eudes deu um
soco no aquário dele e se machucou muito. Foi preciso juntar vários
meninos para arrancar o aquário do Godofredo, que ficou entalado.
A professora disse que ia dar o último aviso e que depois ia ser a aula de
matemática, então achamos que era melhor ficarmos quietos e começamos a
ir para os lugares. Godofredo chegou perto do fotógrafo: "Que máquina é
essa sua?", ele perguntou. O fotógrafo sorriu e disse: "É uma caixa de onde
vai sair um passarinho, mocinho. — É bem velhinho esse negócio aí, o
Godofredo respondeu, o meu pai me deu uma com pára-sol, grande angular,
teleobjetiva e, é claro, os filtros..." O fotógrafo pareceu surpreso, parou de
rir e disse para o Godofredo voltar para o lugar dele. O Godofredo
perguntou: "O senhor não tem nem fotômetro? - Pela última vez, volta para
o teu lugar!", gritou o fotógrafo, que, de repente, ficou muito nervoso.
A gente se instalou. Eu estava no chão, ao lado do Alceu. O Alceu é um
amigo meu que é muito gordo e que come o tempo todo. Ele ia dar uma
mordida num pão com geléia quando o fotógrafo disse para ele parar de
comer, mas o Alceu respondeu que precisava se alimentar. "Larga esse
pão!", gritou a professora, que estava sentada bem atrás do Alceu. Ele levou
um susto tão grande, que deixou o pão com geléia cair na camisa. "Olha aí o
que aconteceu", disse o Alceu, que tentava raspar a geléia com o pão. A
professora disse que a única coisa a fazer era colocar o Alceu na última fila
pra ninguém ver a mancha na camisa dele. A professora disse: "Eudes, dê o
lugar para o seu amigo. — Ele não é meu amigo, o Eudes respondeu, ele
tem é que ficar de costas para a fotografia para ninguém ver a mancha nem a
cara gorda dele." A professora ficou zangada e passou para o Eudes, de
castigo, a conjugação do verbo "Eu não devo me recusar a ceder o lugar
para um amigo que derrubou pão com geléia na camisa." Eudes não disse
nada, desceu do caixote e veio para a primeira fila, enquanto o Alceu ia para
a última. Isso deu um pouco de confusão, principalmente quando o Eudes
cruzou com o Alceu e lhe deu um soco no nariz. O Alceu quis dar um
pontapé no Eudes, mas o Eudes é muito rápido e se desviou, e quem levou o
chute foi o Agnaldo, mas felizmente num lugar onde ele não tem óculos.
Mesmo assim o Agnaldo começou a chorar e gritar que ele não estava
enxergando mais nada, que ninguém gostava dele e que ele queria morrer. A
professora consolou o Agnaldo, fez ele assoar o nariz, penteou ele de novo e
passou um castigo para o Alceu, que vai ter que escrever cem vezes: "Não
devo bater num colega que não procura briga comigo e que usa óculos. —
Bem feito", disse o Agnaldo. Aí a professora passou um castigo para ele
também. O Agnaldo ficou tão espantado que nem chorou. A professora
começou a distribuir castigos por todo lado, todos nós tínhamos uma porção
de linhas para escrever e, afinal, a professora disse: "Agora, vamos ver se
vocês resolvem ficar quietos. Se ficarem bonzinhos, eu tiro todos os
castigos. Agora vocês vão fazer uma pose, dar um belo sorriso e o moço vai
tirar uma linda foto da gente!" Como ninguém queria deixar a professora
triste, nós obedecemos. Todo o mundo sorriu e fez pose.
Mas a lembrança que a gente ia guardar por toda a vida não deu certo,
porque o fotógrafo não estava mais lá. Ele tinha ido embora sem dizer nada.

No alto, da esquerda para a direita: Martins (que se mexeu), Paulão, Dubedá, Cossino, Rufino,
Adalberto, Eudes, Champinhac, Lefèvre, Toussaint, Charlier, Sarigaut.
No meio: Paulo Bojojof, Tiago Bojojof, Marcos, Lafontan, Lebrun, Dubos, Delmont,
de Fontagnès, Martineau, Godofredo, Mespoulet, Falot, Lafageon.
Sentados: Rignon, Guyot, Aníbal, Croustsef, Bergès, a professora, Agnaldo, Nicolau, Faribol,
Grosini, Gonzales, Pichenet, Alceu e Mouchevin (que acaba de ser expulso).
Os caubóis
Convidei os meus amigos para brincar de caubói hoje de tarde na minha
casa. Eles chegaram com todas as coisas deles. O Rufino estava com todo o
equipamento de policial que ganhou do pai dele, com o quepe, as algemas, o
revólver, o cassetete branco, o apito de bolinha e tudo; o Eudes estava com o
chapéu de escoteiro do irmão mais velho dele e um cinturão com um monte
de balas de madeira e duas cartucheiras com dois revólveres incríveis, que
tinham cabo feito do mesmo tipo de osso que o estojo de pó-de-arroz que o
papai comprou pra mamãe depois que eles brigaram por causa da carne
assada que estava muito assada mas que a mamãe dizia que era porque o
papai tinha chegado muito tarde. O Alceu estava vestido de índio; tinha um
machado de pau e penas na cabeça e estava parecendo um frango enorme. O
Godofredo, que adora se fantasiar e que tem um pai muito rico que dá tudo o
que ele quer, estava inteirinho vestido de caubói, com uma calça de pele de
carneiro, um colete de couro, uma camisa xadrez, um chapéu grande,
revólveres com espoleta e esporas bem pontudas. Eu estava com uma
máscara preta que ganhei no carnaval, minha espingarda de dardos e um
lenço vermelho no pescoço, que era um cachecol velho da mamãe. A gente
estava superlegal!

A gente estava no jardim e a mamãe tinha avisado que ia chamar para o


lanche. "Bom, então pronto, eu disse, eu sou o mocinho e tenho um cavalo
branco e vocês todos são os bandidos, mas no fim quem ganha sou eu." Os
outros não concordaram. Isso que é chato, quando a gente brinca sozinho
não é tão divertido, e quando a gente não está sozinho os outros ficam
arrumando muita encrenca. "E por que é que eu não posso ser o mocinho, o
Eudes falou, e por que é que eu não tenho um cavalo branco também? —
Com essa cara você não pode ser o mocinho nunca", o Alceu falou. "E você,
seu índio, cala a boca, senão te dou um chute no rabo", disse o Eudes, que é
muito forte e que gosta muito de dar socos no nariz dos colegas, e fiquei
espantado com aquele negócio do chute no rabo, mas é verdade que o Alceu
estava parecendo mesmo um frango. "Em todo caso eu vou ser o xerife",
disse o Rufino. "O xerife?, disse o Godofredo. Você é engraçado, onde é que
já se viu um xerife de quepe?" O Rufino, que tem o pai que trabalha na
polícia, não gostou nada de ouvir isso. "O meu pai usa quepe, ele disse, e
ninguém acha ele engraçado! — Se ele se vestisse desse jeito no Texas todo
o mundo ia cair na gargalhada", disse o Godofredo, e o Rufino deu um tapa
nele, e aí o Godofredo tirou um revólver da cartucheira e disse: "Você se
arrependerá disso, Joe!", e o Rufino lhe deu outro tapa e o Godofredo caiu
sentado no chão fazendo pam! com o revólver dele; então o Rufino apoiou
as mãos na barriga e fez uma porção de caretas e caiu dizendo assim: "Você
me acertou, coiote, mas eu serei vingado!"

Eu saí galopando pelo jardim dando umas batidas na minha calça para
andar mais depressa, e o Eudes chegou perto de mim. "Desce desse cavalo,
ele disse, quem tem o cavalo branco sou eu! — Não senhor, eu disse para
ele, estou na minha casa, e quem tem o cavalo branco sou eu", e o Eudes me
deu um soco no nariz. O Rufino apitou forte com o apito de bolinha. "Você é
um ladrão de cavalos, ele disse para o Eudes, e em Kansas City nós
enforcamos os ladrões de cavalos!" Aí o Alceu veio correndo e disse:
"Espera aí! Você não pode prender ele, eu é que sou o xerife! - Desde
quando, galináceo?", perguntou o Rufino. O Alceu não gosta de briga, mas
mesmo assim ele pegou o machado de pau e toe! bateu com o cabo na
cabeça do Rufino, que não estava esperando. Ainda bem que tinha o quepe
na cabeça do Rufino! "Meu quepe! Você amassou o meu quepe", o Rufino
gritou e saiu correndo atrás do Alceu, e eu comecei a galopar de novo em
volta do jardim.

"Ei pessoal, parem! Tive uma idéia, o Eudes falou. Nós vamos ser os
bonzinhos e o Alceu vai ser a tribo de índios, e ele tenta capturar a gente e
depois ele pega um prisioneiro, aí a gente chega e liberta o prisioneiro e aí o
Alceu é vencido!" Todo o mundo estava a favor dessa idéia que era legal
mesmo, mas o Alceu não concordou. "E por que eu é que vou ser o índio?",
o Alceu perguntou. "Porque você tem penas na cabeça, idiota!, respondeu o
Godofredo, e se não gostou não brinca mais, é isso aí, porque você tá
enchendo a gente! — Então, já que é assim, eu não brinco mais", o Alceu
falou e foi para um canto ficar emburrado e comer um pãozinho com
chocolate que ele tinha no bolso. "Ele tem que brincar, disse o Eudes, é o
único índio que a gente tem, e se ele não brincar eu depeno ele!" Então o
Alceu disse que tudo bem, que ele brincava, mas só se ele fosse um índio
bom. "Está bem, disse o Godofredo, mas você tem que ser sempre do contra,
hem! - E quem vai ser o prisioneiro?", eu perguntei. "Ué, vai ser o
Godofredo, o Eudes disse, vamos prender ele na árvore com a corda de
pendurar roupa. — O que é que há, ficou louco, é?, perguntou o Godofredo,
por que eu? Eu não posso ser o prisioneiro porque sou o mais bem vestido
de todos. - E daí, o Eudes respondeu, não é só porque eu tenho um cavalo
branco que eu não vou brincar. - Quem tem o cavalo branco sou eu!", eu
disse. O Eudes ficou bravo e disse que quem tinha o cavalo branco era ele e
que se eu não estivesse gostando ele me dava outro soco no nariz. "Tenta",
eu disse, e ele conseguiu. "Não se mexa, Oklahoma Kid!", o Godofredo
gritava e dava tiros pra todo lado; o Rufino apitava com o apito de bolinha e
gritava: "É isso aí, eu sou o xerife, é isso aí, eu prendo vocês todos!", e o
Alceu deu uma machadada no quepe dele dizendo que ele agora era seu
prisioneiro e o Rufino ficou bravo porque o apito de bolinha caiu no
gramado; eu chorava e dizia para o Eudes que eu estava na minha casa e que
nunca mais queria ver ele: todo o mundo gritava, estava legal, a gente estava
se divertindo pra valer, incrível!

E aí o papai saiu de dentro de casa. Ele não estava com uma cara muito
contente. "Como é, criançada, que gritaria é essa, vocês não sabem brincar
sem gritar? — É por causa do Godofredo, ele não quer ser o prisioneiro!", o
Eudes falou. "Quer que eu te mande a mão na cara?", perguntou o
Godofredo, e eles começaram a brigar de novo, mas o papai separou a briga.
"Vamos, meninos, ele disse, vou mostrar para vocês como é que se brinca.
Eu é que vou ser o prisioneiro." Nós ficamos muito contentes. Como o meu
pai é legal! A gente amarrou o papai na árvore com a corda de pendurar
roupa e, mal a gente tinha acabado, vimos o sr. Durázio pular por cima da
cerca do jardim.
O sr. Durázio é o nosso vizinho que gosta de aborrecer o papai. "Eu
também quero brincar, eu vou ser o pele-vermelha Touro-em-pé! — Sai
daqui, Durázio, ninguém te chamou!" O sr. Durázio estava fantástico, ele
ficou na frente do papai com os braços cruzados e disse: "Que cara-pálida
segure sua língua!" Papai fazia uma força incrível para se soltar da árvore e
o sr. Durázio começou a dançar em volta da árvore dando gritos. Bem que a
gente gostaria de continuar vendo o papai e o sr. Durázio se divertindo e
fazendo palhaçadas, mas não deu, porque a mamãe chamou para o lanche e
depois nós fomos para o meu quarto brincar com o trem elétrico. Eu é que
não sabia que o papai gostava tanto de brincar de caubói. Quando a gente
desceu, de noite, já fazia tempo que o sr. Durázio tinha ido embora, mas o
papai ainda estava amarrado na árvore gritando e fazendo caretas.
É legal saber brincar assim, sozinho!
O Sopa
Hoje a professora faltou. A gente estava em fila no pátio para entrar na
classe quando o inspetor de alunos disse: "A professora de vocês está doente
hoje."
Depois o sr. Dubom, que é o inspetor de alunos, levou a gente para a
classe. Nós chamamos o inspetor de Sopa, quando ele não está perto, é
claro. A gente chama ele assim porque ele diz o tempo todo: "Olhe bem nos
meus olhos", e na sopa tem olhos. Eu também não tinha entendido logo, os
grandes é que me explicaram. O Sopa tem um bigode enorme, e ele sempre
dá castigo, com ele não dá pra brincar. É por isso que nós ficamos chateados
quando ele veio tomar conta da gente, mas, por sorte, quando ele chegou na
classe já foi logo dizendo: "Eu não posso ficar com vocês, tenho que
trabalhar com o diretor, por isso, olhem bem nos meus olhos e prometam
que ficarão bem comportados." Todo o nosso montão de olhos olhou nos
dele e prometemos. Aliás, a gente sempre se comporta bem.
Mas o Sopa estava com uma cara desconfiada, então ele perguntou quem
era o melhor aluno da classe. "Sou eu!", disse o Agnaldo, todo orgulhoso. E
é verdade, Agnaldo é o primeiro da classe, também é o queridinho da
professora, e a gente não gosta muito dele, mas a gente não pode bater nele
tanto quanto gostaria por causa dos óculos. "Bom, disse o Sopa, então você
vai vir aqui, vai se sentar no lugar da professora e vai tomar conta dos seus
colegas. Eu voltarei de vez em quando para ver como vão as coisas.
Recordem as suas lições." Agnaldo foi todo contente se sentar na cadeira da
professora e o Sopa foi embora.
"Muito bem, disse o Agnaldo, nós devíamos ter matemática; peguem os
cadernos, vamos fazer um problema. — Você está ficando louco, é?",
perguntou o Clotário. "Clotário, cale-se!", gritou o Agnaldo com jeito de
quem estava achando mesmo que era a professora. "Vem dizer isso pra mim
aqui, se você for homem", o Clotário falou e a porta se abriu e a gente viu o
Sopa entrar todo contente. "Ah, ele disse. Eu tinha ficado atrás da porta para
escutar. Você, aí atrás, olhe bem nos meus olhos!" Clotário olhou, mas
parece que não gostou muito do que viu. "Você vai me conjugar o verbo: eu
não devo ser grosseiro com um colega que está encarregado de tomar conta
de mim e que quer que eu faça problemas de matemática." Depois de dizer
isso o Sopa saiu, mas prometeu que voltaria.

Joaquim se ofereceu para vigiar o inspetor na porta, e nós concordamos,


menos o Agnaldo que gritava: "Joaquim, para o seu lugar!" Joaquim
mostrou a língua para o Agnaldo, sentou na frente da porta e ficou olhando
pelo buraco da fechadura. "Não tem ninguém, Joaquim?", perguntou o
Clotário. O Joaquim respondeu que ele não estava vendo nada. Aí o Clotário
se levantou e disse que ia fazer o Agnaldo comer o livro de matemática dele,
o que era uma idéia engraçada mesmo, mas o Agnaldo não gostou e gritou:
"Não! Eu uso óculos! — Você vai comer os óculos também!", disse o
Clotário, que queria de todo jeito que o Agnaldo comesse alguma coisa. Mas
o Godofredo disse que não valia a pena a gente perder tempo com besteira, e
que seria melhor a gente jogar bola. "Mas e os problemas?", perguntou o
Agnaldo, que não parecia muito contente, mas ninguém ligou, e começamos
a passar a bola, e é superlegal jogar entre as carteiras. Quando eu for grande
vou comprar uma classe para mim, só para jogar dentro dela. E aí ouvimos
um grito e vimos o Joaquim sentado no chão, segurando o nariz com as
mãos. Era o Sopa que tinha acabado de abrir a porta e o Joaquim não deve
ter visto ele chegar. "O que é que você tem?", o Sopa perguntou muito
espantado, mas o Joaquim não respondeu, ele só fazia uiui uiui, e então o
Sopa pegou ele no colo e o levou para fora. Nós pegamos a bola e voltamos
para os nossos lugares.

Quando o Sopa voltou com o Joaquim, que estava com o nariz todo
inchado, ele disse que estava começando a ficar cheio e que se aquilo
continuasse a gente ia ver só uma coisa. "Por que vocês não seguem o
exemplo do colega de vocês, o Agnaldo?, ele perguntou, ele é bem
comportado." E o Sopa foi embora. Nós perguntamos para o Joaquim o que
tinha acontecido com ele e ele disse que tinha pegado no sono de tanto olhar
pelo buraco da fechadura.

"Um feirante vai a feira, disse o Agnaldo, levando numa cesta vinte e
oito ovos a 10 francos*" a dúzia... - Eu machuquei o nariz por tua culpa",
disse o Joaquim. "Isso mesmo!, disse o Clotário, a gente vai fazer ele comer
o livro de matemática dele, com o feirante, os ovos e os óculos!" Aí o
Agnaldo começou a chorar. Ele disse que nós éramos maus e que ele ia
contar para os pais dele e que eles iam fazer todos nós sermos expulsos, e o
Sopa abriu a porta. Todo o mundo estava sentado no lugar e ninguém dizia
nada e o Sopa olhou para o Agnaldo que estava chorando sozinho sentado
na cadeira da professora. "Como é, o Sopa disse, agora é você que está
aprontando? Vocês vão me deixar louco. Cada vez que volto aqui é outro
que está bancando o palhaço! Olhem bem nos meus olhos, todos vocês! Se
eu voltar aqui mais uma vez e perceber alguma coisa de anormal, vou dar
castigo", e ele foi embora de novo. Aí nós achamos que era melhor parar de
fazer palhaçada porque quando o Sopa fica bravo ele dá castigos terríveis.
* Moeda francesa.

Ninguém se mexia, a gente só ouvia o Agnaldo fungando e o Alceu


mastigando. O Alceu é um colega que come o tempo todo. Aí então a gente
ouviu um barulhinho na porta. A gente viu a maçaneta girar bem
devagarinho e aí a porta foi abrindo aos pouquinhos e rangendo. Todo o
mundo ficou olhando sem respirar muito, até o Alceu parou de mastigar. E
de repente teve um que gritou: "É o Sopa!" A porta abriu e o Sopa entrou
todo vermelho. "Quem disse isso?", ele perguntou. "Foi o Nicolau!", disse o
Agnaldo. "É mentira, seu mentiroso nojento!", e era verdade que era
mentira, quem disse aquilo foi o Rufino. "Foi você! Foi você! Foi você!", o
Agnaldo gritou e começou a chorar. "Você vai ficar de castigo depois da
aula", o Sopa disse pra mim. Aí eu comecei a chorar, eu disse que não era
justo e que eu ia sair da escola e que todo o mundo ia sentir falta de mim.
"Não foi ele, p'ssor, foi o Agnaldo que disse o Sopa!", o Rufino gritou. "Não
fui eu que disse o Sopa", gritou o Agnaldo. "Você disse o Sopa, eu escutei
você dizer Sopa, escutei muito bem: o Sopa! - Bem, chega, disse o Sopa,
vocês todos vão ficar de castigo! — Por que eu?, perguntou o Alceu. Eu não
disse o Sopa, ora! — Eu não quero mais ouvir esse apelido ridículo,
entenderam?", gritou o Sopa, que parecia estar nervoso pra chuchu. "Eu não
vou ficar de castigo!", o Agnaldo gritou e começou a rolar no chão,
chorando e soluçando, e ficou todo vermelho e depois todo azul. Na classe
quase todo o mundo estava gritando ou chorando e eu pensei que o Sopa
também fosse fazer a mesma coisa, quando o diretor entrou. "O que está
acontecendo So... senhor Dubom?", o diretor perguntou. "Eu já não sei mais,
senhor diretor, respondeu o Sopa, um rola no chão, outro sangra pelo nariz
quando eu abro a porta, o resto urra, nunca vi coisa igual! Nunca!", e o Sopa
passava a mão nos cabelos e o bigode dele se mexia para todos os lados.
No dia seguinte a professora voltou, mas o Sopa faltou.
O futebol

Alceu combinou para hoje a tarde um encontro com uma porção de


colegas da classe no terreno baldio que fica perto de casa. O Alceu é meu
amigo, ele é gordo, gosta muito de comer, e ele marcou encontro com a
gente porque o pai dele deu uma bola de futebol novinha pra ele e a gente ia
fazer um jogo incrível. O Alceu é legal.
A gente se encontrou no terreno às três horas da tarde, nós éramos
dezoito. Primeiro tivemos que decidir como formar os times para ficar o
mesmo número de jogadores de cada lado.
Escolher o juiz foi fácil. Nós escolhemos o Agnaldo. O Agnaldo é o
primeiro da classe, a gente não gosta muito dele, mas como ele usa óculos a
gente não pode bater nele, e isso para um juiz até que dá certo. E também
nenhum time queria saber do Agnaldo, porque ele não é muito bom em
esportes e chora à toa. Discussão teve mesmo quando o Agnaldo pediu para
a gente dar um apito pra ele. O único que tinha apito era o Rufino, que tem o
pai que é da polícia.

"Eu não posso emprestar o meu apito de bolinha pra ele, o Rufino disse,
é lembrança de família." Ninguém podia fazer nada. No fim a gente decidiu
que o Agnaldo avisava e o Rufino apitava no lugar do Agnaldo.
"Como é? A gente vai jogar ou não? Eu já estou ficando com fome!",
gritou o Alceu.
Mas o que complicou foi que, se o Agnaldo era o juiz, então nós éramos
só dezessete jogadores e na hora de dividir sobrava um. Mas aí nós
descobrimos um jeito: um ia ser juiz de linha e ia agitar uma bandeirinha
cada vez que a bola saísse do campo. O escolhido foi o Maximiliano. Um
bandeirinha só não chega para vigiar o campo todo, mas o Maximiliano
corre muito depressa, ele tem as pernas muito compridas e magras com
joelhos gordos e sujos. O Maximiliano não queria nem saber, ele queria
jogar bola, isso sim, e além disso ele falou que não tinha bandeira. Mesmo
assim ele aceitou ser o bandeirinha no primeiro tempo. Em vez de bandeira
ele ia agitar o lenço dele, que não estava muito limpo; mas é claro que,
quando ele saiu de casa, não sabia que o lenço dele ia servir de bandeirinha.
"Bom, vamos lá?", gritou o Alceu.
Depois ficou mais fácil, nós éramos só dezesseis jogadores.
Precisava um capitão para cada equipe. Só que todo o mundo queria ser
capitão. Todo o mundo menos o Alceu, que queria ser goleiro, porque ele
não gosta de correr. A gente concordou, o Alceu é bom goleiro; ele é muito
largo e cobre bem o gol. Mesmo assim ainda eram quinze capitães, e por
isso iam sobrar muitos.
"Eu sou o mais forte, o Eudes gritava, o capitão tem que ser eu e vou dar
um soco no nariz de quem não concordar! — O capitão sou eu, eu sou o
mais bem vestido!", gritou o Godofredo, e o Eudes deu um soco no nariz
dele.
O Godofredo estava bem vestido mesmo; o pai dele, que é muito rico,
tinha comprado um uniforme completo de jogador de futebol pra ele, com
uma camisa vermelha, branca e azul.*
*Cores da bandeira francesa.

Aí o Rufino gritou: "Se eu não for o capitão vou chamar o meu pai e ele
prende todo o mundo!"
Eu tive a idéia de tirar a sorte com uma moeda. Com duas moedas,
porque a primeira caiu na grama e nunca mais ninguém achou. O Joaquim é
que tinha emprestado a moeda e ele não gostou nada de ter perdido ela e
ficou procurando a moeda mesmo depois que o Godofredo prometeu que o
pai dele ia mandar um cheque para reembolsar o Joaquim. Afinal os dois
capitães foram escolhidos: o Godofredo e eu.

"Escuta, eu não estou querendo chegar atrasado para o jantar, o Alceu


gritou. Vamos jogar?"
Depois a gente teve que formar os times. Não deu problema com
ninguém, só com o Eudes. O Godofredo e eu, nós dois queríamos o Eudes,
porque quando ele corre com a bola ninguém segura. Ele não joga muito
bem, mas dá medo. O Joaquim estava muito contente porque tinha achado a
moeda, então nós pedimos ela emprestada para sortear o Eudes, e perdemos
a moeda de novo. O Joaquim começou a procurar de novo, louco da vida, e
o Godofredo ganhou o Eudes no par ou ímpar. O Godofredo escalou o
Eudes de goleiro, ele achou que ninguém ia ter coragem de chegar perto da
trave e muito menos de enfiar a bola dentro. O Eudes fica zangado a toa. O
Alceu estava comendo bolachas, sentado entre as pedras que marcavam o
gol dele. Ele não parecia nada contente. "Como é, vai começar ou não?", ele
gritava.
Tomamos posição no campo. Como eram só sete de cada lado, sem
contar os goleiros, não foi nada fácil. Nos dois times começou a sair
discussão. Uma porção de gente queria ser centroavante. O Joaquim queria
ser zagueiro esquerdo, mas era porque a moeda dele tinha caído naquele
lugar do campo e ele queria continuar procurando enquanto jogava.
No time do Godofredo tudo se organizou logo porque o Eudes deu um
montão de socos e os jogadores foram para o lugar sem reclamar,
esfregando o nariz. É que o Eudes bate com força!
No meu time, ninguém chegava a um acordo até que o Eudes disse que
ia vir dar uns socos nos nossos narizes também: aí a gente se colocou.
O Agnaldo disse para o Rufino: "Apita!", e o Rufino, que jogava no meu
time, apitou a saída. Godofredo não gostou. Ele disse: "Espertinho, hem!
Nós estamos jogando contra o sol! Não sei por que o meu time tem que
jogar no lado ruim do campo!"
Eu disse pra ele que se ele não gostava do sol que fechasse os olhos e
que era capaz até que ele jogasse melhor assim. Aí nós brigamos. Rufino
começou a soprar no apito de bolinha.
"Eu não dei ordem para apitar, gritou o Agnaldo, eu é que sou o juiz!" O
Rufino não gostou e disse que ele não precisava de permissão do Agnaldo
para apitar, que ele ia apitar quando quisesse e que só faltava essa. E ele
começou a apitar que nem um doido. "Você é mau, é isso que você é!",
gritou o Agnaldo, e começou a chorar.
"Ei gente!", disse o Alceu lá do gol dele.
Mas ninguém escutava ele. Eu continuava a brigar com o Godofredo,
tinha rasgado a linda camisa vermelha, branca e azul dele, e ele dizia: "Ha,
ha, ha! Não faz mal! Meu pai vai comprar uma porção de camisas novas pra
mim!" E ele me dava pontapés nas canelas. O Rufino corria atrás do
Agnaldo que gritava: "Eu uso óculos! Eu uso óculos!" O Joaquim não ligava
pra ninguém, ele estava procurando a moeda dele, mas não tinha achado
nada. O Eudes, que tinha ficado quieto no gol, ficou cheio e começou a
distribuir socos nos narizes que estavam mais perto dele, quer dizer, nos do
time dele. Todo o mundo gritava e corria. Estava divertido mesmo, estava
legal!
"Parem!", gritou o Alceu de novo.
Então o Eudes ficou bravo. "Você estava com tanta pressa de jogar, ele
disse para o Alceu, então estamos jogando. Se quiser dizer alguma coisa,
espera o intervalo!"
"O intervalo do quê?, perguntou o Alceu. Acabei de me lembrar que a
gente não tem bola, eu esqueci a bola em casa!"
A visita do inspetor

A professora entrou na classe muito nervosa. "O inspetor está na escola,


ela disse, tenho certeza de que vocês vão se comportar e dar uma boa
impressão." Nós prometemos que íamos ficar bem comportados; aliás, a
professora não devia se preocupar, a gente quase sempre se comporta bem.
"É um inspetor novo, disse a professora, o antigo já estava acostumado com
vocês, mas se aposentou..." E depois a professora fez uma porção de
recomendações, proibiu a gente de falar sem ser interrogado, de rir sem a
permissão dela, pediu pra ninguém deixar cair as bolinhas de gude, como na
última vez que o inspetor veio e que ele caiu no chão, pediu para o Alceu
parar de comer quando o inspetor estivesse lá e disse para o Clotário, que é
o último da classe, para não chamar muito a atenção. Às vezes eu fico
pensando que a professora pensa que a gente é bobo. Mas, como a gente
gosta muito dela, todo o mundo prometeu para a professora tudo o que ela
queria. A professora ficou olhando pra ver se nós todos e a sala estávamos
limpos, e ela disse que a sala estava mais limpa do que alguns de nós. Então
ela pediu para o Agnaldo, que é o primeiro da classe e o queridinho, para ele
pôr tinta nos tinteiros, para o caso de o inspetor resolver fazer um ditado.
Agnaldo pegou o vidrão de tinta e quando ia começar a colocar a tinta nos
tinteiros da primeira carteira, onde sentam o Cirilo e o Joaquim, alguém
gritou: "Olha o inspetor!" Agnaldo ficou com tanto medo, que derrubou tinta
na carteira inteira. Era brincadeira, o inspetor não estava lá e a professora
ficou brava. "Eu vi você, Clotário, ela disse. Foi você o autor dessa
brincadeira estúpida. De castigo no canto!" Clotário começou a chorar, ele
disse que se ele fosse pro castigo ia chamar a atenção e o inspetor ia fazer
um montão de perguntas, e ele não sabia nada e ia chorar, e que não tinha
sido brincadeira, que ele tinha visto mesmo o inspetor passar no pátio junto
com o diretor, e como era verdade a professora disse: "Então está bem, desta
vez passa." O que não estava bem é que a primeira carteira estava toda suja
de tinta, e então a professora disse que a gente tinha que pôr a carteira na
última fileira, pra ninguém ver. Começamos a trabalhar, e era muito
engraçado, a gente tinha que mudar todas as carteiras, e estava todo o
mundo se divertindo muito, e aí o inspetor entrou com o diretor.

Ninguém precisou se levantar porque todo o mundo estava em pé, e todo


o mundo estava com cara de surpresa. "Estes são os pequenos, eles... eles
são um pouco turbulentos", disse o diretor. "Estou vendo, disse o inspetor,
sentem-se meninos." Nós todos sentamos e, como a gente tinha virado a
carteira do Cirilo e do Joaquim para levar lá pra trás, eles sentaram de costas
para o quadro-negro. O inspetor olhou para a professora e perguntou se
aqueles dois meninos ficavam sempre sentados daquele jeito. A professora
então fez a cara do Clotário quando é interrogado, mas ela não chorou. "Um
pequeno acidente...", ela disse. O inspetor não parecia muito contente, ele
estava com as grandes sobrancelhas bem perto dos olhos. "E preciso ter um
pouco de autoridade, ele disse. Vamos, meus meninos, ponham esta carteira
no lugar." Todo o mundo se levantou e o inspetor começou a gritar: "Todos
ao mesmo tempo não; só vocês dois!" O Cirilo e o Joaquim viraram a
carteira e se sentaram. O inspetor deu um sorriso e apoiou as mãos dele na
carteira. "Muito bem, ele falou, o que vocês estavam fazendo, antes de eu
chegar? - A gente estava mudando a carteira de lugar", respondeu o Cirilo.
"Não se fala mais dessa carteira!, gritou o inspetor, que estava com cara de
muito nervoso. E, em primeiro lugar, por que vocês estavam mudando a
carteira de lugar? - Por causa da tinta", disse o Joaquim. "A tinta?",
perguntou o inspetor e olhou para as mãos dele que estavam totalmente
azuis. O inspetor deu um suspiro muito grande e limpou os dedos com um
lenço.
Aí nós vimos que o inspetor, a professora e o diretor não estavam
achando graça nenhuma. Nós resolvemos ficar muito bem comportados
mesmo.

"Estou vendo que a senhora tem problemas com a disciplina, o inspetor


disse para a professora, é preciso usar um pouco de psicologia elementar", e
depois ele se virou para nós com um grande sorriso e afastou as
sobrancelhas dos olhos. "Meus meninos, eu quero ser amigo de vocês. Não
precisam ter medo de mim, sei que vocês gostam de se divertir, e eu
também, eu gosto muito de rir. Aliás, ouçam, vocês conhecem a história dos
dois surdos? Um surdo diz para o outro: você vai pescar? e o outro diz: não,
eu vou pescar. Então o primeiro diz: ah, bom, eu pensei que você fosse
pescar." Foi uma pena a professora ter proibido a gente de rir sem a
permissão dela, porque foi superdifícil segurar o riso. Hoje a noite vou
contar pro papai essa história e ele vai rir muito, tenho certeza de que essa
ele não conhece. O inspetor, que não precisava da permissão de ninguém,
riu muito, mas como ele viu que ninguém na classe dizia nada, pôs de novo
as sobrancelhas no lugar, tossiu e disse: "Bom, chega de rir, ao trabalho. -
Nós estávamos estudando as fábulas, disse a professora, O Corvo e a
Raposa. — Ótimo, disse o inspetor, pois bem, continuem." A professora fez
de conta que estava procurando alguém ao acaso e depois apontou para o
Agnaldo: "Você, Agnaldo, recite a fábula para nós." Mas o inspetor levantou
a mão. "A senhora permite?", ele disse para a professora, e depois apontou
para o Clotário. "Você aí no fundo, recite-me essa fábula." Clotário abriu a
boca e começou a chorar. "Mas o que é que ele tem?", perguntou o inspetor.
A professora disse que era preciso desculpar o Clotário, que ele era muito
tímido, então foi o Rufino que foi interrogado. Rufino é um colega, e o pai
dele é da polícia. Rufino disse que ele não sabia a fábula de cor mas que ele
sabia mais ou menos do que se tratava e começou a explicar que era a
história de um corvo que tinha um queijo roquefort no bico. "Um
roquefort?", perguntou o inspetor, que parecia cada vez mais espantado.
"Ah, não, disse o Alceu, era um camembert. — Nada disso, disse o Rufino,
o corvo não ia poder segurar um camembert no bico porque o camembert
escorre e além disso tem cheiro ruim! — Tem cheiro ruim, mas é bom para
comer, respondeu o Alceu. E, depois, isso não quer dizer nada, sabonete
cheira bem, mas é muito ruim pra comer, uma vez eu experimentei. — Bah!
disse o Rufino, você é uma besta e eu vou dizer pro meu pai dar uma porção
de multas pro teu pai!" E eles começaram a bater um no outro.
Todo o mundo estava de pé e gritava, menos o Clotário que continuava
chorando no canto dele, e o Agnaldo que tinha ido lá para a frente e estava
recitando O Corvo e a Raposa. A professora, o inspetor e o diretor gritavam:
"Chega!" Foi tudo muito divertido.
Quando tudo acabou e todo o mundo se sentou, o inspetor tirou o lenço e
enxugou o rosto, passou tinta pela cara toda e é pena a gente não poder rir
porque vamos ter que segurar até a hora do recreio e não vai ser fácil.
O inspetor chegou perto da professora e apertou a mão dela. "A senhora
tem toda a minha simpatia, professora. Nunca percebi tão bem como hoje o
quanto a nossa profissão é um sacerdócio. Continue! Parabéns!" E ele foi
embora, muito depressa, com o diretor.
A gente gosta muito mesmo da nossa professora, mas ela foi muito
injusta. Foi por nossa causa que ela recebeu os parabéns, e ela pôs todo o
mundo de castigo!
Rex

Na saída da escola eu segui um cachorrinho. O cachorrinho parecia


perdido, ele estava tão sozinho que eu fiquei morrendo de pena dele. Eu
achei que ele ia ficar contente de encontrar um amigo e não foi fácil
alcançar ele. Como o cachorrinho não parecia estar com muita vontade de
vir comigo, porque ele devia estar desconfiado, ofereci para ele metade do
meu pão-de-mel; o cachorrinho comeu o pão-de-mel e começou a abanar o
rabo em todas as direções, e aí eu chamei ele de Rex, como num filme de
detetive que eu tinha visto na quinta-feira.
Depois do pão-de-mel, que ele comeu quase tão depressa como o Alceu,
que é um colega meu que come o tempo todo, Rex me seguiu todo contente.
Pensei que quando eu chegasse com o Rex em casa ia ser uma ótima
surpresa para o papai e para a mamãe. E depois eu ia ensinar o Rex a fazer
coisas, ele também ia tomar conta da casa, ia me ajudar a descobrir os
bandidos como no filme de quinta-feira.
Pois é, aposto que vocês não vão acreditar; quando cheguei em casa, a
mamãe não ficou tão contente assim de ver o Rex, ela não ficou nada
contente. Mas, também, a culpa foi um pouco do Rex. Nós entramos na sala
e a mamãe veio, me abraçou, me perguntou se tudo tinha ido bem na escola,
se eu não tinha feito nenhuma travessura e depois ela viu o Rex e começou a
gritar: "Onde foi que você achou esse bicho?" Eu comecei a explicar que era
um pobre cachorrinho perdido que ia me ajudar a prender um monte de
bandidos; mas o Rex, em vez de ficar quietinho, pulou numa poltrona e
começou a morder a almofada. E era a poltrona onde o papai não tem o
direito de sentar, só quando tem visitas!

Mamãe continuou gritando, disse que ela já me tinha proibido de trazer


bichos para casa (isso é verdade, a mamãe me proibiu uma vez que eu
trouxe um rato), que era perigoso, que esse cachorro podia estar com raiva,
que ele ia morder nós todos e que nós íamos ficar com raiva e que ela ia
buscar uma vassoura para pôr aquele bicho pra fora e que ela me dava um
minuto pra tirar aquele cachorro de casa.
Não foi fácil convencer o Rex a largar a almofada da poltrona e mesmo
assim ele ainda ficou com um pedaço nos dentes; eu não entendo como é
que o Rex pode gostar disso. Aí eu saí para o jardim com o Rex no colo. Eu
estava com muita vontade de chorar, e então foi isso que eu fiz. Não sei se o
Rex também estava triste, ele estava muito ocupado cuspindo os pedacinhos
de lã da almofada.
Papai chegou e viu nós dois sentados na frente da porta, eu chorando e o
Rex cuspindo. "Como é, o papai falou, o que está acontecendo aqui?" Então
eu expliquei para o papai que a mamãe não queria saber do Rex e que o Rex
era meu amigo e eu era o único amigo do Rex e que ele ia me ajudar a
encontrar uma porção de bandidos, e ia fazer uma porção de coisas que eu ia
ensinar para ele, e que eu estava tão triste e eu comecei a chorar de novo um
pouquinho enquanto o Rex cocava a orelha com a pata de trás; e olha que é
muito difícil fazer isso, uma vez a gente tentou fazer isso na escola e o único
que conseguiu foi o Maximiliano, que tem as pernas muito compridas.

Papai me fez um agrado na cabeça e depois disse que a mamãe tinha


razão, que era perigoso trazer cachorros pra casa, que eles podiam estar
doentes e que eles começam a morder a gente e depois pimba! todo o mundo
começa a babar e a ficar com raiva, e que, mais tarde eu vou aprender na
escola, Pasteur inventou um remédio, é um benfeitor da humanidade, e a
gente pode se curar, mas que dói muito. Eu respondi para o papai que o Rex
não estava doente, que ele gostava muito de comer e que era
superinteligente. Então o papai olhou para o Rex e cocou a cabeça dele
como ele faz em mim às vezes. "É verdade que esse cachorrinho parece ter
boa saúde", o papai disse, e o Rex começou a lamber a mão dele. Isso
deixou o papai muito contente. "Ele é engraçadinho", o papai falou e depois
estendeu a outra mão e disse: "A pata, dá a patinha, vamos, a patinha, dá!", e
o Rex deu a patinha e depois lambeu a mão dele e depois cocou a orelha. O
Rex estava mesmo muito ocupado. Papai ria muito e então ele me disse:
"Bom, espera aqui, vou ver se ajeito as coisas com a sua mãe", e ele entrou
em casa. Papai é legal! Enquanto papai ajeitava as coisas com a mamãe, eu
fiquei brincando com o Rex, que sentava só nas patas de trás, e como eu não
tinha nada para ele comer ele começou a cocar a orelha, é incrível esse Rex!
Quando o papai saiu de casa, não parecia muito contente. Ele sentou do
meu lado, cocou a minha cabeça e disse que a mamãe não queria cachorro
em casa, principalmente depois daquela história da poltrona. Eu ia começar
a chorar, mas tive uma idéia. "Se a mamãe não quer o Rex em casa, eu disse,
a gente podia deixar ele no jardim." Papai pensou um pouco e depois disse
que era uma boa idéia, que no jardim Rex não ia fazer estragos e que a gente
ia fazer agora mesmo uma casinha pra ele. Então eu dei um beijo no papai.
Fomos procurar tábuas no barracão e o papai trouxe as ferramentas dele.
O Rex começou a comer as begônias, mas não é tão grave como a poltrona
da sala porque nós temos muito mais begônias do que poltronas.
Papai começou a separar as tábuas. "Você vai ver, ele disse pra mim,
vamos fazer uma casa bem legal para ele, um verdadeiro palácio. — E aí, eu
disse, a gente vai ensinar uma porção de coisas para ele e ele vai tomar
conta da casa! — É sim, o papai falou, a gente vai ensinar a espantar os
intrusos, como o Durázio, por exemplo." O sr. Durázio é o nosso vizinho,
ele e o papai gostam de implicar um com o outro. Rex, eu e o papai, a gente
estava se divertindo muito! Só ficou um pouco chato quando o papai deu um
grito por causa de uma martelada que ele deu no dedo, e aí a mamãe saiu de
casa e perguntou: "O que é que vocês estão fazendo?" Então eu expliquei
para ela que a gente tinha decidido, papai e eu, ficar com o Rex no jardim,
que não tinha poltronas, e que o papai ia fazer uma casinha para ele e que ia
ensinar o Rex a morder o sr. Durázio, para fazer ele ficar com muita raiva. O
papai não falava muito, ele chupava o dedo e olhava para a mamãe. Mamãe
não estava nem um pouco contente. Disse que não queria aquele bicho na
casa dela e que olha só o que esse bicho fez com as minhas begônias! Rex
levantou a cabeça e chegou perto da mamãe abanando o rabo e depois ficou
sentado só nas patas de trás. Mamãe olhou pra ele e depois ela se abaixou e
agradou a cabeça do Rex e o Rex lambeu a mão dela, e aí bateram na porta
do jardim.
Papai foi abrir e um senhor entrou. Olhou para o Rex e disse: "Kiki! Até
que enfim! Procurei você por toda parte! — Mas afinal, cavalheiro, o papai
perguntou, o que o senhor deseja? — O que é que eu desejo?, ele disse. Eu
quero o meu cachorro! Kiki fugiu enquanto eu estava passeando com ele de
manhã e me disseram que tinham visto um garoto trazê-lo para estes lados. -
Não é o Kiki é o Rex, eu disse. E nós dois juntos vamos prender bandidos
como no filme de quinta-feira e a gente vai treinar ele para pregar peças no
sr. Durázio!" Mas o Rex parecia feliz da vida e pulou nos braços do moço.
"Quem pode provar que esse cachorro é seu, papai perguntou, é um cão
perdido! - E a coleira, ele respondeu, vocês não viram a coleira dele? Tem o
meu nome escrito! Júlio José Sovado, com o meu endereço, tenho vontade
de dar queixa na polícia! Vem, meu Kiki, só faltava essa!", e o homem foi
embora com o Rex. Ficamos todos surpresos, e aí a mamãe começou a
chorar. Então, o papai consolou a mamãe e prometeu para ela que um dia
desses eu ia trazer outro cachorro.
Djodjo

Hoje tinha um aluno novo na classe. De tarde, a professora chegou com


um garotinho que tinha o cabelo todo vermelho, sardas e olhos azuis que
nem a bolinha de gude que eu perdi ontem no recreio, mas o Maximiliano
roubou no jogo. A professora disse assim: "Meninos quero apresentar para
vocês um novo amiguinho. Ele é estrangeiro e seus pais puseram ele nesta
escola para aprender a falar francês. Tenho certeza de que vocês vão me
ajudar e ser bonzinhos com ele." Depois a professora se virou para o novato
e disse: "Diga o seu nome para os seus coleguinhas." O novato não entendeu
o que a professora disse, ele sorriu e nós vimos que ele tinha uma porção de
dentes enormes. "Que sortudo, disse o Alceu, um colega gordo, que come o
tempo todo, com esses dentes ele deve morder cada pedação!" Como o
novato não dizia nada, a professora disse para nós que ele se chamava Jorge
Mac Intosh. "Yes, o novato falou, Djorge. - Dá licença, professora, o
Maximiliano perguntou, ele se chama Jorge ou Djorge?" A professora
explicou para a gente que ele se chamava Jorge, mas que na língua dele isso
se pronunciava Djorge. "Bom, disse o Maximiliano, a gente vai chamar ele
de Jojo. — Não, disse o Joaquim, tem que pronunciar Djodjo. - Cala boca
Djoaquim", o Maximiliano falou, e a professora pôs os dois de castigo.
A professora fez o Djodjo sentar ao lado do Agnaldo. O Agnaldo parecia
que estava meio desconfiado do novato, como ele é o primeiro da classe e o
queridinho da professora, ele sempre tem medo dos novos, que podem ficar
sendo primeiros e queridinhos. Com a gente, o Agnaldo sabe que pode ficar
sossegado.
Djodjo se sentou, sempre com aquele sorriso cheio de dentes. "E pena
que ninguém fale a língua dele", disse a professora. "Eu tenho alguns
rudimentos de inglês", disse o Agnaldo que, pra dizer a verdade, sabe falar
bem. Mas depois que o Agnaldo soltou os rudimentos dele para o Djodjo, o
Djodjo olhou para ele e depois começou a rir e bateu com o dedo na testa.
Agnaldo ficou muito envergonhado, mas o Djodjo tinha razão. Depois a
gente ficou sabendo que o Agnaldo tinha contado uma porção de coisas
sobre um alfaiate que era rico e sobre o jardim do tio dele que era maior que
o chapéu da tia. O Agnaldo é doido!
Tocou o sinal do recreio e nós saímos todos, menos o Joaquim, o
Maximiliano e o Clotário, que estão de castigo. O Clotário é o último da
classe e não sabia a lição. Quando o Clotário é chamado, ele nunca vai para
o recreio.
No pátio todo o mundo ficou em volta do Djodjo. Perguntamos um
monte de coisas para ele, mas a única coisa que ele fazia era mostrar montes
de dentes. Depois ele começou a falar, mas ninguém entendeu nada, era um
tal de "uenshuenshuenshuen" e só. O Godofredo, que vai muito ao cinema,
falou:
"Acontece que ele fala em versão original. Ele precisava de legenda. —
Talvez eu possa traduzir", disse o Agnaldo, que queria ensaiar os seus
rudimentos mais uma vez. "Ora, você; você é doido!", disse o Rufino. O
novato gostou disso, apontou o Agnaldo com o dedo e disse: "Aoh!
Doidodoidodoido!" Ele estava todo contente. O Agnaldo foi embora
chorando, ele chora o tempo todo. Nós começamos a achar que o Djodjo era
um cara muito legal, e eu dei pra ele uma ponta do meu pedaço de chocolate
do recreio. "Qual é o esporte lá do teu país?", o Eudes perguntou. É claro
que o Djodjo não entendeu, ele continuava dizendo "doidodoidodoido", mas
o Godofredo respondeu: "Mas que pergunta, eles jogam tênis no país dele!
— O seu palhaço, gritou o Eudes, não estou falando com você! — Seu
palhaço! Doidodoido!", gritou o novato, que parecia que estava se
divertindo muito com a gente. Mas o Godofredo não gostou do jeito como o
Eudes tinha respondido pra ele. "Quem que é palhaço?", ele perguntou, mas
não devia, porque o Eudes é muito forte e gosta muito de dar socos nos
narizes e não falhou no do Godofredo. Quando o Djodjo viu o soco, parou
de dizer "doidodoido" e "seu palhaço". Olhou para o Eudes e disse:
"Boxing? Bom!" E aí ele pôs os punhos na frente da cara e começou a
dançar em volta do Eudes como os lutadores de boxe na televisão na casa do
Clotário, porque a gente ainda não tem televisão e eu queria muito que o
papai comprasse uma. "O que foi que deu nele?", o Eudes perguntou. "Ele
quer lutar boxe com você, inteligente!", respondeu o Godofredo que
esfregava o nariz. O Eudes disse: "Tá legal!", e tentou lutar com o Djodjo.
Mas o Djodjo era muito melhor que o Eudes. Ele dava um montão de socos
e o Eudes estava começando a ficar chateado: "Como é que vocês querem
que eu brigue, se ele não pára com o nariz no lugar?", ele gritou e pimba! o
Djodjo deu um soco no Eudes que fez ele cair sentado. O Eudes não estava
zangado. "Você é durão!", ele disse enquanto se levantava. "Durão, doido,
seu palhaço!", respondeu o novato, que aprende incrivelmente rápido. O
recreio acabou e, como sempre, o Alceu reclamou que não dão tempo para
ele comer os quatro pãezinhos cheios de manteiga que ele traz de casa.
Depois que nós entramos na classe, a professora perguntou para o
Djodjo se ele tinha brincado bastante; então o Agnaldo se levantou e disse:
"Professora, eles ensinaram palavrões para ele! - Não é verdade, seu
mentiroso nojento!", gritou o Clotário, que não tinha saído para o recreio.
"Doido, seu palhaço, mentiroso nojento", disse o Djodjo todo orgulhoso.
A gente não dizia nada porque estava todo o mundo vendo que a
professora não estava nem um pouco contente. "Vocês deviam ter vergonha,
ela disse, se aproveitar de um colega que não sabe a língua de vocês! E eu
tinha pedido para vocês serem bonzinhos com ele, mas não se pode confiar
em vocês! Vocês se comportaram como pequenos selvagens, como mal-
educados!" Aí o Djodjo, que parecia estar cada vez mais contente por
aprender tantas coisas, disse: "Doido, seu palhaço, mentiroso nojento,
selvagem, mal-educado!"
A professora olhou para ele com uns olhos bem redondos "Mas... mas,
ela disse, Jorge, não se devem dizer essas coisas! - Viu, professora, viu
professora, o Agnaldo falou, o que foi que eu disse?" Então a professora
gritou: "Se você não consegue se controlar, Agnaldo, faça o favor de guardar
as suas reflexões para você!" O Agnaldo começou a chorar. Então alguém
gritou: "Traidor sujo!", mas a professora não descobriu quem era senão eu
teria ido de castigo, então o Agnaldo rolou no chão gritando que ninguém
gostava dele, que isso era horrível e que ele ia morrer e a professora teve
que sair com ele para passar água na cara dele e fazer ele se acalmar.
Quando a professora voltou com o Agnaldo, parecia muito cansada, mas
felizmente tocou o sinal e acabou a aula. Antes de sair a professora olhou
para o novato e disse para ele: "Só queria saber o que os teus pais vão
pensar. — Traidor sujo", o Djodjo respondeu dando a mão para ela.
A professora não precisava ficar preocupada porque os pais do Djodjo
devem ter achado que ele tinha aprendido tudo o que ele precisava.
A prova é que o Djodjo nunca mais voltou a escola.
O lindo buquê

Era o aniversário da mamãe e eu resolvi comprar um presente como


todos os anos, desde o ano passado, porque antes eu era muito pequeno.
Peguei as moedas que havia no meu cofrinho, e tinha bastante, ainda
bem, porque, por coincidência, a mamãe me deu dinheiro ontem. Eu já sabia
que presente eu ia dar pra ela: flores pra pôr no grande vaso azul da sala, um
buquê incrível, supergrande.
Na escola eu estava muito aflito para a aula terminar para eu poder ir
comprar o meu presente. Eu ficava com a mão no bolso o tempo todo pra
não perder as moedas, mesmo jogando futebol no recreio, mas como eu não
jogo no gol não fazia mal. O goleiro era o Alceu, um colega que é muito
gordo e que gosta muito de comer, e ele me perguntou: "O que é que deu em
você pra ficar correndo com uma mão só?" Quando eu expliquei pra ele que
era porque eu ia comprar flores para a mamãe ele disse que, se fosse ele,
preferia alguma coisa de comer, um bolo, bombons ou chouriço branco, mas
como o presente não era pra ele eu nem liguei e marquei um gol nele.
Ganhamos de 44 a 32.

Quando a gente saiu da escola, o Alceu foi comigo até a floricultura


comendo a metade do pãozinho-de-mel dele que tinha sobrado da aula de
gramática. Nós entramos na loja, eu pus todas as minhas moedas no balcão e
disse para a moça que eu queria um buquê de flores muito grande para a
minha mãe, mas nada de begônias, porque já tem um montão no nosso
jardim e não vale a pena comprar fora. O Alceu disse assim: "Nós
desejaríamos algo fino", e depois foi enfiar o nariz nas flores que estavam
na vitrina para ver se cheiravam bem. A moça contou as minhas moedas e
disse que não podia dar muitas, muitas flores. Como eu fiquei com uma cara
muito chateada, a moça olhou para mim, pensou um pouco, disse que eu era
um garotinho engraçadinho, me deu uns tapinhas na cabeça e depois disse
que ela ia dar um jeito. A moça escolheu flores por todos os lados e depois
pôs um montão de folhas verdes e o Alceu gostou porque ele achava que
parecia com os legumes que vão na sopa. O buquê estava lindo e grande, a
moça embrulhou num papel transparente que fazia barulho e disse para eu
carregar com cuidado! Eu já estava com o meu buquê e o Alceu já tinha
acabado de cheirar as flores, então eu disse até logo e a gente saiu.
Eu estava muito contente com o meu buquê quando encontramos o
Godofredo, o Clotário e o Rufino, três colegas da escola. O Godofredo disse
assim: "Olha o Nicolau, parece um bobão com aquelas flores! - Sorte tua eu
estar com as flores, senão te dava uma bolacha na cara!", eu respondi. O
Alceu então falou: "Me dá aqui as flores que eu seguro pra você enquanto
você dá uma bolacha no Godofredo." Então eu dei o buquê para o Alceu e o
Godofredo me deu um tapa. A gente brigou e depois eu disse que já estava
ficando tarde e aí nós paramos. Mas eu ainda tive que ficar mais um pouco
porque o Clotário falou: "Olha só o Alceu, agora é ele que parece um bobão,
com as flores." Aí o Alceu bateu com toda a força na cabeça dele com o meu
buquê, e eu gritei: "Minhas flores! Vocês vão quebrar minhas flores!" É
verdade, mesmo! O Alceu não parava de bater com o meu buquê e as flores
voavam para todos os lados porque o papel tinha rasgado e o Clotário dizia:
"Não tá machucando, não tá machucando!"
Quando o Alceu parou, o Clotário estava com a cabeça coberta com as
folhas verdes do buquê e parecia mesmo um caldo verde. Então eu comecei
a juntar as minhas flores e eu dizia para os meus colegas que eles eram
malvados. O Rufino disse: "É mesmo, não foi legal o que vocês fizeram
com as flores do Nicolau! — Ninguém pediu a tua opinião", respondeu o
Godofredo e eles começaram a dar socos um no outro. O Alceu pegou e foi
embora porque a cabeça do Clotário tinha dado fome nele e ele não queria
chegar tarde para o jantar.
Eu fui embora com as minhas flores. Estavam faltando algumas, não
tinha mais legumes nem papel, mas ainda era um buquê lindo; depois, mais
na frente, encontrei o Eudes.
"Vamos jogar bolinha de gude?", ele perguntou. Eu respondi: "Não
posso, tenho que ir pra casa para dar estas flores para a mamãe." Mas o
Eudes disse que ainda era cedo e eu gosto muito de jogar bolinha de gude,
eu jogo muito bem, eu miro e pimba! quase sempre, eu ganho. Então eu
ajeitei as flores na calçada e comecei a jogar com o Eudes, e é muito legal
jogar bolinha com o Eudes porque quase sempre ele perde. O chato é que
quando ele perde ele fica bravo e ele me disse que eu estava roubando e eu
disse pra ele que ele era um mentiroso, então ele me empurrou e eu caí
sentado em cima do buquê, e isso foi muito ruim para as flores. Então eu
disse pro Eudes: "Vou contar pra mamãe tudo o que você fez com as flores
dela", e o Eudes ficou bem chateado. Então ele me ajudou a escolher as
flores que estavam menos amassadas. Eu gosto muito do Eudes, ele é um
bom amigo.
Comecei a andar de novo, meu buquê não estava mais muito grande,
mas as flores que sobraram não estavam tão mal assim; uma das flores
estava um pouco amassada mas as duas outras estavam muito bonitas. Então
eu vi o Joaquim chegar de bicicleta. O Joaquim é um amigo da escola que
tem uma bicicleta.

Mas aí eu resolvi que não ia brigar porque se eu continuasse a encrencar


com todos os colegas que eu fosse encontrando na rua logo não ia sobrar
nenhuma flor para dar pra mamãe. E depois, afinal, não é da conta dos meus
colegas se eu quero dar flores pra minha mãe, é um direito que eu tenho e
além disso eu acho que eles têm inveja, isso sim, só porque a mamãe vai
ficar muito contente e vai me dar uma sobremesa gostosa e vai dizer que eu
sou muito bonzinho e, depois, por que todo o mundo tem que ficar me
enchendo?
"Oi, Nicolau!", o Joaquim disse pra mim. "O que é que tem o meu
buquê?, eu gritei para ele. Bobão é você!" O Joaquim parou a bicicleta, me
olhou com dois olhos assim redondos e perguntou: "Que buquê? — Este
aqui!", eu respondi e mandei as flores na cara dele. Acho que o Joaquim não
estava esperando receber flores na cara, em todo caso ele não gostou nada
daquilo. Jogou as flores na rua e elas caíram em cima da capota de um carro
que estava passando e elas foram embora com o carro. "Minhas flores, eu
gritei. As flores da minha mãe! — Não liga não, o Joaquim disse pra mim,
eu pego a bicicleta e alcanço o carro!" O Joaquim é bonzinho, mas não
pedala muito rápido, principalmente quando é subida, e ele está treinando
para a Volta da França*" que ele vai fazer quando for grande. O Joaquim
voltou dizendo que não tinha conseguido alcançar o carro, que o carro tinha
deixado ele para trás numa subida. Mas ele me trouxe uma flor que tinha
caído da capota do carro. Que azar, era justo a que estava amassada.
*"Tour de France": uma das mais famosas provas do ciclismo.

O Joaquim foi embora depressa, para ir para a casa dele é descida, e eu


fui para casa com a minha flor toda amarrotada. Parecia que eu estava com
uma bola enorme na garganta, como quando eu trago o boletim cheio de
zeros pra casa.
Eu abri a porta e disse pra mamãe: "Feliz aniversário, mamãe", e
comecei a chorar. Mamãe olhou para a flor, ela estava um pouco espantada,
e depois ela me pegou nos braços, me abraçou muitas e muitas vezes, disse
que nunca tinha recebido um buquê tão bonito e colocou a flor no vaso azul
da sala.
Digam o que quiserem, mas a minha mãe é superlegal!
Os boletins

Naquela tarde na escola ninguém fez brincadeira porque o diretor veio


distribuir os nossos boletins na classe. O diretor não parecia nada contente
quando entrou com os nossos boletins embaixo do braço. "Trabalho há
muitos anos como educador, o diretor falou, e nunca vi uma classe tão
turbulenta. As observações que a professora de vocês escreveu nos boletins
são prova disso. Vou começar a distribuir os boletins." E Clotário começou a
chorar. Clotário é o último da classe e todos os meses a professora escreve
uma porção de coisas no boletim dele e o pai e a mãe do Clotário ficam
bravos e proíbem ele de comer sobremesa e de ver televisão. Eles já estão
tão acostumados, que uma vez por mês a mãe dele não faz sobremesa e o pai
vai assistir televisão no vizinho.
No meu boletim estava escrito: "Aluno agitado, freqüentemente
distraído. Poderia fazer melhor." Eudes tinha: "Aluno turbulento. Briga com
os colegas. Poderia fazer melhor." Para o Rufino era: "Insiste em brincar na
classe com um apito, já confiscado diversas vezes. Poderia fazer melhor." O
único que não poderia fazer melhor era o Agnaldo. O Agnaldo é o primeiro
da classe e o queridinho da professora. O diretor leu o boletim do Agnaldo
para nós: "Aluno aplicado, inteligente. Terá sucesso." O diretor disse que
devíamos seguir o exemplo do Agnaldo, que nós éramos uns meninos
vadios, que a gente ia acabar na prisão e que isso ia ser muito triste para
nossos pais e nossas mães, que deviam ter projetos bem diferentes para nós.
E aí ele foi embora.
Nós estávamos muito chateados porque os nossos pais têm que assinar
os nossos boletins e isso às vezes não tem graça nenhuma. Então, quando
tocou o sinal para a saída, em vez de sair todo o mundo correndo para a
porta, se empurrando, dando encontrão e batendo com a mala um na cabeça
do outro, como a gente sempre faz, nós saímos devagar, sem dizer nada. Até
a professora estava com cara triste. A gente não fica com raiva da
professora. É verdade que este mês a gente fez um pouco de palhaçada e
depois o Godofredo não devia ter derramado o tinteiro no chão em cima do
Joaquim, que tinha caído e estava fazendo uma porção de caretas porque o
Eudes tinha dado um soco no nariz dele, mas quem tinha puxado os cabelos
do Eudes tinha sido o Rufino.
Na rua a gente não andava depressa, e andava arrastando os pés. Na
porta da confeitaria nós esperamos o Alceu, que tinha entrado para comprar
seis pãezinhos-de-mel que ele começou a comer na mesma hora. "Preciso
fazer provisões, o Alceu disse para nós, porque esta noite, a sobremesa...", e
aí ele deu um grande suspiro, sem parar de comer. E verdade que no boletim
do Alceu estava escrito: "Se este aluno dedicasse ao trabalho a energia que
dedica a se alimentar, seria o primeiro da classe, porque ele poderia fazer
melhor."
Quem parecia menos chateado era o Eudes. Ele disse: "Eu não tenho
medo. Meu pai não me diz nada, eu encaro ele direto nos olhos e aí ele
assina o boletim e pronto!" O Eudes tem sorte. Quando chegamos na
esquina, a gente se separou. O Clotário foi embora chorando, o Alceu
comendo e o Rufino apitando baixinho com o apito de bolinha.
Eu fiquei sozinho com o Eudes. "Se você está com medo de ir pra casa, é
fácil, o Eudes me disse. Vem comigo e você dorme lá em casa." O Eudes é
mesmo um amigo. Nós fomos embora juntos e o Eudes ia me explicando
como ele olhava o pai dele nos olhos. Só que, quanto mais a gente chegava
perto da casa do Eudes, menos o Eudes falava. Quando chegamos na porta
da casa, o Eudes não dizia mais nada. Ficamos ali um pouco e aí eu disse
para o Eudes: "Como é, vamos entrar?" O Eudes cocou a cabeça e depois
me disse: "Espera aqui um pouquinho. Já volto para te buscar." Depois o
Eudes entrou na casa dele. Ele tinha deixado a porta entreaberta e então eu
ouvi um paf e uma voz grossa que dizia: "Para a cama sem sobremesa,
pequeno vadio", e o Eudes chorando. Acho que o Eudes não deve ter olhado
direito nos olhos do pai dele.
O chato é que agora eu tinha que ir para casa. Comecei a andar prestando
atenção para não pisar nas riscas da calçada, e era fácil porque eu ia
andando devagar. Eu sabia direitinho o que o papai ia me dizer. Ele ia dizer
que tinha sido sempre o primeiro da classe e que o papai dele tinha muito
orgulho do meu papai e que ele trazia montes de menções honrosas da
escola e de medalhas e que ele gostaria de mostrar elas para mim mas que
tinha perdido tudo na mudança quando ele se casou. Depois o papai ia me
dizer que eu não ia ser nada na vida, que eu ia ser pobre e que as pessoas
iam dizer esse aí é o Nicolau, aquele que tirava notas baixas na escola, e iam
me apontar com o dedo e todos iam rir de mim. Depois papai ia me dizer
que ele se matava para me dar uma educação boa e para eu me preparar para
a vida e que eu era um ingrato que nem tinha pena dos meus pais que
sofriam tanto por minha causa e que eu não ia comer sobremesa e que, pra ir
ao cinema, só depois do próximo boletim.
O papai vai me dizer tudo isso, como no mês passado e no outro, mas eu
estou cheio. Eu vou dizer pra ele que eu sou muito infeliz, e já que é assim,
então está bem, eu vou embora de casa e vou pra bem longe e todo o mundo
vai sentir falta de mim e eu só vou voltar daqui a uma porção de anos e eu
vou ter muito dinheiro e o papai vai ter vergonha de ter dito que eu nunca ia
ser nada na vida e as pessoas não vão ter coragem de me apontar com o
dedo para dar risada e com o meu dinheiro eu vou levar o papai e a mamãe
ao cinema e todo o mundo vai dizer: "Vejam, é o Nicolau, que tem um
monte de dinheiro e é ele que paga o cinema para o papai e a mamãe dele,
apesar de eles não terem sido bonzinhos com ele", e também vou levar a
professora e o diretor da escola ao cinema, e quando eu vi estava na frente
de casa.
Eu estava pensando em tudo isso e me contando histórias legais e acabei
esquecendo o boletim e andei muito depressa. Senti uma bola grande na
garganta e achei que talvez fosse melhor ir embora logo e só voltar daqui a
muitos anos, mas estava começando a ficar escuro e a mamãe não gosta que
eu fique fora quando é tarde. Então eu entrei.
O papai estava na sala conversando com a mamãe. Ele estava com uma
porção de papéis em cima da mesa, na frente dele, e não parecia contente.
"É inacreditável, o papai dizia, pelo que se gasta nesta casa parece até que
eu sou multimilionário! Veja só estas notas! Esta do açougue! Esta do
armazém! Ah, é claro, quem tem que arrumar o dinheiro sou eu!" A mamãe
também não estava contente e ela dizia para o papai que ele não tinha a
menor idéia do custo de vida e que um dia ele devia fazer as compras junto
com ela e que ela ia voltar para a casa da mãe dela e que não se devia
discutir isso na frente da criança. Então eu dei o boletim para o papai. Ele
abriu o boletim, assinou e me devolveu dizendo: "O menino não tem nada a
ver com isso. Só estou pedindo para alguém me explicar por que o filé custa
esse preço! - Sobe, Nicolau, vai brincar no teu quarto!", a mamãe me disse.
"Isso mesmo, isso mesmo", o papai falou.
Eu subi para o meu quarto, me deitei na cama e comecei a chorar.
Isso é verdade, se o papai e a mamãe gostassem de mim, eles me dariam
mais atenção!
Luisinha

Quando a mamãe me disse que uma amiga dela vinha tomar chá com a
sua filhinha, eu não gostei nem um pouco. Não gosto das meninas. São
bobas, não sabem brincar de outra coisa que não seja de boneca ou de
vendedora e choram o tempo todo. É claro que às vezes eu também choro,
mas é por coisas sérias como daquela vez que o vaso da sala quebrou e o
papai brigou comigo e não era justo porque eu não tinha feito de propósito,
e também aquele vaso era muito feio e eu sei muito bem que o papai não
gosta que eu jogue bola dentro de casa mas estava chovendo lá fora.
"Você vai ser bonzinho com a Luisinha, a mamãe me disse, é uma
garotinha adorável e quero que você mostre para ela como você é bem-
educado."
Quando a mamãe quer mostrar que eu sou bem-educado, ela me veste
com a calça azul e a camisa branca e eu fico parecendo um bobo. Falei para
a mamãe que eu preferia ir com os meus colegas ao cinema ver um filme de
caubóis, mas a mamãe olhou para mim com os olhos de quando ela não está
para brincadeiras.

"E faça-me o favor de não ser estúpido com a garotinha, senão você vai
se ver comigo, entendeu?", a mamãe disse. Às quatro horas chegou a amiga
da mamãe com a filhinha dela. A amiga da mamãe me beijou, disse para
mim, como todo o mundo diz, que eu era um mocinho, e ela também disse:
"Esta é a Luisinha." Eu e a Luisinha nos olhamos. Ela tinha cabelos
amarelos com trancas, olhos azuis, um nariz e um vestido vermelhos. A
gente se deu os dedos, bem depressa. Mamãe serviu o chá, e isso foi legal
porque quando tem gente para o chá sempre tem bolo de chocolate e a gente
pode repetir duas vezes. Durante o lanche eu e a Luisinha não dissemos
nada. A gente comeu e a gente não se olhou. Quando nós acabamos, a
mamãe disse: "Agora, crianças, vão brincar. Nicolau, leva a Luisinha ao teu
quarto e mostra para ela os teus brinquedos." A mamãe disse isso com um
grande sorriso, mas ao mesmo tempo ela me olhou com aqueles olhos de
quando é melhor não brincar. A Luisinha e eu fomos para o meu quarto, e lá
eu não sabia o que dizer para ela. Foi a Luisinha que disse, e ela disse assim:
"Você parece um mico." Eu não gostei nem um pouco, então eu disse para
ela: "E você que não passa de uma menina!", e ela me deu um tapa. Eu bem
que fiquei com vontade de começar a chorar, mas agüentei firme porque a
mamãe queria que eu fosse bem-comportado, então eu puxei uma trança da
Luisinha e ela me deu um chute na canela. Aí não teve jeito, eu tive que
fazer "ui ui" porque doeu. Eu ia dar um tapa na Luisinha quando a Luisinha
mudou de assunto; ela disse: "Como é, você vai me mostrar esses
brinquedos?" Eu ia dizer para ela que eram brinquedos de menino, quando
ela viu o meu ursinho de pelúcia, aquele que eu tinha rapado só pela metade
porque o barbeador do papai não agüentou até o fim. "Você brinca de
boneca?" ela perguntou e aí começou a dar risada. Eu ia puxar uma trança
dela e a Luisinha estava levantando o braço para meter a mão na minha cara
quando a porta abriu e as nossas duas mamães entraram. "Então, crianças, a
mamãe disse, estão se divertindo? - Estamos sim senhora", a Luisinha falou
com os olhos bem arregalados e depois ela fez as pálpebras mexerem bem
depressa e a mamãe deu um beijo nela dizendo: "Encantadora, ela é
encantadora. Um verdadeiro coelhinho!", e a Luisinha dava duro com as
pálpebras. "Mostra para a Luisinha esses livros de figuras tão lindos que
você tem", a mamãe me disse, e a outra mamãe disse que nós éramos dois
coelhinhos e elas foram embora.

Eu tirei os livros da estante e dei para a Luisinha, mas ela nem olhou
para eles e jogou todos no chão, até aquele que tem uma porção de índios e
que é superlegal. "Os teus livros não me interessam, ela disse, você não tem
nada mais divertido?", e aí ela olhou para o armário e viu o meu avião,
aquele bacana, o que tem um elástico, que é vermelho e voa. "Deixa isso aí,
eu disse, isso não é pra meninas, é o meu avião!", e tentei tirar dela, mas a
Luisinha se desviou. "Eu sou a convidada, ela disse, tenho o direito de
brincar com todos os teus brinquedos, e se você não deixar eu chamo a
minha mãe e a gente vai ver quem está com a razão!" Eu não sabia o que
fazer, não queria que ela quebrasse o meu avião, mas não queria que ela
chamasse a mãe dela porque ia complicar. Enquanto eu estava ali, pensando,
a Luisinha girou a hélice para enrolar o elástico e aí ela largou o avião. Ela
soltou ele pela janela do meu quarto que estava aberta e o avião foi embora.
"Olha só o que você fez, eu gritei. Perdi meu avião!", e comecei a chorar. "O
teu avião não está perdido, bobão, a Luisinha disse, olha lá, ele caiu no
jardim, é só a gente descer e pegar."

Descemos até a sala e eu pedi para a mamãe se a gente podia sair para
brincar no jardim e a mamãe disse que estava muito frio, mas a Luisinha deu
uma batida de pálpebra e disse que queria ver as lindas flores. Então a
minha mamãe disse que ela era um coelhinho encantador e disse para a
gente se agasalhar bem para sair. Preciso aprender esse negócio das
pálpebras, parece que esse truque funciona superbem!
No jardim eu apanhei meu avião que não tinha nada, ainda bem, e a
Luisinha me disse: "O que é que a gente vai fazer? — Sei lá, eu disse para
ela, você não queria ver as flores? Olha elas, tem uma porção ali." Mas a
Luisinha disse que não estava nem aí para as minhas flores e que elas eram
ridículas. Bem que eu fiquei com vontade de socar o nariz daquela tal
Luisinha, mas não tive coragem porque a janela da sala dá para o jardim e as
mamães estavam na sala. "Eu não tenho brinquedos aqui, eu disse, só a bola
de futebol, na garagem." Luisinha me disse que era uma boa idéia. Nós
fomos buscar a bola e eu estava preocupado, tinha medo de que os meus
colegas me vissem brincando com uma menina. "Você fica aí entre essas
duas árvores e tenta segurar a bola", ela me disse. Aí eu tive que dar risada e
depois ela tomou distância e bum! um chute incrível! Não consegui segurar
a bola e ela quebrou o vidro da janela da garagem.
As mamães saíram de casa correndo. A minha mãe viu a janela da
garagem e entendeu logo. "Nicolau!, ela me disse, em vez dessas
brincadeiras brutas, você devia dar mais atenção aos convidados,
principalmente quando são delicados como a Luisinha!" Eu olhei para a
Luisinha e ela estava bem mais longe, no jardim, cheirando as begônias.
De noite eu não ganhei sobremesa, mas não faz mal, a Luisinha é legal e
quando a gente for grande a gente vai se casar.
Ela tem um chute incrível!
O ensaio para a visita do ministro
Fizeram todo o mundo descer para o pátio e o diretor veio falar. "Meus
queridos alunos, ele disse para nós, tenho o grande prazer de anunciar que,
por ocasião de sua passagem por nossa cidade, o Senhor Ministro vai nos
dar a honra de visitar a nossa escola. Ele é um exemplo para vocês, um
exemplo que prova que quem trabalha direito pode ter as mais altas
aspirações. Faço questão de que o Senhor Ministro receba aqui uma
acolhida inesquecível e conto com vocês para isso." E o diretor mandou o
Clotário e o Joaquim para o canto de castigo porque eles estavam brigando.
Depois o diretor reuniu todos os professores e inspetores de alunos em
volta dele e disse pra eles que tinha algumas idéias sensacionais para a
recepção ao ministro. Para começar, todo o mundo ia cantar o Hino
Nacional e depois três dos pequenos iam até a frente com flores e iam dar as
flores para o ministro. É verdade que o diretor tem idéias legais e vai ser
uma boa surpresa para o ministro receber flores; com certeza ele não está
esperando. Não sei por quê, mas a nossa professora parecia preocupada.
Acho que ela anda nervosa nestes últimos dias.
O diretor disse que a gente ia começar a ensaiar imediatamente e nós
ficamos muito contentes porque não ia ter aula. A professora Vanderblergue,
que dá aula de música, fez a gente cantar a Marselhesa. Parece que não
estava dando muito certo, mas bem que a gente fazia um bocado de barulho.
Está certo que nós estávamos um pouco na frente dos grandes. Eles ainda
estavam no dia de glória que chegou* e nós já estávamos na segunda
bandeira sangrenta que era erguida**, menos o Rufino, que não sabia a letra
e ficava fazendo "lalalá", e o Alceu, que não cantava porque estava comendo
um croissant. A professora Vanderblergue fez uma porção de gestos com os
braços para a gente ficar quieto, mas, em vez de brigar com os grandes que
estavam atrasados, ela brigou com a gente que foi quem ganhou, e isso não é
justo. Talvez o que tenha deixado a srta. Vanderblergue furiosa foi que o
Rufino, que fecha os olhos para cantar, não sabia que era para parar e
continuou fazendo "lalalá". A nossa professora falou com o diretor e com a
srta. Vanderblergue e depois o diretor disse para nós que só os grandes iam
cantar, os pequenos iam fazer de conta. Ensaiamos e deu tudo certo, mas fez
menos barulho e o diretor disse para o Alceu que não precisava fazer tanta
careta para fazer de conta que estava cantando e o Alceu respondeu que ele
não estava fazendo de conta que estava cantando, que ele estava
mastigando, e o diretor deu um suspiro muito comprido.
* Alusão ao 2º verso da Marselhesa, o Hino Nacional da França.
** Alusão ao 4º verso da Marselhesa.

"Bom, o diretor falou, depois da Marselhesa, vamos fazer três dos


pequenos virem para a frente." O diretor olhou para nós e depois escolheu o
Eudes, o Agnaldo, que é o primeiro da classe e o queridinho da professora, e
eu. "Pena que não sejam meninas, o diretor falou, elas poderiam vir vestidas
com as cores da bandeira, azul, branco, vermelho ou então, como se vê às
vezes, poderiam pôr um laço colorido nos cabelos, que faz um ótimo efeito.
— Se eles puserem uma fita nos meus cabelos, o pau vai quebrar", o Eudes
disse. O diretor virou a cabeça bem rápido e olhou para o Eudes com um
olho muito grande e o outro pequeno, por causa da sobrancelha que ele pôs
em cima. "O que foi que você disse?", perguntou o diretor, então a nossa
professora disse bem depressa: "Nada, senhor diretor, ele tossiu. — Não,
professora, o Agnaldo falou, eu ouvi, ele disse..." Mas a professora não
deixou ele acabar, ela disse que não tinha perguntado nada para ele. "Isso
mesmo seu traidor sujo, ninguém pediu a tua opinião", disse o Eudes. O
Agnaldo começou a chorar e a dizer que ninguém gostava dele e que ele era
muito infeliz e que estava se sentindo mal e que ia falar para o pai dele e que
aí a gente ia ver o que ia acontecer e a professora disse para o Eudes não
falar sem permissão e o diretor passou a mão pelo rosto como se fosse se
enxugar e perguntou para a professora se a conversa tinha terminado e se ele
podia continuar; a professora então ficou toda vermelha, e ela ficava muito
bonita assim, ela é quase tão bonita como a mamãe, mas em casa é
principalmente o papai que fica vermelho.
"Muito bem, o diretor disse, esses três meninos vão ao encontro do
ministro e vão oferecer flores a ele. Preciso de alguma coisa parecida com
um buquê de flores para o ensaio." O Sopa, que é o nosso inspetor de
alunos, disse: "Tenho uma idéia, senhor Diretor, já volto", e ele saiu
correndo e voltou com três espanadores. O diretor levou um susto e depois
disse que sim, que afinal de contas, para o ensaio, aquilo servia. O Sopa deu
um espanador pra cada um de nós, pro Eudes, pro Agnaldo e pra mim.
"Muito bem, disse o diretor, agora, meninos, vamos fazer de conta que eu
sou o ministro, então vocês vêm ao meu encontro e me dão os espanadores."
Nós fizemos do jeito que o diretor disse e demos os espanadores para ele. O
diretor estava com os espanadores nos braços, de repente ele ficou bravo.
Olhou para o Godofredo e disse: "Você aí! Eu vi você rir. Gostaria que você
dissesse o que há de tão engraçado, para todos podermos rir também. - Foi o
que o senhor falou, senhor Diretor, o Godofredo respondeu, estou rindo por
causa da idéia de pôr fita no cabelo do Nicolau, do Eudes e desse queridinho
sujo do Agnaldo! - Você quer levar um soco no nariz?", o Eudes perguntou.
"Isso mesmo", eu disse, e o Godofredo me deu um tapa. Nós começamos a
brigar e os outros colegas também entraram na briga, menos o Agnaldo, que
rolava no chão gritando que ele não era um queridinho sujo e que ninguém
gostava dele e que o pai dele ia se queixar para o ministro. O diretor sacudia
os espanadores e gritava: "Parem! Querem fazer o favor de parar?!" Todo o
mundo corria por todo lado, a srta. Vanderblergue se sentiu mal, foi incrível!
No dia seguinte, quando o ministro veio, tudo correu bem, mas nós não
vimos ele porque puseram a gente na lavanderia e mesmo que o ministro
quisesse nos ver ele não ia poder porque a porta estava trancada com chave.
O diretor tem cada idéia!
Eu fumo

Eu estava no jardim e não estava fazendo nada e o Alceu chegou e me


perguntou o que eu estava fazendo e eu respondi: "Nada."
Então o Alceu me disse: "Vem comigo, tenho uma coisa pra te mostrar, a
gente vai se divertir." Fui com o Alceu na hora, a gente se diverte muito
junto. Não sei se já contei pra vocês que o Alceu é um amigo meu que é
muito gordo e que come o tempo todo. Mas ele não estava comendo nada,
estava com a mão no bolso e enquanto a gente ia andando na rua ele olhava
para trás para ver se ninguém estava seguindo a gente. "O que é que você
quer me mostrar, Alceu?", eu perguntei. "Ainda não", ele me disse.
Finalmente, quando a gente virou a esquina, o Alceu tirou um charuto
enorme do bolso. "Olha só, e é de verdade, não é de chocolate!" Que não era
de chocolate ele nem precisava me dizer, se o charuto fosse de chocolate o
Alceu não ia mostrar pra mim, ele já teria comido.
Eu estava um pouco decepcionado, o Alceu tinha dito que a gente ia se
divertir. "E o que é que a gente vai fazer com esse charuto?", eu perguntei.
"Que pergunta!, o Alceu me respondeu, a gente vai fumar, ora!" Eu não
sabia muito bem se fumar charuto era uma boa idéia e depois eu tinha a
impressão de que o papai e a mamãe não iam gostar daquilo, mas o Alceu
perguntou se o meu pai e a minha mãe me tinham proibido de fumar
charuto. Eu pensei, a verdade é que o papai e a mamãe me proibiram de
fazer desenhos nas paredes do meu quarto, de falar à mesa sem ser
interrogado quando tem visitas, de encher a banheira para brincar com o
meu barco, de comer doces antes do jantar, de bater as portas, de enfiar o
dedo no nariz e de falar palavrões, mas de fumar charuto o papai e a mamãe
nunca me proibiram.
"Tá vendo?, o Alceu me disse. Em todo caso, para a gente não ter
problemas, vamos nos esconder em algum lugar onde dê pra fumar
sossegado." Eu disse que a gente podia ir ao terreno baldio que fica perto da
minha casa. O papai nunca vai lá. O Alceu disse que era boa idéia e nós já
íamos atravessar a cerca para entrar no terreno baldio quando o Alceu bateu
na cabeça. "Você tem fogo?", ele me perguntou, e eu respondi que não.
"Bom, então, como é que a gente vai fazer pra fumar este charuto?" Eu disse
que a gente podia pedir fogo para algum homem na rua, já vi o papai fazer
isso e é muito engraçado porque o outro homem sempre tenta acender o
isqueiro mas não consegue por causa do vento, então ele dá o cigarro dele
para o papai e o papai apóia o cigarro dele no cigarro do outro homem e o
cigarro do homem fica todo amassado e o homem fica meio chateado. Mas o
Alceu me disse que eu devo ter batido com a cabeça em algum lugar e
ficado doido porque nenhum homem vai querer dar fogo para a gente
porque nós somos muito pequenos. Que pena, ia ser tão divertido amassar o
cigarro de um homem com o nosso charuto enorme. "E se a gente fosse
comprar fósforos num bar?", eu disse. "Você tem dinheiro?", o Alceu me
perguntou. Eu disse que a gente podia fazer uma vaquinha como a gente faz
na escola no fim do ano para comprar um presente para a professora. O
Alceu ficou bravo, ele disse que estava contribuindo com o charuto e que o
justo era eu pagar os fósforos. "Você pagou o charuto?", eu perguntei. "Não,
o Alceu me disse, eu achei na gaveta da escrivaninha do meu pai, e como o
papai não fuma charuto não vai fazer falta e ele nunca vai perceber que o
charuto não está mais lá. - Se você não pagou o charuto, não tem motivo
para eu pagar os fósforos", eu disse. Por fim eu aceitei comprar os fósforos
mas só se o Alceu viesse comigo no bar, eu tenho um pouco de medo de ir
sozinho.

Entramos no bar e a mulher do caixa, onde vende cigarro, perguntou


para a gente: "O que é que vocês querem, meus coelhinhos? — Fósforos",
eu disse. "E para os nossos pais", o Alceu falou, mas isso só atrapalhou
porque a dona desconfiou e disse que a gente não devia brincar com
fósforos, que nós éramos dois moleques. Eu preferia antes, quando eu e o
Alceu éramos coelhinhos.
Saímos do bar bem chateados. E muito difícil fumar charuto quando a
gente é pequeno! "Eu tenho um primo que é escoteiro, o Alceu me disse.
Acho que ensinaram ele a fazer fogo esfregando dois pedaços de pau. Se nós
fôssemos escoteiros, a gente ia saber como fazer para fumar o charuto." Eu
não sabia que sendo escoteiros a gente aprendia essas coisas, mas não dá pra
acreditar em tudo o que o Alceu conta. Eu nunca vi um escoteiro fumando
charuto.
"Já estou cheio do teu charuto, eu disse para o Alceu, vou embora pra
casa. — E mesmo, o Alceu disse, aliás estou começando a ficar com fome e
não quero chegar tarde para o jantar, vai ter pudim."

E de repente nós vimos uma caixa de fósforos no chão, na calçada!


Pegamos depressa e vimos que ainda tinha um fósforo dentro. O Alceu
estava tão nervoso que até esqueceu o pudim. E para o Alceu esquecer um
pudim ele tem que estar muito nervoso mesmo! "Vamos depressa para o
terreno!", ele gritou.
Saímos correndo e atravessamos a cerca no lugar onde está faltando uma
tábua. É legal o terreno baldio, a gente vai quase sempre brincar lá! Tem de
tudo: mato, lama, pedras, caixas velhas, latas de conserva, gatos e, o que é
mais importante, um carro! E um carro velho, é claro, ele não tem mais
rodas, nem motor, nem portas, mas a gente se diverte um bocado lá dentro, a
gente faz vruum, vruum, e brinca de ônibus desse jeito, ding, ding, ponto
final, lotado. E superlegal!
"Vamos fumar no carro", o Alceu falou. Entramos no carro e quando a
gente se sentou as molas do assento fizeram um barulho esquisito, como a
poltrona do vovô na casa da vovó que a vovó não quer mandar consertar
porque faz ela se lembrar do vovô.
Alceu mordeu a ponta do charuto e cuspiu. Ele disse que viu fazer assim
num filme de bandidos. Depois a gente prestou muita atenção para não
estragar o fósforo e deu tudo certo. O Alceu foi o primeiro porque o charuto
era dele, ele aspirava fazendo muito barulho e fazia muita fumaça. O Alceu
levou um susto com a primeira tragada e isso fez ele tossir e ele me passou o
charuto. Eu aspirei também mas tenho que dizer que não achei tão bom
assim e me fez tossir também. "Você não sabe, o Alceu me disse, olha! A
fumaça pelo nariz!", e o Alceu pegou o charuto e tentou fazer a fumaça
passar pelo nariz e isso fez ele tossir pra burro. Quando chegou a minha vez,
eu tentei também e consegui fazer melhor, mas a fumaça me fez arder os
olhos. A gente dava muita risada.
A gente estava ali passando o charuto um pro outro quando o Alceu
disse: "Isso está me fazendo mal, não estou mais com fome." O Alceu estava
verde e depois, de repente, ele ficou supermal. Jogamos o charuto fora, eu
estava com a cabeça zonza e estava com um pouco de vontade de chorar.
"Eu vou com a minha mãe", o Alceu falou e saiu segurando a barriga. Acho
que hoje ele não vai comer o pudim.

Também voltei para casa. Estava tudo ruim. Papai estava sentado na sala
fumando cachimbo, a mamãe estava fazendo tricô e eu me senti mal. A
mamãe ficou muito preocupada, ela me perguntou o que é que eu tinha, eu
disse que era a fumaça, mas não pude continuar a explicar a história do
charuto porque eu ainda estava me sentindo mal. "Está vendo, a mamãe
disse para o papai, eu sempre disse que esse cachimbo empesteava!" Lá em
casa, depois que eu fumei o charuto nunca mais o papai teve direito de
fumar cachimbo.
O Pequeno Polegar

A professora explicou para nós que o diretor da escola ia embora, ele ia


se aposentar. Para comemorar estamos preparando coisas incríveis na
escola, vai ser como na festa de fim de ano: vão vir os pais e as mães, vamos
pôr cadeiras no salão, poltronas para o diretor e os professores e um estrado
para fazer as representações. Os atores, como sempre, vamos ser nós, os
alunos.
Cada classe prepara alguma coisa. Os grandes vão fazer ginástica, eles
ficam uns em cima dos outros e aquele que fica bem no alto agita uma
bandeirinha e todo o mundo aplaude. Eles fizeram isso na festa de fim de
ano e foi muito legal, só que no fim não deu muito certo esse negócio da
bandeirinha porque eles caíram antes de agitar. A classe acima da nossa vai
dançar. Eles vão se vestir todos de camponeses, com tamancos. Vão fazer
uma roda, bater no estrado com os tamancos, mas em vez de agitar uma
bandeirinha eles vão agitar lenços e gritar "Iup-lá". Eles também fizeram
isso no fim do ano, não foi tão legal como a ginástica, mas eles não caíram.
Tem uma classe que vai cantar Frère Jacques e um antigo aluno que vai ler
um discurso e dizer para nós que foi porque o diretor deu bons conselhos
que ele se tornou um homem e secretário da prefeitura.
Legal vai ser a gente! A professora disse que vamos representar uma
peça! Uma peça como nos teatros e na televisão do Clotário porque o papai
ainda não quis comprar uma.
O nome da peça é O Pequeno Polegar e o Gato de Botas e hoje a gente
fez o primeiro ensaio na classe, a professora ia dizer que papéis nós vamos
representar. Godofredo, por acaso, veio vestido de caubói, o pai dele é muito
rico e compra um montão de coisas para ele, mas a professora não gostou
muito da fantasia do Godofredo. "Godofredo, ela disse para ele, eu já avisei
que não gosto que você venha fantasiado para a escola. Aliás, nesta peça não
tem caubóis. - Não tem caubóis?, o Godofredo perguntou, e a senhora
chama isso de peça? Isso vai ser uma chatice!", e a professora pôs ele de
castigo.
A história da peça é muito complicada e eu não entendi muito bem
quando a professora contou ela para nós. Eu sei que tem o Pequeno Polegar
que procura os irmãos dele e ele encontra o Gato de Botas e tem o marquês
de Carrabás e um ogro que quer comer os irmãos do Pequeno Polegar e o
Gato de Botas ajuda o Pequeno Polegar e o ogro é derrotado e fica bonzinho
e acho que no final ele não come os irmãos do Pequeno Polegar e todo o
mundo fica contente e eles comem outra coisa.
"Vamos ver, disse a professora, quem vai fazer o papel do Pequeno
Polegar? - Eu, professora, o Agnaldo falou. É o papel principal e eu sou o
primeiro da classe!" E verdade, o Agnaldo é o primeiro da classe. Também é
o queridinho da professora e um péssimo colega que chora toda hora e que
usa óculos e por causa disso a gente não pode bater nele. "E você tem tanto
jeito para representar o Pequeno Polegar quanto eu para fazer renda!", disse
o Eudes, um amigo, e o Agnaldo começou a chorar e a professora pôs o
Eudes de castigo, ao lado do Godofredo.
"Agora eu preciso de um ogro, a professora falou, um ogro que tem
vontade de comer o Pequeno Polegar!" Eu disse que o ogro poderia ser o
Alceu, porque ele é muito gordo e come o tempo todo. Só que o Alceu não
estava de acordo, ele olhou para o Agnaldo e disse: "Eu é que não como
isso!" Foi a primeira vez que vi o Alceu com cara de nojo, tá certo que a
idéia de comer o Agnaldo não é mesmo muito apetitosa. O Agnaldo ficou
chateado porque não queriam comer ele. "Se você não retirar o que falou, o
Agnaldo gritou, eu vou contar para os meus pais e vou fazer você ser
expulso da escola! - Silêncio!, a professora gritou. Alceu, você vai fazer o
papel da multidão de camponeses e depois você também vai ser o ponto,
para ajudar os colegas durante a representação." O Alceu gostou da idéia de
assoprar para os colegas como quando eles estão no quadro-negro, ele pegou
uma bolacha do bolso e pôs na boca e disse: "Falou! — Isso é modo de se
expressar?, gritou a professora, quer fazer o favor de falar corretamente! —
Falou, professora", corrigiu o Alceu, e a professora deu um suspiro
comprido, esses dias ela parece que anda meio cansada.

Para fazer o Gato de Botas a professora tinha escolhido primeiro o


Maximiliano. Ela tinha dito que ele ia usar uma roupa muito bonita, uma
espada, bigodes e um rabo. O Maximiliano concordava com as roupas
bonitas, os bigodes e principalmente a espada, mas não queria nem saber de
rabo. "Vou ficar parecendo um macaco", ele disse. "E daí, o Joaquim falou,
vai ficar natural!", e o Maximiliano deu-lhe um pontapé, Joaquim devolveu
um tabefe, a professora pôs todos os dois de castigo e me disse que eu é que
ia ser o Gato de Botas e que se eu não gostasse ia receber o mesmo prêmio,
porque ela estava começando a ficar cheia desse bando de moleques e ela
tinha muita pena dos pais da gente de ter que nos educar e que se
continuasse assim todo o mundo ia acabar numa prisão e ela sentia muita
pena dos guardas.
Depois que o Rufino foi escolhido para representar o ogro e o Clotário
para ser o marquês de Carrabás, a professora distribuiu umas folhas escritas
a máquina com tudo o que a gente tinha que falar. A professora viu que tinha
uma porção de atores de castigo e então ela disse para eles voltarem para
ajudar o Alceu a representar a multidão de camponeses. O Alceu não gostou,
ele queria representar a multidão sozinho, mas a professora disse para ele
calar a boca. "Bom, a professora disse, vamos começar, leiam bem os seus
papéis. Agnaldo você vai fazer o seguinte: você chega aqui, você está
desesperado, é uma floresta, você está procurando os seus irmãos e depara
com Nicolau, o Gato de Botas. Vocês aí, a multidão, vocês dizem, todos
juntos: Vejam, é o Pequeno Polegar e o Gato de Botas! Vamos!"
Nós ficamos na frente do quadro-negro. Eu tinha uma régua na cintura
para fazer de conta que era uma espada e o Agnaldo começou a ler o papel
dele. "Meus irmãos, onde estão meus pobres irmãos! - Mas que diabo você
está fazendo, Alceu?", perguntou a professora. "Ora, o Alceu respondeu, eu
não sou o que assopra? Então, estou assoprando! - Professora, o Agnaldo
disse, quando ele assopra ele espirra pedaços de bolacha nos meus óculos e
eu não enxergo mais nada! Vou contar tudo para os meus pais!", e o Agnaldo
tirou os óculos para limpar, então o Alceu aproveitou logo e deu um tapa
nele. "No nariz!, o Eudes gritou, bate no nariz!" O Agnaldo começou a gritar
e a chorar. Disse que era infeliz e que estavam querendo matar ele e
começou a rolar no chão. O Maximiliano, o Joaquim e o Godofredo
começaram a representar a multidão: "Olhem, o Pequeno Polegar e o Gato
de Botas!" Eu lutava com o Rufino. Eu tinha a régua e ele um espanador. O
ensaio estava indo muito bem quando, de repente, a professora gritou:
"Chega! Para os lugares! Vocês não irão representar essa peça na festa. Não
quero que o Diretor veja isso!" Nós todos ficamos de boca aberta.
Era a primeira vez que a gente via a professora castigar o diretor!
A bicicleta

Papai não queria comprar bicicleta pra mim. Ele sempre dizia que as
crianças não tomam cuidado e que elas ficam querendo fazer acrobacias e
que quebram as bicicletas e que se machucam. Eu dizia para o papai que ia
tomar cuidado, e depois eu chorava e depois eu ficava emburrado e depois
eu dizia que ia fugir de casa e, por fim, papai disse que eu ia ganhar uma
bicicleta se fosse um dos dez primeiros na prova de matemática.
Era por causa disso que eu estava todo contente ontem quando eu voltei
da escola, eu tinha sido o décimo na prova. Quando o papai soube, ele
arregalou os olhos e disse: "Puxa vida, caramba, só faltava essa", e a mamãe
me beijou e disse que o papai ia me comprar uma linda bicicleta agora
mesmo e que foi muito bonito eu ter ido bem na prova de matemática. É
verdade que eu tive muita sorte porque a gente era só onze para fazer a
prova, todos os outros estavam com gripe e o décimo primeiro era o
Clotário, que é sempre o último, mas para ele não tem muita importância
porque ele já tem uma bicicleta.
Quando cheguei em casa hoje, o papai e a mamãe estavam me esperando
no jardim com um grande sorriso na boca.
"Temos uma surpresa para o nosso filhão!", a mamãe falou, e os olhos
dela estavam dando risada, e o papai foi até a garagem e trouxe — vocês
nem vão adivinhar: uma bicicleta! Uma bicicleta vermelha e prateada que
brilhava, com um farol e uma campainha. Superlegal! Eu saí correndo e
depois beijei a mamãe, beijei o papai e beijei a bicicleta. "Você vai ter que
me prometer que vai tomar cuidado, o papai falou, e não fazer acrobacias!"
Eu prometi e então a mamãe me beijou, ela disse que eu era o homenzinho
dela e que ela ia fazer um pudim de chocolate para a sobremesa e ela entrou
em casa. O meu papai e a minha mamãe são os mais legais do mundo!
Papai ficou comigo no jardim. "Você sabe, ele disse, que eu fui um
grande campeão de ciclismo e que, se eu não tivesse conhecido a sua mãe,
talvez tivesse me tornado um profissional?" Isso eu não sabia. Sabia que o
papai tinha sido um campeão incrível de futebol, natação, rúgbi e boxe, mas
de bicicleta era novidade. "Vou mostrar para você", o papai disse, e aí ele
sentou na minha bicicleta e começou a dar voltas no jardim. É claro que a
bicicleta era muito pequena para o papai e ele teve dificuldade com os
joelhos que chegavam até o rosto dele, mas ele se virava.
"É um dos espetáculos mais grotescos que tive oportunidade de apreciar
desde a última vez que vi você!" Quem disse isso foi o sr. Durázio que
estava espiando por cima da cerca do jardim. O sr. Durázio é o nosso
vizinho que adora amolar o papai. "Cala essa boca, o papai respondeu para
ele, você não entende nada de bicicleta! — O quê?, o sr. Durázio gritou,
fique sabendo, pobre ignorante, que eu fui campeão inter-regional amador e
que teria me tornado profissional se não tivesse conhecido a minha mulher!"
Papai começou a rir. "Campeão quem, você?, papai disse. Não me faça rir,
você mal consegue se equilibrar num triciclo!" O sr. Durázio não gostou
nada disso. "Você vai ver só", ele disse e pulou por cima da cerca. "Me dá
aqui essa bicicleta", o sr. Durázio falou pondo a mão no guidão, mas o papai
não queria largar a bicicleta. "Ninguém te chamou aqui, Durázio, o papai
falou, volta para a tua toca! - Você está com medo de passar vergonha na
frente do coitado do teu filho?", o sr. Durázio perguntou. "Cala essa boca,
você me dá pena, é isso que você me dá!", o papai disse, e arrancou o
guidão das mãos do sr. Durázio e recomeçou a dar voltas no jardim.
"Grotesco!", o sr. Durázio falou. "Essas palavras de inveja não me atingem",
o papai respondeu.

Eu ia correndo atrás do papai e perguntava se eu não podia dar uma volta


na minha bicicleta, mas ele não me escutava porque o sr. Durázio estava
olhando para o papai e dando risada e o papai derrapou nas begônias. "Por
que você está rindo que nem bobo?", o papai perguntou. "Posso dar uma
volta agora?", eu disse. "Estou rindo porque gosto de rir!", o sr. Durázio
falou. "Afinal de contas a bicicleta é minha", eu disse. "Você é
completamente idiota, meu pobre Durázio", o papai falou. "Ah, é?", o sr.
Durázio perguntou. "É!", o papai respondeu. Então o sr. Durázio chegou
perto do papai e empurrou o papai que caiu com a minha bicicleta em cima
das begônias. "Minha bicicleta!", eu gritei. Papai se levantou e empurrou o
sr. Durázio, que caiu e que dizia: "Ah, é? Experimenta só para ver!"
Quando eles acabaram de se empurrar, o sr. Durázio disse: "Tenho uma
idéia, vamos fazer uma corrida contra o relógio em volta do quarteirão, e a
gente vai ver quem é o melhor! - Nada disso, proíbo você de montar na
bicicleta do Nicolau! Aliás, do jeito que você é gordo, só ia poder quebrar a
bicicleta. - Covarde!", o sr. Durázio disse. "Covarde, eu?, o papai gritou,
você vai ver!" O papai pegou a bicicleta e saiu para a calçada. O sr. Durázio
e eu fomos atrás dele. Eu já estava começando a ficar cheio e também eu
ainda não tinha nem sentado na bicicleta! "Pronto, o papai falou, cada um dá
uma volta no quarteirão e a gente cronometra, quem ganhar é o campeão.
Aliás, para mim é só uma formalidade, pois já sei quem vai ganhar! —
Estou contente por você reconhecer a derrota", o sr. Durázio falou. "E eu, o
que é que eu faço?", eu perguntei. Papai se virou para mim muito surpreso,
parecia até que ele tinha esquecido que eu estava lá. "Você, o papai me
disse, você? Bem, você vai ser o cronometrista. O sr. Durázio vai emprestar
o relógio dele pra você." Mas o sr. Durázio não queria dar o relógio dele
porque ele dizia que criança quebra tudo, então o papai disse pra ele que ele
era um unha-de-fome e o papai me deu o relógio dele que é muito bacana e
que tem um ponteiro grande que anda muito depressa, só que eu preferia a
minha bicicleta.

Papai e o sr. Durázio tiraram a sorte e foi o sr. Durázio quem saiu
primeiro. Como é verdade que ele é bem gordo, a gente quase não via a
bicicleta e as pessoas que passavam na rua davam risada e olhavam para trás
para ver o sr. Durázio. Ele não andava muito depressa e depois ele virou a
esquina e desapareceu. Quando ele apareceu do outro lado, o sr. Durázio
estava todo vermelho, com a língua para fora e estava fazendo uma porção
de ziguezagues. "Quanto?", ele perguntou quando chegou na minha frente.
"Nove minutos e o ponteiro grande entre o cinco e o seis", eu respondi. O
papai começou a dar risada. "Bom, meu velho, ele disse, com você a Volta
da França ia durar uns seis meses! - Em vez de ficar aí com piadinhas
infantis, respondeu o sr. Durázio, que tinha muita dificuldade para respirar,
tenta fazer melhor!" Papai pegou a bicicleta e foi embora.
A gente ficou esperando, o sr. Durázio que estava recuperando a
respiração, e eu, que olhava o relógio. É claro que eu queria que o papai
ganhasse, mas o relógio andava e a gente viu nove minutos e depois, logo
depois, dez minutos. "Ganhei! Eu sou o campeão!", gritou o sr. Durázio.

Quando fez quinze minutos a gente continuava sem ver o papai. "E
estranho, o sr. Durázio disse, a gente devia ir ver o que aconteceu." E aí a
gente viu o papai chegar. Ele vinha a pé. Estava com a calça rasgada, estava
com o lenço dele no nariz e segurava a bicicleta na mão. A bicicleta estava
com o guidão de lado, a roda toda torta e o farol quebrado. "Bati numa lata
de lixo", ele disse.
No dia seguinte, eu falei com o Clotário no recreio. Ele me disse que
aconteceu quase a mesma coisa com a primeira bicicleta dele.
"O que é que você quer, o Clotário disse, os pais são sempre iguais, eles
fazem palhaçada e se a gente não presta atenção eles quebram as bicicletas e
se machucam."
Estou doente

Ontem eu estava me sentindo muito bem, a prova é que eu comi um


montão de caramelos, de bombons, de doces, de batata frita e de sorvete, e,
de noite, não sei por quê, fiquei doente.
O médico veio hoje de manhã. Quando ele entrou no meu quarto eu
chorei, mas foi mais por hábito, porque eu conheço muito bem o médico e
ele é muito bonzinho. E depois eu gosto quando ele põe a cabeça no meu
peito, porque ele é completamente careca e eu vejo a cabeça dele brilhando
bem embaixo do meu nariz, e é engraçado. O médico não ficou muito
tempo, ele me deu um tapinha no rosto e disse para a mamãe: "Ele vai fazer
uma dieta e o mais importante é ele ficar deitado, em repouso." E foi
embora.
A mamãe disse: "Você ouviu o que o doutor falou. Espero que você seja
obediente e bem-comportado." Eu disse para a mamãe que ela podia ficar
sossegada. É verdade, eu gosto muito da mamãe e obedeço sempre a ela. É
melhor, porque senão complica.
Peguei um livro e comecei a ler. Era legal, com figuras por todos os
lados e falava de um ursinho que se perdia na floresta onde havia caçadores.
Eu prefiro as histórias de caubóis, mas a tia Pulquéria em todos os meus
aniversários me dá livros cheios de ursinhos, coelhinhos, gatinhos e todos os
tipos de bichinhos. A tia Pulquéria deve gostar muito disso.
Eu estava lendo o pedaço onde o lobo malvado ia comer o ursinho
quando a mamãe entrou seguida do Alceu. Alceu é meu amigo, aquele que é
bem gordo e que come o tempo todo. "Nicolau, seu amiguinho Alceu veio te
visitar, a mamãe falou, viu como ele é gentil? — Oi, Alceu, eu disse, legal
você ter vindo." Mamãe começou a me dizer que não se devia falar a toda
hora "legal", quando ela viu a caixa que o Alceu trazia embaixo do braço.
"O que você está trazendo aí, Alceu?", ela perguntou. "Chocolates", o Alceu
respondeu. Então a mamãe disse para o Alceu que ele era muito gentil mas
que ela não queria que ele me desse os chocolates porque eu estava de dieta.
Alceu disse para a mamãe que ele não estava pensando em me dar os
chocolates, que ele tinha trazido para ele mesmo comer, e que se eu quisesse
chocolate eu que fosse comprar, ora essa. Mamãe olhou para o Alceu um
pouco espantada, deu um suspiro e depois ela saiu dizendo para a gente se
comportar. O Alceu se sentou na beirada da minha cama e ficou me olhando
sem dizer nada, comendo os chocolates. Foi me dando uma vontade danada.
"Alceu, eu disse, me dá um chocolate? — Você não está doente?", o Alceu
me respondeu. "Alceu, você não é legal", eu disse. O Alceu me disse que a
gente não devia falar "legal" e enfiou dois chocolates na boca, e então nós
brigamos.
Mamãe veio correndo e ela estava brava. Ela separou a gente, brigou
com a gente e depois ela disse para o Alceu ir embora. Eu achei chato ver o
Alceu ir embora porque a gente es tava se divertindo bastante mas eu vi que
era melhor não discutir com a mamãe, ela não estava nem um pouco com
cara de brincadeira. Alceu me deu a mão, me disse até logo e foi embora. Eu
gosto um bocado do Alceu, é um amigão.

Quando a mamãe olhou a minha cama, começou a gritar. É verdade que


quando eu e o Alceu brigamos a gente esmagou alguns chocolates nos
lençóis e também tinha chocolate no meu pijama e no meu cabelo. Mamãe
disse que eu era insuportável e trocou os lençóis, me levou para o banheiro e
me esfregou com uma esponja e água-de-colônia e me pôs um pijama limpo,
o azul listrado. Depois ela me colocou na cama e me disse para não
perturbar mais. Fiquei sozinho e comecei de novo a ler o meu livro, o do
ursinho. O lobo malvado não pegou o ursinho porque um caçador deu uma
surra no lobo, mas agora era um leão que queria comer o ursinho e o ursinho
não via o leão porque ele estava comendo mel. Tudo isso estava me dando
cada vez mais fome. Pensei em chamar a mamãe, mas não quis levar uma
bronca, ela tinha dito que era para eu não incomodar mais, então eu me
levantei para ir ver se tinha alguma coisa gostosa na geladeira.
Tinha uma porção de coisas gostosas na geladeira. Em casa a gente come
muito bem. Coloquei nos meus braços uma coxa de frango, é gostoso
gelado, bolo de creme e uma garrafa de leite. "Nicolau", escutei atrás de
mim. Levei um susto muito grande e deixei cair tudo. Era a mamãe que
tinha entrado na cozinha e que com certeza não esperava me encontrar ali.
Chorei, por via das dúvidas, porque a mamãe estava com uma cara brava
demais. Então a mamãe não me disse nada, me levou para o banheiro, me
esfregou com a esponja e a água-de-colônia e trocou o meu pijama porque o
leite e o bolo de creme tinham feito a maior sujeira no outro pijama. Mamãe
me pôs o pijama vermelho xadrez e me mandou deitar depressa porque ela
ainda tinha que limpar a cozinha.

Quando voltei para a cama eu não quis recomeçar a ler o livro do


ursinho que todo o mundo queria comer. Já estava cheio desse tipo de urso
que me fazia fazer bobagem. Mas era muito chato ficar assim, sem fazer
nada, então resolvi desenhar. Fui buscar tudo o que eu precisava na
escrivaninha do papai. Eu não queria pegar aquelas folhas de papel branco
lindas que tinham o nome do papai escrito com letras brilhantes no canto
porque eu ia levar uma bronca, e para ninguém brigar comigo eu preferi
pegar os papéis onde já tinha alguma coisa escrita de um lado e que com
certeza não serviam mais pra nada. Peguei também a caneta velha do papai,
aquela que não risca mais nada. Voltei bem depressa para o quarto e me
deitei. Comecei a desenhar cada coisa incrível: navios de guerra que
lutavam com tiros de canhão contra aviões que explodiam no céu, fortalezas
com uma porção de gente que atacava e uma porção de gente que jogava um
montão de coisas na cabeça deles para impedir que eles atacassem. Como eu
estava quieto, dali a pouco a mamãe veio ver o que estava acontecendo. Ela
começou a gritar de novo. Está certo que a caneta do papai vaza um pouco
de tinta, aliás, é por isso que o papai não a usa mais. É muito prático para
desenhar explosões, mas eu estava com tinta por todos os lados e também
tinha tinta nos lençóis e na colcha. Mamãe estava brava e ela também não
gostou dos papéis onde eu tinha desenhado porque parece que o que estava
escrito do outro lado do desenho eram coisas importantes para o papai.

Mamãe me fez levantar, trocou os lençóis da cama, me levou para o


banheiro, me esfregou com uma pedra pome, a esponja e o que tinha
sobrado no fundo do vidro de água-de-colônia e ela me pôs uma camisa
velha do papai em vez de pijama porque pijama limpo eu não tinha mais
nenhum.
De tarde o médico veio encostar de novo a careca no meu peito, eu
mostrei a língua pra ele, ele me deu um tapinha no rosto e me disse que eu já
estava bom e que podia me levantar.
Mas nós não estamos mesmo com sorte hoje, lá em casa, com doença. O
doutor achou que a mamãe não estava com uma cara muito boa e disse para
ela se deitar e fazer dieta.
Foi muito divertido

Aloje a tarde quando eu ia para a escola encontrei o Alceu, que me disse:


"E se a gente não fosse à escola?" Eu disse para ele que não era legal não ir
à escola, que a professora ia ficar zangada, que o papai me disse que se a
gente queria conseguir alguma coisa na vida e ser aviador tinha que estudar,
que ia deixar a mamãe muito triste e que não era bonito mentir. Alceu disse
pra mim que hoje a tarde ia ter matemática e então eu disse "tá" e a gente
não foi a escola.
Em vez de ir na direção da escola, nós saímos correndo para o outro
lado. O Alceu começou a respirar alto e ele não conseguia me acompanhar.
Não sei se já disse que o Alceu é um gordo que come o tempo todo, então, é
claro, isso atrapalha ele pra correr, principalmente porque eu sou muito bom
nos quarenta metros que é o comprimento do pátio da escola. "Depressa,
Alceu", eu disse. "Eu não agüento mais", o Alceu me respondeu, ele fez uma
porção de "puf-puf" e depois parou. Então eu disse pra ele que era melhor
não ficar ali porque senão os nossos pais e as nossas mães podiam ver a
gente e não deixar a gente comer sobremesa e depois tinha os inspetores da
escola e eles iam nos levar para a solitária e só davam pão e água para a
gente comer. Quando o Alceu ouviu isso, ficou cheio de coragem e começou
a correr tão depressa que eu não conseguia alcançar ele.

Fomos parar bem longe, bem depois do armazém do sr. Compani, que é
muito bonzinho e é lá que a mamãe compra geléia de morango que é legal
porque não tem semente, não é como de abricó. "Aqui a gente está
sossegado", o Alceu disse e tirou umas bolachas do bolso e começou a
comer, porque ele me disse que correr assim logo depois do almoço deixou
ele com fome.
"Você teve uma boa idéia, Alceu, eu disse, quando penso nos outros que
estão lá na escola fazendo matemática, fico com vontade de dar risada!" "Eu
também", o Alceu falou e nós demos muita risada. Quando a gente acabou
de dar risada, perguntei para o Alceu o que é que a gente ia fazer. "Sei lá,
ora, o Alceu falou, a gente podia ir ao cinema." Também era uma idéia
muito boa, mas a gente não tinha dinheiro. Nos nossos bolsos encontramos
barbante, bolinhas de gude, dois elásticos e migalhas. As migalhas a gente
não guardou de novo porque elas estavam nos bolsos do Alceu e ele comeu.
"Não faz mal, eu disse, mesmo sem cinema, os outros bem que gostariam de
estar aqui com a gente! — E, o Alceu disse, eu não estava mesmo com tanta
vontade de ver A Vingança do Xerife — É mesmo, eu disse, é só um filme
de caubóis." E a gente passou em frente do cinema para ver os cartazes.
Também tinha um desenho animado.
"E se a gente fosse até a praça, eu disse, a gente podia fazer uma bola de
papel e treinar um pouco." O Alceu disse que a idéia não era ruim mas que
na praça tinha o guarda, e que se ele visse a gente ia perguntar por que é que
a gente não estava na escola e ele ia levar a gente para a solitária e ia fazer
aquela do pão e água. Só de pensar nisso o Alceu ficou com fome e tirou um
sanduíche de queijo da mala. Nós continuamos andando na rua e quando o
Alceu acabou o sanduíche ele me disse: "Lá na escola, os outros não estão
se divertindo! — É mesmo, eu disse, e depois, de qualquer modo, é tarde
demais para ir, a gente ia ficar de castigo."
Ficamos olhando as vitrines. O Alceu me explicou a vitrine da mercearia
e depois fizemos caretas na vitrine da perfumaria onde tem espelhos, mas
fomos embora porque percebemos que as pessoas dentro das lojas olhavam
para nós e pareciam espantadas. Na vitrine da relojoaria vimos a hora e
ainda era muito cedo. "Legal, eu disse, ainda temos tempo para brincar antes
de voltar para casa." Como a gente estava cansado de andar, o Alceu me
perguntou o que eu achava de ir até o terreno baldio, lá não tem ninguém e a
gente pode sentar no chão. O terreno baldio é muito legal e a gente começou
a brincar de atirar pedras nas latas de conserva. Depois, a gente começou a
ficar cheio das pedras e então a gente se sentou e o Alceu começou a comer
um sanduíche de presunto, o último da mala. "Na escola, o Alceu falou, eles
devem estar bem no meio dos problemas. — Não, eu disse, a esta hora eles
devem estar no recreio. — E daí, o Alceu perguntou, você acha o recreio
divertido? — Bah!", eu respondi e comecei a chorar. É verdade, pô, afinal
de contas não tinha graça nenhuma estar ali, sozinhos, e não poder fazer
nada e ser obrigado a se esconder e eu tinha razão de querer ir a escola,
mesmo com os problemas, e se não tivesse encontrado o Alceu agora eu
estaria no recreio e estaria jogando bolinha e brincando de polícia e ladrão e
eu sou ótimo nas bolinhas. "O que foi que te deu pra chorar desse jeito?", o
Alceu me perguntou. "A culpa é tua, por tua causa eu não posso brincar de
polícia e ladrão", eu disse. O Alceu não gostou. "Eu não pedi pra você vir
comigo, ele disse, e, além disso, se você não tivesse vindo comigo, eu teria
ido para a escola; é tudo culpa tua! — Ah, é?", eu disse para o Alceu como o
papai diz para o sr. Durázio, que é um vizinho que gosta de amolar o papai.
"É", o Alceu respondeu que nem o sr. Durázio responde para o papai e a
gente brigou, que nem o papai com o sr. Durázio.

Quando a gente acabou de brigar, começou a chover, então a gente saiu


correndo do terreno baldio porque não tinha onde ficar para não se molhar e
a mamãe me disse que ela não quer que eu fique na chuva e eu quase nunca
desobedeço a mamãe.
Alceu e eu fomos nos encostar na vitrine da relojoaria. Estava chovendo
muito e a gente estava sozinho na rua, não era nada engraçado. Esperamos
assim até a hora de voltar para casa.
Quando cheguei em casa, mamãe me disse que eu estava pálido e com
cara de cansado e que se eu quisesse podia ficar em casa no dia seguinte e
não ir para a escola, mas eu recusei e a mamãe ficou muito espantada.
É que amanhã, quando eu e o Alceu formos contar para eles como a
gente se divertiu, os colegas da gente vão morrer de inveja!
Fui visitar o Agnaldo

Eu queria sair para brincar com os meus colegas mas a mamãe disse que
não, que nem pensar, que ela não gostava muito dos meninos com quem eu
andava, que sempre que a gente estava junto só fazia bobagem e que eu
tinha sido convidado para tomar lanche na casa do Agnaldo, que ele sim é
que era bonzinho e bem-educado e que eu devia seguir o exemplo dele.
Eu não tinha muita vontade de ir tomar lanche na casa do Agnaldo nem
de seguir o exemplo dele. O Agnaldo é o primeiro da classe, o queridinho da
professora, ele não é um colega legal mas a gente não bate muito nele
porque ele usa óculos. Por mim eu preferia ir a piscina com o Alceu, o
Godofredo, o Eudes e os outros, mas não tinha jeito, a mamãe não estava
pra brincadeira e, de qualquer modo, eu sempre obedeço a minha mamãe,
principalmente quando ela não está pra brincadeira.
Mamãe me fez tomar banho, me pentear, mandou eu pôr o terno azul-
marinho, aquele que tem pregas na calça, a camisa branca de seda e a
gravata de bolinhas. Eu estava com a mesma roupa do casamento da minha
prima Elvira, aquele dia que eu fiquei doente depois do almoço.
"Não faz essa cara, a mamãe falou, você vai se divertir bastante com o
Agnaldo!", e depois nós saímos. Eu tinha medo principalmente de encontrar
os meus colegas. Se eles me vissem vestido daquele jeito iam zombar de
mim!
Foi a mãe do Agnaldo que abriu a porta. "Como ele é engraçadinho!",
ela disse, ela me beijou e depois chamou o Agnaldo: "Agnaldo! Vem
depressa! Teu amiguinho Nicolau chegou!" O Agnaldo veio, ele também
estava com uma roupa ridícula, uma calça de veludo, meias brancas e umas
sandálias pretas esquisitas que brilhavam muito. A gente parecia duas
marionetes, ele e eu.
O Agnaldo não parecia muito contente de me ver, ele me estendeu a mão
que estava toda mole. "Está entregue, a mamãe disse, espero que ele não
faça muita bobagem, às seis horas eu passo para pegá-lo." A mãe do
Agnaldo disse que ela tinha certeza de que a gente ia se divertir bastante e
de que eu ia me comportar muito bem. A mamãe foi embora depois de me
olhar como se ela estivesse um pouco preocupada.
A gente tomou lanche. Foi legal, tinha chocolate, geléia, bolos, torradas
e a gente não pôs os cotovelos em cima da mesa. Depois a mãe do Agnaldo
disse para a gente ir brincar direitinho no quarto do Agnaldo.
Quando a gente estava no quarto, o Agnaldo começou a me avisar que
não era para eu bater nele porque ele tinha óculos e ele ia começar a gritar e
a mãe dele ia mandar me prender. Eu disse para ele que eu bem que estava
com vontade de bater nele, mas que eu não ia fazer isso porque eu tinha
prometido para a minha mãe que ia ficar bem-comportado. Isso parece que
deixou o Agnaldo contente e ele disse que a gente ia brincar. Ele começou a
tirar um monte de livros, de geografia, de ciências, de matemática, e ele
disse que a gente podia ler e fazer problemas para passar o tempo. Ele me
disse que tinha uns problemas legais com torneiras que correm numa
banheira destampada e que esvazia ao mesmo tempo que enche.
Era uma boa idéia e eu perguntei para o Agnaldo se eu podia ver a
banheira, que a gente podia se divertir. O Agnaldo me olhou, tirou os óculos,
pensou um pouco e depois disse para eu ir com ele.
No banheiro, tinha uma banheira grande e eu disse para o Agnaldo que a
gente podia encher e brincar de barquinho. Ele me disse que nunca tinha
pensado nisso, mas que não era má idéia. A banheira se encheu logo, até a
borda, porque a gente tinha tapado o ralo dela. Mas aí o Agnaldo estava
muito chateado porque ele não tinha barcos para brincar. Ele me explicou
que não tinha muitos brinquedos, que ele tinha principalmente livros. Ainda
bem que eu sei fazer barcos de papel e nós pegamos as páginas do livro de
matemática. É claro que a gente tomou cuidado, para depois o Agnaldo
poder colar de novo as páginas no livro dele, porque é muito feio fazer mal a
um livro, uma árvore ou um bicho.
Foi muito divertido. O Agnaldo fazia as ondas pondo o braço dentro da
água. Foi uma pena ele não ter arregaçado a manga da camisa e não ter
tirado o relógio de pulso que ele ganhou na última prova de história quando
foi o primeiro e que agora marca quatro horas e vinte e não anda mais.
Depois de algum tempo, não sei quanto, porque o relógio não andava mais,
a gente se encheu, e também já tinha água por todo o lado e a gente não quis
fazer muito estrago principalmente porque o chão estava cheio de lama e as
sandálias do Agnaldo brilhavam menos do que antes.

Voltamos para o quarto do Agnaldo e aí ele me mostrou o mapa-múndi.


É uma bola grande de metal onde pintaram os mares e as terras. O Agnaldo
me explicou que aquilo era para aprender geografia e onde ficavam os
países. Isso eu já sabia, na escola tem um mapa-múndi desses e a professora
mostrou pra nós como é que funciona. O Agnaldo me disse que a gente
podia desaparafusar o mapa-múndi e então ele ficava parecido com uma
bola grande. Acho que fui eu que tive a idéia de brincar com ele, e não foi
uma idéia muito boa. A gente estava brincando de jogar o mapa-múndi um
no outro mas o Agnaldo tinha tirado os óculos para não quebrar e sem os
óculos ele não enxerga bem, então ele deixou passar o mapa-múndi que
bateu com o lado da Austrália no espelho que quebrou. O Agnaldo, que
tinha colocado os óculos para ver o que tinha acontecido, ficou muito
chateado. Nós pusemos o mapa-múndi no lugar e resolvemos tomar cuidado
porque senão as nossas mães podiam ficar zangadas.

Ficamos pensando em outra coisa para fazer e o Agnaldo me disse que o


pai dele tinha dado de presente para ele um jogo de química para estudar
ciências. Ele me mostrou o jogo e era muito legal. Era uma caixa grande,
cheia de tubos, de garrafas redondas esquisitas, de vidrinhos cheios de
coisas de todas as cores e tinha também um fogareiro a álcool. O Agnaldo
me disse que com tudo isso a gente podia fazer experiências muito
instrutivas. O Agnaldo começou a despejar os pozinhos e os líquidos nos
tubos e aquilo mudava de cor, ficava vermelho ou azul e de vez em quando
saía uma fumaça branca. Era superinstrutivo! Eu disse para o Agnaldo que a
gente devia tentar outras experiências mais instrutivas ainda e ele
concordou. Nós pegamos a garrafa maior que havia e pusemos dentro todos
os pozinhos e todos os líquidos, depois a gente pegou o fogareiro a álcool e
pôs a garrafa para esquentar. No começo estava legal: começou a fazer
espuma e depois uma fumaça bem preta. O que era chato era que a fumaça
cheirava muito mal e sujava tudo. A gente teve que parar a experiência
quando a garrafa estourou.
O Agnaldo começou a chorar que ele não enxergava mais, mas ainda
bem que era só porque as lentes dos óculos dele estavam todas pretas,
enquanto ele limpava os óculos eu abri a janela porque a fumaça fazia a
gente tossir. A espuma fazia uns barulhos esquisitos no tapete, como a água
quando ferve, as paredes estavam todas pretas e a gente não estava muito
limpo.
E então a mãe do Agnaldo entrou. Ela ficou um pouquinho de tempo
sem dizer nada, abriu os olhos e a boca e depois começou a gritar, ela tirou
os óculos do Agnaldo e deu um tapa nele, depois ela pegou a gente pela mão
para levar para o banheiro para nos lavar. Quando a mãe do Agnaldo viu o
banheiro, aí é que ela não gostou nada.
O Agnaldo segurava os óculos bem firme porque ele não queria levar
outro tapa. Então a mãe do Agnaldo saiu correndo e dizendo para mim que
ela ia telefonar para a minha mãe para ela vir me buscar imediatamente e
que ela nunca tinha visto coisa igual e que era absolutamente incrível.
A mamãe veio me buscar depressa e eu estava muito contente porque eu
já estava começando a não me divertir na casa do Agnaldo, principalmente
com a mãe dele que parecia muito nervosa. Mamãe me levou de volta para
casa e me dizia o tempo todo que eu podia ficar orgulhoso e que esta noite
eu não ia ter sobremesa. É verdade que era justo porque a gente tinha feito
mesmo uma porção de bobagens. Em resumo, a mamãe tinha razão, como
sempre: eu me diverti um bocado com o Agnaldo. Por mim eu gostaria de ir
outra vez a casa do Agnaldo, mas agora parece que é a mãe dele que não
quer mais que ele ande comigo.
Eu gostaria pelo menos que as mães soubessem de uma vez por todas o
que é que elas querem, a gente não sabe mais com quem andar!
O sr. Bordenave não gosta de sol
Eu não entendo por que o sr. Bordenave diz que não gosta quando faz
dia bonito. É verdade, a chuva não é legal. É claro que a gente também pode
se divertir quando chove. A gente pode andar na enxurrada, pode levantar a
cabeça e abrir a boca para engolir um montão de gotas de água e em casa é
gostoso porque está quentinho, a gente brinca com o trem elétrico e a
mamãe faz chocolate com bolo. Mas quando chove a gente não tem recreio
na escola porque eles não deixam a gente descer para o pátio. E por isso que
eu não entendo o sr. Bordenave, ele também aproveita o bom tempo, é ele
que toma conta da gente no recreio.
Hoje, por exemplo, fez um dia lindo, com uma porção de sol e nós
tivemos um recreio superlegal, ainda mais que fazia três dias que chovia o
tempo todo e a gente teve que ficar na classe. Chegamos no pátio em fila,
como para todo recreio, e o sr. Bordenave disse "Fora de forma" e a gente
começou a rir e a se divertir. "Vamos brincar de polícia e ladrão!", gritou o
Rufino que tem o pai que é da polícia. "Não enche, o Eudes falou, vamos
jogar futebol." E eles brigaram. O Eudes é muito forte e adora dar socos nos
narizes dos colegas, como o Rufino é um colega o Eudes deu um soco no
nariz dele. O Rufino não esperava, então ele recuou e deu uma trombada no
Alceu que estava comendo um sanduíche com geléia e o sanduíche caiu no
chão e o Alceu começou a gritar. O sr. Bordenave veio correndo, separou o
Eudes e o Rufino e pôs os dois de castigo.
"E o meu sanduíche, o Alceu perguntou, quem é que vai me devolver?
— Você quer ficar de castigo também?", o sr. Bordenave respondeu. "Não,
eu quero o meu sanduíche com geléia", o Alceu disse. O sr. Bordenave ficou
todo vermelho e começou a assoprar pelo nariz, como quando ele fica muito
bravo, mas ele não pôde continuar a falar com o Alceu porque o
Maximiliano e o Joaquim estavam se esmurrando. "Dá a minha bolinha,
você roubou!", o Joaquim gritava e puxava a gravata do Maximiliano, e o
Maximiliano dava socos no Joaquim. "O que está acontecendo aqui?", o sr.
Bordenave perguntou. "É o Joaquim que não gosta de perder, é por isso que
ele grita, se o senhor quiser eu posso dar um soco no nariz dele", falou o
Eudes, que tinha chegado perto para ver. O sr. Bordenave olhou para o
Eudes muito espantado: "Eu pensei que você estivesse de castigo", ele disse.
"Ah, é mesmo, estou sim", o Eudes falou e voltou para o castigo enquanto o
Maximiliano ficava todo vermelho porque o Joaquim não largava a gravata
dele e o sr. Bordenave mandou os dois para o castigo, junto com os outros.
"E o meu sanduíche com geléia?", o Alceu que estava comendo um
sanduíche com geléia perguntou. "Mas você está comendo um!", disse o sr.
Bordenave. "Isso não é motivo, o Alceu gritou, eu trago quatro sanduíches
para o recreio e vou comer quatro sanduíches!" O sr. Bordenave não teve
tempo de ficar bravo porque recebeu uma bolada na cabeça, pof! "Quem foi
que fez isso?", o sr. Bordenave gritou enquanto segurava a cabeça. "Foi o
Nicolau, senhor, eu vi!", o Agnaldo falou. O Agnaldo é o primeiro da classe
e o queridinho da professora, a gente não gosta muito dele, é um traidor
sujo, mas ele usa óculos e a gente não pode bater nele o tempo todo, como a
gente gostaria. "Traidor nojento, eu gritei, se você não estivesse de óculos
eu te atirava uma também!" O Agnaldo começou a chorar dizendo que ele
era muito infeliz e que ele ia se matar e depois ele rolou pelo chão. O sr.
Bordenave me perguntou se era verdade que tinha sido eu quem tinha
jogado a bola e eu disse que sim, que a gente estava jogando queimada e eu
não acertei o Clotário e que não era culpa minha porque eu não tinha
vontade de acertar o sr. Bordenave. "Eu não quero que vocês joguem esses
jogos violentos! Vou tirar a bola de vocês! E você, para o castigo!", o sr.
Bordenave me disse. Eu disse pra ele que era muitíssimo injusto, o Agnaldo
então fez "bem feito, gostei, bem feito" e estava todo contente e foi embora
com o livro dele. O Agnaldo não brinca no recreio, ele leva um livro e fica
recordando as lições. Esse Agnaldo é louco!
"Como é, como é que a gente vai fazer com o sanduíche com geléia?, o
Alceu perguntou. Já estou no meu terceiro sanduíche, o recreio vai acabar e
me falta um sanduíche, estou avisando!" O sr. Bordenave ia começar a
responder para ele, mas não pôde e é uma pena, porque parece que era
interessante o que ele ia dizer para o Alceu. Ele não pôde porque o Agnaldo
estava no chão e soltava cada grito terrível. "O que foi agora?", o sr.
Bordenave perguntou. "Foi o Godofredo! Ele me empurrou! Meus óculos!
Estou morrendo!”, disse o Agnaldo que falava como num filme que eu vi e
que tinha gente que estava num submarino que não podia subir para a
superfície e as pessoas se salvaram mas o submarino se acabou. "Mas não,
sr. Bordenave, não foi o Godofredo, o Agnaldo caiu sozinho, ele não se
agüenta em pé”, o Eudes falou. "O que é que você tem com isso?, o
Godofredo perguntou, ninguém pediu a tua opinião, quem empurrou ele fui
eu, e daí?” O sr. Bordenave começou a gritar para o Eudes voltar para o
castigo e disse para o Godofredo ir com ele. E depois ele agarrou o Agnaldo
que sangrava pelo nariz e levou ele para a enfermaria, seguido pelo Alceu
que falava do sanduíche com geléia.
Nós resolvemos jogar futebol. O único problema é que os grandes já
estavam jogando futebol no pátio e a gente nem sempre se entende muito
bem com os grandes e a gente briga quase sempre... Aí então, no pátio, as
duas bolas e as duas partidas de futebol que se misturavam, só podia
acontecer aquilo mesmo. "Larga essa bola, pivetinho sujo, um grande disse
para o Rufino, ela é nossa! - É mentira!”, o Rufino gritou, e era verdade que
era mentira, e um grande fez um gol com a bola dos pequenos e o grande
deu um tapa no Rufino e o Rufino deu um pontapé na perna do grande. As
brigas com os grandes são sempre assim, eles dão tapas na gente e nós
damos pontapés nas pernas deles. Agora a gente estava dando tudo e todo o
mundo brigava e era uma barulheira terrível. E apesar do barulho deu para
ouvir o grito do sr. Bordenave que voltava da enfermaria com o Agnaldo e o
Alceu. "Veja, o Agnaldo disse, eles não estão mais no castigo!” O sr.
Bordenave parecia zangado mesmo e ele veio correndo na nossa direção,
mas não chegou porque escorregou no sanduíche de geléia do Alceu e caiu.
"Muito bem, o Alceu falou, agora sim, pisa em cima do meu sanduíche de
geléia, pisa!”
O sr. Bordenave se levantou e começou a esfregar a calça e sujou toda a
mão de geléia. A gente tinha começado a brigar de novo e foi um recreio
superlegal, mas o sr. Bordenave olhou para o relógio e foi mancando tocar o
sinal.
Enquanto a gente formava fila, o Sopa chegou. O Sopa é outro inspetor
de alunos que a gente chama assim porque ele diz sempre: "Olhem nos meus
olhos”, e como na sopa tem olhos a gente chama ele de Sopa. Os grandes
que inventaram isso.
"Como é, meu velho, o Sopa falou para o sr. Bordenave, correu tudo
bem? - Como sempre, o sr. Bordenave respondeu, eu rezo para chover e
quando eu me levanto de manhã e vejo que o dia está bom fico
desesperado!”
Não, eu não consigo entender mesmo o sr. Bordenave quando ele diz que
não gosta do sol!
Fugi de casa

Fui embora de casa! Eu estava brincando na sala e estava bem-


comportado e depois, só porque eu derrubei o vidro de tinta no tapete novo,
a mamãe veio e brigou comigo. Então eu comecei a chorar e disse para ela
que eu ia embora e que eles iam sentir muito a minha falta e a mamãe disse:
"Com tudo isso já está ficando tarde, preciso fazer compras", e ela saiu.
Subi para o meu quarto para pegar as coisas que eu vou precisar para ir
embora de casa. Peguei minha mala da escola e coloquei dentro o carrinho
vermelho que a tia Eulógia me deu, a locomotiva do trenzinho com corda de
elástico, com o vagão de carga, o único que sobrou, os outros vagões
quebraram, e um pedaço de chocolate que eu tinha guardado do lanche,
peguei o meu cofrinho, a gente nunca sabe, de repente eu posso precisar de
dinheiro, e fui embora.
Foi uma sorte a mamãe não estar lá, com certeza ela não ia me deixar
fugir de casa. Quando cheguei na rua comecei a correr. A mamãe e o papai
vão ficar muito tristes, eu vou voltar mais tarde quando eles forem bem
velhos, como a vovó, e eu vou ser rico, vou ter um avião grande, um carrão
e um tapete só para mim, onde eu vou poder derramar tinta e eles vão ficar
muito contentes de me ver de novo.

Assim, correndo, eu cheguei na casa do Alceu. O Alceu é meu amigo,


aquele que é muito gordo e que come o tempo todo, acho até que já contei
pra vocês. O Alceu estava sentado na frente da porta da casa dele, e estava
comendo panetone. "Onde é que você vai?", o Alceu me perguntou e
mordeu um pedação do panetone. Expliquei para ele que tinha saído de casa
e perguntei se ele não queria vir comigo. "Quando a gente voltar daqui a um
montão de anos, eu disse pra ele, vamos estar muito ricos, com aviões e
carros e os pais da gente vão ficar tão contentes que nunca mais vão brigar
com a gente." Mas o Alceu não estava com vontade de vir junto. "Você tá é
louco, ele me disse, minha mãe hoje fez chucrute com toicinho e salsichas,
eu não posso ir embora." Então eu disse até logo para o Alceu e ele me
acenou com a mão que estava livre, a outra estava ocupada empurrando o
panetone para dentro da boca.

Virei a esquina e parei um pouco, porque o Alceu tinha me dado fome e


eu comi o meu pedaço de chocolate, isso vai me dar forças para a viagem.
Eu queria ir bem longe, bem longe, onde o papai e a mamãe não me
encontrassem, na China ou em Arcachon, onde nós passamos as férias o ano
passado e é muito longe de casa, tem mar e ostras.
Mas para ir muito longe era preciso comprar um carro ou um avião.
Sentei na beira da calçada e quebrei o meu cofrinho e contei as minhas
moedas. Para o carro e para o avião não dava mesmo, então eu entrei numa
confeitaria e comprei uma bomba de chocolate, que estava mesmo muito
gostosa.
Quando acabei a bomba, resolvi continuar a pé; vai levar mais tempo,
mas já que eu não preciso mesmo mais voltar pra casa nem ir para a escola,
tenho bastante tempo. Eu ainda não tinha pensado na escola e eu pensei que
amanhã a professora na classe vai dizer: "O coitado do Nicolau foi embora
sozinho, sozinho e para muito longe, ele vai voltar muito rico e com um
carro e um avião", e todo o mundo vai falar de mim e ficar preocupado
comigo e o Alceu vai se arrepender de não me ter acompanhado. Vai ser
muito legal.
Continuei andando, mas estava começando a ficar cansado e depois não
dava pra ir muito depressa, é verdade que eu não tenho pernas grandes como
o meu amigo Maximiliano, mas eu não posso pedir para o Maximiliano me
emprestar as pernas dele. Isso me deu uma idéia: eu poderia pedir para um
colega me emprestar a bicicleta dele. Eu estava justamente passando na
frente da casa do Clotário. O Clotário tem uma bicicleta bacana, toda
amarela e que brilha muito, o chato é que o Clotário não gosta muito de
emprestar as coisas.
Toquei a campainha da casa do Clotário e foi ele mesmo quem veio
abrir. "Olha só, ele disse, é o Nicolau! O que é que você quer? — Tua
bicicleta", eu disse pra ele, então o Clotário fechou a porta. Toquei de novo
e como o Clotário não abria eu deixei o dedo no botão da campainha.
Escutei a mãe do Clotário dentro da casa gritando: "Clotário, vai abrir essa
porta!", e o Clotário abriu a porta mas ele parecia muito chateado de me ver
ali ainda. "Eu preciso da tua bicicleta, Clotário, eu disse pra ele, eu saí de
casa e o papai e a mamãe vão ficar muito tristes e eu vou voltar daqui a uma
porção de anos e vou ser muito rico com um carro e um avião." O Clotário
me disse para vir falar com ele quando eu voltar, quando eu for muito rico,
aí ele vende a bicicleta dele pra mim. Isso que o Clotário falou não me
ajudava muito, mas aí eu pensei que eu precisava de dinheiro, com dinheiro
eu podia comprar a bicicleta do Clotário. O Clotário gosta muito de
dinheiro.

Fiquei pensando como fazer para arranjar dinheiro. Trabalhar eu não


podia, era quinta-feira. Aí eu pensei que podia vender os brinquedos que eu
tinha trazido na mala: o carrinho da tia Eulógia e a locomotiva com o vagão
de carga, que é o único que sobrou porque os outros vagões estão
quebrados. Do outro lado da rua tinha uma loja de brinquedos e eu pensei
que lá eles podiam se interessar pelo meu carro e pelo meu trem.
Entrei na loja e um moço muito gentil sorriu para mim e me disse: "Você
quer comprar alguma coisa, meu rapaz? Bolinhas de gude? Uma bola?" Eu
disse para ele que eu não queria comprar nada, eu queria era vender
brinquedos e eu abri a mala e coloquei o trem e o carrinho no chão, na frente
do balcão. O moço bonzinho se debruçou, olhou, fez uma cara espantada e
disse: "Mas, meu menino, eu não compro brinquedos, eu os vendo." Então
eu perguntei para ele onde é que ele achava os brinquedos que ele vendia, eu
precisava saber. "Mas, mas, mas, ele me respondeu, eu não os acho, eu os
compro. -Então compra os meus", eu disse para o moço. "Mas, mas, mas,
ele fez de novo, você não compreende, eu os compro, mas não de você, para
você eu vendo, eu compro nas fábricas, e você... Quer dizer..." Ele parou um
pouco e depois disse: "Você compreenderá mais tarde, quando for grande."
Mas o que o moço não sabia é que quando eu for grande eu não vou precisar
de dinheiro porque eu vou ser muito rico e vou ter um carro e um avião.
Comecei a chorar. O moço estava muito atrapalhado, então ele procurou
atrás do balcão e me deu um carrinho e depois ele disse para eu ir porque
estava ficando tarde, que ele precisava fechar a loja e que clientes como eu
eram muito cansativos depois de um dia de trabalho. Saí da loja com o meu
trenzinho e dois carros, supercontente. Era verdade que estava ficando tarde,
começava a ficar escuro e não tinha mais ninguém nas ruas, comecei a
correr. Quando cheguei em casa, a mamãe brigou comigo porque eu estava
atrasado para o jantar. Já que é assim, eu juro: amanhã vou embora de casa.
O papai e a mamãe vão ficar muito tristes e eu só vou voltar daqui a uma
porção de anos, eu vou ficar rico e vou ter um carro e um avião!

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