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Franklin Chang*
1 – Histórico
Dra. Nise da Silveira havia verificado que o índice de reinternação nos hospitais
do Centro Psiquiátrico Pedro II era muito alto – entre 60 e 70% dos doentes retornavam
após um novo surto psicótico.
Ela percebeu que tantas reinternações eram um sinal de que algo estava errado no
tratamento psiquiátrico. Para ela, um destes possíveis erros (entre outros) estaria na saída
do hospital, sem nenhum preparo adequado do indivíduo, quando apenas cessavam os
sintomas mais impressionantes do surto psicótico. Não era tomado em consideração
que “a vivência da experiência psicótica abala as próprias bases da vida psíquica”. - 1
O nome da instituição, Casa das Palmeiras, foi sugerido e aprovado por todos,
pela artista plástica Belah Paes Leme, que teve a inspiração devido a um grupo de balas
palmeiras que ficavam no jardim do casarão.
Com a presença de numerosos amigos, a Casa das Palmeiras foi inaugurada no dia
23 de dezembro de 1956. A primeira diretoria assim constituída:
Anos mais tarde, a Sra. Maria Antonieta Franklin Leal permutou a casa da Rua
Dona Delfina, que se achava em más condições de conservação, por outra casa, na Rua
Sorocaba 800, Botafogo, onde, desde setembro de 1981, está instalada a Casa das
Palmeiras. A Casa das Palmeiras é uma instituição sem fins lucrativos, na qual o principal
método de tratamento é a terapêutica ocupacional aplicada à Psiquiatria e reconhecida de
Utilidade Pública pela lei 376, de 16/10/1963.
2 - Método de tratamento
Não queria que a T.O. fosse vista apenas como um método auxiliar ou subalterno
aos tratamentos “científicos” como o eletrochoque, coma insulínico, psicocirurgia ou o
uso indiscriminado de psicotrópicos.
Negando que a T.O. fosse apenas um sistema para distração dos doentes ou então
de torná-los produtivos na economia hospitalar, Dra. Nise percebeu que a T. O. poderia
ser um autêntico método terapêutico, em que os agentes terapêuticos seriam a pintura,
modelagem, música, trabalhos artesanais etc.
A grande dificuldade é que por ser um método não verbal, ele não se encaixa no
sistema cultural vigente que privilegia a palavra. Como ela escreveu:
Mas mesmo assim, Dra. Nise tentou uma fundamentação teórica para a T. O. nos
escritos de vários médicos e psiquiatras que se dedicavam ao assunto, Kraepelin, Bleuler,
H. Simon, K. Schneider, P. Sivadon, Freud e Jung.
Apesar de pouco sucesso nestes estudos, ela não desistiu a acabou por adotar o
termo “emoção de lidar”, para substituir o então conhecido Terapia Ocupacional. Aquele
termo foi criado por um cliente da Casa das Palmeiras, quando, ao manipular o material
(lã) na criação de um objeto (gato), escreveu:
do mato,
Gato marrom
Agora rapidez
Emoção de Lidar”.
A equipe da Casa das Palmeiras está sempre atenta para observar o que transparece
na face, mãos e gestos do cliente e isto vai ao longo do tempo permitido que o cliente seja
mais bem conhecido, e tenha uma melhor abordagem terapêutica.
2.2) Em Psicologia se costuma dizer que tão o mais importante que o método de
tratamento, é a qualidade do terapeuta que conta. Isto também é válido para o tratamento
psiquiátrico, onde há necessidade do doente de encontrar um ponto de apoio e referência
afetiva.
“Entre o pessoal que tem contato com o doente: médicos, enfermeiros, monitores
de terapêutica ocupacional, há também os catalisadores e os inibidores. Sem dúvida o
mesmo indivíduo poderá funcionar como catalisador para uma pessoa e inibidor para
outra”. - 3
Dra. Nise também experimentou animais como co-terapêutas e verificou que eles
são excelentes catalisadores de afeto. Ela nos conta em seu livro O Mundo das
Imagens como tudo começou, quando foi encontrada no terreno do hospital uma
cadelinha abandonada, faminta. Com ela nas mãos, aproximou-se um interno muito
interessado. Dra. Nise então perguntou se ele aceitava tomar conta dela e após sua
afirmativa, tornou-se responsável pela cachorra.
Devido aos excelentes resultados obtidos, Dra. Nise inicia um trabalho pioneiro
de pesquisa, e mais uma vez é mal interpretada, talvez porque, como ela diz, “o animal é
em nossa cultura um ser irracional” - 5, e nós, os seres humanos, enquanto racionais
julgamo-nos superiores a eles.
- 1 SILVEIRA. Nise da, Emoção de Lidar. p.9, Rio de Janeiro, Alhambra, 1986. - 2
SILVEIRA. Nise da, Imagens do Inconsciente, p. 66. Rio de Janeiro, Alhambra. 1981. -
3. Idem, p. 69 - 4. Idem, p. 80 - 5. SILVEIA. Nise da, O Mundo das Imagens, p. 112,
São Paulo, Ática. 1992.
Franklin Chang *
(Continuação – Quaternio nº 8 /Homenagem a Nise da Silveira. Revista do Grupo de
Estudos C. G. Jung - Obra Científica -p. 25 – Rio de Janeiro, 2001)
Ambos tinham observado que os psiquiatras em geral não tinham interesse no que
o paciente tinha a dizer, mas sim em fazer diagnósticos ou descrever sintomas e em
compilar dados estatísticos. Quer dizer, a personalidade não interessava em nada, ou
muito pouco. C. G. Jung nos conta em suas Memórias, no capítulo sobra Atividades
Psiquiátricas, que Freud se tornou importante para ele devido a suas pesquisas sobre a
psicologia da histeria e os sonhos. Reconhece que “Freud introduziu a Psicologia na
Psiquiatria, embora fosse um neurologista”.6
Jung, assim como a Dra. Nise, reconheceu que em muitos casos a exploração do
material consciente é insuficiente, e que não se poderia entender o simbolismo dos
conteúdos da psicose – delírios, alucinações, pinturas etc. – senão estudando mitologia.
Para ele, os símbolos através dos quais o inconsciente se expressa, seja nos delírios
psicóticos ou em nossos próprios sonhos, são encontrados nos contos de fada, religiões e
outros sistemas coletivos de imaginação e pensamento.
Lembra-nos que nós não somos apenas indivíduos isolados no mundo, que
a “psique não é só um problema pessoal, mas um problema coletivo, mundial, e que o
psiquiatra tem de lidar com o mundo em sua totalidade”.8
O interessante é que Dra. Nise chegou ao mesmo ponto em suas pesquisas, isto é,
de que seria necessário estudar o conteúdo das psicoses para se compreender o que se
passa por dentro do psicótico. Numa conversa pessoal, Jung recomendou a ela que
estudasse mitologia para decifrar a linguagem do inconsciente.
Franklin Chang
. Pintura
. Modelagem
. Xilogravura *
. Colagem
. Papier Maché *
. Salão de Beleza
Nas atividades grupais a participação deve ser livre e espontânea. Aliás, como
todo processo terapêutico da Casa das Palmeiras. São os seguintes:
. Expressão Corporal
. Música
. Contos de fada
. Teatro
. Baile
. Poesia
. Grupo Cultural
. Jornal O Arauto
. Lanche
. Passeios
. Festas
Clube Caralâmpia (Encontro de todos os clientes e a equipe técnica, para
discussão de temas de interesse comum, como festas, passeios etc., mas também criar um
espaço para Críticas e sugestões individuais que possam ser debatidas e votadas por
todos).
Toda produção dos clientes da Casa é assinada, datada e arquivada para estudos e
pesquisa. Estamos no momento criando um espaço na Casa que irá permitir aos clientes
e à equipe, ler estudar e pesquisar em livros de publicações que compõem a nossa
biblioteca.
Podemos afirmar que nestes 44 anos a Casa das Palmeiras cumpre seu papel que
é o de evitar as internações psiquiátricas.
4 – Opiniões dos clientes sobre a Casa das Palmeiras (...2001)
“A Casa das Palmeiras e a Sociedade se juntam. É como se a Casa das Palmeiras fosse
uma casa de vida, ensina a criar e a se expandir melhor. Aqui na Casa das Palmeiras, eu
quero frisar, nós trabalhamos, com prazer. E isso é importante”.
“A Casa das Palmeiras é uma obra de fé. É muito fácil acreditar no homem quando ele
está em pleno gozo de sua saúde, quando ele encontrou felicidade, quando é realizado,
enfim, quando é um homem “cuca legal”, é mito fácil acreditar. Agora, difícil mesmo é
acreditar quando ele está numa situação meio difícil, que a gente não une uma coisa com
outra, então a pessoa acredita em nós assim mesmo. E na nossa situação isto é muito
importante”.
“A Casa das Palmeiras é a parte do resgate do Karma coletivo de grupo. O atual modo de
vida das pessoas onde os bens materiais são mais importantes que o amor e a vida, levam
as pessoas a serem desequilibradas, criando problemas coletivos e individuais. A Casa
das Palmeiras é uma instituição que, em seus mais de 40 anos, criou uma nova ética gente
aos problemas psiquiátricos”.
“Deus tocou no coração da fundadora para que ela fizesse esta caridade. Se não fosse ela,
eu não sei o que seria de mim. Aqui a gente esquece os nossos problemas; é uma das
melhores que tem, porque eu tenho cisma, vozes; elas me confortam; não tem outra igual
a essa”.
“Aqui nos dá coragem, nós somos felizes. Eu tenho agonia, eu venho para cá e fico logo
bem. Que Deus abençoe esta casa. Aqui as pessoas se unem, é uma família”.
“O que eu sinto com relação à Casa das Palmeiras é uma gigantesca, uma enorme
gratidão. Quando eu ingressei na Casa das Palmeiras eu estava mentalmente muito
doente. Eu não sabia como agir para ter uma vida mais ou menos normal e a minha família
não sabia o que fazer para me ajudar."
"Ao ingressar eu aqui, logo senti aceitação mesmo no estado mental em que me
encontrava e senti apoio da Casa este binômio: Casa das palmeiras e consultas regulares
com um psiquiatra lá fora, é o que está dando certo.”
10. SILVEIRA, Nise da, Emoção de Lidar, p.11 Rio de Janeiro - Alhambra, 1986.