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São Paulo
2011
1
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA
São Paulo
2011
2
À Florestan Fernandes,
por ter lutado por uma sociologia que trasncendesse os muros da universidade.
3
Resumo
4
Abstract
The aim of this study is to provide an analysis about the process of trade
liberalization in Brazil. This process, ocurred in early 1990, took placed in the context
of the political crisis with the the transition to democracy and economic crisis arising
from the 1980‘s. Thus, we attempted to examine, from a sociological perspective, this
process that is commonly analyzed only from an economic approach. The goal, then, is
to understand the socio-political arrangement engendered by trade liberalization that,
according to the hypothesis advocated here, is fundamental to build an articulation of a
new hegemonic arrangement in Brazil. Our focus is, therefore, on the correlation of
social forces at that period, both material and ideological terms, seeking to understand
the meaning undertaken by actors involved in this process.
5
Sumário
Resumo ................................................................................................................. 4
Abstract ................................................................................................................. 5
Sumário ................................................................................................................. 6
Agradecimentos .................................................................................................... 8
Introdução ........................................................................................................... 11
Primeira Conjuntura............................................................................................ 44
7
Agradecimentos
8
Gostaria de poder agradecer a todos aqueles que participaram comigo de algum
dos inúmeros grupos de estudos e projetos de pesquisa ou extensão que fiz parte desde a
graduação. Contudo, para não cometer o erro de me esquecer de algum agradeço, em
especial, aos membros do grupo de estudos sobre imperialismo e teorias da dependência,
que teve papel fundamental na construção do objeto deste trabalho e influenciou
fortemente sua perspectiva analítica.
Não posso deixar de agradecer aos inúmeros amigos que fiz ao longo da minha
graduação no curso de Relações Internacionais. Agradeço aos meus colegas de turma,
pelos debates em sala e pelos ótimos e importantes momentos de descontração. Em
especial, gostaria de agradecer ao Luís, ao Vitão, ao Rowing, ao Pedro e ao Maurício,
que me provaram o valor e a força da amizade.
9
Gostaria de poder agradecer a todos os professores com que tive aula em algum
momento e que se esforçaram para transmitir e construir o conhecimento junto com seus
alunos.
À Nádia, por caminhar ao meu lado nos últimos anos – ás vezes me conduzindo
– e por me provar, a cada dia, que a vida pode ter um gosto especial.
Por fim, agradeço de coração à Tania e ao Aroldo, pessoas mais que especiais a
quem devo tudo nessa vida, obrigado pelo privilégio de chamá-los de pais.
10
Introdução
Este estudo tem como objeto central de análise o processo de abertura comercial
da economia brasileira, desenvolvido ao longo do governo Collor. O enfoque que será
dado a este tema, no entanto, acaba por transcender as limitações do próprio objeto que,
por vezes, pode aparentar estar em segundo plano. No entanto, a realização de uma
análise com estas características foi algo que adveio das exigências do próprio objeto e
do olhar que empregamos a ele.
11
uma determinada correlação de forças sociais advinda das disputas entre os grupos e
classes sociais.
Sendo assim, olharemos para o nosso objeto com o intuito de encontrar nele o
início de um processo de mudança política, econômica e social, já que se trata de um
período em que o Brasil vivia uma crise de hegemonia, na qual as classes sociais
estavam se rearticulando de modo a organizarem um novo modelo de desenvolvimento
econômico e um novo posicionamento delas na estrutura hierárquica da sociedade.
Dessa maneira, essa pesquisa deve enxergar a totalidade social concreta dos
fatos em questão, que é constituída a partir da interação dos sujeitos sociais em disputa.
Assim, o resultado de um processo histórico como o que analisaremos neste trabalho
será dado a partir da influência dos diversos atores que têm seus campos de ação
determinados pelo plano estrutural no qual estão inseridos. Deve-se, então, buscar
entender como uma determinada ordem social concreta é constituída a partir das
―conexões de sentido‖ que os sujeitos emprestam a suas ações (Cardoso, 1997).
13
Neste sentido, a questão fundamental que se coloca a qualquer relação social de
caráter histórico, e que servirá de base para a reflexão deste trabalho, é pensar ―a relação
dialética entre o todo e as partes‖, isto é, pensar a articulação complementar e
contraditória entre as diversas partes que compõem um todo orgânico e dessas partes
com esse todo.
1
Bourdieu utiliza o termo ―espaço social‖ diversas ocasiões (como exemplo conferir Bourdieu, 1989;
2007a e 2007b).
2
Referimo-nos, sobretudo, aos defensores dos chamados ―novos movimentos sociais‖ que veem na
cultura a explicação essencial para a mobilização coletiva e a prática política e social dos sujeitos (para
um balanço crítico deste debate conferir Alonso, 2009 e Sallum Jr., 2005).
14
está em jogo a representação do mundo social. Desse modo, Bourdieu descreve o campo
social como ―um espaço multidimensional de posições tal que qualquer posição atual
pode ser definida em função de um sistema multidimensional de coordenadas‖, dentro
do qual os agentes distribuem-se em duas dimensões, a primeira englobando o volume
total do capital possuído e a segunda centrada na composição específica de seu capital
(Bourdieu, 1989: 133-135). Além disso, ele insere uma terceira dimensão no espaço
social: a dimensão temporal, isto é, a ―evolução no tempo dessas duas propriedades‖, é
o que Bourdieu chama de ―trajetória‖ (Bourdieu, 2007a).
Assim, será preciso romper com a divisão estanque, na qual operam alguns
autores, entre estrutura e superestrutura, isto é, entre as dimensões política, intelectual
e cultural, por um lado, e econômica e material, por outro, como afirma Gramsci:
3
É possível aproximar a noção grasmciana de filosofia espontânea da ideia bourdieusiana de doxa. Esta é
definida por Bourdieu como ―conjunto de crenças fundamentais que nem sequer precisam se afirmar sob
a forma de um dogma explícito e consciente de si mesmo.‖ (Bourdieu, 2007b). Usaremos, no entanto, o
conceito de filosofia espontânea neste trabalho, pois acreditamos que ele expressa melhor o que queremos
designar, já que tem um caráter menos acadêmico do que a ideia de doxa.
15
Essa noção de filosofia espontânea traz consigo algo de extrema importância
para os objetivos deste trabalho, já que é a partir deste sistema de crenças muitas vezes
inconsciente que será possível construir uma ideologia dominante. Aquilo que
normalmente é visto como sendo da ordem do ―senso comum‖ toma formas objetivas na
medida em que os todos os membros da sociedade têm as mesmas ―matrizes das
percepções, dos pensamentos e das ações‖4 (Bourdieu, 2002, p. 45).
4
Essa noção serve de base para a ideia bourdieusiana de dominação simbólica, na qual os esquemas de
pensamento aplicados pelos dominantes às relações de poder ―são produto dessas relações de poder [...]
Por conseguinte, seus atos de conhecimento [das classes dominadas – LF] são, exatamente por isso, atos
de reconhecimento prático, de adesão dóxica, crença que não tem que se pensar e se afirmar como tal‖
(Bourdieu, 2002, p, 45).
5
Um bom exemplo de uso da filosofia espontânea para favorecimento político de um grupo ou uma
pessoa encontra-se em O 18 Brumário de Luís Bonaparte. No quadro descrito por Marx, que
evidentemente não usa os termos que usamos aqui, Luís Bonaparte se aproveita da ‖tradição histórica‖
que ―originou nos camponeses franceses a crença no milagre de que um homem chamado Napoleão
restituiria a eles toda a glória passada‖ (Marx, 1974, p. 403), para trazer o campesinato para seu lado. Este
imaginário, criado a partir das chamadas idées napoléoniennes, isto é, as idéias napoleônicas que traziam
a confiança e o suporte do campesinato à dinastia Bonaparte conforma, o que denominamos aqui de
filosofia espontânea, na medida em que determinava os pressupostos a partir dos quais era formada a
consciência e a ação do campesinato.
16
ampliado, como apresentamos acima, deve-se buscar o rompimento com a estreiteza de
definições meramente estruturais da classe, pois o efeito de uma leitura estrutural é
―solapar a realidade histórica da classe, negando sua existência exceto como uma
construção puramente teórica imposta sobre a evidência‖. Assim, entender as classes
apenas a partir das relações de produção nas quais estão inseridas e querer, a partir daí,
extrair todas as conseqüências políticas, ideológicas e práticas da inserção dessa classe
na sociedade é um equívoco.
A interpretação que damos a esta passagem aponta que Marx expressa, aqui,
uma paridade causal entre relações de produção, a consciência e a luta na definição de
classe (Katz, 1992). Dessa forma, a definição do conceito de classe ou da ação de uma
classe deve levar em conta que a posição econômica, a cultura, o modo de vida e as
relações estabelecidas com as outras classes são produtos de processos anteriores da
lutas de classes. Para Marx, a determinação objetiva da classe tem uma história que é a
17
história da luta de classes, por isso, a determinação entre ação e estrutura é sempre
recíproca (Katz, 1992).
Desse modo, não se pode tratar as classes como se fossem apenas ―classes no
papel‖, isto é, que possuam apenas ―existência teórica‖, algo apenas ―provável,
enquanto conjunto de agentes que oporá menos obstáculos objetivos às ações de
mobilização do que qualquer outro conjunto de agentes‖ (Bourdieu, 1989, p. 136,
destaques no original). Outros elementos são fundamentais para extrairmos implicações
em termos de ação coletiva das classes.
Segundo Thompson (2001), a classe como categoria histórica pode ter dois
significados diferentes: pode fazer referência a um ―conteúdo histórico correspondente,
empiricamente observável‖, ou pode ser uma ―categoria heurística ou analítica, recurso
para organizar uma evidência histórica cuja correspondência direta é muito mais
escassa‖. Neste último caso, a classe não pode ser separada da noção de luta de classes.
18
estreita relação com a ação da classe no plano político e cultural. No entanto, são raras
as situações históricas nas quais uma classe, ou mesmo um grupo mais restrito que seja
socialmente relevante, age de forma uniforme. Por isso, o que será explorado neste
trabalho serão, por um lado, as determinações estruturais que delimitam o espaço dentro
do qual cada classe poderá agir e, por outro, as opções em termos de ação que cada
grupo exercerá em cada situação histórica concreta.
Desse modo, este trabalho irá se apropriar desta noção de limite presente em
Marx para buscar compreender a ação e a consciência das classes sociais. Partiremos da
idéia de que a ação, o pensamento e a consciência de uma classe possuem um limite que
tem um forte peso histórico-estrutural, mas que oferece também às classes, um campo
de autonomia dentro do qual elas poderão operar. Pensar, então, os limites para além
dos quais uma classe não é capaz de ir é pensar a própria questão da relação entre
estrutura e agencia. Além disso, tendo em vista que esses limites são historicamente
construídos e reconstruídos voltamos a questão central da formação das classes e das
relações estabelecida entre estrutura e superestrutura6.
6
Neste aspecto, é possível, mais uma vez, aproximar ideias caras ao marxismo do pensamento de Pierre
Bourdieu. O sociólogo francês, apesar de buscar contrapor a noção de habitus à ideia de consciência de
classe, definindo-o como um ―sistema de disposições inconscientes que constitui o produto da
interiorização das estruturas objetivas‖ (Bourdieu, 2005, pp. 201-202), abre a possibilidade para se pensar
este conceito como ―um conjunto de disposições de conduta de cada classe em relação às outras que
resulta da incorporação por seus agentes das percepções que têm sobre sua posição relativa no conjunto
das relações de classes‖, como faz Sallum Jr. (2005, p. 28); ou como faz Miceli (2005) que entende o
19
Neste sentido, será refutada a ideia de ―falsa consciência‖, muitas vezes
presentes em estudos marxistas, pois, como defende Thompson, dizer que uma
consciência é verdadeira ou falsa é historicamente sem sentido. ―Ela não pode ser nem
‗verdadeira‘ nem ‗falsa‘. É simplesmente o que é.‖ (Thompson, 2001: 279-80). Trata-se,
portanto, de entender o comportamento de uma classe em seu sentido histórico, em seu
contexto e com suas limitações específicas. A disposição política de um determinado
sujeito histórico deve ser historicamente inteligível, dadas sua experiência, interesses
percebidos e aspirações. Com isso, trazemos à tona a questão central tratada por
Thompson (1987) na clássica obra A Formação da Classe Operária Inglesa, para quem
a classe não pode ser entendida separadamente da sua formação enquanto sujeito
coletivo consciente e que tem como mediador fundamental para essa formação a
experiência subjetiva das estruturas objetivas, isto é, a maneira como os sujeitos sentem
e percebem suas relações de afinidade ou oposição com as demais classes (Thompson,
1987).
Assim, devemos seguir o caminho trilhado por Gramsci, que rompe com a ideia
de ideologia como erro ou ilusão definindo-a como possuindo uma realidade prática e
concreta. Neste sentido, Lears sugere pensarmos a ideologia mais como processo do que
como produto e introduzir em sua análise a dimensão do público a quem ela é dirigida e
para quem ela ganha significado real:
habitus como uma ―recuperação ‗controlada‘ do conceito de consciência de classe‖, que definiria ―os
limites da consciência possível de ser mobilizada pelos grupos e/ou classes, sendo assim responsáveis, em
última instância, pelo campo de sentido em que operam as relações de força.‖ Com isso, é possível trazer
de volta a dimensão consciente, muitas vezes esquecida por Bourdieu, sem perder os aspectos que nem
sempre são perceptíveis do ponto de vista racional, mas que delimitam a ação dos sujeitos.
20
adotarmos o termo aqui defendido, a partir da filosofia espontânea de um grupo, uma
classe ou mesmo uma comunidade política7.
7
O conceito de ―comunidade política‖ é de Max Weber (2004) e traz a vantagem de apontar que o espaço
dentro do qual operam as classes tem suas limitações político-institucionais.
21
é o momento em que uma classe social passa a pleitear uma posição hegemônica na
sociedade8.
Assim, a partir desta ideia de que as classes sociais possuem um limite dentro do
qual operam em cada situação histórica, poderemos buscar compreender como se dá a
formação de coalizões, alianças, aproximações entre as classes, ou para usar um termo
mais adequado, como ocorre a formação de um bloco histórico. Segundo Portelli (1977)
e Buci-Glucksmann (1980), o conceito de bloco histórico vai muito além da mera
aliança de classes, pois traz em si um conteúdo de caráter econômico-social em uma
forma ético-política, que se identificariam concretamente. Isto quer dizer que a noção de
bloco histórico, ao articular a estrutura econômica com a superestrutura político-cultural,
nos permite enxergar as articulações das consciências possíveis das diversas classes
sociais em disputa na luta pela conformação de um determinado modelo de
desenvolvimento econômico e social. É neste ponto que entra a questão central para este
trabalho: a ideia de que as classes sociais estão em constante luta pela formação de um
arranjo hegemônico que as favoreça.
Partindo das análises de Maquiavel, Gramsci busca elaborar uma análise das
relações políticas entre as classes que vá além da mera coerção física, assim, ele
organiza a idéia de hegemonia como uma combinação entre força e consentimento, no
qual o segundo deve ser preponderante.
8
Apesar da aparência mecanicista e etapista, os momentos da consciência de classe descritos por Gramsci
não guardam entre si uma relação de ordem lógica ou cronológica. Eles apenas apontam para questões
que são perceptíveis à consciência da classe em cada situação, não devendo ser entendidos como uma
tentativa de esgotamento das possibilidades de consciência no plano teórico, já que esta tem um caráter
eminentemente histórico e concreto.
9
O principal exemplo de Gramsci como exercício bem-sucedido de hegemonia está no ―Americansimo‖
que combinou ―habilmente a força – a destruição do sindicalismo operário de alcance nacional – com
persuasão – altos salários, benefícios sociais diversos, propaganda ideológica e política muito hábil‖
(Gramsci, 2008).
22
dirigente busca constantemente evitar confrontos com os dominados, quase sempre de
forma bem sucedida, estando a fonte deste sucesso no plano cultural (Lears, 1985).
Nesse sentido, Gramsci entende o bloco histórico hegemônico como tendo uma
perspectiva universalista, na qual a classe fundamental, que exerce a direção sobre as
demais, é obrigada a ceder em alguns aspectos às classes aliadas, sempre respeitando os
limites impostos pelo próprio sistema.
Assim, a hegemonia gramsciana jamais pode ser confundia com controle social
unilateral de cima para baixo, pois a cultura hegemônica é constantemente revitalizada
pela incorporação de temas culturais das classes dominadas, assim como as demandas
materiais das classes dominantes são complementadas pelas demandas das classes
subalternizadas. Dessa forma, uma classe só é hegemônica em uma determinada
sociedade na medida em que faz avançar seu conjunto e isso não apenas de forma
ilusória ou ideológica, mas de forma real e concreta (Buci-Glucksmann, 1980). Para o
exercício bem-sucedido da hegemonia, as demandas das classes dominantes e
dominadas devem confundir-se de modo que pareçam demandas de todo o bloco
histórico, limitando-se assim, as lutas internas ao bloco a ―lutas pela classificação‖10. A
classe dominante deve ser capaz, então, de estabelecer uma ordem competitiva que
universalize – ao menos em termos potenciais – as possibilidades de avanço de todos os
envolvidos na relação de dominação.
10
Pegamos emprestado, mais uma vez, um conceito de Bourdieu (2002 e 2007a), pois acreditamos que
este conceito expressa bem a lógica interna de um bloco histórico em posição hegemônica ao implicar e
impor ―que todos os grupos envolvidos avancem no mesmo sentido, em direção aos mesmos objetivos, ou
seja, às mesmas propriedades, àquelas que lhes são designadas pelo grupo que ocupa a primeira posição
na corrida‖ (Bourdieu, 2007a: 157). Trata-se, em suma, de uma luta integradora e reprodutora da ordem
social vigente.
23
A construção do consenso, seja ativo ou passivo, deve ser, aqui,
entendida como um processo que se desenvolve através de fluxos e
influxos, avanços e retrocessos marcados por transformações nas
relações de força entre as classes e entre estas e suas formas
institucionalizadas (Bianchi, 2001, p. 20).
Dentro deste quadro, o Estado possui uma posição estratégica na articulação das
forças sociais para a formação de um bloco histórico, já que ―a unificação de camadas
sociais diferentes em torno de uma classe dirigente‖ passa, necessariamente, pelo
Estado (Buci-Glucksmann, 1980, p. 355). Neste sentido, Gramsci opera uma ampliação
do Estado para incluir entre suas instituições constituidoras o que ele chama de
―aparelhos de hegemonia‖, núcleo da noção de hegemonia segundo Buci-Glucksmann
(1980). O Estado, para Gramsci, deve ser entendido não como uma coisa, nem como um
mero instrumento de classe, mas como ―a condensação de uma correlação de forças‖
(Buci-Glucksmann, 1980, p. 93)
24
Dentro do que foi aqui exposto, o Estado será compreendido, então, como
operando dentro de um limite imposto pela correlação de forças estabelecida a partir
luta dinâmica das classes sociais. Contudo deve-se ter em mente, ao mesmo tempo, que
o Estado encontra-se em uma posição estratégica capaz de alterar este limite, mesmo
que de maneira lenta e gradual.
***
Dito isso, podemos passar a tratar da apresentação das demais seções deste
trabalho, que estará dividido em quatro partes além desta introdução. A ordem da
exposição que segue buscará compor o quadro da situação histórica analisada a partir
das perspectivas possíveis dos principais sujeitos sociais envolvidos. Nosso intuito,
portanto, não será buscar a identidade destas perspectivas, mas as diferenças na unidade,
que comporão a totalidade social concreta da situação histórica em questão.
11
É importante ressaltar os adjetivos que delimitam as frações de classe em questão. Por um lado,
trataremos apenas da fração industrial da burguesia, já que este é o setor empresarial que esteve mais
diretamente envolvido no processo de abertura comercial. Por outro lado, ao estudarmos apenas o que
denominamos trabalhadores organizados, estamos nos referindo unicamente à fração sindical da classe
trabalhadora, deixando de lado aqueles sujeitos que não estavam articulados no nível institucional, tais
como os setores médios e uma imensa massa de trabalhadores rurais e urbanos.
25
discursos de figuras políticas proeminentes, entre outros. Além disso, foi amplamente
utilizado material jornalístico do período, como revistas e jornais12.
12
A maior parte do material jornalístico consultado encontra-se disponível no Banco de Dados POLI,
disponível para consulta em http://www.cis.org.br, que contém resumos das principais informações
veiculadas pelos jornais O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, O Globo e Gazeta Mercantil, entre
1987 e 1995. As informações extraídas deste banco de dados serão citadas como (POLI, 2005), já que,
pelas características do banco, muitas vezes não é possível identificar a fonte original da informação. Os
editoriais de jornais foram consultados a partir do trabalho de Francisco Fonseca (2005).
13
O fato de a análise ideológica aparecer antes da análise política da relação entre as classes não se deve a
uma perspectiva idealista deste trabalho, mas sim ao fato de entendermos que, mais do que o reflexo
direto das ambições de uma ou outra classe ou fração de classe, as disputas ideológicas são tributáveis da
correlação de forças presente na realidade concreta. Além disso, a apresentação das correntes ideológicas,
num primeiro momento, facilitará didaticamente a exposição dos argumentos defendidos neste trabalho.
26
Composto o quadro político e ideológico que é, ao mesmo tempo, produto e
insumo da luta de classes no período, passaremos à análise da ação e do pensamento das
classes em questão. Assim, o terceiro capítulo tratará do empresariado industrial e de
seu posicionamento perante o processo de abertura comercial. Como foi dito no começo,
a ação do empresariado não terá como parâmetro apenas a liberalização do comércio,
mas sim todo o processo de reformas econômicas pelo qual passava a economia
brasileira, bem como a consolidação da ordem democrática com a eleição direita de um
Presidente da República após mais de vinte anos de um regime político fechado à
participação social. A interpretação dos significados políticos e materiais destas
mudanças serão fundamentais para a atuação deste sujeito social. Assim, as
possibilidades de consciência e ação do empresariado industrial serão ponderadas a
partir da atuação política e ideológica das principais entidades empresariais do período.
O capítulo estará preocupado em compreender tanto como a realidade social pautou o
comportamento destes grupos quanto como este sujeito foi capaz de pautar questões de
seu interesse na conjuntura histórica.
27
Tratar de um tema tão vivo e dinâmico do ponto de vista histórico como é o caso
do processo de abertura comercial do Brasil é, sem dúvida, algo tão estimulante quanto
desafiador. Ao tentar apontar um olhar sociológico para um processo que quase sempre
é visto pela perspectiva econômica, o objetivo deste trabalho foi, além de contribuir
para o entendimento de um processo histórico central para a história recente brasileira,
chamar a atenção para a importância da multiplicidade de pontos de vista que se faz
necessária para a apreensão de um objeto desta natureza.
28
Capítulo 1: A abertura comercial no contexto da crise
de hegemonia brasileira
29
Crise e ruptura: a destruição do arranjo desenvolvimento
As décadas de 1970 e 1980 são marcadas, no Brasil e no mundo, por grandes
transformações que são mais evidentes, à primeira vista, no âmbito econômico, mas
suas consequências são visíveis tanto em termos políticos quanto sociais. O impacto que
essas transformações tiveram sobre a vida social e política dos diversos países, assim
como o tempo de maturação desses impactos, dependeu, principalmente, das atitudes
tomadas pelos diferentes países diante dos desafios apresentados pela conjuntura
internacional. Para os fins deste trabalho, interessa especialmente os efeitos dessas
transformações no Brasil e as opções políticas tomadas pelo governo brasileiro, bem
como as conseqüências para a transição política e econômica pela qual o país começava
a passar naquele momento. Nosso intuito aqui será, então, apenas reconstruir histórica e
socialmente as linhas gerais da transformação pela qual o Brasil passou neste momento
e que afetarão sensivelmente o período posterior no qual nossa análise estará focada.
O processo histórico que será objeto deste capítulo tem início no ano de 1973,
marcado pela primeira crise internacional do petróleo, que teve como resposta, no Brasil,
o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND). Trata-se de um momento central na
história contemporânea brasileira, pois marca o auge e, ao mesmo tempo, o início do
declínio do que se convencionou chamar de Estado Desenvolvimentista e do padrão
desenvolvimentista brasileiro14. De maneira geral, o projeto contido no II PND visava
ampliar a participação do Estado em setores chave da economia e reforçar o capital
privado nacional frente ao estrangeiro, ou seja, tratava-se de uma alteração substancial
no peso relativo das diferentes frações do capital que compunham o pacto
desenvolvimentista15. Segundo Sallum Jr. (1996), o II PND era parte de uma estratégia
do governo militar, chefiado por Ernesto Geisel, que tinha duas faces: a
14
Foge do escopo deste trabalho discutira as características desse modelo de desenvolvimento. Cabe
apenas assinalar, grosso modo, que neste modelo a presença do Estado era central tanto no papel de
protetor da indústria nacional quanto na função de detentor de empresas em setores ―estratégicos‖ da
economia. Desse modo, o Estado usava de seu poder interventor para estimular investimentos e sustentar
altas taxas de crescimento econômico. Da mesma forma, a inserção externa estava submetida aos
desígnios protetores e incentivadores do Estado, que limitava inclusive os setores nos quais o capital
internacional deveria participar na economia doméstica.
15
O plano previa também a descentralização dos investimentos, antes muito concentrados em São Paulo,
e garantir certos benefícios para a população de baixa renda por meio de programas sociais e reajustes
salariais (Cf. SALLUM JR., 1996). A respeito das questões econômicas envolvidas no II PND, conferir
Castro e Souza (1985).
30
institucionalização do regime militar e a construção de um capitalismo com autonomia
nacional frente aos processos de transnacionalização do Capital.
Por outro lado, no fim dos anos 1970, surgem novas associações e manifestações
paralelas a forma pela qual o Estado tradicionalmente organizava a mediação de
interesses, o que revelava o descompasso entre a complexidade crescente da sociedade
brasileira e a capacidade do Estado de incorporar essas demandas com seus mecanismos
de representação e cooptação. A expressão mais evidente deste descompasso se
encontra nas greves e manifestações do sindicalismo operário no fim da década, mas é
preciso destacar também as significativas derrotas eleitorais sofridas pelo governo entre
1974 e 1982.
16
Não entraremos nos detalhes desta campanha que teve caráter essencialmente midiático, para mais
informações conferir (CRUZ, 1995).
31
ligados ao partido de setores do empresariado, fato que é ampliado com a perda de
credibilidade da equipe econômica do governo nos anos de 1983 e 198417 (CRUZ, 1997).
17
É também de 1982 o documento produzido por economistas ligados ao PMDB ―Esperança e Mudança‖,
que buscava uma resposta à crise brasileira alternativa ao ajuste recessivo implantado pelo governo
militar. Trataremos mais adiante deste documento com mais detalhes.
18
O apoio à candidatura de Tancredo foi massivo por parte do empresariado industrial.
32
serviço do crescimento industrial, reduzindo, dessa forma, os ganhos especulativos.
Além disso, essa vertente se colocava favorável à internalização da indústria de alta
tecnologia e à incorporação dos assalariados organizados com políticas de negociação
salariais. Com essas propostas, estes economistas asseguravam a simpatia do
empresariado industrial nacional e da burocracia das empresas estatais (SALLUM JR.,
1996).
19
No início da referida década se realizou a I Conferência Nacional das Classes Trabalhadoras (I
CONCLAT) que se desdobrou na fundação da CUT e da CGT. Além, é claro, da fundação do Partido dos
Trabalhadores (PT).
33
Estão em crise o padrão anterior de articulação entre capitais locais —
privados e estatal — e o capital internacional; a forma existente de
agregação e representação de interesses econômico-sociais gerados
em uma sociedade cada vez mais complexa; e a relação entre setor
público e privado no processo de desenvolvimento capitalista. Tais
crises se condensam no núcleo político da sociedade, pondo em xeque
não só o regime que se busca substituir mas a própria forma de Estado,
o Estado Desenvolvimentista. (SALLUM JR.; KUGELMAS, 1991, p.
147).
Neste mesmo sentido, José Luis Fiori (1990, p. 146) afirma que a crise dos anos
1980 não foi uma mera crise conjuntural, mas ―uma crise de Estado, análoga a outras
que deram lugar a grandes inflexões do Estado brasileiro‖ e, desse modo, a reforma
essencial que se colocava passava por uma ―redefinição de compromissos e pela
afirmação de supremacias‖ (Fiori, 1992).
Contudo, Sallum Jr. (1996) foi quem melhor sintetizou o que queremos
expressar neste aspecto. Segundo o autor, no momento em que a ruptura do
empresariado com o governo se evidenciou a crise teria mudado de qualidade, deixando
de ser meramente econômica e passando a afetar o próprio pacto de dominação, assim,
tratava-se agora de uma crise de hegemonia.
36
como o abandono da ―origem do capital‖ como instrumento de política, a generalidade
dos incentivos e o início de uma reforma tarifária21.
Segundo dados coletado por Cruz (1997), a maioria dos empresários ouvidos em
pesquisas na época concordavam com a política industrial apresentada pelo governo.
Além disso, entidades representativas da indústria como a FIESP (Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo) e a CNI (Confederação Nacional da Indústria)
responderam favoravelmente à nova política, pois se identificavam retoricamente com
as bandeiras do antiestatismo e do livre-mercado. A principal crítica à política, advinda
sobretudo de economistas liberais, atacava a contradição que existiria entre a retórica
oficial predominantemente liberal e a prática evidenciada pelas medida que mantinham
forte participação do Estado nas determinações dos rumos da indústria no Brasil.
Dessa forma, um dos aspectos mais relevantes da nova política dizia respeito à
―virada‖ em direção ao setor externo da economia que marca profundamente as
diferenças entre as primeiras gestões econômicas durante o governo Sarney – sob a
chefia de Dilson Funaro e depois Luis Carlos Bresser-Pereira – e as gestões posteriores
– com Francisco Dorneles e Maílson da Nobrega. Como já foi dito, Funaro e Bresser-
Pereira ainda apregoavam uma visão mais nacionalista da política econômica e, por isso,
buscaram não submeter o país aos mecanismos de mercado, procurando ―politizar‖ as
negociações em torno da dívida externa. Por outro lado, a nova visão que passa a
imperar no governo a partir de 1988 enquadra a negociação da dívida externa dentro do
processo de rearticulação internacional via mecanismos de mercado. Neste sentido, são
coerentes as medidas de suspensão da moratória, retomada das negociações com o FMI
e a redução de barreiras aos capitais e produtos do exterior.
21
Foge do escopo deste trabalho entrar nos detalhes da política industrial anunciada pela equipe
econômica de Sarney. O fato mais relevante é que pela primeira vez em muitos anos os temas da abertura
comercial e de um modelo de desenvolvimento de cunho mais liberal voltavam ao centro do debate com
apoio de setores do empresariado e do governo.
37
com o mercado financeiro mundial não acarretaria novos custos para o setor, além de
eliminar um contencioso que mostrava trazer mais problemas do que ganhos para o país,
na perspectiva empresarial (SALLUM JR., 1996).
É por tudo isso que Sallum Jr. (1996, p. 114, destaques no original) classifica a
nova república como ―uma sobrevida deteriorada da velha aliança nacional-
desenvolvimentista em meio a circunstâncias inóspitas‖. Neste período da história
recente do Brasil, as condições externas e internas para a manutenção deste pacto de
dominação foram progressivamente corroídas. Contudo, as condições históricas e
políticas não permitiram que uma nova estrutura de relação entre as classes e um novo
modelo de desenvolvimento fossem completamente estabelecidos, apesar de já
existirem tendências que apontassem para uma ou outra direção. Assim, o Brasil
enfrentou um processo eleitoral em 1989 que Cruz (1997) chama de ―crítico‖, diante de
seu potencial no que tange a reorganização da sociedade brasileira. Curiosamente, as
duas forças políticas que negaram apoio à eleição de Tancredo são justamente as que
irão balizar e disputar os rumos do novo pacto de dominação emergente nos anos 1990:
38
de um lado, as pressões para quebrar o padrão autárquico e
regulamentado da economia nacional e, de outro, as destinadas a
incorporar os assalariados organizados, reconhecendo-lhes direitos de
participação autônoma na vida pública e na luta pelos frutos do
desenvolvimento. (SALLUM JR., 1996: 114).
Com base nisso, a primeira fase a ser explorada terá como marcadores temporais
o início do governo Collor – em março de 1990 – e o lançamento efetivo dos programas
de incentivo à competitividade e qualidade industrial – entre setembro de 1990 e
fevereiro de 1991 – que encerram a etapa de concepção da política industrial e de
comércio exterior por parte do governo e abrem as primeiras arenas de negociação com
empresários de diversos setores. A segunda fase terá como foco este momento de
transição de uma política mais tecnocrática para outra mais voltada à negociação. Ela
tem início com a criação dos espaços de negociação entre governo e empresários e é
encerrada com o estabelecimento das câmaras setoriais como lócus principal de
articulação dos desdobramentos da política industrial, passando com isso a integrar os
trabalhadores organizados nas negociações. Finalmente, a terceira fase será marcada
pelas negociações nas câmaras setoriais e pela flexibilização de alguns pontos da
22
A divisão do período em três conjunturas é parcialmente baseado no trabalho de Rua e Aguiar (1995),
contudo, nossa divisão difere em alguns pontos da proposta das autoras devido a especificidade deste
trabalho.
40
política industrial inicialmente proposta, sendo concluída com o processo de
impeachment de Collor, no final de 1992.
Antes, porém, de entrarmos nos detalhes das fases que procuramos delimitar
cumpre fazer um breve relato a respeito da organização institucional promovida por
23
É preciso lembrar que os empresários não desfrutavam de uma boa imagem perante o conjunto da
sociedade naquela conjuntura de alta inflação e baixos investimentos, razão pela qual ambos os
candidatos que disputaram o segundo turno das eleições de 1989 relutavam em aceitar apoios de
lideranças ou entidades representativas dessa classe.
24
Um dos episódios mais marcantes que ilustra o imaginário que Collor buscou criar em tono de si e do
futuro que almejava para o país pode ser encontrado na visita feita pelo então Presidente eleito ao exterior
em que ele comparou os carros produzidos no país a carroças, frente aos carros europeus. (ISTOÉ/SENHOR,
14/02/1990).
41
Collor no Ministério da Economia. A Tabela 1 traz um organograma resumido de como
ficou organizado esse ―superministério‖25.
25
Por economia de espaço, optamos por não incluir no organograma todos os departamentos e conselhos
que compunha a estrutura geral do Ministério, apenas suas Secretarias e os departamentos submetidos à
Secretaria Nacional de Economia, onde foi gestada a maior parte da política que é objeto deste estudo.
42
43
Primeira Conjuntura
O programa de abertura comercial e de política industrial proposto pela equipe
econômica do novo governo era coerente o imaginário26 criado em torno de Collor. Em
alguns aspectos, a proposta do governo Collor se assemelhava com os objetivos
elencados na ―nova política industrial‖ de Sarney. Contudo, as iniciativas de Collor
aprofundavam e ampliavam os aspectos mais relevantes em termos de reforma
econômica e colocavam em práticas pontos que na ―Nova República‖ não haviam
passado de figuras de retórica. Assim, logo ao tomar posse, em 15 de março de 1990, o
governo Collor decreta, por meio da Medida Provisória (MP) 158, a imediata suspensão
dos controles administrativos sobre as importações, ou seja, extinguiam-se a lista de
produtos com emissão de guias de importação e os regimes especiais de importação,
exceção feita à Zona Franca de Manaus (KUME; PIANI; SOUZA, 2003). Assim, ficava, a
partir de então, a cargo da tarifa aduaneira o papel principal de estabelecer a proteção da
indústria local. Além disso, Collor extinguiu uma série de órgãos e estruturas
burocráticas e suspendeu ou eliminou a maioria dos subsídios praticados até então (MP
161). Com isso, Collor e sua equipe procuravam evidenciar a visão tecnocrática e
aparentemente desvencilhada dos interesses imediatos na formulação da política
econômica e a concepção de que o desenvolvimento do país deveria necessariamente
passar por um novo modelo de integração internacional.
26
As questões em torno do imaginário cultural que Collor buscou criar ao seu redor serão melhor
discutidas no capítulo seguinte quando tratarmos das teses que defendiam o caráter patrimonialista do
Estado brasileiro e sua relações com o neoliberalismo.
44
desregulamentação econômica 27 . Neste sentido, Erber (1991) assinala seis medidas
anunciadas e que estão profundamente articuladas com a visão que a equipe econômica
tinha com relação ao papel do Estado e da integração brasileira com a economia
mundial: a eliminação de controles administrativos e órgão que controlavam a entrada
de firmas e produtos na economia brasileira; as privatizações, que traziam implícita a
perspectiva de que isso significaria mais eficiência e menor custo; a criação de uma
legislação de proteção ao consumidor e contra abusos do poder econômico; a
liberalização comercial, de investimentos e propriedade industrial; mudanças nas leis de
remessas de lucros e na legislação tributária, além da permissão para que empresas
estrangeiras tivessem acesso ao sistema BNDES; a permissão da criação de joint
ventures entre empresas nacionais e estrangeiras e a facilitação no enquadramento
destas empresas no conceito de ―empresa nacional‖28.
29
As Diretrizes Gerais da Política Industrial de Comércio Exterior foram anunciadas por meio da portaria
n° 365 Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, de 26 de junho de 1990 (BRASIL/MEFP, 1990a).
30
Os GEPS foram criado pela Portaria n° 367, do Ministério da Economia, Fazenda e Planejamento, de
26 de junho de 1990 (BRASIL/MEFP, 1990b). Trata-se de um primeiro mecanismo de articulação Estado-
sociedade no que tange à política econômica do governo Collor, mas como pode ser inferido, ainda é
bastante vago em suas especificações em termos de participação e força de atuação.
31
O fracasso dos GEPS era apontado pelos empresários como resultante da falta de credibilidade mútua
entre empresários e governo e no clima de descrença na possibilidade de resultados concretos. Pelo lado
do governo, seu fracasso era atribuído à prioridade no combate à inflação e na resistência do
empresariado em relação aos novos fóruns, ao preferirem manter as formas tradicionais de atuação mais
particularistas (DINIZ, 1993).
32
Maia foi Secretário Nacional de Economia entre outubro de 1990 e maio de 1991. Lucas, que foi
diretor do Departamento de Indústria e Comércio do MEFP de 1990 a 1992, era um quadro saído do
46
teriam imposto sua visão ao ocuparem cargos estratégicos no governo (RUA; AGUIAR,
1995).
Segunda Conjuntura
Por outro lado, as medidas de incentivo à competitividade são elaboradas pelo
governo em torno de três programas articulados entre si, mas que não são anunciados
concomitantemente. Estas medidas abrem o que chamamos aqui de segunda fase no
interior do processo de abertura comercial e de reformulação da política industrial. A
simples existência de programas de incentivo à competitividade revela que o governo
estava preocupado em contrabalancear as medidas de competição – que se não fossem
bem dosadas poderiam significar o completo sucateamento da indústria nacional – mas,
além disso, esses programas mostram que, apesar do discurso afinadamente liberal, o
projeto do governo não previa a ausência total do Estado na economia, mas sim uma
reformulação de seu papel que passaria de investidor direto a indutor de investimentos.
BNDES, onde havia participado ativamente de debates em torno do projeto de ―integração competitiva‖,
visão que influenciou fortemente os rumos da política de abertura comercial do governo Collor como será
argumentado com mais detalhes adiante.
33
O Programa foi estabelecido juntamente com as Diretrizes Gerais de Política Industrial e Comércio
Exterior, mas a regulamentação do Comitê Nacional da Qualidade e Produtividade, que deveria orientar e
coordenar as ações do Programa só foi estabelecido em 07 de novembro de 1990.
34
O PCI, assim como o PBQP, já estava previsto nas Diretrizes da política industrial divulgadas em junho
de 1990, mas sua regulamentação só foi posta em prática em fevereiro do ano seguinte.
47
Na formulação da política industrial e de comércio exterior, governo enxergava
a competitividade industrial em três níveis: estrutural, setorial e empresarial 35 . A
competitividade estrutural, segundo o texto publicado na própria portaria do MEFP,
estava relacionada ao ‖funcionamento das estruturas de suporte da economia, das
condições gerais do ambiente macroeconômico, da funcionalidade do aparato
regulatório e do custo dos fatores externos às empresas.‖ Dependeria, portanto, ―das
políticas do poder público‖ que condicionariam e incentivariam os investimentos
privados (BRASIL/MEPF, 1991). Neste sentido, o governo previa medidas de incentivo
em quatro áreas principais: investimento privado, exportações, educação e tecnologia.
35
Esta divisão presente no PCI é encontrada de maneira similar no Estudo da Competitividade da
Indústria Brasileira, estudo coordenado por Luciano Coutinho e João Carlos Ferraz, economistas ligados
a UNICAMP e UFRJ respectivamente, de caráter tradicionalmente desenvolvimentista. Tal estudo foi
encomendado pela Secretaria de Ciência e Tecnologia da Presidência da República em 1992, o que revela
a complexidade teórica por trás das formulações da PICE.
36
O governo enxergava vantagens comparativas nos setores em que o país já havia adquirido uma
posição relevante de exportador, seriam eles: agroindústria, papel e celulose, siderurgia e metalurgia,
petroquímica, têxteis, couro e calçados, complexo automotivo, construção naval e bens de capital e previa
ações específicas para cada um deles. Por outro lado, os setores estratégicos que eram vistos como
difusores e geradores de inovação e progresso técnico estariam ligados ao complexo eletrônico, à química
fina, à biotecnologia e à criação de novos materiais (BRASIL/MEFP, 1991).
48
i) de fusões e incorporações em setores pulverizados; ii) da
desverticalização de grandes empresas, com conseqüente
desenvolvimento de redes de fornecedores e subfornecedores
especializados; iii) do desenvolvimento do mercado de capitais e
abertura de capital das empresas; e iv) do processo de privatização.
(BRASIL/MEPF, 1991).
Apesar disso, ainda podem ser apontados problemas no modus operandi dessas
arenas de negociação. O primeiro deles era a falta de clareza em termos de lócus de
decisão para os assuntos relativos à política industrial, o que prejudicava largamente as
negociações entre membros da burocracia e atores privados. Além disso, era comum a
formação de comissões provisórias que eram desfeitas em momentos de conflito com as
lideranças burocráticas. Finalmente, é importante ressaltar a falta de representatividade
dos participantes do GEPS e da CEC, que não tinham o caráter formal necessário para
este tipo de fórum. Assim, suas decisões não tinham caráter de ―acordos fechados‖,
ficando a mercê de decisões posteriores por parte do governo e da boa vontade dos
atores privados no comprimento das medidas sugeridas. Dessa forma, essas arenas, que
deveriam ser espaços mais amplos de articulação com o setor privado, apesar de
representarem um avanço em relação ao modelo unilateral que o governo de Collor
ensaiou em seus primeiros meses, ainda poderiam ser criticadas por não passarem de
meros espaços legitimação e difusão dos princípios e diretrizes elaboradas pelo governo,
como já foi assinalado por Diniz (1995).
Por outro lado, alguns pontos devem ser destacados ainda com relação ao caráter
desta nova política anunciada pelo governo para os quais Erber (1991) chama a
37
Mais adiante discutiremos, em mais detalhes, a conturbada entrada dos trabalhadores nas negociações
do ―entendimento nacional‖ e as consequências políticas deste fato.
50
atenção38. O primeiro deles é a inovação trazida pela PICE, sobretudo por meio do PCI,
em relação ao papel que deveria ser desempenhado pelo Estado. Este deveria, agora,
focar-se apenas em questões gerais de infra-estrutura e colocar-se como mero promotor
da tecnologia, qualidade e produtividade. Pode-se apontar certa contradição neste
aspecto quanto ao discurso abertamente liberal do governo e os incentivos, subsídios e
apoio a determinados setores, contudo, trata-se de uma contradição que Erber atribui ao
reconhecimento por parte dos técnicos do governo da ―inadequação do paradigma
liberal aos problemas atuais [isto é, daquele período – LF] do desenvolvimento
industrial ou, em outros termos, a superação da ideologia pelo pragmatismo‖ (ERBER,
1991, p. 326)39.
Finalmente, é preciso destacar também que a PICE não toca em dois pontos
centrais e que estavam inevitavelmente em pauta naquele momento: a integração
regional – via MERCOSUL – e a participação dos trabalhadores nos fóruns de
negociação estabelecidos pelo governo. Todas as arenas de negociação criadas pelo
governo – tais como os Grupos Executivos de Política Setorial (GEPS) e a Comissão
Empresarial de Competitividade (CEC) – não previam a participação de trabalhadores,
apesar das negociações em torno do ―entendimento nacional‖, que estava ocorrendo
naquele momento, contarem com a presença dos principais sindicatos e centrais
sindicais do país.
38
Seria inútil entrar aqui em uma discussão sobre a efetividade das medidas ou sua adequação para a
conjuntura econômica, pois o objetivo que cabe dentro do escopo desta pesquisa é discutir os mecanismos
de formulação e negociação da nova política.
39
Neste aspecto, cabe destacar a disputa ideológica que existia internamente ao governo e que
exploraremos no capítulo seguinte.
40
A percepção de que Marcílio seria mais aberto ao diálogo e à negociação do que Zélia também era
compartilhada pelos empresário no período, segundo etrevistas que realizamos.
51
Competitividade (CEC) passou a se articular com o PBQP, tornando-se efetivamente
um fórum de negociação e debate de interesses dos atores privados e passando a ocupar-
se com problemas macroeconômicos e estruturais, com o intuito de encaminhar
propostas de ação governamental (RUA; AGUIAR, 1995).
Terceira Conjuntura
A nova função dada às câmaras setoriais abre a terceira fase do governo Collor
no que concerne aos objetivos deste trabalho. Com essas alterações, a política de
41
A proposta de Mercadante foi transformada no artigo 23 da Lei n° 8.178, de 1 de março de 1991. É
interessante notar que a proposta guarda certa semelhança com o projeto de combate à inflação
encampado pelo PT nas eleições de 1989, quando o mesmo Mercadante era o principal assessor
econômico da campanha de Lula.
42
É preciso lembrar, mais uma vez, que o governo Collor já havia convocado os trabalhadores
organizados para negociações junto ao governo no fim de 1990 com o ―entendimento nacional‖, contudo,
a diferença agora está na concretude e especificidade do tema a ser negociado.
52
desenvolvimento econômico e inserção internacional passariam definitivamente a ser
debatidas com os setores organizados da sociedade. Mais ainda, ao abrir as portas para
negociações de tamanha importância para o projeto do governo, com empresários e
principalmente trabalhadores43, a equipe econômica de Collor reconhecia tacitamente a
relevância que esses setores haviam adquirido ao longo dos últimos anos e o poder de
pressão que haviam alcançado neste período, apesar de manter o caráter setorializado na
organização e representação dos interesses.
Segundo Diniz (1993), alguns temas comuns podem ser identificados nas
diversas câmaras tais como: os subprogramas setoriais de qualidade e produtividade
(SSQP), que visavam por em prática os princípios e objetivos do PBQP; as questões
ligadas ao comércio exterior, incluindo a promoção das exportações, as relações com o
Mercosul e a liberalização do comércio; temas relativos ao sistema tributário; questões
ligadas à desburocratização e à desregulamentação; e, finalmente, discutia-se com
frequência cada vez maior as relações entre capital e trabalho.
43
A adesão dos sindicatos às negociações das câmaras setoriais não foi imediata e tampouco unânime. A
mudança na postura combativa de parte do sindicalismo brasileiro e a adesão tanto ao ―entendimento
nacional‖ quanto às câmaras setoriais serão discutidas com mais profundidade adiante.
53
É por esta razão que para alguns membros do próprio governo, as câmaras
setoriais seriam uma espécie de ―evolução natural‖ do PCI e do PBQP, ou seja, com o
crescimento da importância das câmaras e com a ampliação de suas atribuições elas
passaram, naturalmente, a ocupar o espaço e unificar os fóruns de negociação
anteriormente estabelecidos.
Outro ponto que deve ser destacado em relação às câmaras setoriais está ligado
ao esforço que elas representam no sentido de colocar em prática uma nova visão da
política industrial, focada na idéia de ―complexo industrial‖, o que tornaria possível
―considerar o conjunto de indústrias integrantes de uma mesma cadeia produtiva na
avaliação do comportamento do setor‖ e ―possibilitar o crescimento integrado e
equilibrado de todos os segmentos da cadeia produtiva.‖44 (DINIZ, 1993, p. 14).
44
A câmara setorial do setor automotivo, por exemplo, incluía também, além de representantes dos
trabalhadores, representantes do setor de autopeças, das revendedoras, montadores, além do próprio
governo.
45
Apenas para efeito de registro, entre dezembro de 1991 e fevereiro de 1995 foram fechados três
acordos entre do complexo automotivo que, em linhas gerais, estabeleciam o corte de impostos, a redução
de preços dos veículos, garantias de salário e emprego e mecanismos de facilitação do consumo.
46
Segundo o IBGE, a inflação no segundo semestre de 1991 variou próxima de 10% a 20% ao mês e a
indústria teve quedas na produção nos anos de 1990, 1991 e 1992.
54
Assim, diante do processo de impedimento sofrido por Collor em 1992, este será
o marco temporal que fechará o escopo desta pesquisa. Evidentemente, uma análise
histórica da sociedade não pode se furtar de olhar para acontecimentos relevantes antes
ou depois do período demarcado por ela. Contudo, essa delimitação é importante para
evitar desvios na rota estabelecida para a pesquisa.
***
Dessa maneira, os pontos que devem ser ressaltados para os fins deste trabalho
estão relacionados, por um lado, aos mecanismos de articulação e participação dos
diferentes grupos e classes sociais no interior do aparelho de Estado – mecanismos estes
que foram criados tanto por iniciativa do governo quanto por pressão que esses grupos
exerciam para que sua participação na vida política do país fosse considerada legítima; e,
por outro lado, há que se destacar também as mudanças que o projeto inicialmente
elaborado sofreu no transcorrer do processo de negociação e conflito entre as classes.
Assim, com o intuito de facilitar o processo de análise destas questões, foi proposta a
divisão do nosso período de análise em três fases acima identificadas, que se
diferenciam pelo grau de abertura à participação dos atores externos ao núcleo
responsável pela política econômica e pelo papel que o Estado e o setor externo
desempenharam no interior do projeto em construção.
Sendo assim, a análise que será empreendida daqui em diante terá como foco a
busca dessas respostas em duas vias paralelas. A primeira delas estará focada nas
articulações indiretas entre o projeto proposto pelo governo e os projetos que tinham em
mente as classes politicamente organizadas – empresários industriais e trabalhadores
55
sindicalizados – para influenciar aquele projeto. O enfoque da pesquisa será,
essencialmente, os projetos em disputa e as recepções que as diferentes classes ou
frações de classe tiveram perante o debate que estava colocado sobre os rumos do
desenvolvimento econômico nacional e da integração da economia brasileira no
mercado mundial. Por outro lado, estará em foco também, a visão que os sujeitos
tinham do papel a ser desempenhado pela classe a que pertenciam ou pelas outras
classes dentro deste novo quadro que se desenhava para a sociedade brasileira, isto é,
será colocado em destaque questões que vão desde a noção de pertencimento a um
grupo com interesses comuns e que deve lutar para impô-los aos demais, até noção que
estes sujeitos tinham ou não do processo de luta pela construção de uma nova
hegemonia.
56
Capítulo 2: O ambiente ideológico: a construção do
Estado como problema
É possível, no entanto, afirmar que, entre 1930 e 1980, o Brasil passou por um
período em que a hegemonia das ideias econômicas vinha do campo desenvolvimentista,
refletindo o arranjo político-social formulado a partir do primeiro governo Vargas,
apesar das evidentes nuances entre um período e outro. Após esse longo predomínio,
ideias de cunho mais liberal voltaram à tona. Dessa vez, porém, além de terem passado
por reformulações e terem ganhado novo rótulo e novos recursos retóricos, elas vinham
amparadas pela força da pressão internacional exercida pelos líderes dos principais
países do centro capitalista – Estados Unidos e Inglaterra – e dos organismos
internacionais. Esse suporte, sem dúvida, fortaleceu essa corrente ideológica, mas não
se pode afirmar que ele sozinho tenha sido suficiente para explicar a penetração dessas
ideias no Brasil; prova disso, foi a resistência que os formuladores da política
econômica e os principais grupos econômicos ofereceram, retardando sua aplicação ao
país47.
47
É preciso destacar, portanto, que, ao apresentarmos as idéias econômicas antes de entrarmos
propriamente na correlação de forças sociais presente no período histórico analisado não estamos
inferindo que as ideias tenham força própria e que os sujeitos são seus meros portadores. Do ponto de
57
Assim, como foi apresentado acima, o Brasil adentrou os anos 1980 em meio a
uma crise de hegemonia, na qual as bases sociais do pacto desenvolvimentista estavam
rompidas pela conjunção da crise econômica com raízes internacionais e pela crise
política do regime militar. Entretanto, ao invés de uma ruptura radical com o modelo
vigente, a oposição política, que contava com o apoio de parcelas cada vez maiores do
empresariado, apresentava reformas na direção da incorporação de setores organizados
da classe trabalhadora na hegemonia em vigor, como atesta o documento lançado por
economistas ligado ao PMDB, em 1982, ―Esperança e Mudança‖, também já
mencionado.
vista do qual parte este trabalho, as ideias são o resultado e não a causa das disputas políticas e sociais e,
dessa forma, não ultrapassam o limite que essas lutas não ultrapassam na vida real. Assim, sua
apresentação neste momento do trabalho serve mais como recurso didático do que analítico.
48
Parte significativa do debate econômico deste período dizia respeito às causas e medidas necessárias ao
combate à inflação, o que não será tratado por este trabalho.
49
A ordem de exposição das ideias defendidas pelas diferentes correntes a seguir, buscou guardar uma
relativa cronologia em termos de formulação. Digo relativa, pois diante da dinamicidade das ideias é
impossível estabelecermos uma cronologia estritamente linear. Contudo, seguir esta ordem é relevante
para compreendermos como as correntes buscaram formular respostas aos desafios intelectuais colocados
pelas demais alternativas em jogo.
58
Em seguida, procuraremos delinear as linhas gerais de um projeto desenvolvido
no interior da burocracia estatal, principalmente do Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que ficou conhecido como
―integração competitiva‖, e buscou um caminho mais moderado para dar respostas aos
desafios enfrentados pela economia brasileira, apontando a necessidades de reformas
em direção a ampliação do papel do mercado enquanto regulador do sistema capitalista,
mas sem abrir mão por completo da atuação do Estado neste aspecto.
50
Esta divisão entre o campo econômico e o campo político do debate a que nos referimos é meramente
didática, pois na disputa social entre classes estes campos na maioria das vezes se confundem, sobretudo
em um contexto de crise orgânica como o que estamos estudando. Elaboramos esta divisão tendo como
ponto de partida a área de formação dos principais autores de cada uma das correntes.
59
A dúbia relação da PUC-Rio com o neoliberalismo
Com uma formação ―eclética‖, na definição de Presser (2007), os economistas
ligados à PUC-RIO51 pertenciam a uma corrente ideológica que se pode chamar de neo-
estruturalista e inicialmente eram críticos às ideias associadas ao ―Consenso de
Washington‖. Estes autores defendiam uma abertura lenta e cautelosa com uma solução
integrada para os problemas do Brasil (Cf. Presser, 2007): o país deveria, segundo eles,
buscar a estabilização econômica no curto prazo, o crescimento no média e a integração
internacional no longo. Entretanto, estes autores acabaram convergindo para o
mainstream da política econômica ortodoxa no decorrer do governo Collor no que
concerne a estabilização e as reformas estruturais, passando a ver toda intervenção
estatal como necessariamente negativa.
51
Contribuíram também para a formação do pensamento desta corrente economistas ligados à Fundação
Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ).
52
O objetivo deste trabalho não passa por fazer uma análise detalhada das ideias neoliberais, buscaremos
apenas situar o debate brasileiro no contexto internacional dessas ideias. O texto de Williamson, por ser
uma síntese didática destas ideias e por ser reconhecido como a primeira referência ao termo ―Consenso
de Washington‖ parece adequado às nossas finalidades.
60
minha). Em consequência, o segundo ponto levantado por Williamson é a priorização
dos gastos públicos, que deveriam ser direcionados para investimentos em educação,
saúde e infra-estrutura em detrimento de subsídios, especialmente os indiscriminados.
Na mesma linha, o sistema tarifário deveria ser composto por uma base fiscal ampla e
com taxas marginas moderadas. Deveriam ser evitados, portanto, ajustes fiscais por
meio do aumento de impostos, estes deveriam ser realizados com base no corte de
gastos.
Com relação aos Investimentos Externos Diretos (IED), apesar de não colocar a
liberalização dos fluxos de capital externo como prioritária, Williamson afirma não
haver motivos racionais para sua restrição, uma vez que tais investimentos poderiam
trazer aos países em desenvolvimento, além de capitais necessários, técnicas e
conhecimentos para a produção seja para o mercado interno seja para exportação.
61
administradas do que as estatais devido a seu foco no lucro e na prestação de contas aos
proprietários.
Por fim, o texto de Williamson aponta duas outras medidas, estas no campo
jurídico, que deveriam ser tomadas para a melhoria da competitividade dos países em
desenvolvimento: a desregulamentação da economia, uma vez que a regulamentação
excessiva é vista como fonte de corrupção e discriminação de pequenos e médios
empresários que não tem acesso direto à burocracia; e o estabelecimento de direitos de
propriedade capazes de aumentar a segurança jurídica dos investidores privados.
53
Entrar em detalhes relativos a este modelo seria exaustivo e desnecessário, pois fugiria do escopo deste
trabalho. A seguir, apresentaremos apenas suas ideias-chave com o intuito de seguirmos a linha geral de
raciocínio desenvolvida por estes economistas.
54
De maneira muito simplificada, entende-se por divisas, a disponibilidade que um país possui em
moedas estrangeiras obtidas em diversas formas de transações internacionais.
62
Bacha afirma que ―a austeridade fiscal é uma das alternativas a esta armadilha‖, já que
um aumento do superávit em conta corrente do orçamento primário seria suficiente para
colocar a restrição ao investimento em um nível mais alto, ―o que viabilizaria a
concretização do potencial máximo de crescimento das exportações sem acelerar a
inflação55‖ (Bacha, 1989: 228).
Dessa maneira, Bacha conclui seu texto afirmando que ―a restrição orçamentária
do governo tende a ser a restrição relevante para o crescimento a médio prazo,
especialmente quando o país sofre um choque financeiro externo‖. E, assim, deduz que
―uma inflação acelerada pode ser a consequência de uma tentativa do governo para
recuperar parte das perdas do produto e do crescimento causadas pelos choques
financeiros externos‖ (Bacha, 1989, p. 230).
55
Isso ocorreria porque seria possível permitir a ampliação da entrada de recursos externo no país por
meio da exportação que seriam enxugados pelo ajuste fiscal do governo.
63
apresentação de um modelo teórico, é impossível não notar as referências subliminares
à situação econômica de inflação e déficits públicos consolidados após um período de
choques externos, vividos pela economia brasileira. Até mesmo a estrutura do artigo de
Bacha parece fazer menção à evolução histórica das restrições experimentadas pela
economia brasileira ao longo dos últimos anos 56 que viveu um problema de falta de
poupança no período inicial de sua industrialização – solucionado por fortes
investimentos estatais – passou por um problema de escassez de divisas com as crises
externas dos anos 1970 e, por fim, viveu uma forte crise fiscal ao longo da década de
1980, com o enxugamento da liquidez internacional a partir do aumento das taxas de
juros norte-americanas.
Na visão dos autores (Fritsch & Franco, 1990), o Brasil iria enfrentar restrições
no que se refere ao financiamento externo nos anos seguintes. Além disso, a demanda
doméstica tendia a ser baixa e a capacidade instalada poderia sofrer restrições ao
crescimento diante da erosão da poupança externa e do setor público. Diante deste
quadro, o IDE teria papel fundamental na superação das restrições, pois, por um lado,
ele proporciona um aporte imediato de divisas e, por outro, tem um efeito de mais longo
prazo em relação ao saldo comercial (Fritsch & Franco, 1989). Ademais, a recuperação
dos fluxos de IDE, também permitiria ao país a retomada do acesso à poupança externa
(Fritsch & Franco, 1990).
65
Os autores enxergavam a liberalização como parte de um processo maior de
modernização e redefinição do padrão de desenvolvimento e, assim, deveria ser feita de
forma a reduzir impactos sobre o balanço de pagamentos e com o intuito de fazer com
que o Brasil tornasse seus mecanismos de proteção transparentes e impessoais, no
interior dos quais as tarifas deveriam determinar o nível de proteção e não a
administração discricionária (Franco, 1990).
66
& Franco, 1988, p. 9), pois a transferência de tecnologia estaria ocorrendo cada vez
mais ao mesmo tempo e não com atraso, havendo uma tendência a homogeneização dos
mercados nacionais servidos pelas multinacionais (Fritsch & Franco, 1988).
67
No interior do governo Collor, estas ideias e seus defensores tiveram peso
considerável na formulação da política econômica e no processo de abertura comercial.
Como foi apontado acima, Winston Fritsch, Gustavo Franco, entre outros economistas
ligados à PUC-Rio tiveram papel central na formulação das primeiras ações do governo,
tal como a derrubada das barreiras não-tarifárias ás importações58. Além disso, outro
expoente desta corrente de pensamento, Eduardo Modiano, presidiu o BNDES e
comandou o processo de privatizações durante o período Collor.
58
Um grupo liderado por Winston Fritsch e que contava com a participação de Gustavo Franco, Wilson
Suzigan, José Roberto Mendonça de Barros, Eduardo Augusto Guimarães e Fátima Dibb foi o principal
responsável pela redação da Medida Provisória 158. Posteriormente, este grupo se afastou do processo de
formulação e implementação da Política Industrial. Segundo Fritsch, o foco da política era dar ao Estado
o papel de fomentar a competitividade, acabando com os incentivos fiscais e concentrando os esforços
nos incentivos creditícios, voltados em grande parte para a capacitação tecnológica das empresas
nacionais (Costa, 2010: 31).
68
A solução ponderada da tecnoburocracia estatal: a “integração
competitiva”
Dentro de alguns setores do Estado brasileiro, a ideia de desenvolver um projeto
amplo de planejamento que repensasse o desenvolvimento do Brasil e sua inserção
externa ganha força nos anos 1980. O diagnóstico de que o antigo modelo de
desenvolvimento estava se esgotando e que novas alternativas precisavam ser
apresentadas fez com que alguns setores da burocracia estatal iniciassem um processo
de discussão de planos e projetos que poderiam ser postos em prática com vistas à
retomada do crescimento econômico.
Este tipo de diagnóstico encontrava refluxo dentro do BNDES desde 1979, onde
colocava-se como questão fundamental o papel a ser desempenhado pelo Banco no
novo modelo a ser desenvolvido. A ideia, no entanto, só se efetivou, em 1983, quando
foi introduzida, no Banco, a técnica de planejamento estratégico baseada em cenários
prospectivos e já bastante utilizada em corporações multinacionais. Sua difusão e
implementação coube ao Departamento de Planejamento (DEPLAN) que, visando seu
engajamento efetivo no processo, desenvolveu um trabalho de sensibilização com as
instâncias hierárquicas superiores, chegando até a presidência do BNDES (Costa, 2010).
Neste ano, Julio Mourão assume o DEPLAN e dá início ao processo de formulação das
ideias que mais tarde constituiriam as teses da ―integração competitiva‖ da economia
brasileira.
69
comportamento das importações e exportações nos primeiros anos da década de 1980,
foi verificado que a redução das importações se devia mais à maturação dos
investimentos realizados no contexto do II PND do que à recessão econômica vivida
pelo Brasil. Dessa forma, constatou-se que o país poderia voltar a crescer sem que as
importações crescessem excessivamente e provocassem um desequilíbrio na balança de
pagamentos. Esta era a primeira ―ideia-força‖ que passou a guiar o planejamento do
banco (Mourão, 1994).
59
O Plano Estratégico 1988-1990 do Sistema BNDES, que trazia a consolidação da estratégia da
―integração competitiva‖, tinham os seguintes objetivos para o triênio seguinte: 1 – Novo estilo de
crescimento voltado simultaneamente para a integração competitiva do Brasil na economia mundial e
para a integração de toda a nação, reduzindo-se a pobreza absoluta, melhorando-se substancialmente a
distribuição de renda e reduzindo-se as desigualdades regionais. 2 – Recuperação da taxa de investimento
compatível com a expansão do mercado interno e a manutenção da capacidade de exportação para
garantir um crescimento sustentado. 3 – Superação dos pontos de estrangulamento na infra-estrutura de
energia de transportes que podem comprometer o crescimento da economia brasileira. 4 – Participação do
setor privado em investimentos hoje sob a responsabilidade do setor público. 5 – Fortalecimento
financeiro e patrimonial do Sistema BNDES, pela compatibilização de sua atuação com o perfil de
recursos, buscando simultaneamente uma adequação das fontes e novas formas de aplicação de maior
retorno. 6 – Maior integração do Sistema BNDES com organismos e instituições da sociedade e órgãos de
governo, consolidando sua inserção na ambiência político-institucional do País e sua imagem junto à
opinião pública; 7 – Racionalização organizacional e dos fluxos operacionais do Sistema BNDES no
curto prazo, implementando, de imediato, reformas na política e nos Sistemas de Recursos Humanos. 8 –
Modernização do Sistema BNDES a partir de uma concepção empresarial adaptada às exigências do novo
estilo de crescimento (BNDES, 1988, p. 09).
70
o ―Cenário da Integração Competitiva‖ 60 em oposição ao ―Cenário de Fechamento‖.
Aquele cenário partia do diagnóstico de esgotamento do ciclo de substituição de
importações e, dessa forma, o Brasil precisaria simultaneamente ―alargar o mercado
interno e impulsionar o volume de comércio exterior‖ (BNDES, 1988, p. 5). Com isso,
o Banco incorporava outros três aspectos já presentes no Cenário da Retomada: o
abandono da ideia de um desenvolvimento liderado pelo Estado, a visão do mercado
externo como importante indutor do desenvolvimento e não como concorrente da
produção voltada ao mercado doméstico e o foco na modernização empresarial e não
apenas na expansão da capacidade geradora de emprego, como objetivo central para o
desenvolvimento econômico (Mourão, 1994).
Antes disso, porém, ainda em 1985, duas modificações foram realizadas, uma
nos pressupostos da equipe técnica responsável pelo Planejamento do Banco e outra na
sua composição. A primeira foi a constatação de que o constrangimento maior a uma
retomada mais acelerada do crescimento econômico não estava no setor externo, mas
sim na incapacidade do setor público fazer frente aos investimento em infra-estrutura
necessários, sobretudo no setor energético. Assim, em uma linha próxima à conclusão
dos economistas da PUC-RJ, os técnicos do BNDES também passaram a enxergar nos
problemas do setor público, e não no setor externo, o entrave principal ao
desenvolvimento brasileiro nos próximos anos. A segunda modificação, que é de certa
forma consequência da primeira, foi o convite a integrar o processo de planejamento do
BNDES às respectivas áreas de planejamento da Eletrobrás e da Petrobrás61 (Mourão,
1994).
60
Antonio Barros de Castro, que foi consultor do banco durante um longo período foi quem sugeriu o
termo ―integração competitiva‖ para o projeto.
61
Segundo Nassif (2007), a integração dos técnicos da Eletrobrás e da Petrobrás no processo de
planejamento estratégico foi fundamental para incorporar aspectos microeconômicos às preocupações
macro advindas do BNDES. Neste período, a Petrobrás havia iniciado um processo de capacitação de
fornecedores, com o desenvolvimento de instituições credenciadoras de capacitação técnica que mostrava
resultados muito mais eficientes, em termos de modernização das empresas, do que a Lei da Informática
defendida por economistas do campo desenvolvimentista.
62
A equipe, coordenada por Julio Mourão, contava com a participação de Luis Paulo Velloso Lucas,
Eduardo Marques, José Carlos de Castro, Nelson Tavares Filho, Evandro Fernandes Costa e Ana Maria
Azevedo de Castro.
71
modelo que vigorava até então. Partiam do diagnóstico do esgotamento do modelo de
substituição de importações, das dificuldades de se adequar aos novos paradigmas da
produção tecnológica mundial devido aos elevados custos de manutenção da autarquia
da economia brasileira, da crise fiscal do estado, de uma visão positiva da contribuição
que o capital estrangeiro poderia dar ao desenvolvimento tecnológico, gerencial e
mercadológico, de que o mercado internacional de bens havia adquirido novas
características e de que a indústria brasileira já estaria madura o suficiente para competir
em escala global (MOURÃO, 1994).
63
Compunham a equipe formada por Lucas: Francisco Marcelo da Rocha Ferreira e Nelson Tavares Filho,
do BNDES, além de Antônio Maciel Neto e José Paulo Silveira, da Petrobrás (Mourão, 1994).
73
em relação às possibilidades de atuação do Sistema BNDES no desenvolvimento
brasileiro. As Diretrizes Gerais para Política Industrial e de Comércio Exterior lançadas
pelo governo em junho de 1990 são, por diversas vezes citadas e exaltadas como
caminho adequado a ser seguido no Brasil. Contudo, o Banco parece ter voltado a
assumir uma postura de voltar seu planejamento para dentro e não mais para pensar o
país, o que talvez reflita a perda de prestígio do Banco no governo Collor64.
Além disso, foram realizadas também reuniões com empresários para discutir a
reestruturação necessária da indústria. Entre os empresários que participaram dos
debates estavam: Paulo Cunha, Eugênio Staub, Cláudio Bardella, Paulo Villares, Ozíres
silva, Paulo Francine, Luís André Rico Valente, Heloísa Camargo, Mauro Arruda.
Alguns destes empresários iriam, no futuro próximo, fundar o Instituto de Estudos para
o Desenvolvimento Industrial (IEDI) e propor uma estratégia de desenvolvimento para
o país que, em muitos aspectos, se inspirava na estratégia de ―integração competitiva‖65
(Mourão, 1994).
64
O Plano Estratégico 1991/1994 trazia como papel fundamental a ser desempenhado pelo Banco:
―contribuir para a expansão da capacidade produtiva e para o aumento da competitividade da economia
brasileira, potencializando a participação de recursos privados no financiamento dos investimentos,
promovendo: a reestruturação da indústria, procurando adequá-la a um maior grau de competição
doméstica e internacional; a modernização e adequação da infra-estrutura econômica, privilegiando a
realização de investimentos pelo setor privado; a modernização do setor agropecuário, privilegiando a
incorporação e difusão de novos conhecimentos tecnológicos; e a conservação do meio-ambiente.‖
(BNDES, 1991).
65
A história e as ideias do IEDI serão tratadas no capítulo seguinte, neste momento, cabe apenas citar o
impacto positivo que as teses da integração competitiva tiveram perante alguns dos principais
emporesários brasileiros.
74
A tentativa de resgate do desenvolvimentismo com face
distributivista
Como foi apontado anteriormente, no fim dos anos 1980, a versão do
desenvolvimentismo que foi preponderante no Brasil nos anos 1960 e 1970, havia
esgotado suas respostas à crise econômica atravessada pelo país após os sucessivos
choques nos preços do petróleo. O derradeiro esforço de substituição de importações do
II PND com a consequente crise da dívida externa brasileira marcaram o suspiro final
do pacto nacional desenvolvimentista e das ideias que o guiavam.
Nos anos iniciais da década de 1990, diversos autores próximos a esta corrente
buscaram recuperar sua influência sobre o debate econômico por meio de um estudo
encomendado pela então Secretaria de Ciência e Tecnologia do governo federal para
estudar a competitividade da indústria brasileira e servir de apoio ao processo de
abertura da economia brasileira ao exterior. O estudo foi coordenado por Luciano
Coutinho (UNICAMP) e João Carlos Ferraz (UFRJ) e teve como resultado 80 notas
técnicas e um livro que condensava os resultados, intitulado Estudo da Competitividade
da Indústria Brasileira (ECIB) publicado no início de 1994, contando com a
participação de cerca de 2500 pessoas (Coutinho & Ferraz, 1994). Apesar de o estudo
ter sido concluído e publicado em um período posterior ao período que concerne a este
trabalho, isto é, após o término do governo Collor, ele será a base para nossas análises a
75
respeito desta corrente de pensamento, pois se trata da consolidação de ideias e projetos
que estes economista de viés mais heterodoxo já vinham debatendo nos anos anteriores.
O quadro de crise de hegemonia vivido pelo Brasil naquele momento fez com
que até mesmo estes autores sempre mais afeitos à intervenção e participação do Estado
na economia buscassem uma rota equilibrada entre abertura e proteção, entre
especialização e preservação da base industrial existente, entre expansão das
exportações e ampliação do mercado interno, e entre intervenção do Estado e vigência
das forças de mercado (Coutinho & Ferraz, 1994). Assim, o diagnóstico deles também
concluía que o velho modelo estava esgotado e reformas precisavam ser implantadas.
66
A ideia de competitividade sistêmica – ou estrutural para o PCI – guarda suas raízes no projeto de
―integração competitiva‖ desenvolvido pelo BNDES e exposto acima e teve grande apelo junto a setores
76
empresarial e a dimensão estrutural 67 . Assim, a responsabilidade pela ampliação da
competitividade das empresas brasileiras não ficaria restrita ao setor empresarial, ela
seria compartilhada com o Estado68.
Em relação ao papel que deveria ser desempenhado pelo Estado nos assuntos de
ordem econômica, os autores recorrem à comparação internacional para advogarem um
papel ativo para setor público. Eles ressaltam que a prática de política industrial e
tecnológica tem sido extensiva em países em desenvolvimento, sobretudo no sudeste
asiático 69 . Do mesmo modo, em países desenvolvidos, diversos instrumentos de
intervenção estatal seriam usados, apesar da retórica liberal, exemplos destes
instrumentos seriam: as compras do poder público; a intervenção direta em setores – por
meio de leis ou regulamentos específicos; os requisitos de desempenho para
investimentos de risco estrangeiros; subvenções, incentivos e auxílios fiscais –
financeiros, diretos e indiretos. Assim, os autores viam diversos exemplos pelo mundo
do empresariado e da imprensa que, mais tarde, transformarão esta ideia na tese de que existiria um
―custo Brasil‖, que dificultaria o avanço das empresas brasileiras rumo à disputa do mercado mundial.
67
Cabe salientar novamente que se trata de divisão similar à elaborada pelo Programa de Competitividade
Industrial elaborado pelo governo. Apesar de utilizarem nomenclaturas diferentes, o que o ECIB chama
de competitividade estrutural pode ser aproximado da competitividade setorial definida pelo PCI e a
competitividade sistêmica do ECIB é muito próxima à dimensão estrutural do PCI.
68
Esta divisão da competitividade em três dimensões proposta pelo PCI e incorporada pelo ECIB é
bastante interessante para marcar a diferença entre em relação ao limite dentro do qual deveria se dar a
atuação do Estado para cada uma das três linhas de pensamento econômico aqui apresentadas. Enquanto
os economistas mais liberais, ligados à PUC-Rio acreditavam que a ação estatal deveria limitar-se a
fornecer incentivos à competitividade estrutural ou sistêmica, os adeptos da tese da integração
competitiva defendiam que a ação estatal deveria ser mais profunda, atingindo a competitividade no nível
setorial e, finalmente, os economistas de cunho mais desenvolvimentista viam espaço para o Estado atuar
nas três dimensões, inclusive na competitividade empresarial.
69
O acelerado desenvolvimento econômico e tecnológico dos chamados ―tigres asiáticos‖ foi, durante
muitos anos, usado como exemplo de política industrial bem-sucedida por autores de cunho mais
desenvolvimentista com variadas interpretações sobre o papel do Estado nestes países.
77
em que os Estados-nacionais estariam perseguindo deliberadamente a competitividade
junto com atores privados (Coutinho & Ferraz, 1994).
Apesar disso, a atuação do Estado na América Latina não passava ilesa a críticas.
O ponto condenável da ação estatal se encontrava no fato de as políticas setoriais terem
emergido como respostas ad hoc a pressões particulares e não constituírem uma
estratégia coerente e articulada para o conjunto da indústria (Coutinho & Ferraz, 1994).
Neste sentido, defendia-se que o Brasil deveria construir ―um projeto nacional
de desenvolvimento competitivo‖, tendo em vista que a estabilidade era fundamental,
mas, para além dela, seria preciso retomar o desenvolvimento econômico. Assim, o país
deveria procurar uma maior integração entre a política macroeconômica e a política de
desenvolvimento. Para isso, além de controlar a expansão do crédito, seria preciso
tomar medidas de direcionamento das empresas para setores prioritários da política
industrial e colocar as finanças a serviço da indústria. O Brasil deveria seguir o caminho
construído pelas economias desenvolvidas e criar mecanismos para ―superar o divórcio
entre banco e indústria‖, isto é, incentivar o capital bancário-financeiro a dar suporte a
investimentos competitivos e à reestruturação de grupos empresariais e brasileiros. O
caminho seria a constituição do que estes autores denominaram ―finanças
industrializantes‖ (Coutinho & Ferraz, 1994).
Seria preciso, então, reconstruir o Estado, mas não em seu velho modelo
desenvolvimentistas, pois a situação histórica era qualitativamente diferente e, portanto,
exigia posturas distintas. ―O principal papel do Estado no desenvolvimento competitivo,
na atual etapa, é o de promotor da competitividade em suas dimensões sistêmica,
empresarial e setorial (Coutinho & Ferraz, 1994: 410, destaques no original).‖ Assim,
não se tratava apenas de preencher lacunas deixadas pelo mercado, ―trata-se, também,
de induzir os agentes privados, empresários e trabalhadores, a adotar comportamentos
inovadores e cooperativos, essenciais ao fortalecimento da competitividade.‖ (Coutinho
& Ferraz, 1994, p. 410).
80
monitorasse as importações para evitar tanto seus crescimento exagerado quanto
práticas desleais de comércio; além disso, a política tarifária deveria ser flexível para
lidar adequadamente com situações específicas e manter o estímulo a indústria no país
(Coutinho & Ferraz, 1994).
Mais do que isso, a escolha do setor externo como núcleo dinâmico do processo
de desenvolvimento industrial seria extremamente problemática, na visão de autores que
compartilhavam esta visão, dadas a dimensão do país, o grau de diversificação e
complexidade industrial e o baixo coeficiente de exportação da indústria brasileira.
Seria necessária, assim, uma base industrial sólida que assegurasse sustentação à
especialização externa e um mercado interno capaz de ―alavancar processo de
aprendizado tecnológico e economias de escala capazes de imprimir condições de
competitividade aos produtos fabricados.‖ (Batista, 1993). Assim, numa visão mais
crítica do que outros autores desta mesma corrente de pensamento, Batista afirma que a
política industrial de Collor simplesmente ratificaria a inserção passiva do Brasil na
divisão internacional do trabalho.
Por fim, o último ponto que deve ser destacado no que concerne ao projeto
defendido por este grupo de economistas se refere à relação que deveria ser estabelecida
entre empresários e trabalhadores, que deveria prezar pela parceria e pela construção
conjunta. Para os autores, deveriam ser constituídos novos esquemas de remuneração do
desempenho e por produtividade e as empresas precisariam estabelecer canais de
diálogo permanente e institucionalizado com os trabalhadores para que as decisões das
empresas fossem mais permeáveis à influência dos trabalhadores. Para eles, seria
necessário garantir maior flexibilidade funcional, e permitir a participação dos
trabalhadores nos resultados das empresas (Coutinho & Ferraz, 1994).
81
Do mesmo modo, os autores defendiam políticas de proteção social nas áreas de
seguridade, previdência, saúde e assistência social. Todos estes argumentos teriam
como pano de fundo a constatação que a principal vantagem competitiva da indústria
brasileira seria o tamanho de seu mercado interno, que estaria constrangido pela
desigualdade e marginalização social. Assim, seria imprescindível uma política que
tivesse como foco a distribuição de renda para aumentar o poder aquisitivo da
população brasileira, seja através de políticas sociais, seja por meio de ganhos salariais 70.
Como foi dito acima, esta perspectiva ideológica não contou com muitos
entusiastas dentro do governo Collor, dado seu viés liberal, mas serviu como referência
em debates dentro do governo e destes com atores sociais. Contudo, sua visão
distributivista e que valorizava o mercado interno e o fortalecimento das empresas
nacionais agradava principalmente a setores do sindicalismo e a pequenos empresários
que tinham sua produção voltada para o mercado interno, como será visto nos capítulos
seguintes.
70
Neste aspecto mais distributivista, esta visão aproxima-se do que defendiam muitos setores do
sindicalismo e do que pregava a campanha do PT em 1989, quando Lula tentava inverter a lógica
neoliberal em seu discurso mostrando a necessidade de um Estado atuante, eficiente e redistributivo,
oposto aos privilégios existentes e à visão minimalista pregada pelos candidatos mais à direita (Cezar,
1994).
82
Assim, para além das disputas em torno do ideário econômico exposto acima,
buscaremos apontar, a seguir, como a tese desenvolvida no Brasil, a partir dos anos
1960, de que o caráter do Estado brasileiro é acentuadamente patrimonialista, foi
fundamental para a penetração do ideário neoliberal nas diferentes camadas da
sociedade brasileira. A hipótese defendida aqui é que estas ideias acabaram se
constituindo como uma filosofia espontânea, que abriu espaço para que ideias de ordem
mais liberal fossem introduzidas, sobretudo por apontar o Estado e sua atuação político-
econômica como principal responsável pelos problemas brasileiros.
Com isso, Faoro elabora uma análise da história brasileira em que nega qualquer
teoria da história que enxergue no capitalismo uma tendência natural de
desenvolvimento, tanto de cunho liberal quanto de viés marxista. Pois a realidade
brasileira revelaria a persistência do patrimonialismo, que ―adotou do capitalismo a
técnica, as máquinas, as empresas, sem aceitar-lhe a alma ansiosa de transmigrar‖
(Faoro, 2001, p. 822). Assim, ao contrário do que poderia ser imaginado, o
patrimonialismo não seria incompatível com o moderno capitalismo (ao contrário do
feudalismo), já que ele seria capaz de se amoldar às transições, concentrando no corpo
estatal os mecanismos de intermediação numa amplitude que varia desde a gestão direta
até a regulamentação material da economia. (Faoro, 2001: 823-4).
Faoro constrói, assim, uma ―história imóvel‖ do Brasil (Cf. Bortoluci, 2009), ou
seja, estaríamos submetidos a um patrimonialismo tão fortemente ―sufocante‖,
―tutelador‖, ―sobranceiro‖, ―autônomo‖, que mesmo existindo ―momentos e tendências
centrífugos‖, ―estes seriam invariavelmente derrotados ou permaneceriam secundários‖
(Campante, 2003: 159), daí a imagem da ―viagem redonda‖ apontada por Faoro.
Dentro deste quadro, o comando da vida política e social brasileira não estaria
submetido a uma lógica racional-burocrática ou a uma dinâmica de classes sociais, mas
viveríamos sobre o império de um ―estamento burocrático‖, que teria adquirido certo
84
conteúdo aristocrático, no qual o governo se colocaria como árbitro diante do equilíbrio
ou impotência das classes. A esfera política se encontraria, então, autônoma do restante
da sociedade, organizando a nação a partir de uma unidade central, com forte
intervenção sobre o domínio econômico. Do mesmo modo, o estamento burocrático
desenvolveria um movimento pendular sobre as classes, pois seria divorciado delas,
dando a falsa impressão de favorecer um ou outro lado, dependendo do momento.
Esta interpretação do Brasil elaborada por Faoro em Os donos do poder tem sua
primeira edição datada de 1958 sem, contudo receber grande reconhecimento de
imediato (Cf. Bortoluci, 2009). Será somente com a segunda edição de sua obra, em
meados dos anos 1970 – mais precisamente 1973 – que ela se tornará um clássico do
pensamento político-social brasileiro com grande importância política e intelectual. É
bem verdade que algumas modificações foram inseridas no texto, como o acréscimo de
dois capítulos, uma reformulação na disposição dos assuntos e a explicitação ―com
maior clareza‖ de alguns conceitos chave, como afirma o próprio autor no prefácio da
segunda edição do livro (FAORO, 2001, p. 13). Contudo, a hipótese que pretendo
sustentar aponta para outros fatores de ordem política e histórica para essa melhor
recepção do livro em sua segunda edição. Para isso, será necessário entramos em alguns
detalhes históricos que haviam sido apenas mencionados acima.
71
Exemplo bastante significativo é o dossiê apresentado pela revista Visão em maio de 1975, com mais
de 50 páginas, intitulado ―Brasil: capitalismo de Estado?‖ (Cf. Cruz, 1995).
85
no país, notadamente liberais e, posteriormente – mais precisamente julho de 1975 –
atingirá também os círculos empresariais. O tema ganharia progressivamente
importância nos debates públicos e só sairia de cena quando o governo o assumiu como
ponto central de discussão interna, em meados de 1976.
86
Schwartzman propõe uma visão que se assemelha à análise de Faoro em diversos
aspectos.
87
seja mínimo ou inexistente‖ (Schwartzman, 1982, p. 49)72, era isto que Schwartzman
caracterizava como patrimonialismo moderno ou neopatrimonialismo.
72
Caberia destacar uma crítica feita a Faoro por Schwartzman, por meio da qual este vem a desqualificar
a categoria ―estamento burocrático‖, cara a Faoro. Segundo Schwartzman, a burocracia e a classe política,
parcela dominante no patrimonialismo moderno, não teriam honra nem méritos próprios, não podendo,
assim, serem caracterizados como estamento, na estreiteza da definição weberiana.
88
podiam implorar, pressionar, ou reivindicar favores especiais e
concessões dos detentores do poder político, mas nunca poderiam
aspirar a conquistá-lo e submetê-lo a seus próprios fins. [...] Apenas o
Estado, ele mesmo, foi capaz, quando as condições existiam, de tentar
esta transformação, independentemente e, às vezes, às expensas dos
partidos políticos e dos setores sociais nacionais. (Schwartzman, 1982,
pp. 104-105).
O caldo teórico-intelectual estava dado para que fosse encontrada uma resposta
fácil aos problemas brasileiros. O argumento patrimonialista seria repetido à exaustão,
com diferentes matizes, por políticos, jornalistas, empresários, sindicalistas. A ideia de
uma elite74, no poder a quinhentos anos, que estaria se beneficiando do atraso brasileiro
e seria a responsável pelas mazelas da sociedade foi explorada por diferentes setores
sociais de acordo com seus interesses. Diversos segmentos sociais foram acusados de se
beneficiar desta característica do Estado brasileiro, no entanto, o próprio Estado, era
sempre encarado como responsável em última instância por perpetuar esta situação.
Um primeiro ponto que deve ser destacado se refere à ideia de uma ―cultura
empresarial‖ patrimonialista, que diversos líderes políticos, inclusive o então Presidente
da República, apontavam como um dos elementos responsáveis pela escalada da
inflação no Brasil. Esse padrão cultural do empresariado brasileiro, que não estaria
disposto a correr riscos, era atribuído justamente ao seu padrão de relacionamento com
o Estado. ―A cultura empresarial apodreceu no rastro da podridão pelo choque de
interesses dentro do governo‖ afirmava a este respeito um editorial do Jornal do Brasil,
completando ―É preciso restaurar no Brasil o conceito de investimento de risco, e
restaurar as relações entre o capital e o trabalho fora dos circuitos do estado e da
estatização‖ (Jornal do Brasil, 13/5/87 apud Fonseca, 2005). Ainda nesta linha, o
mesmo periódico argumentara meses antes: ―Nos Estados Unidos um cidadão nasce
73
Como aponta Carneiro (2002), entre os anos 1983 e 1989, ou seja, após a crise desencadeada pela
moratória mexicana de 1982, o Brasil se tornou um exportador líquido de capitais, ao contrário do que
havia sido o padrão nas décadas passadas.
74
A composição desta ―elite‖ iria variar de acordo com o porta-voz do discurso, conforme veremos mais
adiante.
89
pensando em ser empresário, enquanto no Brasil nasce pensando num emprego. [...] é
uma realidade cultural que deriva da nossa tradição patrimonialista‖ (Jornal do Brasil,
27/11/86 apud Fonseca, 2005). Quer dizer, se havia uma cultura política danosa entre os
brasileiros, esta era resultado das práticas estatais que havia deixado empresários e
trabalhadores ―mal acostumados‖ a depender sempre de favores do Estado.
75
Na crítica às características do Estado brasileiro, adjetivos como ―corportivista‖, ―cartorial‖,
―oligárquico‖, ―fisiológico‖, entre outros, eram muitas vezes usados sem rigor conceitual e poderiam ser
sinônimos ou causa e consequência entre si dependendo do contexto.
90
da nova Constituição e a manutenção de diversos mecanismos de intervenção estatal no
texto constitucional, dando o argumento que faltava para a consolidação da visão anti-
estatista no Brasil. O Estado de S. Paulo em um editorial bastante sugestivo irá
sintetizar o espírito da Carta Constitucional no ato simbólico de sua assinatura pelo
Presidente da Constituinte, para o qual utilizou uma caneta ofertada pelos funcionários
do Congresso:
Com isso, o jornal busca afirmar que foram mantidos ―os velhos hábitos do
empreguismo, do nepotismo e do patrimonialismo da política brasileira‖, ou seja, as
assertivas de Faoro teriam sido reforçadas pelo novo texto constitucional e o ―estamento
burocrático‖, por ele caracterizado, continuaria sendo o setor dominante e mais
privilegiado na sociedade brasileira.
As semelhanças não são mera coincidência. Dois anos mais tarde, a Folha iria
ampliar seu ataque a esta ―cultura política‖ do país ao definir a existência no Brasil de
um ―capitalismo sem risco‖, isto é, ―um capitalismo parasitários, que não apenas custa
caro para a população como ainda inibe o surgimento dos verdadeiros empreendedores‖.
Assim, o jornal não hesitaria em despejar sobre o Estado e seus agentes a
responsabilidade por todas as dificuldades enfrentadas pelo país. A transformação
completa destas práticas seria uma
91
exigência que pode desagradar ao burocrata estatal, sempre atenta aos
próprios privilégios, a seu prestígio social e às mordomias que arranca
de uma população mergulhada na miséria; que pode prejudicar os
incompetentes, os parasitas, os que enriquecem à custa da falência
pública (Folha de S. Paulo, 26/8/88 apud Fonseca, 2005).
92
pesquisas eleitorais e atribuía a isso, as práticas nefastas que aquele partido teria
mantido enquanto governo: "o povo, por enquanto pelo menos, está decidido a mudar,
não suporta mais o fisiologismo, o patrimonialismo, o nepotismo cínico e o
oportunismo desenfreado do estilo político predominante no Brasil e adotado pelo
PMDB" (O Estado de S. Paulo, 09/06/1989 apud Fonseca, 2005).
Contudo, como bem aponta Cezar (1994), a percepção dos eleitores em relação à
necessidade de diminuir ou pelo menos alterar ação do Estado perante a economia e a
sociedade ocorria de maneira mais indireta:
93
―caçador de marajás‖ cairia como uma luva neste papel76. A figura de Collor de Mello e
seus discursos e atitudes no campo do marketing político foram essenciais para tornar a
eleição de 1989 numa disputa entre o ―moderno‖ e o ―arcaico‖, adjetivos que voltam a
ganhar força na virada de década no Brasil.
76
O jornal Folha de S. Paulo definia da seguinte maneira o crescimento de Collor nas pesquisas de
opinião e sua apregoada ―caça aos marajás‖: ―[...] o fenômeno eleitoral de Collor de Mello – por mais
precário e inconsistente que se comprove sua postulação – reflete aspirações generalizadas da opinião
pública. [...] O ―marajá‖ não é propriamente o corrupto, mas o símbolo do empreguismo e do desperdício
dos recursos estatais. [...] o que surge, com mais e mais clareza, é um fenômeno mais amplo – a
circunstância de o Estado ter-se transformado no principal empecilho para a modernização do país.‖
(Folha e S. Paulo, 20/9/89 apud Fonseca, 2005).
77
Não pretendo entrar aqui no debate em torno do papel da mídia nas eleições de 1989, pois isso seria
fugir do foco deste artigo. Minha intenção é somente destacar a relação que foi criada entre o atraso da
94
A necessidade imperiosa de remodelar a máquina do Estado, de
promover cortes violentos na administração pública, de impor padrões
de racionalidade e eficiência, de extirpar o déficit público, de levar a
cabo uma política de privatização, exige um presidente ousado,
empreendedor, dotado de qualidades administrativas e de uma visão
estratégica de modernização (Folha e S. Paulo, 3/5/89).
Collor atirava para todos os lados e fazia questão de identificar aqueles que
tinham um comportamento danoso ao país, em todos os grupos sociais.
política patrimonial no Brasil, as propostas neoliberais, e a figura do então candidato Collor, revelando
um interessante jogo entre ―atraso‖ e ―moderno‖, já bastante marcado na história brasileira.
78
Como afirma Bourdieu (1989), o Estado é ―detentor do monopólio da violência simbólica legítima‖,
assim, o discurso anti-estatal nas palavras do Presidente da República ganha uma força simbólica
inquestionável.
95
As elites a que me refiro estão em todos os lados. Esse tipo de elite
que eu repilo não está localizado apenas, como o termo faz supor, nas
classes privilegiadas, aí retratado o industrial ou o grande empresário,
ou a classe política detentora do poder. Elas existem em todas as
camadas. (Collor de Mello, 1990b)
96
O moderno e tomado como um valor definitivo e absoluto, um ideal a
ser atingido pela sociedade brasileira [...] O Brasil Novo não vai mais
fabricar carroças, não vai mais ter um Estado atuante na economia,
não vai mais pertencer ao Terceiro Mundo (Hauguenauer, 1990).
Dessa forma, como bem aponta Brandão (2007: 65-6), o ―libelo contra o
‗estamento burocrático‘‖ de Faoro79, justamente por ter sido ―formulado em um período
em que o Estado era o repositório das esperanças nacionais, só obteve êxito década e
meia depois, quando este [o Estado – LF] deixava de ser visto como solução das
mazelas para ser visto como problema‖. No momento em questão, seguindo ainda a
trilha de Brandão, a situação político-intelectual teria se invertido, pois
79
É preciso ressaltar que, apesar de ser o principal responsável pelo desenvolvimento destas ideias no
Brasil, Faoro nunca foi um entusiasta das reformas neoliberais e as criticou em diversos artigos
acadêmicos e na imprensa (Cf. Ricupero & Nunes, 2005).
97
Com isso, as teses do patrimonialismo do Estado brasileiro cimentaram o
caminho para a ideologia neoliberal penetrar em diversos grupos sociais 80. O ―atraso‖
representado pelos vícios da tradição patrimonialista brasileira foi didaticamente
traduzido e experimentado pelas pessoas em um momento de crise de hegemonia. A
modernidade do programa neoliberal foi, assim, mais facilmente introduzida como
resposta aos problemas enfrentados pela sociedade. Como afirma Werneck Vianna
(1999: 46), ―o moderno, pois, não veio a encantar o mundo dos brasileiros [...], mas a
racionalizar a vida a partir de valores de mercado‖.
***
Apesar do relativamente amplo leque de ideias presentes no Brasil entre fins dos
anos 1980 e início dos 1990, pode-se notar um ponto central comum a todas elas: o
reconhecimento da profunda crise fiscal e financeira que atravessava o Estado e os
problemas que isso vinha causando ao país. A despeito das diferenças em termos de
prognósticos para a recuperação da crise, esta situação permitiu que o Estado e suas
práticas ―nefastas‖ fossem apontados como culpados pela situação pela qual atravessava
toda a sociedade brasileira.
Há que se ressaltar, porém, que as ideias neoliberais, embora em voga nos países
centrais desde os anos finais da década de 1970 e, em grande parte da América Latina,
durante toda a década de 1980; no Brasil, essas ideias só ganharam força e musculatura
política quando foram traduzidas para a realidade dos grupos sociais locais, seja por
meio de teorias econômicas que partiam da interpretação de nossa realidade e
encontravam semelhanças com as ideias pregadas pelo ―Consenso de Washington‖, seja
por meio do encontro de afinidade com uma filosofia espontânea desenvolvida no
imaginário brasileiro.
Mais do que isso, diante da forte dependência do Estado por parte da maioria das
classes e grupos sociais e pelo papel representado por este ao longo da história brasileira,
o liberalismo ou sua versão neo representada pelo ―Consenso de Washington‖ nunca
teve plena adesão de grupos relevantes politicamente. Algumas de suas teses sempre
foram vistas com reserva e, mesmo em casos como o da abertura comercial, das
80
Como foi apontado acima, essas ideias transcenderam os limites de classe e eram reproduzidas pro
porta-vozes de diferentes grupos sociais. Assim, diferentemente do que fizemos com as correntes
econômicas, não faz sentido buscar os grupos que tinham seu discurso atrelado a estas ideias.
98
privatizações e da disciplina fiscal, tidos como consensuais pela maior parte da
sociedade, sempre haviam senões colocados por um ou outro grupo que poderia ser
prejudicado por estes ajustes.
99
Capítulo 3: A tentativa hegemônica do empresariado
industrial
Ao analisarmos a postura do empresariado industrial brasileiro frente ao
processo de abertura comercial do Brasil e de reformas liberalizantes, algumas
perguntas veem à mente de imediato: quais possíveis interesses poderiam ter os
empresários brasileiros na abertura de um mercado antes restrito a seus produtos?
Kingstone (1999) aponta corretamente que os empresários podem estar dispostos a
aceitar os custos de reformas econômicas em troca de benefícios futuros, mas quais
benefícios poderiam estar em pauta? Se não existiam perspectivas de ganhos, porque
não tiveram força suficiente para evitar esse processo? Como eles atuaram junto ao
governo para minimizar suas perdas ou maximizar as possibilidades de lucro? O
neoliberalismo foi a ideologia vitoriosa no meio empresarial? Ou o empresariado
ressignificou as idéias neoliberais para adequá-las a seus interesses?
81
Como visto, o empresariado brasileiro havia rompido com o governo militar e posteriormente com o
governo Sarney após os fracassos dos planos heterodoxos de estabilização.
100
Assim, esta seção tem o objetivo de analisar a trajetória do empresariado
industrial82 brasileiro ao longo do governo Collor e sua reação frente ao processo de
abertura comercial. Defenderemos, em oposição aos autores que enxergam na estrutura
organizacional do empresariado brasileiro sua principal fragilidade, que a maneira mais
adequada de interpretar o comportamento desse grupo é entendendo-o como fração da
classe burguesa brasileira e analisando suas possibilidades de consciência ao longo do
período em questão. Neste sentido, argumentaremos que a fragmentação organizacional
e a ausência de uma organização de cúpula, capaz de unir toda a burguesia sob um
mesmo guarda-chuva institucional foi sim um dos fatores que limitaram as
possibilidades de consciência e ação por parte do empresariado industrial brasileiro, mas
não foi um impedimento para que tentativas hegemonizadoras fossem lançadas e
materializadas em novas e velhas organizações empresariais.
82
Utilizaremos o termo empresariado industrial para nos referirmos a esta fração da classe burguesa para
evitar a confusão com outras frações ou com a classe como um todo.
83
Duas importantes organizações empresariais não serão alvo de nosso estudo, de um lado, os Institutos
Liberais (IL) que, apesar de sua importância na disseminação da ideologia liberal no Brasil e de sua
preocupação com a mudança da ―mentalidade da população progressivamente‖, sua influência no debate
público foi bastante reduzida no período em questão (sobre os Institutos Liberais conferir Gros, 2002 e
2004). De outro lado, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) tampouco será estudada mais
aprofundadamente, pois apesar de seu caráter de organização de cúpula, sua influencia no período estava
muito mais relacionada à proeminência de seu presidente, o senador Albano Franco, do que por sua
capacidade de articulação e influência política.
101
A tese da fraqueza política do empresariado brasileiro
Diversos autores encontraram na estrutura organizacional das classes sociais
brasileiras a explicação para sua fragilidade e para a ausência de projetos coletivos por
parte destes sujeitos. Nesta perspectiva, a estrutura corporativa de representação de
interesses criada por Vargas nos anos 1930 e, em grande medida, preservada até hoje,
teria engessado a maneira como as classes e grupos sociais organizariam seus projetos e
demandas impedindo uma unificação ideológica e propositiva da classe como um todo.
Trata-se de uma visão que analisa o empresariado brasileiro a partir de uma perspectiva
centrada na experiência de outros países, sobretudo do centro do capitalismo mundial.
Essa visão foi desenvolvida principalmente por brasilianistas que tinham suas
expectativas frustradas em relação àquilo que seria a forma ―normal‖ de organização
empresarial e de relação com o Estado e as demais classes sociais, mas também
encontrou seus adeptos entre cientistas sociais brasileiros, como veremos a seguir.
102
135, tradução minha). Assim, eles seriam incapazes de articular seus interesses e suas
propostas para além do nível corporativo-setorial.
84
Entidades regionais como a FIESP também sofreriam do mesmo problema, pois pequenos sindicatos,
tanto em termos de número de filiados quanto em relação à representatividade econômica do setor, têm o
mesmo peso de sindicatos maiores e com mais relevância econômica.
103
(UBE) 85 , representassem algo novo capaz de romper com a lógica da atuação
empresarial até então, já que apenas demonstravam falhas do modelo FIESP de
organização que não era capaz de incorporar setores descontentes do empresariado
industrial. Sendo assim, o resultado colhido a partir da fundação destas organizações
teria sido apenas a ampliação da fragmentação da representação empresarial (Schneider,
1995).
Da mesma forma, Leigh Payne alega que ―a força política da elite empresarial é
limitada por sua incapacidade de organizar uma ação coletiva forte‖ (Payne, 1994:132,
85
A União Brasileira de Empresários (UBE) foi criada durante o período Constituinte com o intuito de
centralizar a atuação empresarial junto ao Estado e à Assembleia Constituinte. A nova organização não
contou, porém, com o apoio integral do empresariado industrial e chegou até mesmo a sofrer boicotes de
importantes entidades como a FIESP, que estaria receosa de perder seu poder de influência (Cf. Diniz,
1993a). Com isso, sua existência foi efêmera. Para mais detalhes da atuação da UBE junto à Assembleia
Constituinte conferir (Dreifuss, 1989).
104
tradução minha). Para ele, ―o padrão tradicional de organização e comportamento das
associações empresariais influencia o tipo de associação empresarial que se desenvolve,
bem como as estratégias que elas escolhem‖ (Payne, 1994, p. 150, tradução minha).
Dessa maneira, a tradição corporativista brasileira teria engessado o caráter das
associações representativas e sua atuação junto ao Estado, impedindo, assim, que os
empresários apresentassem demandas coletivas politicamente fortes e capazes de
influenciar os rumos do desenvolvimento do país. Para ele, a fragmentação
representativa dificultaria a mobilização coletiva dos industriais, só ocorrendo em casos
de forte ameaça a comunidade empresarial de forma ampla e, nos quais, a ação
individual fosse incapaz de trazer uma solução ao problema.
Kingstone, por sua vez, levanta algumas críticas a esta linha de raciocínio, mas
que não são suficientes para refutá-la. Por um lado, ele afirma que a visão corrente, de
que elites empresariais brasileiras são fracas e dependentes da proteção do Estado,
subestimaria o efeito da mudança no contexto político e econômico sobre o
comportamento dos empresários. Esta visão sucumbiria diante da evidência de que as
reformas neoliberais contaram com o apoio do empresariado e, assim, teria como única
explicação para isso uma suposta hipocrisia por parte do empresariado. Por outro lado,
ele também critica um segundo tipo de explicação, na qual se encaixam as idéias
expostas acima, que identifica a passividade do empresariado como uma função da
maneira como estão organizados seus interesses.
Ainda assim, ele concorda que a estrutura corporativa acabou por enfraquecer os
sindicatos patronais, pois como o peso das pequenas, médias e grandes empresas é o
mesmo dentro da estrutura decisória, as empresas maiores, que possuíam um canal de
diálogo privilegiado com o governo, davam menos peso a sua atuação nas entidades
representativas. Da mesma forma, ele não questiona o fato de que as mobilizações dos
105
empresários se davam em torno de interesses particulares e não coletivos. (Kingstone,
1999)
Diniz deixa claro que seu ponto de partida são as experiências de organização
empresarial ―dos países de capitalismo avançado na Europa.‖ Segundo ela, naqueles
países, teria ocorrido uma forte centralização e concentração na estrutura organizacional,
―consubstanciado na criação de entidades de nível superior voltada para a representação
do conjunto dos setores econômicos‖. Essa centralização representativa teria permitido
―a emergência de um padrão de ação unificado, pela redefinição de interesses
individuais em função de interesses de teor abrangente.‖ (Diniz, 1992, p. 37).
106
hegemônica acerca de uma nova alternativa de desenvolvimento econômico‖ (DINIZ,
1993a, p. 64).
O empresariado brasileiro não pode ser visto pela mesma ótica do empresariado
europeu ou norte-americano, nem mesmo deve-se exigir que ele siga o mesmo caminho
seguido por seus pares em outros países latino-americanos. É preciso compreender as
condições históricas e sociais concretas da realidade brasileira para melhor interpretar a
ação empresarial em cada momento histórico. Na perspectiva defendida por este
trabalho, a melhor maneira de realizar esta tarefa é por meio da categoria de consciência
possível que permite, ao mesmo tempo, compreendermos os limites estruturais dentro
dos quais a consciência e a ação do empresariado poderiam operar naquele contexto
histórico e suas opções táticas e estratégicas ao longo de cada uma das conjunturas
delineadas.
Por outro lado, Collor havia adotado uma postura extremamente agressiva
perante os empresários, o que contribuía ainda mais para o enfraquecimento da imagem
86
Conforme relato de um ex-integrante do governo, o impacto imediato da redução das barreiras não
tarifárias sobre as importações e, por consequência, sobre a competição no mercado interno foi muito
menor do que o esperado, tanto por entraves burocráticos que ainda permaneciam quanto por causa da
falta de experiência nos trâmites aduaneiros por parte de empresários brasileiros. Somente após alguns
meses este impacto passou a ser sentido mais duramente pelos empresários nacionais.
108
deste setor da sociedade na esfera pública 87. Assim, uma preocupação central que o
empresariado brasileiro precisava ter durante o governo Collor dizia respeito à
reconstrução de sua imagem enquanto ator social forte e capaz de servir como exemplo
a ser seguido na sociedade brasileira, algo fundamental para um sujeito que almeja o
status hegemon de uma sociedade.
Em termos mais concretos, o governo Collor buscou abrir canais de diálogo com
o empresariado em três frentes distintas, cada uma em uma fase específica do governo e
tendo como interlocutor preferencial uma parcela ou algumas figuras marcantes do
empresariado nacional.
87
Apesar de Collor buscar diferenciar os empresários ―modernos‖ daqueles com uma postura ―atrasada‖,
seus ataques acabavam por afetar a imagem do empresariado como um todo.
109
Neste momento, empresários como Emerson Kapaz e Oded Grajew, ligados ao
PNBE e que representavam uma tentativa de reorganização do empresariado, em torno
de pautas mais gerais e, portanto com conteúdo menos imediatista e particular, seguindo
a crítica que Collor repetia desde a campanha eleitoral no ano anterior. É neste período
que forma lançadas as Diretrizes da Política Industrial e de Comércio Exterior, com sua
reforma tarifária e sua retórica contrária à proteção do mercado e à manutenção de
privilégios para determinados setores ou grupos de empresários.
O PBQP tinha um caráter essencialmente simbólico, uma vez que nem mesmo
contava com recursos orçamentários próprios, e tinha como objetivo central a
mobilização de empresários com o intuito de adotarem boas práticas de gestão e
modernização da estrutura gerencial. O programa se dividia em diversos subprogramas,
mas tinha seus esforços coordenados por três empresários de destaque em suas
respectivas atividades, eram eles: Hermann Wever, Presidente da Siemens no Brasil,
Eggon João da Silva, um dos fundadores da fábrica de motores WEG e José Mindlin,
proprietário da Metal Leve. Assim, o programa partia da ideia de que essas e outras
lideranças empresariais, por meio de seu exemplo de sucesso e das boas práticas
adotadas em suas empresas, poderiam estimular grandes alterações na postura do
empresariado brasileiro. Na visão de integrantes do governo Collor, o PBQP foi um
exemplo de sucesso dentro de suas propostas, pois foi capaz de criar um referencial de
boas práticas de gestão e de produção.
110
Por outro lado, os fóruns criados no âmbito do PCI para discutir as medidas de
estímulo à competitividade acabaram tendo uma efetividade muito menor. Devido ao
seu caráter essencialmente consultivo, com o intuito de colher sugestões do
empresariado sobre pontos que poderiam ser aprimorados na política industrial e à baixa
abertura por parte do governo em ceder à pressão dos industriais, poucos resultados
foram colhidos diretamente destes espaços. Por parte da CEC, a isenção do IPI, a
depreciação acelerada sobre Bens de Capital, algumas negociações em torno da
reformulação da Lei de Informática e a liberação para a compra com cartão de crédito
no exterior foram alguns de seus resultados mais mensuráveis. Já nos GEPS, criados em
substituição às câmaras setoriais do governo Sarney os resultados foram ainda mais
efêmeros, uma vez que a política de redução de tarifas estava fora de pauta por parte do
governo e este via qualquer demanda setorial como algo cartorial e atrelado ao velho
modelo desenvolvimentista.
Assim, a segunda fase do governo Collor é marcada pela abertura desses canais
de diálogo com o setor privado por parte do governo. Nesta conjuntura, o fortalecimento
das novas entidades empresariais – cada vez menos com o PNBE e mais com o IEDI – e
de figuras marcantes em termos de sucesso empresarial, tinha como objetivo a
formulação de uma nova agenda de desenvolvimento para o país na qual os empresários
seriam atores chave. Neste aspecto, surgiam os primeiros sinais de uma possível
solidariedade de interesses entre governo e empresariado, abrindo-se, com isso, as
primeiras possibilidades para que este sujeito pudesse pleitear, ainda que de maneira
bastante tímida uma posição hegemônica na sociedade.
Assim, é preciso destacar que par além da conjuntura recessiva e da pressão por
medidas atenuantes da crise, contou para essa mudança de atitude por parte do governo,
o reconhecimento, entre os membros da própria equipe econômica do governo, de que a
política pensada com um pé no constrangimento da competição outro no incentivo à
competitividade havia falhado neste último aspecto, o que só seria corrigido com a
intensa participação dos atores envolvidos neste processo.
88
As câmaras setoriais serão tratadas de maneira mais detalhas quando tratarmos da atuação sindical, pois
este foi um fórum em que a presença dos sindicatos mudou qualitativamente seu caráter.
112
ação e consciência por parte do empresariado neste período. A exposição da análise de
acordo com a entidade foi um recurso didático encontrado para facilitar o entendimento
das nuances presentes internamente a esta fração de classe, que revelariam as diferentes
possibilidades que a ação e a consciência de classe do empresariado industrial poderiam
assumir neste período. No entanto, além de facilitar o entendimento da questão, a
divisão em entidades expressa algo advindo da própria realidade, pois foi desta forma
que se organizaram as lideranças empresariais mais proeminentes do país naquele
contexto histórico.
113
consolidou como principal interlocutora do governo junto aos empresários e como
principal porta-voz destes na esfera pública.
89
Vidigal Filho era proprietário da Cobrasma e presidente do Sindicato Nacional da Indústria de
Autopeças (Sindipeças).
90
Em parte isso ocorria pela própria estrutura representativa do sistema corporativo brasileiro que
garantia um voto para cada sindicato independentemente do tamanho ou representatividade econômica.
114
presidente foi além da simples troca de diretores, segundo Bianchi (2004), apesar de não
haver uma ruptura em termos de frações, setores e tamanho das empresas representadas
na diretoria da entidade, ―a nova arquitetura institucional adotada pela gestão Vidigal
Filho promovia um rearranjo de forças que privilegiava os setores vinculados a indústria
metal-mecânica‖, além de permitir uma ampliação dos interesses representados ao
incorporar importantes lideranças setoriais 91 (Bianchi, 2004, p. 140). Finalmente, é
preciso destacar que, na gestão iniciada em 1980, houve uma acentuação da participação
de empresários vinculados a grandes empresas nas diretorias mais importantes da
entidade.
91
Entre as lideranças incorporadas na nova gestão estavam: Jamil Nicolau Aun, da Papel Simão; Einar
Alberto kok, da Máquinas Piratininga; Carlos Ramos Villares, das Indústrias Villares; Paulo Cunha, do
grupo Ultra e Eugênio Satub, da Gradiente, entre outro (Bianchi, 2004).
92
O ―grupo dos oito‖ se refere aos empresários eleitos em consulta a 5 mil empresários de todo o país,
realizada pelo jornal Gazeta Mercantil, em 1978, como as lideranças, empresariais do ano, eram eles:
Cláudio Bardella, Severo Gomes, José Mindlin, Antônio Ermírio de Morais, Paulo Villares, Paulo
Velinho, Laerte Setúbal Filho e Jorge Gerdau Johanpeter, Diretor do grupo Gerdau. Estes empresários
firmaram um documento que ficou conhecido como ―Documento dos oito‖ e que pedia, entre outras
coisas, maior abertura política e mais participação do empresariado nas decisões do governo.
115
empresário deseja liderar um ‗projeto de nação‘ já era uma mudança digna de nota‖.
(Bianchi, 2004, p. 152). Neste período, emergiu um discurso voltado para a sociedade
no interior da FIESP que tinha como preocupação fundamental a despolitização do
movimento sindical, mas que antes de ser um projeto hegemonizador da sociedade tinha
a preocupação maior de enfraquecer o novo sindicalismo surgido nos anos anteriores
(Bianchi, 2004).
Dois pontos devem ser destacados deste discurso de Amato que iriam tornar-se
centrais na pauta de reivindicações da FIESP, e do empresariado industrial em geral,
nos anos seguintes. O primeiro se refere à relação do Brasil com o capital internacional.
Diante da crise econômica e financeira que assolava o país e da escassez de recursos
tanto por parte do Estado quanto do setor privado nacional, parte do empresariado
passou a ver na entrada de recursos estrangeiros a solução para alguns de seus
problemas. Por isso, a necessidade de oferecer tratamento igualitário para o capital
nacional e o estrangeiro.
116
Na mesma linha, seguia o livro lançado pela FIESP em 1990, intitulado ―Livre
para crescer‖ e que foi resultado de debates internos realizados entre maio de 1989 e
janeiro de 1990, que contaram com a consultoria de economistas da Federação e da
academia. O próprio título do livro já fornece uma boa noção de seu teor
assumidamente anti-estatista. A idéia é clara e está exposta na contracapa do livro:
―para se modernizar, o país precisa de liberdade‖, ou seja, o modelo de desenvolvimento
liderado pelo Estado estava esgotado e a intervenção deste na esfera econômica estava
travando o crescimento brasileiro. O Estado, antes visto como suporte do
desenvolvimento, havia se tornado um peso que impedia o avanço do país rumo à
modernização (FIESP, 1990).
À primeira vista, o texto pode causar algum espanto devido a seu alto grau de
apoio a um programa de cunho neoliberal, sobretudo se considerarmos que os
empresários ligados à FIESP sempre foram altamente beneficiados de suas relações
privilegiadas com os agentes estatais. Contudo, é preciso entender as idéias dentro de
seu contexto e das disputas presentes no momento.
93
O timing, isto é, a temporalidade e os prazos, do processo de abertura comercial foi um dos principais
entraves levantados sistematicamente pelo empresariado industrial às reformas liberalizantes promovidas
pro Collor. O empresariado, contudo, em nenhum momento apresentou um cronograma que considerasse
ideal para o processo. Ao invés disso, demandava constantemente uma maior abertura do governo ao
diálogo com o setor privado para que este pudesse interferir nesta e em outras questões relativas ao
processo de reformas em curso.
117
como perante a sociedade em geral. Prova disso foi o surgimento de novas entidades
empresariais e os constantes conflitos entre o Presidente da entidade Mario Amato e o
então candidato e posteriormente Presidente da República Fernando Collor de Mello.
Assim, nossa hipótese é que o programa da FIESP, além de apontar para questões que já
estavam em pauta desde o fracasso do Plano Cruzado, como a diminuição da
intervenção do Estado em assuntos econômicos, sobretudo em temas como o controle
de preços, e uma maior abertura da economia ao exterior com o intuito de atrair capitais
externos, visava resgatar um pouco da legitimidade perdida pela entidade, tirando dos
empresários e transferindo para o Estado a responsabilidade pela crise econômica do
país.
Esta hipótese é corroborada pela cautelosa postura que a entidade e seus líderes
adotaram ao longo do governo Collor. Desde o lançamento do Plano Collor, com suas
medidas de congelamento de preços e salários e confisco dos depósitos bancários, as
críticas ao governo eram feitas nos bastidores, buscando um caminho menos conflitivo.
Em reunião interna da FIESP, ficou patente o pessimismo e a vontade de confrontar o
governo, mas ao fim acabou vencendo uma posição mais ponderada, tendo como
resultado uma nota menos enfática que apelava apenas para a manutenção do estado de
direito94 (Istoé/Senhor, 04/04/1990).
Dessa forma, a postura da FIESP não poderia ser outra senão de aprovação e
elogio em relação à Política Industrial e de Comércio Exterior anunciada por Collor em
junho de 1990. Segundo o Presidente Mario Amaro, a nova política industrial seguia a
filosofia da FIESP, que "sempre pregou o liberalismo e a abertura do mercado interno a
competição internacional" (POLI, 2004).
94
O apelo ao estado de direito se dava devido aos abusos que agentes da Polícia Federal estariam
comentendo na fiscalização de preços, que teriam resultado inclusive na prisão de empresários do setor do
comércio que teriam remarcado preços ilegalmente.
118
estaria sendo acusado por tudo de ruim que acontecia ao Brasil. A posição incômoda em
que se encontravam os empresários ficou clara quando Amato afirmou, no mesmo dia
em que havia defendido o programa econômico do governo, que o Plano Collor "foi
quase uma cilada em que os empresários caíram‖ ao se defender de críticas feitas pela
Ministra da Economia Zélia Cardoso de Mello (POLI, 2004).
Assim, ficava clara a necessidade que a FIESP sentia de reconstruir sua imagem
pública e a imagem do empresariado na sociedade brasileira, que havia sido arranhada
tanto pelos embates públicos em que haviam se envolvido, mas principalmente pela
filosofia espontânea apontada acima, que passou a ver oportunismo e privilégio na
relação do empresariado com o Estado. Assim, a defesa de uma sociedade mais liberal
no debate público colaborava com esta estratégia de reconstrução da imagem pública do
empresário brasileiro.
Na segunda conjuntura que delineamos acima e que tem início no final de 1990,
a demanda central dos empresários ligados à FIESP será por mais abertura e diálogo do
governo com o setor privado, principalmente com o fracasso das negociações do
―entendimento nacional‖. Em nota divulgada em novembro daquele ano, a FIESP
afirmava seguir ―acreditando que as propostas de modernização do atual governo são
perfeitamente compatíveis com o pensamento dos empresários", ao mesmo tempo em
que alegava que existiam problemas de implementação que só seriam resolvidos através
do dialogo, do entendimento e da negociação (POLI, 2004).
119
principalmente após a instalação e funcionamento das câmaras setoriais. Os atritos
procuraram ser deixados para segundo plano e os meses seguintes seriam de troca de
afagos públicos e negociações privadas.
Esse era o objetivo maior da ação da FIESP ao longo do período analisado, daí o
apoio entusiasta às reformas liberais promovidas por Collor e as contestações públicas
entre o presidente da entidade Mário Amato e a equipe econômica de Collor, nas quais
ambos buscavam livra-se da responsabilidade pelos problemas do país. Em nenhum
95
Como argumentamos acima, essa construção do Estado como vilão e do empresário como heróis
contou, no Brasil, com a ideias subjacente do patrimonialismo do Estado brasileiro.
120
momento, surgiram indícios de um projeto no interior da FIESP que buscasse construir
uma hegemonia do empresariado industrial sobre a sociedade brasileira. A FIESP atuou
ao longo de todo o período analisado muito mais na defensiva, ou na melhor das
hipóteses, no contra-ataque.
Entre fins dos 1980 e começo dos 1990, algumas alianças entre esses três
movimentos surgiram e chegaram a ameaçar a liderança da FIESP, e do empresariado
tradicional representado por ela, junto a esta fração de classe. A consequência foram
revoltas internas e contra a FIESP, que resultaram em novas organizações empresariais
e numa renovação, ainda que limitada, da própria FIESP, como será discutido a seguir.
121
O PNBE e a possibilidade de incorporação dos trabalhadores no novo pacto
hegemônico
As movimentações pela fundação do Pensamento Nacional de Bases
Empresariais (PNBE)96 tiveram início internamente à FIESP e ao CIESP e buscavam
fundamentalmente garantir um espaço representativo maior para firmas menores
(Kingstone, 1999). Os empresários ligados a este movimento eram, no geral, de uma
geração mais jovem e se opunham ao que consideravam ―restrições á participação
democrática na entidade e à independentização da Federação daqueles interesses que
deveria representar.‖ (Bianchi, 2001:74-5).
96
A participação do PNBE nas negociações em torno da abertura comercial foi quase irrelevante.
Contudo, consideramos importante destacá-lo devido a sua importância em termos políticos e simbólicos
para a atuação do empresariado no período em questão.
122
Estado-sociedade em geral, com uma perspectiva democrática e negociada para
assuntos sociais (Kingstone, 1999).
De acordo com seu folheto de divulgação inicial, o PNBE teria como função
―transcender o interesse de uma categoria‖ e seria um movimento de base e não de
cúpula, que pretendia integrar empresários de todas as áreas e construir uma ponte em
direção ao ―processo de discussão e decisão das grandes questões nacionais‖ (Diniz &
Boschi, 1993).
123
Nesse contexto, o PNBE procurou projetar-se como uma entidade que
dá prioridade à negociação como forma de administrar a distribuição
de perdas para os diferentes atores envolvidos, em contraste com a
prática costumeira das entidades tradicionais que tendem a colocar em
primeiro plano os ganhos das categoriais representadas. (Diniz &
Boschi, 1993, p. 123).
Por outro lado, nos meses finais de 1991, empresários do PNBE iniciaram um
processo de articulação com sindicalistas, políticos da oposição e outros empresários,
para apresentar uma alternativa ao Projeto de Reconstrução Nacional, recusando a
participação do governo nestas conversas, o que revela a centralidade da questão do
estabelecimento de novas relações entre empresários e trabalhadores no programa do
PNBE.
Dessa forma, é possível afirmar, como faz Bianchi (2001, p. 103) que, para o
PNBE, a modernidade não se encontrava no mercado, mas em um novo padrão de
relações entre empresários e trabalhadores. Assim, os empresários do PNBE também se
opunham ao velho desenvolvimentismo, mas suas críticas não estavam unicamente
dirigidas ao estatismo, era também, e principalmente, ―uma rejeição do tipo de relação
capital-trabalho estabelecido ao longo das últimas décadas‖.
124
Dessa forma, a relação de Collor com o PNBE foi ficando mais tensa e
conflituosa com o passar do tempo. Nas duas primeiras conjunturas que delineamos
acima, o Presidente buscou se aproximar da entidade. Na primeira, porque acreditava
que por serem jovens e trazerem propostas inovadoras – algumas delas condizentes com
o programa do candidato derrotado por Collor, Luís Inácio Lula da Silva (PT) – eles
passariam a idéia de que um novo empresariado, mais dinâmico, moderno e
democrático estaria surgindo no Brasil, com o qual o governo estaria disposto e dialogar.
O PNBE encarnava naquele momento a imagem de anti-FIESP nos principais aspectos
que Collor criticava a entidade: a preocupação com interesses particulares e a
dependência em relação ao Estado. Na segunda conjuntura, Collor tentou se utilizar da
proximidade e da legitimidade que o PNBE desfrutava junto ao movimento sindical
para facilitar as negociações do ―entendimento nacional‖. Com o fracasso das
negociações, o PNBE se afastou progressivamente de Collor sob o argumento de falta
de abertura ao diálogo e pela manutenção da política recessiva, apesar de algumas de
suas lideranças manterem a participação nas comissões de negociação empresarial.
Desse modo, em diversos aspectos, pode-se dizer que o PNBE representava uma
alternativa de fato ao modelo vigente de organização empresarial. Suas preocupações
não estavam focadas em garantir ganhos imediatos nem na promoção de setores ou
firmas específicas. Além disso, havia uma forte preocupação com a organização interna
da entidade para que esta fosse democrática e para que houvesse canais de diálogo e
construção de consensos debaixo para cima. Finalmente, as relações trabalhistas
estavam entre suas pautas centrais e a entidade declarava seu objetivo de promover a
cooperação e a negociação entre trabalhadores e empresários.
125
pleitear pautas mais gerais e encontrar maneiras de incorporar os trabalhadores neste
novo pacto hegemônico a ser construído.
97
Os 30 empresários responsávei pela fundação do IEDI e os respectivos grupos econômicos por eles
representado eram: Abraham Kasinsky, Cofap; Luiz de Mello Flores Guinle, Elebra; Amarílio Proença
de Macêdo, J. Macedo; Max Feffer, Suzano; Bruno Nardini Feola, Indústrias Nardine; Ney Bittencourt
de Araujo, Agroceres; Celso Lafer, Metal Leve; Olavo Monteiro de Carvalho, Monteiro Aranha; Claudio
Bardella, Bardella; Paulo Diederichsen Villares, Villares;Eggon João da Silva, WEG;Paulo Francini,
Coldex Frigor;Eugênio Emílio Staub, Gradiente; Paulo Guilherme Aguiar Cunha, Ultraquímica;
Francisco Roberto Aracruz Celulose; Andre Gros Paulo Mário Freire, Cimento Portland Paraíso; Hugo
Miguel Etchenique, Brasmotor; Paulo Setubal Neto, Duratex; Ivan Muller Botelho Cia. de Força e Luz
Cataguazes-Leopoldina; Pedro Franco Piva, Klabin; Ivoncy Brochmann Ioschpe, Iochpe; Raul Mena
Barreto dos Reis, Sadia-Concórdia; João Pedro Gouvêa Vieira Filho, Ipiranga; Raul Schmidt, Tupy;
Jorge Gerdau Johannpeter, Gerdau; Ricardo Frank Semler, Semco José Ermírio de Moraes Filho,
Votorantim; Sérgio Marcos Prosdócimo Refrigeração Paraná; Luiz Alberto Garcia, ABC-Empar; Sylvio
Tuma Salomão, Açotécnica. Diversos desses empresários, ou outras figuras proeminentes do mesmo
grupo industrial, já haviam figurado entre os mais influentes do país por diversos anos, segundo a eleição
realizada pela Gazeta Mercantil.
126
dinâmicos da economia brasileira, com grande relevância no encadeamento industrial
para a acumulação de capital.
Essa posição inicial do IEDI, ainda pouco propositiva, ficaria mais clara nos
estudos produzidos em 1991 e 1992, que defendiam que o Brasil precisava de uma
política que promovesse a competitividade de forma sistemática. Para isso, seria preciso
que o governo garantisse a estabilidade de preços e emitisse sinais claros neste sentido.
100
Essa semelhança não é mera coincidência já que alguns dos empresários fundadores do IEDI tinham
conhecimento do programa da integração competitiva e haviam participado de reuniões nas quais o
programa lhes foi exposto. Como já foi dito anteriormente, à época da formulação do cenário da
integração competitiva, Julio Mourão e outros técnicos do BNDES, realizaram uma série de reuniões com
empresários para discutir a implantação da Integração Competitiva. Vale a pena mencionar novamente os
empresários que participaram destas reuniões: Paulo Cunha, Eugênio Staub, Cláudio Bardella, Paulo
Villares, Ozires Silva, Paulo Francini. De acordo com Mourão (1994), a ideia de fundar o IEDI teria
surgido a partir destes encontros. Mesmo que não seja possível atestar a completa veracidade desta
informação, é significativo o fato de que dentre todos os empresários listados pelo autor, Ozires Silva, que
ocupou o Ministério da Infra-estrutura no início do governo Collor, foi o único dentre os empresários
citados que não foi signatário do início dos trabalhos do Instituto.
129
industrial, havia claramente uma preocupação, por parte do Instituto, em garantir uma
rearticulação entre Estado e sociedade de maneira a garantir mais espaço para o
empresariado na formulação e execução das políticas propostas 101 . Um importante
documento de 1992, intitulado ―Modernização Competitiva, Democracia e Justiça
Social‖, tinha como justamente cerne a defesa de uma nova relação entre Estado e setor
privado, na qual fosse superada a cooptação e o atendimento a interesses particulares.
101
Também não causa espanto esta demanda do IEDI já que alguns de seus fundadores haviam firmado o
―documento dos oito‖ no fim dos anos 1970 que pleiteava uma maior abertura do Estado às demandas
empresariais. Tratava-se, portanto, de uma pauta antiga deste grupo e que ganhou força progressivamente
com o processo de abertura política do país.
102
Apenas para citar alguns economistas que atuaram próximos do IEDI, destacaríamos Luciano
Coutinho, João Manuel Cardoso de Mello, Wilson Cano e José Carlos de Souza Braga.
130
caso da aproximação entre as empresas e o setor financeiro com o intuito de construir
mecanismos que facilitassem e barateassem o crédito para o setor produtivo e
potencializasse a capacidade de investimento das empresas, criando o que tanto os
economistas responsáveis pelo ECIB quanto os responsáveis pelos estudos do IEDI
chamaram de ―finanças industrializantes‖:
Muitas das ideias expostas pela equipe econômica de Collor também eram
defendidas pelos empresários ligados ao IEDI, como foi dito acima. Na segunda
conjuntura que demarcamos, a relação do IEDI como governo Collor foi intensificada,
sobretudo devido às promessas contidas no lançamento dos programas de estímulo à
competitividade e ao desenvolvimento tecnológico e à abertura de novos canais de
diálogo entre o Estado e o setor privado no âmbito destes mesmos programas. O PBQP
e seu desejo de estimular práticas bem-sucedidas em termos métodos de gestão e de
produção tinha como espelho muitos dos empresários ligados ao IEDI.
131
Contudo, o prolongamento da recessão econômica e a falta de resultados a serem
apresentados pelos programas fizeram com que o IEDI se afastasse do governo e
aumentasse suas críticas ao processo de abertura comercial. Nas propostas inaugurais de
1990, o IEDI dava mais apoio para liberalização comercial, mas no começo de 1992,
muda de tática e passa a promover debates com a expectativa de construir uma posição
consensual que caminhasse no sentido de diminuir o ritmo da abertura comercial e
terminar com a recessão. (Kingstone, 1999). Assim como as demais entidades
empresariais, as criticas do IEDI ao processo de abertura buscavam poupar o processo
em si, apontando para problemas na sua condução por parte do governo, como a
velocidade do processo, a mudança de regras em termos de cronogramas pré-
estabelecidos e a ausência de políticas de competitividade e de salvaguardas dos setores
internos mais afetados pela concorrência do produto importado bem como de
mecanismos para bloquear a concorrência desleal (IEDI, 2001).
Pode-se dizer, então, que o projeto desenvolvido pelo IEDI tinha um objetivo
hegemônico no sentido de colocar o empresariado industrial na liderança do processo de
desenvolvimento capitalista. No entanto, para ser bem-sucedido, faltava-lhe de algo que
estava presente no projeto do PNBE: a preocupação com os mecanismos de
incorporação de outros grupos de maneira subalterna na conformação de um novo bloco
histórico. A preocupação fundamental do IEDI estava muito mais voltada para a criação
de uma hegemonia ideológica como define Valente:
132
Parecia estar claro para esse segmento da burguesia nacional que era
necessário criar um "sentimento público" favorável às diretrizes de
política econômica defendidas por ela. (Valente, 2002)
103
Em 1990, a economia brasileira havia se retraído 4,3%, em 1991, o crescimento foi de apenas 1% e,
em 1992, o PIB voltou a cair 0,5%. Em termos de PIB per capita, houve queda nos três anos, sendo -7,1%
em 1990, - 0,7%, em 1991 e -2,2%, em 1992, de acordo com dados do IBGE. E a participação da
indústria no PIB havia caído de 46,3%, em 1989 para 38,7% em 1992.
104
Após quedas nas taxas de inflação decorrentes dos Planos Collor 1 e 2, os preços voltaram a subir ao
longo de 1991. A partir de outubro de 1991 até o final do governo Collor, a inflação mensal ficou entre 20
e 25% ao mês, segundo o INPC e o IPCA, ambos medidos pelo IBGE.
105
Ao longo de 1990, a avaliação pública do governo Collor se manteve relativamente estável, recebendo
entre 30% e 35% de ―ótimo/bom‖ e 18% a 23% de ―ruim/péssimo‖. No início de março de 1991, no
entanto, pesquisa realizada pelo datafolha mostra que, pela primeira vez, as avaliações negativas (34,1%)
superaram as positivas (23,3%) e seguiriam assim até o final do governo. No início de 1992, pesquisas do
IBOPE e Datafolha mostraram que o governo Collor era mal avaliado por mais de 45% da população,
enquanto as avaliações positivas não passavam dos 15%.
133
Neste contexto, empresários, trabalhadores e políticos da oposição –
governadores, parlamentares e lideranças partidárias – ameaçavam articular acordos e
propostas entre si, sem a participação do governo. Tratava-se de uma estratégia que
buscava forçar o governo a negociar e demonstrar publicamente a oposição destes
setores à política recessiva e ao insucesso nos objetivos prometidos por Collor na
campanha eleitoral. O Governador de São Paulo, Luiz Antonio Fleury Filho, por
exemplo, tentou negociar câmaras setoriais no âmbito estadual, com o intuito de alinhar
preços e salários entre trabalhadores e empresários.
106
Este tema do corporativismo será debatido de forma mais detalhada quando tratarmos da atuação dos
sindicatos no período.
134
Assim, de um lado estavam as ―forças modernizadoras‖ da atuação empresarial,
mesmo que não totalmente articuladas, mas que contavam com o apoio de diversos
empresários ligados ao IEDI e ao PNBE. Para Kapaz, as eleições da mais influente
entidade empresarial do Brasil eram a oportunidade de recompor a representatividade
das entidades patronais, condição necessária para o empresariado assumir papel de
―articulador de novo rumo ao país‖.
107
Como foi mostrado acima, a competitividade sistêmica era uma das demandas mais caras ao IEDI.
135
segmentos econômicos com recursos técnicos, gerenciais, educacionais, e a promoção
de incentivos com crédito e política fiscal adequadas. Já o terceiro, estaria nas mãos dos
próprios empresários, uma vez que estava relacionado a uma firme representação
empresarial, com lideranças capazes de promover uma transformação estrutural nas
entidades empresariais.
Dessa forma, suas propostas acenavam claramente para o setor empresarial que
compunha a maior parte dos membros do PNBE. Os ganhos econômico-corporativos
que ele oferecia eram similares às conquistas que outros setores econômicos vinham
obtendo nas negociações diretas com o governo por meio das câmaras setoriais. Ao
fazer essa sinalização, Moreira Ferreira indicava duas coisas. Primeiro, que sua
candidatura não estava preocupada em construir um programa de desenvolvimento
136
econômico para o país sob a liderança empresarial. Segundo, ele deixa claro que estava
buscando o voto de um dos poucos setores do empresariado representado na FIESP que
seguia descontente com a atuação da entidade nos últimos anos, os pequenos
empresários. Assim, a estratégia usada por Moreira Ferreira tinha o sentido de mostrar
para estes empresários que eles também poderiam ser partícipes da nova arquitetura de
ganhos corporativos obtidos por outros setores nas câmaras setoriais108.
108
Apesar de todos os problemas e insatisfações publicamente manifestadas, pesquisa realizada pelo
Datafolha e divulgada às vésperas da eleição da FIESP (25 de julho de 1992) mostrava que a política
econômica do governo era vista com bons olhos pelo empresariado, já que 71 por cento dos entrevistados
avaliavam como ―ótima‖ ou ―boa‖ a gestão de Marcilio Marques Moreira à frente do Ministério da
Fazendo (POLI, 2005). Outra pesquisa, realizada em junho de 1992, revelou que para 71% dos
empresários entrevistados a política econômica do governo deveria ser mantida (DATAFOLHA, 1992).
Esses dados mostram que a maior parte do empresariado brasileiro via as reformas de Collor com bons
olhos ou pelo menos acreditava que estava obtendo alguma vantagem com elas, já que desejavam a sua
manutenção.
137
ameaçava a própria sobrevivência de vários setores econômicos, as eleições marcaram a
história do empresariado brasileiro em diversos aspectos.
Por outro lado, ambos os fatos marcam também a vitória do modus operandi
corporativista, já que os acordos por setor mostraram-se vantajosos tanto em termos
econômicos quanto políticos.
Dessa forma, seja por não concordarem mais com a forma de atuação ou ideias
defendidas por suas entidades ou pela necessidade de garantir um mínimo de ganhos
corporativos para assegurar sua sobrevivência econômica, diversos empresários
deixaram de dar força e peso político para as novas entidades empresariais e voltaram
novamente sua atenção para a velha, mas revigorada FIESP.
109
A prova maior deste aprendizado por parte do empresariado industrial brasileiro foram os acordos das
câmaras setoriais que permitiram a sobrevivência de alguns setores em dificuldade, o mais marcante deles
foi, sem dúvida, o acordo das montadoras, que melhorou significativamente a situação da indústria
automobilística no Brasil.
138
p. 117) afirma que ―essas renovações [...] aumentaram a habilidade dos industriais em
moldar o curso das reformas neoliberais‖.
Dessa forma, o sentido maior do período Collor e das eleições da FIESP de 1992
foi a consolidação da consciência econômico-corporativa como linha mestra da atuação
do empresariado industrial brasileiro. O resultado das eleições da FIESP demonstrou
que essa consciência empresarial até poderia transgredir o limite dos interesses
corporativos mais imediatos, mas não iria além da solidariedade de interesses interna à
classe. Sendo assim, o empresariado industrial brasileiro terminava o período Collor
sem ser capaz de pleitear uma posição hegemônica na sociedade brasileira, mas
mostrava-se apto a impor algumas condições para sua inserção no bloco histórico
hegemônico que seria construído nos próximos anos.
***
139
Mais isso não quer dizer que a política industrial e de comércio exterior
conduzida pela equipe econômica do governo, que compreendia basicamente a abertura
comercial e os programas de apoio ao desenvolvimento tecnológico e de aumento da
produtividade, sofria uma oposição sistemática por parte do empresariado industrial110.
Pesquisas realizadas junto a empresários de diversos ramos mostraram, em diversas
ocasiões, que o empresariado em geral apoiava a política comercial, se opondo apenas a
questões como o timing da abertura e o funcionamento dos programas lançados pelo
111
governo . O que confirma as manifestações públicas de diversas lideranças
empresariais que foram citadas acima e que, mesmo quando marcavam oposição ao
governo, deixavam claro que suas ressalvas se deviam à maneira como o processo
estava ocorrendo e não ao processo de abertura em si.
Apesar de ser algo aparentemente óbvio, o que não é tão claro nem para o
governo nem para os atores envolvidos é: quais são as políticas compensatórias
necessárias e quais os sinais que devem ser emitidos para que os sujeitos aceitem
cooperar com o processo em questão? Ambos dependem das possibilidades de
consciência que aquele sujeito desfruta em uma situação histórica concreta. Em um
período de crise orgânica, no qual os acontecimentos ganham significados políticos para
além de sua imediaticidade, a possibilidade de consciência das classes se transforma a
cada mudança conjuntural. Por isso, devem ser analisadas em sua concretude histórica.
110
Outro fato bastante significativo foi apontado por Gesner Oliveira (1993), que indica que a abertura
comercial teria sido a reforma econômica promovida por Collor que mais avanço ao longo de seu governo.
111
Uma pesquisa apresentada por Oliveira (1993), realizada em 1991, apontava que, para 53% dos
empresários entrevistados a política comercial estava correta, mas era mal conduzida e para 27% ela era
correta e bem conduzida, apenas 11% acreditavam que as medidas eram incorretas. Outra pesquisa,
realizada pela CNI em 1992, mostrava que aproximadamente metade dos empresários diziam estar
preparados para a competição externa, mas mais de 60% acreditavam que ela estava ocorrendo rápido
demais (CNI, 1992 apud Kingstone, 1999).
140
experimentar esse fracasso por meio das distorções geradas pelo modelo, tais como o
favorecimento de determinados setores ou grupos no relacionamento com o Estado, a
regulação excessiva da economia, a baixa competitividade e produtividade de suas
empresas quando comparada aos centros mais dinâmicos do capitalismo, o atraso
tecnológico, entre outros fatores. Ou seja, o velho modelo era, de início, questionado
não tanto pelo papel do Estado como promotor do desenvolvimento, mas
principalmente por sua dimensão operacional, que deveria ser redefinida. Para grande
parte do empresariado, o Estado deveria encontrar um meio termo entre ausência
absoluta e onipresença, se restringindo a funções sociais e de direcionamento geral da
economia, mas abandonando as funções de produtor de bens econômicos (Diniz, 1993b).
Diante do que foi exposto acima, colocados na balança todas as idas e vindas
conjunturais do governo Collor no que tange o processo de abertura comercial, o saldo
deste processo, apesar de apontar para conquistas materiais em termos setoriais para o
empresariado, demarca também uma vitória simbólica capaz de atingir até mesmo
outros setores da burguesia. Trata-se de uma reversão da imagem negativa que o
empresariado nacional carregava dos anos 1980, como constataram diversos autores.
Assim, o saldo de maior relevo trazido pelo período Collor na relação entre o
Estado e o empresariado está localizado justamente nesta questão da imagem que o
setor empresarial desfrutava perante a sociedade. A reconstrução da figura do
empresário, operada pelo menos parcialmente ao longo do governo Collor, como
alguém que conquistou o sucesso devido a seus méritos e, portanto, como alguém que
deve servir de modelo para o comportamento de todos os demais indivíduos é o passo
crucial que uma classe deve dar se deseja ocupar uma posição hegemônica na sociedade.
Dessa forma, o período Collor não foi capaz de dar uma resposta definitiva à
crise de hegemonia que já se arrastava no Brasil por longos anos. Mas teve, para o
empresariado industrial, o sentido de determinar os limites dentro dos quais este sujeito
aceitaria se submeter em um novo pacto hegemônico e, mais importante ainda,
142
reposicionou a figura simbólica do empresariado dentro do imaginário social brasileiro.
Por um lado, o empresariado industrial havia deixado claro que exigiria garantias de
canais institucionais para expressão de suas demandas e que só daria seu apoio a novos
arranjos hegemônicos se lhe fossem assegurados ganhos no nível corporativo para os
setores mais fortes e influentes politicamente. Por outro lado, esta fração da burguesia
brasileira, não pleitearia uma posição hegemonizadora na sociedade de imediato, mas
abria espaço para que outros setores da burguesia o fizessem a partir dessa imagem
reconstruída que a figura do empresário capitalista passaria a desfrutar nos anos
seguintes.
143
Capítulo 4: A incorporação dos trabalhadores no novo
pacto hegemônico
144
Em seguida, analisaremos as atitudes tomas pelo governo Collor em relação aos
sindicatos, a maneira como o governo buscou aproximar-se de alguns setores, deixando
implícito que aceitava negociar e ouvir as reivindicações dos trabalhadores desde que
estas se enquadrassem num determinado padrão de comportamento. Posteriormente,
olharemos para a resposta que o sindicalismo ofereceu a esta postura do governo e as
variantes apresentadas ao logo de cada uma das fases do governo Collor.
No final deste encontro, esse grupo divulga uma Carta de Princípios em que
pediam a redemocratização (Rodrigues L. M., 1991), a convocação de uma constituinte,
a revogação das leis de exceção, entre outras. Nota-se que a ênfase das pautas
defendidas por este setor emergente do sindicalismo tinham um caráter muito mais
político do que econômico e batiam de frente com a situação estabelecida pelo regime
ditatorial do Brasil.
112
O termo ―sindicatos oficiais‖ é usado para se referir àqueles sindicatos que eram reconhecidos pela
justiça do trabalho e que, portanto, tinha autorização legal para funcionar e representar os trabalhadores
de uma determinada categoria.
146
sem intermediação do Estado (Rodrigues L. M., 1991). Neste encontro, surge o embrião
da ideia para a formação de uma futura organização intersindical.
150
fosse possível a criação de novos sindicatos autônomos, ou pela ascensão dentro da
estrutura sindical existente, com o objetivo de renová-la por dentro (Cf. Cardoso, 1995).
Como foi dito acima, a Igreja Católica funcionou nesta época como uma espécie
de imã que uniu vários movimentos de base no país. Dessa forma, a atuação da Igreja,
principalmente por meio das Comunidades Eclesiais de Base (CEB), foi fundamental
para a unidade da CUT, neste primeiro momento.
O tripé que deu origem à CUT, formado pelos sindicalistas ―autênticos‖, pelos
militantes da ala progressista da Igreja Católica e por militantes de agrupamentos de
esquerda (leninistas e/ou trotskistas) tinham em comum a rejeição ao capitalismo e às
experiências socialistas do Leste Europeu; uma postura crítica à estrutura sindical
corporativa, à intervenção estatal nas relações capital-trabalho e à burocratização das
151
organizações sindicais e a valorização das práticas voltadas para a organização e
mobilização das bases na ação sindical (Comin, 1994).
Desde sua fundação até 1988, quando é realizado o III Congresso da CUT
(IIIConcut), a nova Central vive um período de construção interna, no qual as greves
foram um instrumento fundamental de redefinição das relações de trabalho no Brasil e
de reconquista do espaço político por parte dos trabalhadores (Cf. Noronha, 1994).
Durante a Nova República, as centrais sindicais recém-fundadas, buscaram se
consolidar, ampliando suas bases e buscando legitimação perante a sociedade – o
Estado e o empresariado – como representantes dos trabalhadores (Comin, 1994).
114
Maria Hermínia Tavares de Almeida (1996) aponta uma importante semelhança entre o conteúdo do
documento lançado pelo PMDB em 1982 ―Esperança e Mudança‖, que é reforçado por outro documento
de 1984 e os documentos de fundação da CUT e a ―Carta de Praia Grande‖, produzida no Congresso
Nacional das Classes Trabalhadoras (CONCLAT).
152
Assim, Rodrigues previa que, prevalecendo esta orientação, a CUT deveria
ampliar o leque de alianças no campo político e fortalecer, no campo sindical, a
orientação para a negociação e o diálogo com os setores empresariais.
Assim, o III Concut pode ser visto como um marco que aponta tendências que
poderiam ou não ser confirmadas de acordo com o desenrolar da conjuntura política nos
anos seguintes. Apesar dessa postura supostamente mais aberta à negociação com
empresários e com o governo e de posições ideológicas menos ―radicais‖, a CUT
continuou se opondo fortemente ao governo Sarney, negando qualquer possibilidade de
sentar à mesa em torno de negociações por um ―pacto social‖.
117
Em 1988, a Central Geral dos Trabalhadores havia alterado seu nome para Confederação Geral dos
Trabalhadores. Com a saída dos sindicalistas mencionados acima e a fundação da nova Central passam a
existir duas CGTs, uma com nome de Central e a outra, de Confederação.
157
‗sindicalismo de resultados‘ que se pretendia mais pragmático do que
ideológico preferia as mobilizações de categorias e acordos isolados
com empresas, colocando a negociação à frente das greves 118 .
(Rodrigues L. M., 1991, p. 36).
118
A questão tática para o movimento sindical em torno da realização de greves gerais ou greves por
empresas é, na nossa visão, fundamental do ponto de vista das divergências políticas entre as duas
correntes expostas acima do sindicalismo brasileiro e terão consequências políticas muito importantes,
como será explorado mais adiante.
119
Apesar de Medeiros e Magri terem apoiado formalmente a candidatura de Fernando Collor de Mello, a
grande maioria dos trabalhadores apoiou e votou em Lula, em 1989. Além do massivo e evidente apoio
do candidato do PT dentro da CUT, no congresso de fundação da Força Sindical, Lula foi o candidato
mais citado pelos sindicalistas presentes como tendo sido sua escolha em 1989, aparecendo com 27,4% da
preferência, contra apenas 14,7% de Collor (Rodrigues & Cardoso, 1993).
158
– e da necessidade de contornar sua resistência às reformas estruturais que planejava
implantar, o Presidente Fernando Collor de Mello, fez uso de diferentes estratégias
políticas para enfraquecer ou flexibilizar a posição desta fração da classe trabalhadora.
Assim como em sua relação com o empresariado, Collor fez largo uso de
recursos simbólicos em seus atos junto à classe trabalhadora. A estratégia de Collor era
demonstrar publicamente com quais frações da classe trabalhadora seu governo estaria
disposto a dialogar e negociar e qual tipo de comportamento era esperado destas frações.
Em suma, o objetivo maior de Collor era enfraquecer o tipo de sindicalismo defendido
pela CUT, fortalecendo, com isso, o ―sindicalismo de resultado‖, menos combativo,
mais pragmático e que havia apoiado sua eleição por meio de suas principais lideranças.
120
Não deixa de ser irônico que uma corrente sindical que se auto-declarava ―apartidária‖ e sem
pretensões de fazer política pela via institucional, tenha uma de suas principais lideranças ocupando um
posto chave no governo federal. Essa ironia foi bem captada pela manchete da revista Istoé/Senhor,
quando da escolha de Magri: ―O sindicalismo deu resultado‖ (ISTOÉ/SENHOR, 21/02/1990).
159
discurso dessa elite do sindicalismo brasileiro é tão cínico quanto o
discurso da outra ponta da linha, o discurso desse tipo de empresário.
[...] o que eles estão pregando é algo diametralmente oposto ao que foi
aprovado pela população e à delegação que tenho para fazer esse
programa caminhar. (Collor de Mello, 1990b)121
121
Esta citação já havia sido feita acima, no entanto, achei por bem repeti-la a fim de reforçar o
argumento que vem sendo desenvolvido aqui.
122
O Ministério do Trabalho, na época, também era responsável pelos temas previdenciários, o que, de
certa forma, preocupava ainda mais os sindicalistas da CUT já que a reforma da previdência, com a
possível perda de direitos por parte de setores relevantes da CUT, como o funcionalismo público, era um
dos temas em questão.
123
Segundo um entrevistado, membro da equipe econômica do governo neste período, a nomeação de
Magri não facilitou o diálogo com os trabalhadores e teria mais atrapalhado do que ajudado o governo
neste ponto.
160
ser facilmente acusados de estarem se colocando contra os interesses do país e de não
desejarem realmente ver suas propostas debatidas.
124
Como já foi dito anteriormente, Antonio Rogerio Magri, até então presidente do Sindicato dos
Eletricitários, aceitou o cargo de Ministro do Trabalho e da Previdência Social, ao que tudo indica, com a
benção de Luis Antonio Medeiros.
161
essas que, sem dúvida, viriam a calhar bem junto aos interesses do governo (POLI,
2004).
Por parte da CUT, a reação à escolha de Collor não poderia ser diferente.
Enquanto o empresariado teve uma reação amplamente favorável, com declarações
públicas de apoio por parte da CNI, do Sindicato dos Bancos, da Federação das
Indústrias do Rio de Janeiro, da FIESP, da Associação Comercial de São Paulo, entre
outras entidades empresariais; a CUT afirmava, por meio de seu então Presidente Jair
Menegueli, que a escolha de Magri era uma ―declaração de guerra‖ (Istoé/Senhor,
21/02/1990). Do mesmo modo, Vicente Paulo da Silva, então Presidente do Sindicato
dos Metalúrgicos de Diadema, base do sindicalismo cutista afirmava que ―a postura de
Collor ao indicar Magri é de confronto.‖ (POLI, 2004).
Neste período inicial do governo Collor, a CUT mantinha seu discurso de que
não negociaria um pacto ou um entendimento nacional com empresários e com o
governo, postura que foi reforçada pela contrariedade da central na escolha do Ministro
do Trabalho. Contudo, transcorrido menos de um mês do início do governo Collor e de
sua tentativa de combate à inflação por meio do congelamento de preços e salários e do
confisco de aplicações financeiras, os efeitos da recessão já eram sentidos pelas
lideranças sindicais. Em 18 de março de 1990, Jair Meneguell, então presidente da
Central Única dos Trabalhadores, afirmava que estava difícil organizar os trabalhadores
para uma greve devido à situação de crise econômica, já que os sindicalistas temiam as
demissões (POLI, 2004). Assim, a recessão na qual o Brasil estava mergulhado, e que
se aprofundaria nos meses seguintes, começava a dar sinais de que a tática de
mobilização dos trabalhadores para a realização de grandes greves seria ainda mais
complexa do que fora em anos anteriores.
162
governo aceitou formar uma comissão tripartite para acompanhar as perdas salariais,
mas a irredutibilidade deste nas negociações fez com que a comissão não avançasse.
A situação se agravara, tanto para o governo que via a permanência das altas
taxas de inflação, apesar da recessão econômica e a consequente perda de apoio popular,
quanto para os sindicatos, que viam suas bases se desmobilizarem diante da conjuntura
recessiva e do aumento do desemprego. Com isso, em agosto de 1990, o governo passou
a aventar com a possibilidade de negociar um entendimento entre governo,
trabalhadores e empresários.
125
Para piorar a situação entre governo e trabalhadores, o Ministro do Trabalho Antonio Rogério Magri
assumiu a autoria do referido dispositivo da MP 211. Até mesmo Luiz Antonio Medeiros criticou a
medida e incitou os trabalhadores a se mobilizarem para derrubá-la. Apesar disso, Medeiros seguia
criticando as táticas da CUT e dizia que a questão salarial deveria ser colocada à frente da questão política.
126
Este dispositivo constava no parágrafo único do artigo primeiro da Medida Provisória 211 de 24 de
agosto de 1990, conforme segue:
Art. 1º Será assegurada a garantia do Salário Efetivo a todo trabalhador, na primeira data-base
respectiva, após o término do prazo de vigência estabelecido no último acordo, convenção ou sentença
normativa de dissídio coletivo de trabalho.
Parágrafo único. É lícito ao empregador, em caso de força maior, prejuízos ou situação econômico-
financeira que ponha em risco o empreendimento, argüir na Justiça do Trabalho a inviabilidade de atender
ao disposto no caput, ficando suspensa a garantia do Salário Efetivo até a decisão de última instância.
163
alem do artigo 11, que não permitia que as empresas concedessem mais de dois
aumentos salariais ao ano127.
127
Em mais um gesto simbólico com o intuito de fortalecer interlocutores estratégico para o governo,
Cabral afirmou que a medida foi tomada em consideração a um pedido de Medeiros.
164
negociação, que é o de dar a corda para que nós trabalhadores nos enforquemos. Mas se
é para conversar, tudo bem. Conversamos ate com o diabo". Vicentinho defendia que a
Central Única dos Trabalhadores deveria participar do pacto até o ponto em que ele não
trouxesse prejuízos aos assalariados. Além disso, ele alegava que, mesmo com a
participação da CUT no pacto, os movimentos pela reposição de perdas salariais não
deveria ser interrompido.
No dia seguinte, era a vez do então deputado federal e ex-líder sindical Luís
Inácio Lula da Silva defender a participação da CUT nas reuniões do pacto social. Lula
enxergava na participação da CUT a possibilidade de o movimento sindical demonstrar
para a sociedade os descaminhos do governo Collor e pautar os pontos que considerava
essenciais no debate público, como as questões salariais e relacionadas à Previdência
Social.
128
Nessa reunião, ficou também estabelecido que estariam representados, além da própria CGT, a União
Sindical Independente (USI), a Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalurgicos (CNTM), a
Confederação Nacional dos Trabalhadores da Industria (CNTI), a Confederação Nacional dos Servidores
Publicos do Brasil (CSPB) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG).
129
A reivindicação da CUT era de uma reposição salarial da ordem de 493%.
166
entendimento nacional apontava que a entidade estaria mais disposta a negociar em
futuras oportunidades.
130
Enquanto na CUT a grande maioria dos delegados sindicais declarava preferência pelo PT, na Força
Sindical o PT seguia majoritário, com 17,7% da preferência, mas era seguido de perto pelo PMDB
(16,9%), pelo PDT (16,6%) e pelo PSDB (13,5%).
167
Cumpre notar que a grande maioria dos delegados presentes na fundação da
nova central (88,5%) defendia que a greve deveria ser o último recurso na luta dos
trabalhadores por seus direitos e que a negociação direta com os empresários, sem
interferência da Justiça do Trabalho ou do governo seria mais favorável aos
trabalhadores (Rodrigues & Cardoso, 1993). Na avaliação dos autores, além da postura
tradicionalmente defendida pelo sindicalismo de resultados de um sindicalismo mais
negociador, a forma de luta advogada pela Força Sindical devia-se, em grande parte, ao
momento político em que se dava seu surgimento, no qual a crise econômica, a recessão
e o aumento do desemprego formavam condições desfavoráveis para o sindicalismo de
confrontação. Assim, a Força Sindical nascia agarrada à bandeira da ―modernidade‖ –
bandeira fortemente defendida por Collor desde o período eleitoral – em contraposição à
defesa do ―socialismo‖ da CUT e do ―corporativismo‖ da CGT (Rodrigues & Cardoso,
1993).
A participação dos trabalhadores neste período foi ainda mais intensa, com
destaque para a atuação do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e
Diadema133, na grande São Paulo, região que fora o berço do novo sindicalismo e que
131
Dorothea Werneck é escolhida Secretária Nacional de Economia em 14 de maio de 1991.
132
Antonio Maciel Neto, que fora formado nos quadros da Petrobrás e havia participado dos debates da
―integração competitiva‖ junto ao BNDES, trabalhava, até então, no Departamento de Indústria e
Comércio Exterior juntamente com Luis Paulo Velloso Lucas. Dorothea Werneck, que havia sido
Ministra do Trabalho no governo Sarney e, por isso, desfrutava de bom trânsito no meio sindical, acabara
de perder a eleição para o governo de Minas Gerais como vice na chapa de Pimenta da Veiga. Ela era
funcionária de carreira do IPEA e havia se aproximado do governo primeiramente de maneira informal
como consultora, justamente com o intuito de trazer os trabalhadores para as discussões de política
industrial.
133
Por não caber dentro do corte aqui proposto não nos debruçaremos sobre todos os acordos e
negociações ocorridos nas câmaras setoriais. Nosso foco estará naquele que foi o acordo mais importante
168
ainda abrigava parte fundamental da base e das principais lideranças da CUT. Alguns
fatos contribuíram de forma crucial a adoção de uma postura mais negociadora por parte
dos trabalhadores do ABC. O mais importante deles foi o anúncio do fechamento da
fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, em meados de 1991.
em temos políticos, econômicos e simbólicos: o acordo das montadoras na câmara setorial automotiva.
Contudo, não temos a pretensão de esgotar a análise de todos os aspectos deste acordo, algo que estaria
fora do escopo deste trabalho. O objetivo aqui é compreender as negociações em torno do novo regime
automotivo como parte do processo de abertura comercial, por isso, apenas alguns aspectos mais
relevantes serão destacados.
134
A viagem ocorreu na segunda metade de novembro de 1991.
135
A visão da situação vivida por Detroit, onde diversas montadoras de automóveis haviam fechado suas
plantas devido à forte competição oferecida por japoneses e coreanos, por parte dos trabalhadores
169
demonstrar a falta de competitividade da indústria automobilística brasileira diante do
cenário de globalização e abertura do mercado nacional. Mais importante ainda, foi a
percepção de que a organização e a mobilização não eram mais suficientes para a
conquista de direitos, os trabalhadores do ABC paulista perceberam que outros meios
precisavam ser adotados na luta pela manutenção e melhora de suas condições de vida.
Finalmente, a viagem serviu para abrir uma porta de diálogo formal entre o sindicato e o
governo brasileiro, estabelecida por meio do Embaixador brasileiro em Washington,
Rubens Ricupero que articulou a aproximação com o Ministério da Economia.
brasileiros, acendeu um sinal de alerta para que o sindicalismo brasileiro usasse de todos os meios
possíveis para evitar que o mesmo ocorresse no Brasil.
170
constatação do atraso tecnológico da indústria brasileira. Em segundo, o esgotamento do
modelo protecionista. Estes dois primeiros pontos estavam diretamente ligados ao
terceiro, o baixo padrão de competitividade no mercado internacional e ao seguinte, a
vulnerabilidade do setor diante da redução acelerada das alíquotas de importação. Em
quinto lugar, situava-se a preocupação com a excessiva carga tributária que recaía sobre
o setor e, finalmente, apontou-se para a inadequação do mix da produção direcionada
para o mercado interno, que estava voltada para atender o consumidor de alto poder
aquisitivo (Arbix, 1995).
136
Entrevista concedida ao autor em 29/08/2011.
137
Este tipo de reivindicação tem suas raízes no que chamamos acima de ―desenvolvimentismo
distributivista‖, que procurava ponderar os incentivos do Estado à produção por meio da ampliação e
fortalecimento do poder de consumo da própria população brasileira.
171
Por outro lado, no que tocava a estrutura do mercado interno e da produção que
deveria alimentá-lo
Por fim, cumpre notar que, apesar da Força Sindical ter se firmado em oposição
à CUT, com uma postura mais negociadora, nas câmaras setoriais, o papel de maior
relevo coube justamente aos sindicatos ligados à CUT. No início do funcionamento das
câmaras, a Força Sindical assumiu uma postura crítica, inclusive com o Sindicato dos
Metalúrgicos de São Caetano, ligado a esta central, recusando-se a assinar o 1° Acordo
das Montadoras, fazendo-o apenas após o surgimento de resultados positivos par aos
trabalhadores (Comin, 1995). Assim, ao mesmo tempo em que a CUT obtinha uma
vitória política sobre sua principal rival no meio sindical, esta vitória vinha por meio
dos métodos que eram, até pouco tempo antes, recusados pela Central Única dos
Trabalhadores.
172
Mudança e permanência na ação sindical
Diante deste quadro, uma questão fundamental que se coloca é examinar mais
afundo em que medida as posturas adotadas pelas correntes sindicais perante o governo
e perante os empresários no início dos anos 1990 significava uma ruptura radical com o
passado ou se, na verdade, tratava-se de algo já inscrito, seja na estrutura institucional
em que os sindicatos estavam inseridos, seja nas escolhas que vinham sendo tomadas
pelas principais correntes do sindicalismo brasileiro. Trata-se de um exercício
fundamental para entendermos o peso da conjuntura e da estrutura sobre a ação dos
trabalhadores no período que estamos estudando e as possibilidades de ação e
consciência que estavam postas. Assim, faremos um panorama interpretativo sobre as
mudanças e persistências no comportamento sindical no Brasil ao longo das décadas de
1980 e início dos 1990, com base nos principais autores se debruçaram sobre o tema.
138
É preciso ficar claro que, na nossa interpretação, o sindicalismo de resultados e sua institucionalizaçao,
primeiro na CGT e posteriormente na Força Sindical, teve papel fundamental na definição dos limites da
ação e da consciência da classe trabalhadora, como tentamos demonstrar acima. Neste sentido, a ação da
CUT nos parece muito mais reveladora dos limites impostos à atuação do sindicalismo brasileiro, já que
era esta central que procurava com mais freqüência testar esses limites e não estreitá-los como parecia
fazer o sindicalismo de resultados e o sindicalismo tradicional.
173
subordinam os sindicatos ao Estado dependeriam deste elemento. Assim, a
representação sindical no Brasil seria uma ―representação outorgada pelo Estado‖.
Nesta visão, o que teria entrado em crise a partir de 1978 teria sido o modelo
ditatorial de gestão do sindicalismo de Estado e não a estrutura sindical em si. Este
modelo seria, segundo Boito Jr., dependente daquela estrutura, mas não poderia ser
confundido com ela.
No entanto, apesar da composição dos sindicatos e das formas de luta nos novos
movimentos, que surgiram a partir do final dos anos 1970, apresentarem diversas
contradições em relação ao sindicalismo populista, as correntes mais fortes da CUT não
teriam lutado contra os elementos essenciais da estrutura sindical. Faltaria, assim, um
componente subjetivo para o desencadeamento de uma crise da estrutura sindical, já que
não teria surgido nenhuma liderança que elegesse a destruição da estrutura sindical
como objetivo de luta. Neste sentido, na visão de Boito Jr. (1996), as lideranças cutistas
sofreriam uma ―integração conflituosa‖ ao sindicalismo de Estado, sem nunca terem, de
fato, agido para destruí-lo.
Assim, nesta perspectiva, a estrutura sindical imporia alguns limites à ação dos
sindicatos, que acabariam por determinar a forma e o conteúdo da luta sindical. O
primeiro destes limites estaria em ―conter a luta sindical no terreno do interesse político
da burguesia‖ e, com isso, o movimento sindical permaneceria separado da luta pelo
socialismo. Em segundo lugar, o movimento sindical estaria fadado à submissão aos
174
interesses da fração ou frações que detenham a hegemonia política no interior do bloco
de poder, com o controle da política de Estado, o que seria mais rígido em períodos
ditatoriais. Por fim, a estrutura sindical debilitaria ―a organização e a luta sindical em
seu conjunto, enquanto luta estritamente reivindicativa por melhores salários e melhores
condições de trabalho.‖ (Boito Jr., 1996, p. 85).
Com uma visão bastante similar, Lopes Neto e Giannotti (1993, p. 43) afirmam
que à medida que a CUT não rompeu totalmente com a velha estrutura, ela teria criado
uma prática sindical híbrida ambivalente. ―pouco a pouco a força dos aparelhos
sindicais começou a aparecer e a provocar um processo gradativo de burocratização e a
diminuição do esforço democrático inicial‖.
Dessa forma, na visão tanto de Boito Jr. quanto de Lopes Neto e Giannotti, a
estrutura sindical, mantida em seus elementos principais mesmo após a
redemocratização do país, acabaria por determinar limites intransponíveis à ação dos
139
A proporcionalidade qualificada garantia o direito de cada corrente interna da Central de escolher
alternadamente os cargos que ocuparia na direção de acordo com sua votação, com a derrubada desta
regra a corrente majoritária escolheria todos os principais cargos de direção, deixando os menos
importantes para as correntes minoritárias.
175
sindicatos. A ação de uma Central mais reivindicativa e com posturas radicais seria algo
de caráter eminentemente transitório do ponto de vista temporal enquanto esta estrutura
não fosse profundamente modificada.
Por sua vez, Álvaro Comin (1995) também enxerga alguns obstáculos impostos
às centrais sindicais pela estrutura sindical corporativa:
Mais ainda, Comin (1994, p. 362) afirma que as ―normas rígidas e dispersivas de
enquadramento sindical‖, que têm no município a unidade mínima de representação e
adotam simultaneamente o setor econômico e a categoria profissional como critérios de
divisão, teriam produzido ―uma enorme pulverização da estrutura sindical no Brasil‖.
Isso, aliado à unicidade e ao imposto sindical ―favoreceu e favorece, quando não
determina, um padrão de contratação extremamente atomizado‖. A fragilidade e a
burocratização da estrutura vertical oficial a o poder de recurso à Justiça como forma de
solução dos dissídios coletivos inibiriam ―formas de contratação mais abrangentes,
constituindo ainda hoje um forte entrave à negociação de estruturas de representação de
interesses trabalhistas‖. Como consequência, os sindicatos teriam ficado dependentes do
176
Estado e independentes dos trabalhadores que deveriam representar, além de ter
ocorrido uma grande pulverização dos sindicatos.
177
Comin frisa que havia forte reticência por parte da CUT na participação das
câmaras setoriais, mesmo entre o setor majoritário e que a Central só aderiu de fato às
câmaras devido ao quadro de crise econômica com recessão e desemprego e com a
grande repercussão do acordo das montadoras. Com isso, a CUT aprovou em Plenária
Nacional, de julho de 1992, uma resolução favorável à participação de seus sindicatos
nas câmaras setoriais.
Dessa forma, Comin discorda da visão estruturalista de Boito Jr. que fixa-se na
persistência da legalidade corporativa. Na visão de Comin, o sindicalismo brasileiro
pós-1978 teria rompido com os antigos padrões de ação em diversos aspectos. Seguindo
a linha proposta por Werneck Vianna, ele afirma que o novo sindicalismo, em seu
nascedouro, teria operado uma inversão da lógica corporativa ao eleger o mercado e não
a esfera pública como espaço privilegiado para a defesa de seus interesses e ao escolher
os empresários e não o Estado como interlocutor. Mesmo a fundação do PT não
representaria o abandono da ação no âmbito do mercado, mas resultaria de uma dupla
ação com foco simultâneo no campo institucional e do Estado, de um lado, e na esfera
do mercado, de outro (Comin, 1995). O Sindicalismo pós-1970 teria busca, então,
colocar-se de forma autônoma perante o Estado e não submeter seus interesses aos
―interesses nacionais‖, tal como ocorria no período varguista.
Durante os anos 1980 e no início dos 1990, a greve teria tido, na visão de
Noronha, um triplo significado: primeiramente, as greves teriam funcionado como
178
instrumento de reivindicação de questões relativas ao mundo do trabalho; em segundo
lugar, elas também teriam sido um importante instrumento de reconstrução das
organizações sindicais; por fim, as greves teriam servido para recolocar politicamente os
trabalhadores perante os governos.
Com o advento do governo Collor, seria aberta uma nova fase para o movimento
sindical. Na visão de Noronha, em 1990, teria ocorrido uma tentativa dos sindicatos do
setor privado de repetir a estratégia de greves massivas e longas, cujo resultado teria
sido o maior número de horas paradas desde 1979. Contudo, já em 1991, as soluções
para os impasses foram mais rápidas, o que indicaria um recuo na estratégia de
radicalização das negociações. Finalmente, em 1992, teria ocorrido uma forte redução
no número de greves, coincidindo com o período de divulgação de denúncias e do
impeachment de Collor.
Além disso, Noronha ressalta que o desemprego seria um fator inibidor das
greves, já que as demissões, por parte do empresariado, e as greve, por parte dos
trabalhadores, são as principais armas de luta. O recrudescimento da crise econômica,
com o consequente aumento das demissões teriam levado a mudanças na estratégia
sindical, dada a maior dificuldade de adesão às greves por parte dos trabalhadores. Em
relação à questão salarial, o autor frisa que, apesar de este ter sido o principal tema das
greves não seria possível estabelecer uma relação direita entre a flutuação salarial e a
flutuação das greves.
179
Com foco específico sobre a história da CUT, Iram Jácome Rodrigues (1997),
enxerga no III CONCUT, realizado em 1988, um marco na passagem do que ele chama
de CUT-movimento para o que seria a CUT-organização, isto é:
140
A Articulação era a corrente majoritária dentro da CUT e a CUT pela Base era a segunda corrente
mais expressiva.
141
Segundo Rodrigues, a delegação do IV CONCUT era mais concentrada no sudeste do Brasil, mais
velha, com maior escolaridade, com mais representantes de diretorias sindicais, com mais tempo de
militância e de permanência nas diretorias, com mais delegados liberados do trabalho para a atividade
sindical e menos rural.
180
uma concepção contratual, pragmática e institucional, expressão de uma ação sindical
mais habituada á negociação‖
Dessa forma, a CUT seguiria uma trajetória iniciada no III CONCUT, passaria
pela participação no entendimento nacional e seria consolidada pela participação nas
câmaras setoriais e, mais ainda, no acordo automobilístico que expressaria a clara
―mudança de postura do sindicalismo-CUT‖ (RODRIGUES, I. J. 1993, p. 83). Assim,
segundo Rodrigues, a celebração dos acordos no âmbito das câmaras setoriais
revelariam dois aspectos centrais da nova conjuntura que estava sendo construída no
Brasil. Em primeiro lugar, se fortalecia a idéia que a saída para a crise passaria pela
construção de uma ―parceria‖ entre patrões e empregados, isto é, pelo estabelecimento
de uma política de concertação; em segundo lugar, ficava patente a mudança na
estratégia sindical, que trocava o conflito pelo diálogo e pela negociação (RODRIGUES, I.
J., 1993). Assim, a CUT estaria, segundo seus críticos internos, se aproximando cada
vez mais da estratégia defendida pelos sindicalistas de resultados,
181
Consciência e ação sindical: possibilidades e desafios na negociação
da política industrial
Para além do que foi colocado acima, se quisermos entender as possibilidades de
consciência e ação dos trabalhadores organizados neste período, é preciso analisarmos
quais os caminhos foram aberto ao final do período em análise, que tipo de relação pode
ser estabelecido entre as classes foi criada e delas perante o Estado. Assim, esta seção
tem como objetivo compreender de forma mais ampla o sentido da ação sindical no
período Collor a partir do processo de negociação da política industrial e de comércio
exterior.
Essa participação deu-se sobretudo nas câmaras setoriais, mas não apenas, como
procuramos demonstrar acima, pois este foi o principal espaço aberto à participação dos
trabalhadores em torno da política industrial. Este processo já foi exposto em suas
linhas gerais acima, o intuito agora será, então, compreender não apenas os caminhos
trilhados pelo sindicalismo, mas também as janelas abertas a partir da ação dos
trabalhadores neste período.
Na visão de Oliveira (1993), o acordo das montadoras teria sido uma grande
inovação nas relações capital-trabalho no Brasil
182
O Acordo, exatamente em razão da história pregressa que o
possibilitou, é uma forma extremamente nova e inovadora das e nas
relações capital-trabalho no Brasil. Ele revela capacidades até então
insuspeitadas em algumas das principais categorias sociais que
compõem o elenco das modernas classes sociais brasileiras, para
muito além do que a literatura costuma descrever e interpretar e do
que o próprio discurso dessas mesmas categorias deixaria entrever.
Para resumir, ele revela capacidade de comportamento estratégico,
moldada, quase imposta, pelas fortes restrições da conjuntura, mas
desenhada para ter efeitos estruturais. (Oliveira, 1993).
Para ele e para outros autores envolvidos no grupo de pesquisa do Cebrap 142, em
torno do Acordo das Montadoras, as câmaras, teriam alterado a natureza do
antagonismo entre as classes, tornando-o um ―antagonismo convergente‖, que só teria
sido possível devido à conjuntura fortemente recessiva que havia transformado a
recessão no inimigo comum, fazendo com que, apesar da postura inicialmente defensiva,
os atores transitaram para uma postura que denominaram ―compreensiva‖. Por fim, os
autores acreditavam que o acordo poderia se transportar para o plano da sociedade, ―na
forma de relações sociais modernas, de uma nova contratualidade, de novas relações
entre o público e o privado, de uma nova sociabilidade‖. (Oliveira, 1993)
Contudo, o aspecto que queremos analisar nesta seção, está focada nas
consequências e possibilidades abertas pelas câmaras setoriais em relação à consciência
e à ação dos sindicatos. Neste sentido, Glauco Arbix (1995), que também via com
otimismo os acordos gerados nas câmaras, já que entendia que estes indicavam ―a
abertura de um novo momento na história das relações trabalhistas e industriais do
complexo automobilístico‖, defende que as relações entre Estado, empresários e
trabalhadores estariam sendo estabelecida em um nível meso-corporativo143.
Arbix segue a tipificação de Alan Cawson, que define três níveis de organização
de interesses na sociedade e do próprio Estado. Em primeiro lugar, estaria o nível macro,
no qual ocorreria uma negociação tripartite entre Estado e as organizações de cúpula
mais importantes dos trabalhadores e do capital. Por outro lado, em um nível meso¸
142
143
Arbix fazia questão de frisar a diferença entre corporativismo, visto historicamente no Brasil como
algo negativo no qual os grupos apenas lutam pela preservação de seus interesses nem sempre legítimos, e
o que ele chama de corporatismo, no qual as relações de intercâmbio entre grupos de interesse e o Estado
se dão por meio de mecanismos institucionais em espaços quase-públicos numa sociedade democrática.
Com isso, ele busca retirar o peso negativo carregado sobre o modelo de organização das classes no
Brasil.
183
tomariam parte das negociações as organizações preocupadas em defender interesses
específicos de um setor ou profissões. Por fim, no nível micro, as relações seriam mais
atomizadas, como, por exemplo, na relação de uma empresa privada específica com o
Estado.
Assim, Glauco Arbix (1995) aponta mudanças em dois sentidos nos sindicatos
cutistas: por um lado, haveria um delineamento de uma estratégia participativa no
interior das fábricas e, por outro, os sindicatos estariam abraçando de forma mais
intensa a luta institucional por reformas democráticas do capitalismo, ampliando sua
participação na defesa de políticas públicas.
Em suma, Arbix defende que a construção dos acordos nas câmaras setoriais
teria sido fruto do estabelecimento de um arranjo meso-corporatista no Brasil, no qual a
negociação se daria no nível de interesses setoriais e não interesses gerais de classe, mas,
tampouco, de interesses individualizados. Com isso, Arbix busca opor-se à visão
historicamente construída a respeito do sindicalismo brasileiro, que enxerga apenas
184
interesses corporativos e excludentes em relação a outros grupos sociais. No quadro
desenhado por Arbix, os interesses, apesar de setoriais, são compatíveis de acomodação
inter e intra classes.
A análise de Arbix traz grandes contribuições para o tema sobre o qual está
debruçado este trabalho, contudo, ela parte de uma perspectiva essencialmente
institucionalista. Partir da ação sindical nas câmaras setoriais é lago que mostrou-se
necessário, principalmente na perspectiva deste trabalho, que tem como o processo de
abertura comercial. É preciso, porém, encontrarmos uma perspectiva de análise que
demonstre as possibilidades que foram abertas a partir dos acordos das câmaras setoriais
e após o processo de abertura da economia, mas que vá além dos fóruns institucionais.
185
Dessa forma, as greves nos anos 1980, mesmo que tendo a questão dos salários
como foco central, transcenderiam a ação meramente salarial. ―Isso porque, em suas
ações reivindicatórias, feriam, em alguma medida, um dos pilares fundantes do
capitalismo brasileiro, dado pela política salarial arrochante‖ (Antunes, 1991, p. 36).
Assim, Antunes (1991, p. 80) enxerga no movimento sindical cutista dos anos
1980 um mescla de causalidade econômica, no seu desencadeamento, com uma
significação política, no seu desdobramento imediato: ―Econômica na sua causação,
política na sua significação mais profunda‖. Para ele, ―a particularidade do confronto no
capitalismo brasileiro politiza, imediatamente, mesmo quando a luta é de motivação
predominantemente econômica‖.
Seguindo esta matriz teórica para analisar o período que interessa a este estudo,
pode-se notar uma certa separação entre as esferas política e econômica ao longo do
governo Collor. Com os acordos firmados nas câmaras setoriais, há uma clara
preocupação com os aspectos econômicos das disputas entre os grupos. Mais do que
isso, a luta por emprego e melhores salários por parte do sindicalismo não ataca mais o
cerne do modelo de desenvolvimento brasileiro, ao contrário, trata-se de buscar saídas
em que o avanço do capitalismo e o aumento dos salários e do nível de vida dos
trabalhadores sejam compatibilizados. Por fim, é preciso destacar algo que já foi dito
acima, após os acordos na câmara setorial da indústria automobilística as greves
mobilizadoras de todas as categorias viraram exceção, passando a predominar greves
por empresas, isto é, de cunho mais econômico do que político.
Do mesmo modo que a perspectiva apresentada por Glauco Arbix, mas por
motivos bastante distintos, essa visão que opõe a luta política e a econômica abre alguns
canais a serem explorados do ponto de vista que estamos trabalhando, contudo, ambas
mostram-se insuficientes para entendermos o período em questão. A primeira, por estar
demasiadamente focada no arranjo político-institucional estabelecido e explorar pouco
as relações entre os grupos e classes sociais fora deste fórum. Por outro lado, a
perspectiva apresentada por Antunes, ao estreitar a análise apenas à oposição luta
político e luta econômica acaba, como o próprio Antunes demonstra, não sendo capaz
de compreender a complexidade da realidade concreta, sobretudo no caso do
186
capitalismo periférico brasileiro e da conjuntura histórica que se vivia no momento em
que a transição política entrelaçava-se com a transição do modelo econômico.
***
145
O programa apresentado pelo Partido dos Trabalhadores nas eleições de 1989 é provavelmente o que
mais se aproxima de um projeto da classe trabalhadora para o país. Contudo, este programa não estava
mais em condições de ser discutido em espaços institucionais uma vez que ele havia sido derrotado pelo
projeto defendido por Collor.
188
brasileiro. O novo sindicalismo, nascido nas greves do ABC no fim dos anos 1970
como um movimento eminentemente político, cresceu fortemente ao longo dos anos
1980 e foi capaz de articular propostas concretas e programas políticos factíveis de
serem pleiteados junto à sociedade brasileira. Contudo, uma série de fatores que vão
desde o fortalecimento de seu principal rival no meio sindical – o sindicalismo de
resultados – passam pela prolongada crise econômica e pelas reformas liberais
implantadas por Collor e culminam nas questões simbólicas presentes naquele momento,
colocaram o sindicalismo em uma posição defensiva.
190
Considerações Finais
Por sua vez, no que tange aos trabalhadores sindicalizados, outra contradição
também é evidente, pois ao mesmo tempo em que eles se mostravam fortes
politicamente ao se colocaram como atores necessariamente envolvidos no processo de
negociação da política industrial, davam claros sinais de que sua capacidade de
mobilização estava arrefecida.
192
O sindicalismo ligado à CUT e com raízes nas grandes mobilizações da década
de 1980 não tinha mais as mesmas condições materiais e simbólicas de arregimentar
grandes massas em torno de greves gerais e com conteúdo político mais evidente. A
recessão econômica e o desemprego, para a qual contribuiu em certa medida o processo
de abertura comercial, a instabilidade política e o fortalecimento simbólico do
sindicalismo de resultados limitaram as possibilidades de consciência e ação dos
sindicatos ao campo meramente econômico-corporativo.
193
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