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O professor de história Ron Jones tinha apenas 25 anos quando tudo aconteceu. Era
jovem, bonito, carismático, sur sta, inovador. Em suma, um líder nato. Aquele, era o
seu primeiro ano completo como professor. Tudo aconteceu muito rápido, como é
típico na vida dos jovens. Para se ter ideia; os acontecimentos da Terceira Onda
deram-se apenas entre 5 ou 8 dias escolares. Pouco mais de uma semana entre o m
de março e o começo de abril de 1967. O cenário era a Elwood P. Cubberly Senior
High School, em Palo Alto, Califórnia, EUA. A escola foi fechada em 1979. A classe do
professor Jones era chamada "Contemporary world" (Mundo contemporâneo), era o
curso de história como parte do Departamento de Estudos Sociais. A famosa Terceira
Onda ocorreu durante os estudos das condições do mundo da época, e dos eventos
que levariam à II Guerra Mundial.
Jones era uma gura enérgica. Queria que seus alunos enxergassem as diferentes
perspectivas de um mesmo assunto e aprendessem a pensar por si próprios. Seus
alunos, por sua vez, também eram muito jovens. Todos adolescentes em torno dos 15
anos de idade. Ao contrário do que foi propagado como verdade por décadas, a
Terceira Onda não começou com uma única classe de 30 estudantes. Na verdade, o
movimento foi bem maior; houve - literalmente - 'três terceiras ondas', porque o
professor Jones dava aulas em três turmas ao mesmo tempo. Sendo assim, o
movimento inicialmente contava com cerca de 90 estudantes que, no desenrolar da
trama, quase triplicaram. Ao nal, havia aproximadamente 200 alunos, ou mais,
envolvidos na Terceira Onda.
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Jones não demorou a notar que em pouco tempo o ambiente da classe havia se
transformado totalmente. Agora, os alunos perguntavam - e respondiam - muito
mais. Eram mais participativos e interessados. As aulas rendiam mais, porque a
qualidade das discussões aumentara consideravelmente. Sendo assim, pelo nível das
perguntas e respostas; a grande maioria passou a se sentir reconhecida, as relações
entre os colegas de classe melhoraram. Alguns que antes nunca falavam, agora
estavam falando. Portanto, estava ocorrendo um processo misterioso na sala naquele
momento. O professor estava confuso e perplexo. Como que agora, sob um ambiente
autoritário e de rígida disciplina, os alunos podiam dar o melhor de si mesmos? A
aprendizagem parecia ter melhorado anos-luz. Será que era disso que eles sempre
tinham precisado? Parecia que o ineditismo da experiência ainda não dava abertura
às respostas.
Tudo acontecia muito rapidamente, e Jones notou que os alunos se adaptavam muito
bem e pareciam gostar das novas regras. Estavam de nitivamente empolgados com o
experimento. Na terça-feira, segundo dia do exercício, o professor Jones palestrou
sobre a comunidade e a força que podiam ter através dela. Os alunos passaram a se
sentir pertencentes à mesma raiz. Nascia assim um estranhíssimo sentimento de
nacionalismo, como se todos pertencessem à mesma pátria. A força da comunidade
ensinava que juntos eles eram mais fortes, que podiam ter um propósito em comum.
Jones estava embasbacado com a forma como os alunos reagiam como cordeirinhos,
obedecendo às ordens do pastor - que era ele. Se perguntava porque raios eles
reagiam daquela forma tão submissa. Estava em dúvida entre parar ou continuar o
experimento. Não sabia até onde aquilo ia chegar. O professor Jones criou uma
saudação para os alunos da classe, que chamou de 'terceira onda' - porque a mão
parecia uma onda para cima de novo. A ideia de 'terceira' veio da tradição da praia,
em que as ondas viajam nas correntes, e a terceira onda, além de ser a última, é a
maior de cada série. Logo, ele observou que todos faziam a saudação; passeava pelos
corredores da escola e via os alunos fazendo a saudação; na biblioteca, na academia.
Todos ao mesmo tempo.
Não demorou para que a experiência chamasse atenção dos outros. Vários alunos
foram perguntar ao professor se podiam participar. Na quarta-feira, o professor
decidiu emitir cartões de adesão a todos que queriam continuar no experimento.
Vários alunos haviam trocado de classe para poder participar da Terceira Onda. Em
um certo momento, Jones escolheu alguns alunos para vigiar os restantes e fazer um
relatório sobre todos aqueles que não obedeciam às regras, numa clara referência a
Gestapo da época de Hitler. Jones agora falava sobre a força através da ação, e como
a disciplina e a comunidade seriam inúteis sem ação. Da crença na família e no
coletivo. Da lealdade e da valorização do trabalho. Agora, os alunos lhe diziam como
estavam se sentindo felizes, completos, verdadeiramente realizados. Para seu
espanto, percebeu que o rendimento dos alunos só aumentava, e que os deveres de
casa estavam completos, bem realizados. Se aproveitando da situação, Jones
incumbiu cada aluno de uma tarefa diferente, em prol da Terceira Onda. A essa altura
do campeonato, o dito 'experimento' já estava totalmente fora de controle, passara a
contagiar a escola inteira e de forma positiva. Jones notou que para alguns alunos,
nomeadamente os mais frágeis e volúveis, a Terceira Onda se tornara a sua razão de
viver. Se dedicavam completamente àquilo, de corpo e alma. Os que eram mais
solitários e introspectivos passaram justamente a ser os mais devotados e
apaixonados. Não à toa, o professor Jones ganhou até um guarda-costas, que o
seguia todos os dias, para todos os lugares. Pode parecer esquisito, e era. Mas era
mais uma forma de tornar a experiência o mais parecida possível com o ambiente da
Alemanha nazista, e o professor Jones era o seu führer.
Na quinta-feira, Jones já estava vivendo num caos. Se sentia mal por ter manipulado
os alunos daquela forma, e não entendia como eles haviam se deixado in uenciar
tanto. Estava vivendo a linha tênue entre a fantasia e a realidade; odiava ter de
representar o seu papel de ditador, mas ertava com a aparente sensação de poder;
tentava resgatar os seus princípios racionais. Jones estava preocupado com o destino
do experimento, sabia que estava fora de controle, mas tinha medo de interrompê-lo
bruscamente. Mas preferiu se arriscar e ir até o m. Não podia expor os alunos, que
praticamente dependiam daquilo para viver. Seria devastador e humilhante para o
'diretório' da Terceira Onda que ela acabasse de uma forma banal e cômica. Sendo
assim, Jones passou a planejar um m para a farsa, armava um grande circo, para
servir como pano de fundo do ato nal.
"[...] Esta é a lição nal a ser experimentada. Esta última lição é talvez a de maior
importância. Esta lição foi a pergunta que começou nosso mergulho no estudo da
vida do nazismo. Lembram-se da pergunta? Ela causa uma confusão no povo alemão
que reivindica ignorantemente o não envolvimento no movimento nazista. Se eu me
lembro, a pergunta foi algo como, 'Como o cobrador de impostos, o soldado alemão,
o professor, o motorista da estrada de ferro, a enfermeira... o cidadão médio,
puderam dizer que ao m do Terceiro Reich não sabiam nada do que estava
acontecendo?'; Como pode um povo ser parte de algo e depois reclamar no nal que
eles não estavam realmente envolvidos?'; 'O que leva as pessoas a sair em branco de
sua própria história?'; Nos próximos minutos, e talvez anos, você terá a oportunidade
de responder a essa pergunta."
Ninguém falou nada, ninguém respondeu nada, ninguém ousou questionar nada.
Saíram quietos - muitos choravam, pareciam traumatizados. E a profecia do professor
Jones se cumpriu: nos anos que se seguiram, nenhum estudante assumiu ter
participado da Terceira Onda. Aquilo fazia parte do seu currículo escolar, era a sua
matéria em questão, que seria debatida normalmente depois. Mas, no fundo, os
alunos se sentiram envergonhados dos seus atos. O acontecido morreria ali, para
anos depois se tornar uma famosíssima lenda urbana. Alguns estudantes - aqueles
mais devotados à Terceira Onda - tiveram di culdade em retornar às suas atividades
normais, mas a grande maioria continuou sua rotina normalmente. O silêncio dos
alunos fomentou a curiosidade geral e os mitos em torno do assunto, durante anos, o
que só fez aumentar a lenda da Terceira Onda. Para se ter um exemplo, ao contrário
do que muitos podem pensar os alunos jamais portaram armas de fogo na Terceira
Onda. Também não houve anti-semitismo e racismo entre os alunos e a comunidade.
A história foi contada 'o cialmente', pela primeira vez, pelo próprio professor Ron
Jones, com a publicação do conto chamado A Terceira Onda (The Third Wave), em
1976. Em 1981, o diretor Norman Lear dirigiu um lme para a televisão chamado A
Onda (The Wave), baseado no conto escrito pelo professor Jones. Naquele mesmo
ano, foi publicado o best-seller mundial A Onda (The Wave), do escritor juvenil Todd
Strasser, inspirado no lme homônimo de Norman Lear. O livro de Strasser foi
traduzido para diversas línguas, milhões de cópias foram produzidas desde a sua
publicação, e chegou a ser adotado em muitas escolas. Em 2008, o diretor alemão
Dennis Gansel estreou o seu excelente lme A Onda (Die Welle); baseado no livro de
Strasser e premiado em inúmeros festivais. O lme, que transporta a história da
Terceira Onda para uma escola secundária alemã nos dias atuais, fez um retumbante
sucesso na Europa, atualizando a história original com elementos contemporâneos.
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