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Prof.

José Benedito de Almeida Júnior

Universidade Federal de Uberlândia

METODOLOGIA DO ENSINO DE FILOSOFIA

Uberlândia
2007
INTRODUÇÃO

REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE FILOSOFIA


As reflexões sobre o ensino de filosofia têm tomado um âmbito teórico
extremamente amplo. Em linhas gerais, pode-se dizer que a tendência é a dos autores
tratarem esse tema na perspectiva de uma discussão filosófica e não pedagógica.
Assim, o que tem ocorrido é uma discussão a partir da interface entre o que os
filósofos entendem por filosofia e, conseqüentemente, o que significa ensinar filosofia.
A pergunta: o que é a filosofia? traz consigo outras reflexões necessariamente ligadas
a ela: o que é , como se ensina, para quê e para quem se ensina filosofia? Não se
considera, portanto, que a produção da filosofia esteja desvinculada de sua
comunicação, de seu interesse de se fazer ouvir e entender.
O que é a filosofia? A estratégia mais utilizada é tomar um filósofo como
referência e, a partir do que ele define como filosofia, definir alguns pressupostos
sobre o ensino da filosofia. Assim, se fez com Nietzsche, Platão, Deleuze, Guattari e
outros. Tais reflexões enriquecem a reflexão do professor sobre seu trabalho e
ampliam perspectivas teóricas para a abordagem da filosofia.
Como se ensina a filosofia? Essa discussão não tem sido realizada pelos
filósofos, a não ser no que se refere à seleção de textos e perspectivas
historiográficas. Em geral, não se envolvem nas questões propriamente pedagógicas
que debatem os procedimentos de ensino.
Para quê se ensina filosofia? Essa pergunta é uma das mais retomadas pelos
filósofos e assinalam tendências que se remetem a alguns períodos históricos da
filosofia. No iluminismo, esse ensino tem a função de retirar os homens da ignorância;
na perspectiva marxista, desalienar o homem, desvelando o discurso ideológico; na
perspectiva nietzschiana, preparar para a autonomia.
Para quem se ensina filosofia? Duas tendências predominam nesse campo: a
primeira aponta para a impossibilidade ou da inutilidade de se ensinar filosofia para o
Ensino Médio (e o que dirá para o Ensino Fundamental?); a segunda tendência
acredita não somente na possibilidade do ensino de filosofia, mas até mesmo na
utilidade de se levar os conteúdos filosóficos aos alunos desses níveis escolares.
Há uma linha de análise que aprofunda a segunda tendência. Trata-se da
reflexão de teóricos que concebem o ensino de filosofia como uma experiência
filosófica, ou seja, ensinar filosofia na Educação Básica é possível, útil e uma atividade
filosófica por excelência. Tal é a tese defendida por Gallo e Kohan: “Se tratarmos a
problemática do ensino de filosofia exclusivamente no plano pedagógico – o que
acabam fazendo quase todos os cursos de licenciatura em filosofia - perdemos o
âmbito filosófico da questão e ela fica “manca”. Acabamos caindo nas mãos de uma
didática não-filosófica... a atividade filosófica é em si mesma educativa, não faz
sentido falar em ensino de filosofia no contexto de uma didática apenas instrumental.
Para que aqueles lugares-comuns possam ser de fato superados é preciso que o
sentido do ensino de filosofia seja tratado como uma “pedagogia do conceito”, que ele
seja tratado de forma estritamente filosófica.”. (2000, p. 191)
Contudo, ensinar filosofia, seja em que nível de escolaridade for, é também,
ensinar. Não são poucos os profissionais que acreditam precisar apenas dos
conhecimentos específicos para serem bons professores e, nesse caso, acabam
caindo em outros “lugares comuns” bastante conhecidos. Pode-se aprender muito com
aqueles profissionais, cujo objeto de estudo é as implicações do processo de ensino.
Ainda que os alunos de filosofia tenham contato com esse material teórico nas
disciplinas “pedagógicas”, torna-se útil analisar esse material na perspectiva filosófica
demonstrando em que medida os filósofos que ministram aulas na Educação Básica
podem se favorecer com essas “ferramentas” ou “metodologias”. Esse debate poderia
mesmo influenciar a postura de professores do Ensino Superior, os quais realizam um

2
trabalho tão autocentrado que chegam a excluir qualquer possibilidade de interação
entre professor e aluno.

DUAS CARREIRAS DISTINTAS


Pode-se abordar um tema, de forma direta, quando se trata de um assunto
delicado? Talvez. Uma metáfora seria uma boa forma de abordagem, uma parábola
que permitisse uma aproximação enviesada e, dessa maneira, evitássemos o
desgaste de expor uma grande divergência entre dois grupos que coexistem nos
departamentos de filosofia. Um primeiro grupo acredita que preparar os alunos para
serem professores no Ensino Médio e Fundamental não é um projeto que realmente
tenha valor para a filosofia. O outro grupo acredita que esse é um fim nobre e que
deve ser levado a sério.
O verdadeiro problema, porém, está mais oculto do que aparece na superfície
dos argumentos: trata-se de uma visão preconceituosa quanto ao professor da
educação básica. A dicotomia existe porque, velada ou abertamente, muitos
acadêmicos consideram a atividade de professor de filosofia, na Educação Básica,
como um abandono da vida acadêmica e, portanto, um afastamento do mundo
intelectual. Nessa perspectiva, fica completamente sem sentido preparar os alunos da
graduação de filosofia para serem professores da Educação Básica, pois significaria
prepará-los para abandonarem o curso que fizeram.
O professor do ensino básico desenvolve determinadas técnicas de aula e de
avaliação, que tornam seu trabalho bastante específico. O professor do nível superior
desenvolve outras técnicas, especialmente, as da pesquisa acadêmica. Ora, diremos
então que o professor de universidade é intelectualmente superior ao do Ensino
Médio? A resposta é: não, necessariamente. É claro que a carreira daquela está
essencialmente ligada à pesquisa (especialmente nas universidades públicas) e por
isso, o professor está em um constante processo de desenvolvimento pessoal e
profissional. Ao passo que a carreira desse, está mais ligada ao exercício do
magistério e seu trabalho de pesquisa é sensivelmente reduzido, seja em função da
quantidade de trabalho, seja em função das dificuldades estruturais para continuar se
desenvolvendo.
Assim, em essência, o trabalho do docente de educação básica não deve ser
visto como intelectualmente inferior ao do docente da educação de nível superior,
porque ambos desenvolvem suas técnicas e conhecimentos. Escrever artigos,
mestrados e doutorados não é ser superior aos outros professores, mas é também
uma técnica que se aprende e que pode ser desenvolvida. Os docentes de educação
básica não desenvolvem essas técnicas, mas aprendem outras tantas as quais não
são conhecidas pelos professores do nível superior. Se há uma diferença entre essas
duas carreiras, como dissemos, não é em essência, mas em condições reais: uma
direcionada para o desenvolvimento pessoal e profissional e outra que não oferece as
mesmas condições.
Apesar de todos os preconceitos que envolvem a visão de que os professores
da educação básica não são tão intelectuais quanto os acadêmicos, ela não deixa de
ter certa razão quando se constata que os professores que estabelecem suas
carreiras no nível da educação básica acabam se afastando, via de regra, da
continuidade dos estudos e permanecem anos a fio somente no papel de professores
o que, evidentemente, se torna um fator de limitação para o desenvolvimento pessoal
e profissional dos docentes.
As razões desse afastamento são bastante conhecidas: o excesso de aulas e
de alunos, os baixos salários, as distâncias entre os locais de trabalho e moradia dos
docentes e as universidades, os custos elevados dos cursos de pós-graduação e
extensão. Sem dúvida, tais fatores contribuíram e contribuem para que os profissionais
que tomaram o ensino de filosofia na educação básica como profissão acabassem
afastando-se dos estudos e permanecessem como professores, procurando
desenvolver-se, de maneira autônoma.

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Os governos municipais, estaduais e federal desenvolveram, a partir do final da
década de 90, uma série de cursos de capacitação para professores do nível da
educação básica tendo em vista a dificuldade que tais professores enfrentavam para
realizarem cursos de atualização por conta própria. Do ponto de vista político projetos
como o PEC e a Teia do Saber foram duramente criticados pelos sindicatos de
professores porque estariam a serviço dos Estados Unidos e dos órgãos que o
representavam como o FMI e o Banco Mundial. Do ponto de vista prático, tais projetos
enfrentaram inúmeras dificuldades, desde a falta de infra-estrutura para realização dos
cursos, como a imposição, aos professores, de realizarem-nos. Além disso, enfrentou-
se o desânimo de professores que mal tinham tempo para preparar suas aulas e eram
obrigados a freqüentar tais cursos, em período integral, nos sábados. Finalmente,
muitas instituições responsáveis pela realização dos cursos, isto é, aquelas que
venceram os processos de licitação, não realizaram um trabalho satisfatório variando
entre abordagens meramente pedagogizantes do trabalho do professor ou abordagens
estritamente acadêmicas, as quais, sem dúvida, contribuíram para a formação do
professor, mas de forma alguma atendiam ao interesse dos cursos.
É preciso superar esses obstáculos, especialmente dentro dos departamentos
de filosofia e começarmos a entender que a formação do licenciado é tão importante
quanto a do bacharel. Deve-se exigir das licenciaturas que tenham as mesmas
disciplinas e exigências do bacharelado, porque trata-se de um período de formação
acadêmica e não há razão para oferecer-se um curso para o licenciando e outro para
o bacharelando. Alguns cursos oferecem graduações separadas para o bacharelado e
para a licenciatura, mas acredito que essa opção não seja pertinente para o caso da
filosofia.
Um bom professor de filosofia do ensino médio deve saber pesquisar, ter
passado pela experiência de pesquisador, pois desenvolverá técnicas que, mais tarde,
lhe serão úteis no trabalho de docência. Evidentemente, os professores que assumem
elevadas cargas de trabalho docente têm seu tempo para aprender a elaborar projetos
de mestrado e doutorado, será menor do que o tempo de quem se dedica
prioritariamente a atingir esses objetivos, mas isso não significa que ele esteja
incapacitado para tanto.
Muitas vezes, ouvimos colegas dizerem que a maior parte dos professores da
educação básica não tem capacidade para desenvolver mestrados e doutorados e por
isso mesmo estão nessas carreiras. Isso é uma inverdade. Por que, para muitos,
tornar-se professor da Educação Básica foi uma opção e não resultado de uma
ausência de opções; tornaram-se professores porque essa profissão lhes oferecia o
desafio que estavam dispostos a enfrentar e superar. Aqueles que tornaram-se
professores alegando falta de opção repetem uma atitude típica de qualquer mal
profissional que não se identifica com a atividade realizada. Sendo assim, não
passarão de profissionais medianos, sem motivação para desenvolverem-se pessoal e
profissionalmente. Estes não nos servem de motivo para reflexões neste momento.
Por outro lado, se muitos que procuram os cursos de mestrado e doutorado em
universidades públicas não conseguem elaborar projetos satisfatórios isso se dá por
outros fatores, os quais são conseqüência de um grande motivo: o afastamento da
vida acadêmica leva à perda da intimidade com sua linguagem, seus procedimentos
de pesquisa bibliográfica, elaboração de projetos etc.
Quanto a falta de contato com a linguagem acadêmica, podemos dizer que o
docente da Educação Básica dirige suas leituras para obras que não o mesmo
objetivo, o mesmo público alvo, o mesmo grau de fundamentação, dentre outras
diferenças, daquelas utilizadas para um mestrado, por exemplo, assim aprende a
avaliar e selecionar livros didáticos; materiais didáticos a partir dos meios de
comunicação, com jornais, revistas, filmes etc. e, especialmente, não precisa
preocupar-se tanto com os “comentadores”, pois isto tornaria sua linguagem
extremamente pesada para o seu aluno, ainda que possa apresentar, a esses, alguns

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princípios da linguagem acadêmica, não deve pretender fazer de uma sala de ensino
médio uma sala de universidade.
Quanto à falta de técnica para elaborar o projeto podemos dizer que o mesmo
se dá no sentido inverso: se pedirmos para um aluno, cuja meta é o bacharelado e o
mestrado, o qual não se preocupa com a licenciatura, elaborar um programa de curso,
avaliação, selecionar uma obra didática ou para-didática e outras atividades da rotina
de um professor da educação básica, observaremos o mesmo embaraço. Esses
conhecimentos são técnicos, aprendidos nos estudos universitários, nos cursos de
especialização, capacitação e na prática cotidiana do professor. Muitas vezes,
observamos filósofos que acreditam serem esses conhecimentos do nível do senso
comum, cujo domínio pertence a qualquer ser humano de raciocínio moderado. Outra
inverdade.

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UNIDADE 1 – O ENSINO DE FILOSOFIA COMO UM PROBLEMA FILOSÓFICO

OS SENTIDOS DE SE ENSINAR FILOSOFIA


Gontijo e Valadão (CEDES, 2004, P. 296) realizaram um excelente trabalho de
pesquisa sobre o ensino de filosofia nas escolas de ensino médio do Distrito Federal e
constataram que os professores de filosofia atribuem, em geral, três sentidos
diferentes para o ensino de filosofia:
1. O ensino de filosofia como um espaço nos quais se fornecem aos alunos
instrumentos e métodos do aprender a pensar, estudar e escrever.
2. O ensino de filosofia como instrumento de doutrinação política e ideológica,
partindo-se do pressuposto de que os alunos são alienados politicamente e a
filosofia teria o papel de libertá-los dessa alienação.
3. O ensino de filosofia como instrumento de doutrinamento moral. Parece que
seria papel da filosofia ajudar os alunos à “encontrarem o caminho”, levá-los a
perceber como devem se portar moralmente.

Esses três sentidos podem ser classificados como epistemológico, político e


moral. Aparecem, como se vê mais adiante, nas obras dos filósofos, com a
diferença que a respeito do sentido epistemológico não se trata de instrumentalizar
o aluno para qualquer atividade intelectual, mas especificamente a atividade
filosófica, como a leitura e interpretação de textos filosóficos, a compreensão do
processo de criação dos conceitos, o sentido propriamente dito do filosofar.

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ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Uma das mais consistentes posturas teórico-metodológica é a do


estruturalismo, cuja contribuição – para nosso tema – é a de estabelecer critérios para
abordar a obra de um autor, como apresentá-la ao leitor. Victor Goldschmidt nos
apresenta uma síntese deste debate em seu livro A Religião de Platão1, mais
especificamente num anexo ao final do livro, intitulado Tempo histórico e tempo lógico
na interpretação dos sistemas filosóficos.
Para Goldschmidt, haveria dois métodos de investigação: o método genético ou
histórico que nos permite compreender o tempo histórico de um sistema filosófico; e o
método dogmático ou conceitual que nos permite compreender o tempo lógico de um
sistema filosófico. Entendendo como sistema filosófico o conjunto de obras ou
conceitos de um filósofo. Os dois métodos apresentam suas vantagens e suas
desvantagens, cabendo ao intérprete utilizá-los da melhor maneira evitando as
armadilhas que ambos os métodos carregam.

O método genético
O método genético “considera os conceitos como efeitos, sintomas, de que o
historiador deverá escrever a etiologia (fatos econômicos e políticos, constituição
fisiológica do autor, suas leituras, sua biografia, sua biografia intelectual etc.)”2. Trata-
se, portanto, de verificar as circunstâncias nas quais o autor escreveu uma obra ou
elaborou uma tese. Analisemos exemplos de cada um dos fenômenos que podem
influenciar o pensamento de um autor.
Fatos econômicos: quando nos remetemos à obra de Karl Marx e Adam
Smith, devemos sempre lembrar da Revolução Industrial e o desenvolvimento urbano
pelo qual passavam a Europa ocidental, especialmente a Inglaterra dos séculos XVIII
e XIX.
Fatos Políticos: autores como Kant e Hegel, ao escreverem suas obras
políticas, têm em vista o fenômeno da Revolução Francesa. Suas reflexões são
profundamente marcadas pelas mudanças que ocorreram no mundo a partir de então,
diferindo-se daquela dos contratualistas que escreveram no período anterior a
Revolução e sequer chegaram a contemplá-la.
Um outro exemplo é o pensamento político de Sócrates, Platão e Aristóteles.
Esses filósofos apresentam um claro desprezo pela democracia em virtude da
experiência que viviam: a decadência de Atenas e a ascensão política de Esparta.
Assim, não caberia ao leitor julgar se estão certos ou errados, mas compreender a
origem política dos seus pensamentos.
Constituição fisiológica do autor: muitas vezes os historiadores da filosofia
acreditam que a constituição fisiológica de um autor influencia seu pensamento.
Lembra-se, sempre, da robustez de Sócrates que participou da Guerra do Peloponeso
contra Esparta; da fragilidade fisiológica de Rousseau e Nietzsche, este último,
aposentou-se ainda jovem por causa de sua doença.

Suas leituras: evidentemente, aquilo que lemos nos influencia. Ou em nossos


pensamentos ou em nossas concepções sobre o mundo. Assim, por exemplo, Kant
toma Rousseau como referência para reflexão; assim como Rousseau, Platão e
Hobbes; Michel Foucault, Nietzsche.

Sua biografia. Neste ponto, podemos antever dois aspectos. O primeiro é sua
origem nacional, por exemplo, Maquiavel era Florentino, e viveu um ambiente
fortemente politizado, não apenas pelas instabilidades políticas da Itália, mas também

1
Goldschmidt, V. A Religião de Platão. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963.
2
Idem, p. 193 (adaptado)

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por ânsia de unificá-la. O segundo, relativo aos lugares onde o filósofo morou, as
realidades com as quais tomou contato: é o caso de Rousseau, genebrino que viveu
muito tempo na França; Voltaire, que foi conhecer a realidade da Inglaterra;
Tocquevile que conheceu os Estados Unidos.
Um outro aspecto interessante é a relação com a religião. Muitos filósofos têm
sua obra profundamente relacionada com a experiência religiosa, por exemplo, Santo
Agostinho e sua conversão ao cristianismo. Sócrates e Platão como seguidores dos
Mistérios de Elêusis; Rousseau com suas idas e voltas religiosas que acabam
levando-o ao teísmo.

Sua biografia intelectual. Considera-se, aqui, a formação de um autor: onde


estudou, quais livros leu em suas pesquisas, por exemplo, Descartes estudou em um
colégio jesuíta; Santo Agostinho estudou Platão e, Santo Tomás de Aquino, as obras
de Aristóteles; Karl Marx estudou os economistas clássicos ingleses; Heidegger
estudou Heráclito e assim por diante. Tratar-se-ia de identificar em que medida estas
leituras influenciaram o pensamento de determinado autor.

No caso deste livro didático, não é preciso aprofundar estas relações que o
método histórico nos traz, apenas fazer as indicações e mostrar a influência de algum
fenômeno da etiologia sobre o pensamento do autor. Havendo o interesse da turma, o
aprofundamento de uma pesquisa neste sentido é extremamente produtivo.

Originais. Muitas vezes, estudam-se os originais, primeiras versões, cartas


endereçadas a amigos e editores, para se reconstruir a história de livros que se
tornam referências nas obras de um autor. Um exemplo interessante, é o
descobrimento dos originais do Contrato Social de Rousseau, que indicam uma série
de intenções abandonadas, outras mantidas e outras desenvolvidas destes volumes
intitulados Manuscrito de Genebra.

As desvantagens do método genético ou histórico


A grande desvantagem deste método é “ir além das intenções do autor”. Muitas
vezes o intérprete, julgando que encontrou as fontes, afirma vinculações entre o autor
e seus contemporâneos ou à classe social na qual estaria vinculado. De fato,
encontrar elementos que nos dão noção da origem de um conceito não significa que
podemos afirmar qualquer coisa sobre o autor além de sua “obra assumida”, isto é,
aquela que ele mesmo autorizou a publicação.
Um exemplo marcante desta atitude é a afirmação de Karl Marx de que os
iluministas seriam autores influenciados pelas idéias da burguesia nascente.
Afirmação que é desautorizada, imediatamente, se feita uma análise simples das
obras de iluministas como Rousseau, Diderot e Voltaire.
Outro exemplo, o nazismo atribuído a Heidegger, que em 1933 assumiu a
reitoria da Universidade de Friburgo. Há uma polêmica se sua atitude foi ou não uma
vinculação com os ideais nazistas, de qualquer forma, sua atitude política nada tem a
ver com sua obra filosófica, tomemos como exemplo, Ser e Tempo (1927).

O método conceitual
“O primeiro método, que se pode chamar de dogmático, aceita, sob ressalva, a
pretensão dos dogmas a serem verdadeiros, e não separa a lexis (A. Lalande) da
crença.”3 Em primeiro lugar, é importante destacar que, neste caso, o sentido de
dogma é o mesmo de conceito e não o de dogma religioso, por isso, chamamos este
método de conceitual. Também, e neste mesmo sentido, quando Goldschmidt fala em
crença não se trata de crença religiosa, mas de que o filósofo acredita que seu

3
Idem, ibidem.

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sistema nos fala verdades. E, quanto ao sentido de lexis, citado no dicionário filosófico
de André Lalande, tem o mesmo sentido de conceito.
Esse método trata da análise da obra de um autor tomando como referência
apenas aquilo que está escrito no livro, sem se importar com qualquer fator da
etiologia do autor. Estuda o encadeamento das razões e procura verificar se seu
sistema, nesta mesma obra, está coerente. Depois, prosseguindo a análise, compara
os conceitos formulados pelo filósofo em suas outras obras e verifica-lhes a
consistência. Por conta desse método, muitas vezes identifica-se mudanças na
formulação de conceitos em um mesmo filósofo; ou ainda, observa-se se o filósofo, ao
renunciar aos seus conceitos em obras anteriores, de fato, rompe completamente com
eles ou se mantém algum elo apesar de sua declarada ruptura.

As desvantagens do método conceitual


Esse método apresenta como maior desvantagem o fato de não considerar a
perspectiva das transformações dos conceitos filosóficos dentro do conjunto da obra
de um autor. Por exemplo, ao exigir coerência entre os conceitos acaba
desconsiderando que um conceito concebido aos 30 anos pode e deve sofrer
mudanças quando o autor chegar aos seus 60 anos, pois novas leituras, novos
contatos intelectuais, com certeza, mudam sua forma de pensamento.
Além disto, o método conceitual pode ser incorretamente realizado se não
captar a intenção de uma obra, por exemplo, muitas vezes acusam Rousseau de
incoerência se comparam o Do Contrato Social e as Considerações sobre o Governo
da Polônia. Estes intérpretes não consideram que o primeiro livro é uma obra teórica e
o segundo é uma obra de circunstância: obra escrita para orientar a Legislação da
Polônia.
Também se distingue em Karl Marx estas diferenças, por exemplo, em escritos
que são considerados do jovem Marx como o Manifesto do Partido Comunista e o
Marx maduro como no caso de O Capital.
O professor observará que neste livro, por vezes, o método genético é utilizado
para permitir a inserção do filósofo em seu tempo e sua formação. O método
conceitual é utilizado para apresentar alguns dos principais conceitos da obra de um
autor. Evitando, o máximo possível, os riscos de ambos os métodos, procuramos
analisar a história da filosofia tanto pelo tempo lógico como pelo tempo histórico.

TEMA OU HISTÓRIA DA FILOSOFIA?


Como apresentar a História da Filosofia em um livro didático? Optamos por
uma apresentação que contempla ambas perspectivas, mas que deixa de lado
algumas abordagens.
Uma perspectiva seria escrever um livro que tem como meta a História da
Filosofia em seus períodos clássicos: Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea.
Nesta perspectiva, ganha-se a idéia de tempo cronológico, na qual vamos
acompanhando os acontecimentos históricos-políticos e as correntes e períodos do
pensamento filosófico.
Nessa perspectiva analisamos a obra de um autor em sua completude, por
exemplo, em Aristóteles estuda-se sua lógica, sua física, metafísica, cosmologia e
outros temas que o estagirita abordou.
A outra perspectiva seria escrever um livro tendo como referência os temas da
filosofia e acompanhar seu desenvolvimento cronológico, como fez-se com Filosofia
Política que é estudada nos períodos antigo, medieval, moderno e contemporâneo.
Esta perspectiva permite contemplar tanto os desenvolvimentos históricos e políticos,
como também da própria história da filosofia.
Uma desvantagem que apresenta é a de não permitir uma visão da completude
da obra de inúmeros filósofos, por exemplo, Aristóteles cuja obra aparece fragmentada
na lógica, na filosofia política, na metafísica e outras; Kant, cuja obra aparecerá nos

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temas Metafísica, Conhecimento e outros. Contudo, acreditamos que este problema
pode ser resolvido com auxílio do Sumário e do Índice Onomástico, com os quais o
professor pode realizar uma pesquisa sobre os diversos temas pesquisados por um
filósofo e tomá-los em seu conjunto.
Uma boa forma de aplicar esta perspectiva é a atribuição de atividades para os
alunos tendo como perspectiva fazer um levantamento dos diversos temas abordados
por um filósofo e, até mesmo, quais são suas principais idéias sobre estes temas.
Desta maneira, os alunos terão uma perspectiva diferente da História da Filosofia e
das possibilidades de uso dos livros didáticos e paradidáticos.

DIVISÃO DOS CONTEÚDOS


As listas oferecidas abaixo não têm pretensão de esgotar o universo filosófico, mas
apresentar algumas das principais áreas e temas da filosofia.
1) HISTÓRIA DA FILOSOFIA
a) História da Filosofia Antiga;
b) História da Filosofia Medieval;
c) História da Filosofia Moderna;
d) História da Filosofia Contemporânea.

2) ÁREAS DA FILOSOFIA
a) Metafísica (ontologia);
b) Ética;
c) Política;
d) Filosofia Social
e) Estética;
f) Epistemologia e Teoria do Conhecimento;
g) Filosofia da Ciência;
h) Filosofia da Linguagem;
i) Filosofia da Mente;
j) Lógica.

3) TEMAS DE FILOSOFIA
a) A verdade;
b) O ser;
c) A política;
d) A Educação;
e) O conhecimento;
f) A ciência
g) A linguagem;
h) A arte;

Os livros didáticos encontrados no mercado editorial, hoje, divergem quanto ao


modo de abordagem da história, área e temas da filosofia. Alguns concentram-se no
tema, outros nas áreas e outros, em geral os mais antigos, nos períodos históricos da
filosofia. De qualquer forma, é preciso que o professor tenha claro qual forma de
abordagem dos conteúdos da filosofia que pretende abordar para que possa elaborar
seu programa. A adoção de um livro didático não impede que o professor possa
priorizar sua forma de trabalhar, ao contrário, como dissemos mais acima, o livro
didático deve servir como suporte para o trabalho do professor e não como correntes.

A LINGUAGEM DA FILOSOFIA
A história da filosofia nos mostra que foram diversas as formas literárias das
quais os filósofos se serviram para transmitirem suas idéias. Por isso mesmo, o
professor não deve ficar preso a uma dessas formas nem exigir do aluno que faça o

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mesmo; é preciso que o educando tenha contato com o maior número possível de
obras dos filósofos e com seus diferentes estilos para que esse universo se abra
diante deles.
Em geral, podemos dizer que os estilos mais utilizados em filosofia foram:
a) o diálogo: presente em Platão e Santo Agostinho entre outros;
b) o tratado: presente em obras como as de Aristóteles e Santo Tomás de
Aquino;
c) a poesia: presente em obras como as de Parmênides e Voltaire;
d) os romances, contos e novelas: presentes em obras como as de
Rousseau e Sartre;
e) os ensaios: presentes nas obras de Montaigne e Benjamim.
f) obras acadêmicas: como os artigos, dissertações e teses produzidos nas
faculdades de filosofia
Evidentemente, a lista acima não tem a pretensão de esgotar as formas nas
quais a filosofia foi escrita, mas servir de referência para uma compreensão da
diversidade de formas literárias presentes na história da filosofia. Consideramos
fundamental que o professor proporcione ao seu aluno o contato com essas diversas
formas.
Por outro lado, a relação entre a linguagem e a filosofia pode estar no plano de
referência do professor a partir do pressuposto de que o conceito deve ser expresso
por uma palavra da língua natural do filósofo. Assim, é preciso demonstrar aos alunos
que o conceito é mais específico do que a palavra e que os dicionários do léxico
comum podem ser utilizados, mas não são suficientes para nos indicar o significado
que um filósofo atribuiu ao conceito por ele criado. A única forma de chegar a esse
significado é pela leitura direta da obra do filósofo, pelo apoio dos comentadores e dos
dicionários de filosofia.
Relacionar a língua natural à criação do conceito é uma tarefa tratada por
Cossuta a partir da seguinte perspectiva: “... a língua natural não constitui apenas o
veículo, mas também um meio dotado de autonomia, que tem uma vida própria, dentro
da qual o filósofo tenta abrir um caminho em direção do conceito. (...) Mas ele não
utiliza apenas os recursos da língua natural; ele reelabora conjuntos terminológicos
legados por seus predecessores, toma emprestados termos de domínio de saber
diversos”. (1994, p. 58).
Enfim, se o termo política aparece na obra de um filósofo brasileiro
contemporâneo é porque ele fez uso da sua língua natural. Os dicionários comuns da
língua não são capazes de dizer o exato significado do termo política para esse
filósofo. Por outro lado, muitos filósofos antes dele utilizaram também esse termo, mas
isso não significa que ele tenha sido congelado num significado único, cada filósofo
tratará o conceito a partir do seu campo nocional.

OS FILÓSOFOS
Uma grande dificuldade de estudar filosofia é compreender o pensamento de
um filósofo sem rotulá-lo, ou seja, ainda que seja necessário encaixar seu pensamento
dentro de grandes períodos históricos, áreas ou temas da filosofia, sempre é possível
encontrar provas de que tais rótulos não se encaixam a este ou àquele filósofo.
Apesar de no conhecimento acadêmico tais rótulos serem evitados, no ensino
médio talvez sejam úteis para que os alunos encontrem referenciais mais simplificados
para seus estudos. Simplificar conhecimentos sempre implica perda de precisão,
contudo não significa necessariamente realizar uma análise simplória. É sempre
necessário esclarecer os limites dos rótulos, mas utilizá-los, digamos, didaticamente.
A dificuldade de se estabelecer linhas do tempo nos períodos históricos da
filosofia é muito mais complexa do que pode parecer a primeira vista; a mesma
dificuldade enfrentam nossos colegas da literatura quando delimitam “didaticamente”
os grandes períodos literários brasileiros, por exemplo; assim como nossos colegas da
história, quando delimitam os períodos históricos da humanidade.

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Em filosofia as dificuldades são, entre outras:
a) Os chamados pré-socráticos são filósofos ou pré-filósofos? Se filósofos, então
porque chamá-los de pré-socráticos, qual é o critério de demarcação?;
b) A filosofia medieval se inicia com Santo Agostinho ou os filósofos da patrística
podem ser incluídos nesse momento?
c) Quem é o pai da filosofia moderna: Descartes, Bacon ou Galileu? Se em todos
podemos encontrar fortes influenciais do pensamento medieval podem ser
classificados apenas de modernos?
d) Quando começa a filosofia contemporânea, em Hegel, Marx?

Novamente, os livros didáticos e os manuais de filosofia fazem suas opções,


apresentam alguns argumentos e seguem em frente em suas análises. O professor
também não deve se deter muito nessas questões, pois uma vez problematizada a
questão, isto é, apresentados os argumentos prós e contra (quando for o caso) o
professor pode continuar seu curso. Sabemos que os debates acadêmicos delimitam
com mais precisão o pensamento dos filósofos, por isso, de tempos em tempos novas
tendências no mundo acadêmico influenciam a produção de livros didáticos e manuais
de filosofia.

ABORDAGENS
A abordagem pela história da filosofia permite uma visão do período e de alguns
dos principais filósofos e também pode se tornar uma interessante forma de estimular,
nos alunos, o interesse pela filosofia. Praticamente, todas as faculdades de filosofia,
mantêm as disciplinas de História da Filosofia nos cursos de graduação. A diferença é
que nessas faculdades, a história não é vista de maneira cronológica e ampla, mas
geralmente toma um ou outro filósofo como foco principal fazendo com que outros
filósofos gravitem nesse principal. No Ensino Médio, porém, o tratamento cronológico
pode ajudar o aluno a encontrar um apoio para a compreensão e registro das
informações.

As abordagens que priorizam os temas ou áreas da filosofia percorrem o


pensamento de vários filósofos nos diferentes períodos históricos. Assim, a análise
tende a ser mais superficial, mas por outro lado permite ao aluno a comparação do
pensamento dos filósofos em torno de determinados temas. Muitas vezes, para
facilitar o trabalho, compara-se os pensamentos dos filósofos em cada período
histórico, mas isso nem sempre é interessante, como por exemplo, no caso da política
ao perdermos a oportunidade de compararmos Aristóteles com os Modernos como
Hobbes e Rousseau; ou os elos entre Platão e Santo Agostinho.
A abordagem por temas pode ter como foco dois ou mais filósofos, entendendo-se,
contudo, que quanto maior o número de filósofos analisados dessa forma, menor o
grau de precisão da análise. Esse problema é inevitável, mas freqüentemente torna-se
interessante uma apresentação das idéias dos filósofos sobre um tema para depois
realizar uma abordagem mais cuidadosa de seus pensamentos incluindo não somente
uma leitura conceitual, mas também uma leitura genética. Por exemplo, Santo
Agostinho e Sartre trataram o tema da liberdade, mas com métodos e interesses bem
distintos: para um prevalecia a religião cristã, a necessidade de reforçá-la diante das
críticas que sofria no período; para outro, o ateísmo, a busca de uma ética não-
dogmática, entre outras características.
As abordagens pelas áreas apresentam como vantagem a consistência de análise
em torno de um aspecto da filosofia, como por exemplo, a lógica ou a filosofia da
ciência. Apresenta um recorte semelhante aos temas, pois permite comparar o
pensamento de filósofos de diferentes períodos históricos e, como sempre, apesar do
interesse que esse método desperta nos alunos, ele sempre corre o risco de tratar de
forma superficial os pensamentos dos filósofos e priorizar um em detrimento do outro.

12
Uma outra perspectiva de abordagem é a dos temas transversais que são
sugeridos nas propostas oficiais de ensino e que foram inseridos no contexto dos
debates sobre educação com o objetivo de aproximar os conteúdos teóricos das
diferentes disciplinas à realidade vivida por alunos e professores. Os temas
transversais, portanto têm por objetivo integrar os conteúdos acadêmicos à
experiência de vida daqueles que orbitam o ambiente escolar. Conforme Araújo: A
discussão a respeito dos temas transversais na Educação surge de questionamentos
realizados por alguns grupos politicamente organizados em vários países sobre qual
deve ser o papel da escola dentro de uma sociedade plural e globalizada e sobre
quais devem ser os conteúdos abordados nessa escola. (ARAÚJO apud BUSQUETS,
1999, pp. 11 – 12). Entre os mais conhecidos temas transversais encontram-se: ética,
consumo, educação para a saúde e sexual, meio ambiente, pluralidade cultural e
outros mais que possam se apresentar conforme a necessidade, por exemplo, a onda
de violência que assolou São Paulo em maio de 2006 por ordem de uma organização
criminosa ou a Copa do Mundo podem motivar novas abordagens dos temas
transversais.
O professor de filosofia não deve, nesta perspectiva, tratar exclusivamente dos
conteúdos tradicionais de sua disciplina, mas incluir em seu programa os temas
transversais para que contemple a realidade escolar, ou seja, que seus alunos estão
em processo de formação pessoal e política e que, portanto, a filosofia deve contribuir
diretamente para a compreensão da realidade que o cerca. Assim, o professor de
filosofia não deve virar às costas aquilo que seu aluno assiste na tevê, aquilo que se
discute na escola, mas deve estar atento ao que interessa ao seu público.
Por outro lado, abordar os temas transversais, por meio dos projetos de trabalho,
por exemplo, não pode significar abandonar os conteúdos filosóficos. Este equívoco
tem sido cometido freqüentemente por professores de diferentes áreas que imbuídos
de boa vontade dedicam-se a esclarecer todos os assuntos que chamam a atenção de
seus alunos e abandonam completamente os conteúdos de suas disciplinas. No caso
do professor de filosofia, trata-se especificamente dos conteúdos de história, áreas ou
temas de filosofia que não podem deixar de ser ensinados aos alunos em troca de
esclarecer – supostamente – a realidade que o cerca.
Assim tem sido interpretado o “ensinar a filosofar” de Kant, ou seja, ensinar a
pensar a partir da realidade e não a partir dos conteúdos de filosofia seria a tarefa do
professor, mas como ensinar a filosofar sem os conteúdos da história da filosofia?
Portanto, o ensino de filosofia na Educação Básica parte de um pressuposto para o
qual o bacharelado em filosofia não prepara o discente, qual seja, o de associar o
aprendizado da história da filosofia (com suas áreas, temas e conceitos) à realidade
imediata que cerca o aluno. Nos cursos de graduação aprendemos a estudar filosofia
a partir dos clássicos e seus intérpretes. Pesquisar em filosofia é pesquisar os textos
originais dos filósofos e as diferentes perspectivas de interpretação desses textos. É
muito comum estarmos assistindo uma aula sobre política antiga ou moderna e não
tecer nenhum paralelo ou comentário à realidade política, nacional ou internacional,
que nos cerca. O país pode estar em guerra, mas não nos perdemos no processo de
investigação minuciosa que marca a pesquisa acadêmica em filosofia.
Evidentemente, tal postura possui sua lógica e é importante que se proceda dessa
maneira para que novas perspectivas de interpretação dos filósofos surjam e venham
a enriquecer os debates existentes ou lancem novos debates. O que se percebe é que
não é essa a realidade que o professor da Educação Básica irá encontrar, ou seja, não
haverá quarenta, vinte ou dez alunos diante dele dispostos a mergulhar nos
argumentos e contra-argumentos dos intérpretes de determinado filósofo, mas
adolescentes e crianças ansiosos por entender e dar sua opinião sobre o mundo que o
cerca. Assim, cabe às disciplinas de licenciatura em filosofia realizarem a ponte entre
a formação do bacharel e pesquisador em filosofia e o professor de filosofia da
educação básica.

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Por isso, é preciso que o profissional docente da educação básica, seja de que
área do saber vier, deve preparar-se para inserir em seus planos de curso e de aula
conteúdos que não derivam diretamente de sua formação como bacharel, mas
também os temas transversais e, também, esteja aberto para inserir determinadas
discussões que derivam de acontecimentos fortuitos, mas que atraem completamente
a atenção dos alunos.

O CONCEITO COMO PROBLEMA CENTRAL DA FILOSOFIA

OS CONCEITOS COMO FUNDAMENTO DA FILOSOFIA


A respeito do ensino de filosofia um dos temas mais candentes e mais
estimulantes é o da noção de conceito em filosofia, ou se quisermos ser prolixos, o
conceito de conceito. Na perspectiva de Deleuze e Guattari a criação de conceitos é o
que caracteriza propriamente o trabalho filosófico e, como vimos mais acima em
Goldschmidt, o método dogmático tem por objetivo encontrar o elo entre os conceitos
que caracterizam a obra de um filósofo.
“O filósofo é o amigo do conceito, é conceito em potência. O que quer dizer que
a filosofia não é uma simples arte de formar, de inventar ou fabricar conceitos, dado
que os conceitos não são necessariamente formas descobertas ou produtos. A
filosofia, mais rigorosamente, é a disciplina que consiste em criar conceitos“.
(DELEUZE e GUATTARI, 1992, p. 12). Assim, é preciso que o docente não apenas se
limite a apresentar os conceitos de um filósofo aos alunos, mas procure mostrar o elo
entre esses conceitos e como formam um todo.
Poderíamos tomar os conceitos dos filósofos como correspondentes da
realidade, ou seja, será que essas criações dos filósofos têm alguma coisa a ver com
a realidade concreta das coisas? Para Deleuze e Guattari, o primeiro princípio da
filosofia é justamente compreender que os Universais devem antes ser explicados
para depois explicarem as realidades. Assim, recorrem a Nietzsche e ao
construtivismo para apresentar fundamentos legítimos do pensar filosófico, ou seja, a
criação de conceitos:
“Mas não há razões para opor o conhecimento por conceitos, e por construção
de conceitos na experiência possível ou na intuição. Pois, segundo o veredicto
nietzschiano, não conhecemos nada por conceitos se não os tivermos primeiro
criando, isto é, construído numa intuição que lhes é própria: um campo, um plano, um
terreno que não se confunde com eles, mas que abriga os seus germes e as
personagens que os cultivam. O construtivismo exige que toda a criação seja uma
construção num plano que lhe dê uma existência autônoma”. (DELEUZE E
GUATTARI, 1992, p. 14).
Porém, esta clareza de qual é o fundamento e a tarefa da filosofia é
decorrência de uma luta contra as ciências que foram surgindo e tentando, cada uma
da sua maneira, desqualificar o trabalho filosófico. Em primeiro lugar, a sociologia que
exigiu a apresentação da origem do conceito em elementos como representações
coletivas, concepções de mundo criadas pelos povos, forças históricas e espirituais. A
epistemologia, a lingüística, a filosofia da ciência também tentaram limitar o conceito
filosófico à noção de lei em ciências ou de sintagmas e parasintagmas em lingüística
tentando retirar-lhe o que tinha de mais filosófico: o fato de ser criado. Conforme
Deleuze, os pós-kantianos abraçaram a idéia da criação de uma enciclopédia
universal de conceitos, cujo objetivo não era apresentar suas diversas interpretações
pelos filósofos – tal como fazem hoje os dicionários de filosofia – mas de torná-los
definitivos.
Assim, equivocados tanto quanto os críticos da filosofia oriundos de outras
áreas do saber, caberia mais aos pós-kantianos “dedicarem-se a uma tarefa mais
modesta, uma pedagogia do conceito, que tivesse de analisar as condições de criação

14
como fatores de momentos que permaneciam singulares.” (DELEUZE e GUATTARI,
1992, p. 18).
A tarefa da docência em filosofia na Educação Básica pode aprender um pouco
com essa problemática do conceito. Em primeiro lugar, demonstrando que os
conceitos são criações dos filósofos, que podem derivar de uma intuição genial ou de
puro raciocínio lógico, mas de qualquer forma são criações, por isso, não deve o
docente realizar a tarefa de cristalizar o conceito tentando transformá-lo em um
imperativo universal válido sob quaisquer circunstâncias.
Em segundo lugar, a docência em filosofia na Educação Básica não se resume
a ensinar para os alunos o que os filósofos pensaram, comparar-lhes os pensamentos
e dar conta desses conteúdos nas avaliações, mas também de auxiliar o aluno na
interpretação da realidade na qual vive – daí a necessidade de aceitar e incentivar as
questões dos alunos não somente relativa ao texto tratado, mas também de sua
realidade imediata – para tanto, professor e aluno serão partícipes de um processo de
criação de conceitos. Nesse sentido é que Aspis (ASPIS, 2005, p. ???) insiste que a
docência em filosofia na Educação Básica é uma experiência filosófica.
Acrescentaríamos, para o professor e para o aluno.
A respeito da pedagogia do conceito, Deleuze e Guattari nos remetem a obra
de Frédéric Cossuta que também desenvolve o tema da pedagogia do conceito sob a
perspectiva das relações entre linguagem e conceito. Para Cossuta: “Mas ele (o
filósofo) não se serve passivamente de um estoque de expressões feitas: uma filosofia
depende menos do vocabulário que ela emprega do que da maneira como o
pensamento procede para produzir o sentido”. (COSSUTA, 1994, p. 59). Isto quer
dizer, que muitas vezes os filósofos recorrem às mesmas expressões, mas elas não
estão dependentes do sentido que possuem no vocabulário daquela língua, mas do
modo como empregaram, tal como temos, num exemplo elementar, o termo política
utilizado por Platão e Aristóteles, contudo seus sentidos são completamente distintos.
Para Cossuta aquela noção goldschmidtiana de método genético, ou seja, da
análise dos conceitos do pensamento de um filósofo é pertinente porque existe um
campo conceitual formado pela totalidade sistemática dos conceitos. E esses
conceitos são mesmo o resultado da articulação desse todo sistemático que é o
pensamento, assim, não há conceito fora do pensamento.
Cossuta diferencia o campo nocional do campo conceitual. O primeiro é: “o
conjunto da terminologia preexistente à doutrina” (1994, p. 59), ou seja, são
expressões da língua na qual escreve e termos tomados de outras áreas do saber ou
mesmo de outras doutrinas filosóficas. Cita como exemplo, a análise de Gueroult a
propósito do conceito de “substância” em Espinosa: “Em Descartes e alguns
escolásticos, o termo substância não era unívoco, pois se aplicava a Deus ‘que
necessita apenas de si para existir’ e às substâncias da natureza ditas ‘criadas’ que,
para existir, certamente necessitam outras coisas criadas. Espinosa reestabelece a
univocidade do termo, concebendo toda substância como seres divinos que são em si
e concebidos por si.” (1994, p. 59).
O campo conceitual é formado “pela integração da terminologia numa
totalidade sistemática”. (idem). Isto significa que o conceito só encontra seu sentido na
totalidade da doutrina – totalidade a qual Cossuta, como Goldschmidt afirmam ser
flexível – e que ele não tem qualquer significação fora do pensamento e da linguagem:
“Não há portanto, conceito fora de um processo de pensamento que lhe garanta a
área de significação; a definição é procedimento sintético, do qual só o contexto verbal
permite fixar os limites.” (idem).
Ora, em termos mais simples, não existe um hiperurânio onde residem os
conceitos que deveram ser “descobertos” pelos filósofos e que, portanto, pré-existem
ao pensamento.

15
HISTORIA DA FILOSOFIA E FILOSOFAR EM KANT
Essas reflexões sobre a importância do conceito em filosofia nos remetem à
arquitetônica da razão pura de Kant e, mais especificamente, a sua famosa frase
sobre o filosofar: “Dentre todas as ciências racionais (a priori), portanto, só é possível
aprender Matemática, mas jamais Filosofia (a não ser historicamente); no que tange à
razão, o máximo que se pode fazer é aprender a filosofar”. (KANT, 1979, p. 237).
Basicamente, Kant define a filosofia como um arquétipo que serve para “julgar todas
as tentativas de filosofar; este arquétipo deve servir para julgar toda a filosofia
subjetiva, cujo edifício é freqüentemente tão diversificado e tão mutável“. (KANT: 1979,
p. 237).
Dessa forma, Kant estaria em completo desacordo com o que acabamos de ver
em relação à pedagogia do conceito de Deleuze e Guattari, os quais consideraram
inúteis, essas tentativas dos pós-kantianos, de estabelecer esse arquétipo que serviria
para acabar com toda a “diversificabilidade e mutabilidade” do edifício filosófico. De
certa forma, Bacon fez uma crítica semelhante à de Kant ao definir os sistemas
filosóficos como “ídolos do teatro” nos quais os filósofos apresentam seus sistemas um
depois do outro na mais total diversidade.
Essa diversidade dos sistemas filosóficos, contudo, não seria fruto das
influências do povo ao qual pertencem nem de sua carga cultural, como querem os
sociólogos; nem fruto da falta de lógica dos filósofos em captar o conceito tal como ele
é de fato, mas justamente do que a filosofia tem de mais característico que é a
capacidade de criar conceitos.
Podemos entender a frase de Kant, ao menos, sob outra perspectiva: a de que
se pode ensinar filosofia historicamente, isto é, podemos ensinar aos alunos os
sistemas dos filósofos e compará-los, Kant, portanto, não nega que se possa ensinar a
historia da filosofia, mas somente que isso seja ensinar filosofia. Nessa perspectiva,
podemos ver um certo elo entre o pensamento kantiano (e não o dos pós-kantianos) e
o deleuzeano, ou seja, ambos concordam que ensinar filosofia não é ensinar os
sistemas filosóficos, mas ensinar a pensar filosoficamente.
Também não percebemos uma dicotomia entre o ensinar a história da filosofia
e o ensinar a pensar filosoficamente ou, simplesmente, filosofar nesses autores. Sob
essa perspectiva, trata-se de partir de um conteúdo aceito como tradicional e, de
excelente qualidade intelectual, as obras dos filósofos, mas isso não significa
limitarmos o trabalho do filósofo a ensinar a história da filosofia. Assim, partir da
história da filosofia é sempre um referencial seguro para que possamos desenvolver
um pensamento autônomo e criativo.

A RESPEITO DO ENSINO DE HISTÓRIA DA FILOSOFIA E DA FILOSOFIA EM


HEGEL
Podemos dizer que a concepção hegeliana de ensino de filosofia se encaixa na
discussão proposta por Goldschmidt: a do tempo histórico e a do tempo lógico na
interpretação dos sistemas filosóficos. Basicamente, podemos dizer que Hegel não se
importa com a análise do tempo histórico, exige que o foco das atenções dos
professores esteja centrado no tempo lógico, para usar uma linguagem anacrônica a
Hegel, mas que faz sentido para nós.
“Do mesmo modo não pode preocupar-nos muito a história da difusão dos
sistemas. Nosso objeto é somente o conteúdo dos sistemas filosóficos, não a história
exterior dos mesmos. Por exemplo, conhecemos uma multidão de doutrinas do
estoicismo que atuaram intensamente em seu tempo e transformaram (aperfeiçoando)
os indivíduos”. (HEGEL, 1980, p. 73).
Nesse sentido, Hegel insiste que nos atenhamos ao significado dos princípios
propostos pelas filosofias, sejam os antigos como Tales ou, os modernos como
Descartes. Ora, trata-se de saber selecionar o que de fato tem interesse para entender
o “progresso do espírito” e o que não se remete diretamente a esse assunto. Por isso,
Hegel afirma: “Logo, temos de ater-nos na filosofia antiga, unicamente ao filosófico,

16
não ao histórico, ao biográfico, à crítica etc. Por conseguinte, não ao que foi escrito
sobre estas questões ou ao que é somente secundário”. (HEGEL, 1980, p. 71).
Ele tematiza a relação entre a história da filosofia e a própria filosofia sob a
perspectiva de se estabelecer uma leitura dos sistemas filosóficos na história da
filosofia, tarefa esta a ser orientada por um professor: “Trata-se agora da relação direta
da história da filosofia com a própria filosofia. Para encontrar na primeira um sistema,
deve-se já ter um conhecimento do sistema da filosofia. Por conseguinte, é dever do
professor, que já possui esse conhecimento, mostrar na história da filosofia uma
sistematização ou um desenvolvimento lógico”. (HEGEL, 1980, p. 73).
Uma vez que o professor tem a clareza dos princípios das filosofias, ainda cabe
uma nova tarefa: a de selecionar os sistemas nos quais os princípios foram
importantes para provocar um “alargamento” da ciência. Assim, o historiador da
filosofia não pode proceder de modo imparcial como o historiador político, se bem que
o próprio Hegel reconhece que a história política não é imparcial, como no exemplo de
Tito Lívio, no qual importava acima de tudo salientar a soberania romana. Da mesma
forma , o historiador da filosofia tem uma finalidade ao escrever essa história: “... a
razão no seu desenvolvimento se constitui a si própria como fim; fim que não é
qualquer coisa de estranho nela introduzido, mas a própria realidade histórica, que
exige por fundamento o universal, e à luz do universal apresentam-se em seu
confronto as particulares formações e seus aperfeiçoamentos. Por conseguinte, se
também a história da filosofia deve narrar fatos históricos, surge imediatamente à
pergunta: que coisa é um fato da filosofia, e se este ou aquele fato, é ou não filosófico.
Na história exterior tudo são fatos, embora uns dotados de importância e outros não.
Não assim na filosofia; porque o tratar a história da filosofia nem sequer é possível, se
o historiador não tiver que julgar”. (HEGEL, 1980, p. 390).
Como conclusão, Hegel alerta ao professor de filosofia que o seu objeto, não
pode ser registrado em mármore ou papel, que, portanto não pode ser decomposto.
Segundo ele a filosofia é o resultado dos “produtos do pensamento” que são:
“constituídos em pensamento formam o próprio ser do espírito. Nem por isso estes
conhecimentos são coletâneas de noções, ou conhecimentos do que é morto,
soterrado e decomposto; a história da filosofia ocupa-se daquilo que não envelhece,
daquilo que é o presente vivo”. (1980, p. 346).

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UNIDADE 2 – CONHECIMENTOS DE APOIO AO ENSINO DA FILOSOFIA

O ENSINO DE FILOSOFIA ENQUANTO PROCESSO DE ENSINO

A motivação do professor
A motivação é um fenômeno pessoal, é impossível alguém motivar alguém,
seja em que condições forem. Archer (1997, p. 25) “a motivação, portanto, nasce das
necessidades humanas e não daquelas coisas que satisfazem estas necessidades”.
Isto quer dizer que, a motivação é o movimento em direção à satisfação das
necessidades e não exatamente o resultado final, pois este é a satisfação. Conclui
Archer: “... a questão que se segue é como pode uma pessoa motivar outra. A
resposta é simplesmente que não se pode”. (idem)
Herzberg analisou esse problema sob a perspectiva de diferenciar fatores de
higiene e fatores de motivação. Os fatores de higiene são aqueles que atendem as
necessidades básicas, os quais são necessários, porém incapazes de produzir
motivação. Em dado momento das pesquisas sobre o tema da motivação, acreditava-
se que o atendimento desses fatores era suficiente para gerar a motivação formando,
o que ficou conhecido pelos teóricos como “mitos da motivação”, dentre os quais
Herzberg destaca: redução do expediente de trabalho, salário, benefícios
previdenciários, preparo em relações humanas, comunicações, comunicações nos
dois sentidos, participação no trabalho e outros.

Os fatores de motivação são aqueles relacionados ao desenvolvimento do


trabalhador como pessoa e profissional, também derivam de determinadas
necessidades, mas não exatamente como as anteriores. Herzberg diferencia essas
necessidades: “Estão presentes no caso dois conjuntos de necessidades inerentes ao
homem. Um deles pode ser considerado originário de sua natureza animal: o impulso
natural para evitar sofrimento causado pelo meio ambiente, mais os impulsos
adquiridos que se tornam condicionados às necessidades biológicas básicas. A fome,
por exemplo, que é um impulso biológico básico, torna necessário ganhar dinheiro e
este depois se torna um impulso específico. O outro conjunto de necessidades
relaciona-se com aquela característica humana singular, que é a capacidade de
realizar e, através da realização desenvolver-se psicologicamente”. (1997, p. 117).

Os fatores de higiene não são capazes de motivar, mas sua ausência provoca
desmotivação, porque quando as condições materiais atingem níveis críticos o
processo de desmotivação é inevitável. Pode-se concluir que os fatores de higiene,
portanto, têm uma função somente negativa, porque sua presença não motiva, mas
sua ausência desmotiva; ao passo que a presença dos fatores de motivação agem
efetivamente.

O enriquecimento do cargo é a expressão utilizada por Herzberg para definir a


implementação de princípios que proporcionam a motivação. Para cada princípio há os
conseqüentes motivadores. São eles: desenvolvimento e progresso; responsabilidade;
realização profissional; reconhecimento e aprendizagem Assim:

Eliminar alguns controles, mas manter a obrigatoriedade de prestar contas.


(responsabilidade e realização profissional);

Aumentar a obrigatoriedade de cada empregado prestar contas de seu próprio


trabalho. (responsabilidade e reconhecimento);

Dar a uma pessoa uma unidade natural completa de trabalho, como módulos,
divisões, áreas, etc. (responsabilidade, realização e reconhecimento).

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Conceder mais autoridade a um empregado em sua atividade; liberdade no
cargo. (responsabilidade, realização e reconhecimento);

Fornecer relatórios periódicos diretamente ao próprio empregado e não ao


supervisor. (reconhecimento interno);

Acrescentar novas tarefas e mais difíceis, não executadas anteriormente.


(desenvolvimento e aprendizagem);

Atribuir tarefas específicas ou especializadas a cada um dos empregados,


permitindo-lhes que se tornem peritos. (responsabilidade, desenvolvimento e
progresso).

Concluindo, ao optar pela carreira do magistério (seja em que nível for) é


preciso que o profissional esteja consciente de sua escolha. A motivação não é
externa, nenhum fator extrínseco pode gerar o interesse por algo que, de saída, já não
agrada nem atrai a atenção.

A motivação do aluno

Da mesma forma que a motivação do professor é um processo intrínseco a


motivação do aluno também o é; conseqüentemente, estamos diante do mesmo
problema: não é possível motivar o aluno. É possível, porém, criar condições
favoráveis para a motivação.

No universo pedagógico as noções de motivação ainda são bastante


tradicionais e não dão conta da complexidade que o tema possui. Assim, vemos
excelentes livros teóricos confundindo fatores de higiene e fatores de motivação
“Freqüentemente, as diversas intenções têm sido relacionadas à motivação intrínseca
e extrínseca que, por sua vez, aparecem como algo que o aluno possui, como um
elemento que se refere exclusivamente ao seu universo pessoal (o que é traduzido
pela prática educacional em exemplos como: ‘não se pode trabalhar com esse grupo;
estão completamente desmotivados’ ou ‘sempre é melhor trabalhar com os do primeiro
ciclo da Educação Primária, eles têm tanta vontade de aprender’”). (SOLÉ apud COLL,
1999, p. 38).

Não existe motivação extrínseca e toda motivação é intrínseca, pertence


exclusivamente ao universo pessoal do aluno. Tal como os alunos, os empregados
quando começam um emprego novo, ou estão em situação de primeiro emprego,
ficam motivados pela perspectivas de um universo que se descortina diante deles.
Tanto no mundo da escola, quanto no mundo do trabalho são desestimulantes, por
exemplo, do ponto de vista da criatividade e do desenvolvimento pessoal, o que leva a
desmotivação. Ambientes que estimulem a criatividade e o desenvolvimento pessoal
não são, por si mesmos, motivadores.

Sendo múltiplos os interesses dos alunos é possível compreender porque


desde cedo se afeiçoam mais a uma área do saber do que a outra; esse processo
pode, por vezes, gerar uma imensa motivação nas áreas de afinidade e desmotivação
nas áreas com as quais não possuem essa afinidade. Contudo, o período de
escolarização é de aprendizado e formação do indivíduo para que se torne bom
cidadão, por isso, a multiplicidade de disciplinas é não somente benéfica, como
necessária.

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O professor da Educação Básica deve ser sensível às “inteligências” dos
alunos e não exigir que todos apresentem os mesmo níveis de motivação pela sua
disciplina. Por isso, no processo de avaliação, há conceitos positivos que flutuam de
razoável à excelente: nem todos desejam atingir o nível de excelência em todas as
disciplinas.

Do ponto de vista externo, algo como os “fatores de higiene” para a escola,


determinadas normas escolares, atitudes dos dirigentes e professores, bem como a
falta de estímulo para o desenvolvimento profissional podem acarretar na produção de
um ambiente desmotivador.

Algumas soluções são testadas: mudanças na rotina, atividades interativas,


recursos didáticos variados etc. Os motivadores desenvolvimento da aprendizagem, o
progresso, a realização e o reconhecimento, devem estar presentes na “sala de aula”
de tal forma que, quando aluno tiver certeza de que pode aprender, percebendo seu
progresso, realizando-se nas pequenas metas conquistadas hodiernamente e, isto é
importante, tiver o reconhecimento externo, pode-se acionar o gerador da motivação.
Conforme Solé: “... quando alguém pretende aprender e aprende, a experiência vivida
lhe oferece uma imagem positiva de si mesmo, e sua auto-estima é reforçada, o que,
sem dúvida, constitui uma bagagem para continuar enfrentando os desafios que se
apresentem. O autoconceito, influenciado pelo processo seguido e pelos resultados
obtidos na situação de aprendizagem, por sua vez, influencia a forma de enfrentá-la e,
em geral, como foi evidenciado por Rogers (1987) e Rogers e Kutnick (1992), a forma
de comportar-se, de interagir, de estar no mundo”. (SOLÉ apud COLL, 1999, p. 39).

O perfil do aluno da Educação Básica

Na teoria piagetiana o desenvolvimento da inteligência ocorre em quatro


grandes estágios: a inteligência sensório-motora; a inteligência pré-operatória;
operações intelectuais concretas; e operações intelectuais formais. Conforme Parra:
(1983):

A inteligência sensório-motora ocorre entre zero e dois anos e se desenvolve a


partir de quatro etapas: a construção da noção de objeto permanente; a noção de
espaço; a noção de causalidade; a construção do tempo.

A inteligência pré-operatória (de dois a sete anos) é conhecida também como


inteligência simbólica ou pensamento intuitivo; nesse momento a criança passa a
representar significantes por meio de significados, libertando-se da dependência do
imediato, ou como diz Parra, hic et nunc. Nessa fase se desenvolve a linguagem
permitindo ampliar o processo de socialização, a interiorização da palavra e a
“interiorização da ação, refletida em termos de imagens e experiências mentais”.
(PARRA, 1983, p. 12).

As operações intelectuais concretas ocorrem dos sete aos onze anos,


aproximadamente. Caracteriza-se pela reversibilidade da lógica, dá mais mobilidade
ao pensamento da criança e permite, no plano afetivo, o desenvolvimento dos
processos de cooperação. Segundo Parra: “A reversibiidade desse período apresenta-
se sob duas formas: a negação, ou inversão, que corresponde a uma anulação de
uma operação por sua inversa; e a reciprocidade, expressa da descoberta, pela
criança, de operações que compensam a ação original sem anulá-la”. (1983, p.12).

As operações intelectuais formais são caracterizadas pela capacidade de


subordinar o real ao possível: “A propriedade mais distintiva do pensamento formal é a
inversão da direção entre a realidade e a possibilidade; em lugar de derivar um tipo

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rudimentar de teoria dos dados empíricos, como é feito nas inferências concretas, o
pensamento formal começa com uma síntese teórica, concluindo que certas relações
são necessárias e, assim, prosseguindo na direção oposta”. (INHELDER & PIAGET,
1958, p. 251 apud PARRA, 1983, p. 15).

A respeito do raciocínio duas novas formas começam a surgir: o hipotético-


dedutivo e o pensamento proposicional. O primeiro é constituído pelas relações de
proposição e não pela verdade ou falsidade dos enunciados, assim é possível
construir teorias que até contrariam os dados empíricos. Tal como vemos nos
Segundos Analíticos de Aristóteles. O segundo é caracterizado pelo fato de que a
realidade deixa de ser o ponto de partida e passa a ser para o adolescente “um motivo
para o levantamento de afirmações ou proposições a seu respeito.” (PARRA, p. 16).

A integração do adolescente na sociedade dos adultos, isto é, o aspecto prático


dessa fase, ocorre em três fases: o adolescente se coloca num plano de igualdade em
relação ao adulto; desenvolve um “programa de vida”; e se propõe a ser um
reformador da sociedade. Conforme Parra: “O fato de o jovem se apresentar como um
‘construtor’ de teorias, bem como de sistemas, visando à reformulação da sociedade,
é indício de seu pensamento formal. O pensamento formal, como vimos, é, por um
lado, um pensamento sobre si próprio e, por outro, um raciocínio que coloca o real sob
o possível”. (1983, p. 39).

O MATERIAL DIDÁTICO DE FILOSOFIA

LIVROS DIDÁTICOS E MANUAIS.


Um livro didático não é um manual de História da filosofia. Os antigos – e os
atuais – manuais de história da filosofia são escritos para consulta elementar por
pesquisadores e não para serem uma leitura palatável destinada a adolescentes.
Somente consultamos manuais quando temos necessidade de encontrarmos uma
referência específica: uma data, o título exato de uma obra, seu ano de publicação
etc., os manuais podem se constituir numa fonte de pesquisa, material de apoio, mas
não em material didático.
O livro didático vai para a sala de aula porque também deve ser lido pelo aluno,
por isso, sua linguagem não deve ser a mesma de um manual, deve ser mais
agradável e simples, contudo não pode perder o rigor conceitual e histórico em favor
de um didatismo equivocado. Evidentemente, os textos dos livros didáticos não devem
ser os únicos a serem oferecidos aos alunos da Educação Básica, por isso mesmo,
muitas dessas edições trazem trechos das principais obras filosóficas e demais
materiais de apoio, como poesias, romances, reportagens.

LIVROS DIDÁTICOS E TEXTOS DOS COMENTADORES.


Os textos dos “comentadores” ou dos “críticos” são específicos do ambiente
acadêmico, ligados à pesquisa profunda. O público leitor de um texto dessa natureza é
formado pelos pesquisadores que atuam na mesma área sobre a qual foi escrito.
Exige o domínio da linguagem filosófica e de competência na busca de informações de
apoio. Por exemplo, um texto de comentador, não está preocupado em esclarecer ao
leitor noções elementares sobre os conceitos por ele discutidos. Assim, quando cita
um filósofo não precisa colocar entre parênteses suas datas de nascimento e morte,
quando é o caso; quando cita um livro não precisa dizer sua data de publicação ou
fazer um breve resumo de seu conteúdo, porque esses e outros conhecimentos
elementares são por pressuposto, conhecidos pelos leitores. Quando um aluno
universitário não possui tais conhecimentos ele possui, ao menos, como dizemos,
habilidade de pesquisar essas informações fundamentais para a compreensão do
texto.

21
Não se espera de alunos de Ensino Médio e de Ensino Fundamental, que
possuam tais conhecimentos e nem tal capacidade para buscar informações
adequadas para compreendê-lo, por isso, em geral, um texto de comentador está
deslocado quando oferecido de maneira integral aos alunos de em um desses níveis
uma vez que não foi dirigido a esse público.
Pode-se utilizar, no entanto, pequenos parágrafos ou frases desses
comentadores que ajudem a esclarecer o texto do filósofo sobre o qual a aula está
sendo tratada.
É até mesmo instrutivo que os alunos de Ensino Médio leiam a opinião de um
pesquisador sobre o filósofo, cuja obra foi seu objeto de estudo. Nesse caso,
interpretações dicotômicas sobre a obra de um mesmo autor podem ser apresentadas
como um “debate” por escrito. Por exemplo, numa introdução ao pensamento e à obra
de Platão podemos apresentar opiniões diferentes por meio de um pesquisador,
Werner Jaeger:
Para aqueles tempos, Platão era acima de tudo o profeta e o místico religioso;
era o Platão de Marsílio Ficino e não o Platão científico e metodológico de Galileu.
(Jaeger, 1995, 582)
Os dicionários filosóficos e publicações semelhantes podem constituir-se em
excelentes fontes de consulta, porque fornecem informações de modo sintético e
comparativo, especialmente quando se trata de temas, como a verdade, o ser, a
política etc.

A IMPORTÂNCIA DOS ORIGINAIS


Seja qual for o filósofo ou o tema a serem trabalhados, é muito importante
utilizar, diretamente com os alunos, os textos dos próprios filósofos, pois o contato
com a literatura original estimula o interesse e permite uma análise direta do
pensamento.
Contudo, o professor recém-formado ou ainda estudante está acostumado a
utilizar uma série de comentadores para interpretar um determinado aspecto do
pensamento de um filósofo. Tal atitude é extremamente importante em um ambiente
acadêmico, mas é por demais específica para ser aplicada a realidade do Ensino
Médio. Ainda que algumas experiências positivas tenham ocorrido, elas não devem
servir como regra, porque dependem de circunstâncias muito particulares, como
número de alunos na sala de aula, acesso à tecnologia, cópias de textos etc.
Além disso, não me parece ser o objetivo do Ensino Médio tornar-se uma cópia
do trabalho acadêmico. Alguns professores desejam que isso ocorra por dois motivos:
quando são professores universitários acreditam que, se o aluno tivesse as noções de
pesquisa e pensamento do nível acadêmico, no Ensino Médio, não chegariam tão
defasados à universidade. Em segundo lugar, acreditam que o Ensino Médio que não
toma o ensino superior como referência é “menos valioso” ou simplório.
Ambas as posturas estão equivocadas. O Ensino Médio atende alunos em
situação escolar com características particulares e é a essas características que o
ensino deve estar dirigido, por exemplo, aprender a estudar, conviver com diferentes
colegas, aprender diversas disciplinas, trabalhar em equipe. Esse aluno não deve ser
transformado em uma miniatura do universitário de filosofia, por exemplo, lembremo-
nos de que na maioria dos casos o aluno sequer iria a aula se não fosse obrigado por
seus responsáveis.
O professor possui autoridade para ler trechos dos originais com seus alunos e
interpretá-los. Evidentemente, como pesquisador, ele saberá buscar informações para
interpretar os filósofos, mas não deve levar esses debates ou análises como principal
conteúdo para a sala de aula, porque tornaria os temas de aula extremamente
alongados. Como dissemos mais acima, os dicionários filosóficos podem ser
excelentes fontes de consulta dos professores, mas seu conteúdo não deve,
necessariamente, ser utilizado como material didático.

22
RECURSOS DIDÁTICOS EM FILOSOFIA
Há um hábito em nossa área de atuação que leva alguns profissionais a
suporem que uma boa aula de filosofia é necessariamente expositiva. Crêem que o
discurso bem elaborado pelo professor, ao modo dos retóricos, é o único caminho
para a compreensão dos conceitos e suas dinâmicas.
De fato, uma boa aula expositiva encanta o ouvinte e o leva à compreensão da
mensagem do professor ou palestrante. Contudo, em se tratando de alunos da
Educação Básica, não se pode esperar a mesma pré-disposição que encontramos nos
alunos de nível superior. Assim, é preciso, por vezes, mudar a “linguagem” com a qual
comunicamos as idéias que levam à compreensão do conceito. Não se trata de
abandonar as aulas expositivas, mas de inserir novas formas de instrução que tornam
a aula mais atraente não somente para os alunos, mas também para o professor.
Não há nenhum mistério referente ao uso de recursos didáticos para o ensino
de filosofia, afinal de contas, trata-se mais de uma questão de estudar a ferramenta do
que saber aonde vamos aplicá-la. Tocar nesse assunto torna-se vital, porque o ensino
de filosofia vem sendo significativamente prejudicado pelas constantes alterações nas
leis que ora possibilitam o exercício constante dos professores de filosofia, ora os
obriga a lecionarem outras disciplinas para completarem sua jornada de trabalho.
Por conta disso, as outras disciplinas que mantém uma constante presença nos
currículos da Educação Básica oferecem uma grande quantidade de material de apoio
para os professores. Assim, de certa forma, repassaremos conhecimentos comuns
para nossos colegas, mas infelizmente, ainda desconhecidos pela maior parte dos
professores de filosofia da Educação Básica e superior.

RECURSOS AUDIOVISUAIS
a) O uso do vídeo ou DVD na sala de aula;
A utilização de filmes ou documentários em sala de aula contribui, sob diversos
aspectos, para o desenvolvimento dos conteúdos de aprendizagem. Deve-se
observar, contudo, a necessidade de se fazer um uso criterioso desse material. É
possível fazer exposições dirigidas e não dirigidas, ou seja, esmo princípio exposto
acima: uso criterioso. Assim, elencamos algumas idéias para dirigir a utilização desse
tipo de material de apoio:
• Registrar com o máximo de clareza possível os dados do material: diretor,
roteirista, elenco, empresa que produziu, quando foi produzido, público alvo
etc.
• Apresentar uma síntese do material a ser exposto de tal forma que o aluno
possa assistir a exposição sabendo a qual assunto se refere e qual problema
quer identificar;
• Em caso de documentários didáticos pode-se utilizar o material todo, porque
em geral, são de curta duração, o que está de acordo com o tempo de duração
das aulas e, com a quantidade de informações a serem expostas;
• Em caso de filmes, cujo objetivo não é didático, é preciso apresentar “um
trecho” do filme que ajude a problematizar o tema que vinha sendo discutido
em aula;
• Isto é importante! A exposição de um filme inteiro, especialmente na
Educação Básica, é contraproducente, pois o filme pode ter uma problemática
central, mas as tramas paralelas dispersam a atenção sob o foco que vinha
sendo estudado. Não são poucos os relatos de professores que ocupam
semanas de aula passando filmes longos como “Freud Além da Alma”, as três
partes de “Matrix” e outros exemplos.

b) O uso de músicas;
A utilização de músicas em sala de aula é um recurso bastante comum, porém
um dos menos aproveitados. Tal como os recursos acima e os que virão sugerimos:

23
• Começar sempre pelo registro técnico: quem são os autores e intérpretes, qual
gravadora produziu, em que cidade, país, ano; qual é o público alvo da banda,
orquestra ou cantor.
• A música popular deve ser apresentada não somente como letra de música,
mas também como melodia e harmonia, pois esses elementos permitem
compreender melhor a “mensagem” que a banda quer passar. Além disso, os
encartes e a capa, em geral, também fazem parte da apresentação da banda,
por isso, um bom estudo desse material ajuda na compreensão da mensagem;
• Quando se trata de música erudita, é importante ressaltar a época em que foi
escrita, se o compositor estava ligado a algum movimento musical, qual é a
orquestra que a executa e, a partir daí, discutir as possíveis “mensagens” que
possam estar relacionadas com a problemática filosófica levantada em sala de
aula.

c) Fotografias, telas de pintura, esculturas etc.


Este tipo de recurso é muito escasso nas escolas, mas por vezes, é possível
conseguir determinadas imagens que podem ser apreciadas por todos os alunos,
como slides ou mesmo em documentários.

RECURSOS GRÁFICOS
b) O uso de jornais e revistas;
Jornais e revistas podem trazer diferentes tipos de material, desde reportagens
de interesse imediato do aluno como assuntos políticos, comportamento, profissão até
mesmo materiais de divulgação científica, nos quais os autores são especialistas nas
áreas e comentam algum assunto de maneira clara e abrangente.
Tal como na exposição de um DVD, jornais e revistas devem ser apresentados
cuidadosamente, definindo a casa editorial, a cidade, o ano da publicação, o público
para o qual é voltado; o mesmo deve se dar em relação à apresentação do autor da
reportagem ou artigo, ou seja, se é jornalista, se é cientista, filósofo, artista. Se o
professor possuir mais informações sobre o autor do texto isso pode ser de grande
valia para facilitar o trabalho de interpretação dos alunos.
Algumas orientações fundamentais para a utilização desse tipo de material
podem ser:
• Utilizar textos pequenos ou, caso seja grande, retirar o conteúdo que se refere
diretamente à problemática que deu origem à pesquisa;
• Em geral, uma lauda é o limite máximo para uma aula de 50 minutos, pois é
preciso considerar que mesmo os alunos do terceiro ano do Ensino Médio
ainda não são leitores experientes e, além disso, a leitura do artigo ou da
reportagem deve ser feita tendo em vista o problema levantado em sala de
aula, então não se trata simplesmente de compreender o que o autor diz, mas
relacionar o conteúdo do texto ao da aula. Assim, é comum realizar uma leitura
do texto primeiro e numa próxima aula fazer sua relação entre os conteúdos de
aula.

d) O uso de leituras paralelas (como literatura);


Novamente, é preciso apresentar cuidadosamente quem é o autor da obra,
seja prosa ou poesia, em que época viveu, quais eram seus ideais e como eles se
refletem nesse momento. No mais:
• Utilização de trechos pequenos ou que possam ser acompanhados dentro do
estágio de desenvolvimento dos alunos e na condição temporal da aula;
• Trechos que estejam claramente ligados à problemática filosófica da aula que
motivou sua seleção.

e) O uso de dinâmicas de leitura;

24
Há publicações sobre dinâmicas de leitura em sala de aula. Tais dinâmicas são
interessantes para alunos da Educação Básica, por que os leva a – algumas vezes
pela primeira vez – sensação de compreender o texto lido. Além disso, a dinâmica de
aula é fundamental nessa fase de formação, assim, o professor pode ministrar aulas
sob diversas formas de tal modo que leve os alunos a terem cada vez mais interesse e
atenção à filosofia. Para tanto, é preciso romper com a visão de que a filosofia é por
excelência uma disciplina na qual as aulas devem ser expositivas. Nem sempre a
disposição linear de carteiras é a melhor forma de abordar um tema ou uma idéia a
qual o professor precise trabalhar; romper – ao menos de vez em quando – com a
arquitetura linear da sala de aula pode facilitar o trabalho de ensino e compreensão
dos conceitos.
A esse respeito Rangel afirma: “As Dinâmicas de leitura, são utilizadas para
auxiliar e para fixar a aprendizagem, para introduzir elementos que estimulem o
trabalho de ler e aprender, para incentivar habilidades necessárias ao estudo
(observação, organização e expressão de idéias etc.), para diversificar atividades em
todos os graus de ensino e em qualquer Disciplina.” (RANGEL, 1998, 13).

f) Como aproveitar as questões dos alunos para o desenvolvimento do curso.


Esse é um tema complexo que merece uma abordagem mais extensa numa
próxima ocasião, de qualquer forma, é preciso considerar que há uma relação de mão
dupla no desenvolvimento das aulas de uma disciplina. Por vezes, as questões dos
alunos suscitam aulas que nos permitem relacionar o cotidiano da turma às questões
filosóficas; por vezes, suas dúvidas nos deixam sem muitos recursos para o trabalho
filosófico.
Assim, acredito que um bom planejamento do curso é fundamental para
orientar o desenvolvimento do trabalho do professor, contudo, é preciso estar aberto
para acrescentar discussões ao longo do ano que sejam suscitadas pelas questões
mais prementes que tomam as cabeças dos nossos jovens alunos. Por exemplo, em
ocasiões de votações polêmicas no Congresso Nacional que recebam ampla
cobertura pela imprensa, como as leis que regulamentaram a produção de grãos
transgênicos ou pesquisas com células-tronco; CPIs, eleições; questões diversas
como atentados terroristas; insegurança no Brasil, competições esportivas de grande
apelo popular, também, questões relativas ao comportamento, tais como o consumo,
os conflitos de grupos na escola ou nas salas de aula, o interesse – precoce ou não –
por assuntos relativos ao sexo etc. Tais assuntos levaram muitos livros didáticos de
filosofia a estabelecer uma interface com a psicologia explorando as temáticas
oriundas dessas discussões numa perspectiva, tanto quanto era possível, filosófica. A
partir dessa relação, possivelmente, nasceram opções de trabalho filosófico como a
Filosofia Clínica, a qual, pelo tipo de abordagem atrai a atenção de professores e
alunos da educação básica.

A PREPARAÇÃO DA AULA
Não existe uma fórmula que seja considerada ideal para a preparação das
aulas, existem, sim, formulários que devem ser preenchidos para o registro do trabalho
do professor. Nosso assunto, porém, não é o dos formulários, mas um comentário
sobre a preparação das aulas.
As duas situações elementares são: ou os alunos possuem livros didáticos ou
não os possuem. Dessa forma, a preparação das aulas deve contar com uma das
duas situações para que ela possa transcorrer com tranqüilidade.
Quando os alunos possuem livro didático as aulas devem levar em conta que,
de certa forma, há um roteiro a ser seguido. Nesse caso, o professor tem menos
liberdade de elaborar seu próprio curso, mas o ganho dessa situação é que os alunos
possuem textos para estudarem em situações extra-classe. Além disso, o professor
não somente pode, como não deve se prender estritamente ao material didático, pois

25
é necessário, na maioria das vezes, criar recursos didáticos para que os conteúdos
sejam melhor apreendidos pelos alunos.
Quando os alunos não possuem livros didáticos, o professor enfrenta uma
dificuldade material imensa, pois é preciso providenciar material para a leitura comum
de todos. Muitas vezes, utiliza-se um recurso simples: o professor tira algumas cópias
de um texto e as empresta para os alunos fazerem suas leituras em sala de aula, finda
a aula, devolvem o material ao professor que pode utilizá-lo em outras salas. Com
paciência e algum investimento pessoal, o professor vai aos poucos preparando seu
próprio material didático, mas é preciso considerar que, na rede pública de ensino, um
grande número de alunos não consegue recurso para utilizar esse material do
professor.

26
A AULA COMO UMA QUESTÃO FILOSÓFICA
(TEXTO APRESENTADO NO VII FÓRUM-SUL SOBRE ENSINO DE FILOSOFIA;
MAIO/07).

Em alguma parte do texto, não me recordo bem onde, eu disse que


a educação é poesia. O que estou tentando dizer é que na sua
origem o termo “poesia” é, de fato, “fazer”, produzir. Poesia refere-
se especificamente, ao “ato de poder e de fazer”. (MARTINS, 1992,
p. 88).

Nosso objeto de estudo teve como mote inicial a frase de Martins que nos leva
a associar os termos aristotelistas aos atuais problemas da educação. Contudo, nossa
orientação tornou-se distinta à medida que não observamos apenas o caráter poético,
mas também o teorético e o prático da educação. Não trataremos da educação como
um todo, mas de uma de suas manifestações mais comuns em nossa sociedade: a
educação escolar e, mais especificamente, a aula.

Uma vez que, a divisão das ciências, em Aristóteles, é razoavelmente conhecida,


vamos apresentá-la de maneira sucinta. Aristóteles, na Metafísica, divide as ciências
em três partes:

Teorética, caracterizada pela busca do saber em si, opondo-se a qualquer


atividade não desinteressada. Assim, conforme Abbagnano (2000), teorético é um
saber diferente dos saberes práticos ou poéticos e é aquilo que não é redutível ao
empírico.

A prática, cujo objetivo é alcançar a perfeição moral; nessa, o homem é o agente e


a finalidade da ação, seu paradigma é o bem. Para Aristóteles, as ciências práticas
são: a ética, a política, a retórica e a ciência militar. Ele acredita que a origem das
ciências práticas está em alguma decisão de quem age “porque Prática e Escolha são
a mesma coisa.” (Metafísica, VI, 1, 1025 b 22).

A poética, cujo objetivo é o saber para o fazer, a rigor, significa produzir, criar;
nesta, o homem é o agente, mas a finalidade da ação está fora dele, seu paradigma é
o modelo. A arte é produtiva enquanto a ação não é (Ética a Nicômacos, VI, IV, 1140 a
4).

Quanto à aula, supomos que nela se encontram presentes essas três partes das
divisões das ciências, pois os três conteúdos de aprendizagem propostos pelos
construtivistas parecem se encaixar nessas definições. Sobre esses conteúdos de
aprendizagem Mauri afirma:

É muito difícil falar de quem aprende sem que se referir


imediatamente aos conteúdos aprendidos e ao como é possível
ajudar os alunos nesse processo, para que sejam bem sucedidos.
Baseando-nos nessa apreciação, analisaremos os aspectos da
aprendizagem de conceitos, procedimentos e atitudes relacionando-
os com as oportunidades de ensino oferecidas pelo professor e pelo
professor a com seu trabalho. (1999, p. 105).

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A teorética se apresenta na medida em que uma das finalidades da aula é a busca
do saber em si, nesse caso, os conteúdos das diferentes disciplinas q ue devem ser
aprendidos pelos alunos. A prática se apresenta quando a finalidade da aula é o
aprendizado de comportamentos sociais, que não é outra coisa senão a moral. A
poética se os objetivos da aula não se resumem ao aprendizado do conteúdo e bom
comportamento, mas também, ao aprender a fazer a ciência a qual estuda. Por
exemplo, não aprender somente os conteúdos de História, mas vivenciar o trabalho
investigativo do historiador. Assim, como o do geógrafo, do físico, do químico, do
lingüista, do filósofo, do biólogo entre outros.

Toda aula possui finalidade e, conforme Aristóteles, pode ser assim descrita:

Toda arte e toda indagação, assim como toda ação e todo


propósito, visam a algum bem; por isto foi dito acertadamente que o
bem é aquilo a que todas as coisas visam. Mas nota-se uma certa
diversidade entre as finalidades; algumas são atividades, outras são
produtos distintos das atividades de que resultam; onde há
finalidades distintas das ações, os produtos são por natureza
melhores do que as atividades.(Aristóteles, 1996, p. 118).

Do ponto de vista pedagógico a aula pode ser compreendida a partir de sua


caracterização, de seus tipos e de suas estruturas. Libâneo (1996) afirma ser, a aula,
o meio predominante da organização do processo de ensino, pois:

A idéia mais comum que nos vem à mente quando se fala de


aula é a de um professor expondo um tema perante uma classe
silenciosa. É a conhecida aula expositiva, tão criticada por todos e,
apesar disso, amplamente empregada nas escolas. (1996, p. 177).

Portanto, a aula não é somente expositiva, pois pode apresentar outras formas
estruturais que mantém sua concepção geral que é a realização do processo de
ensino. Sendo o processo de ensino uma ação, deve ter finalidades: “a aula é toda
situação didática na qual se põem objetivos, conhecimentos, problemas, desafios, com
fins instrutivos e formativos, que incitam as crianças e os jovens a aprender”
(LIBÂNEO, 1996, p. 178).

A concepção de Libâneo pode ser comparada a de Aristóteles, na medida em


que afirma a existência de “fins” instrutivos e formativos. Pode-se entender por fins
instrutivos tanto os teoréticos, como os poéticos, pois no primeiro caso trata-se do
conteúdo e no segundo caso o aprender a fazer, isto é, desenvolver determinadas
técnicas quer sejam de memorização, de pesquisa, de compreensão etc.

Segundo Libâneo (1996) os tipos de aulas se remetem ao momento do


processo de aprendizagem:

(...) as aulas poderão ser previstas em correspondência com as


etapas ou passos do processo de ensino. Podemos ter, assim:
aulas de preparação e introdução da matéria, no início de uma
unidade; aulas de tratamento mais sistematizado da matéria nova;
aulas de consolidação (exercícios, recordação, sistematização,

28
aplicação); aulas de verificação da aprendizagem para avaliação
diagnóstica ou de controle. (p. 191).

Os termos aula expositiva, aula participativa, não são tipos de aula, mas
método de ensino, ou seja, o conceito de aula se refere ao momento no qual o
professor dirige o processo de ensino, seja ele de maneira expositiva, seja de maneira
participativa. De qualquer forma, nesses casos e, outros quaisquer que existam, há
sempre uma relação entre a atividade estabelecida pelo professor e sua finalidade. O
método de ensino é escolhido tendo em vista a finalidade almejada pelo professor.

Assim, no método de ensino da aula expositiva, a finalidade concentra-se,


fundamentalmente, no aprendizado do conteúdo da matéria. Por isso, requer uma
exposição cuidadosa e sistematizada por parte do docente e, atenção, do aluno. Tais
são os casos de quando apresentar-se um conceito de um filósofo a partir de um
encadeamento de conceitos que lhe servem de sustento, por exemplo, do início da
dúvida metódica de Descartes até sua conclusão que é o cogito.

No método de ensino que atribui tarefas para serem realizadas, em sala de


aula, individualmente, pelos alunos, a finalidade pode não ser exclusivamente a de
aprendizagem do conteúdo, mas o exercício da tarefa proposta, tal como desenhar,
ler, resumir, esquematizar. Nesse caso, o aprendizado do conteúdo é parte
fundamental da atividade, mas não é exclusivo; o aprendizado de determinadas
habilidades e competências torna-se meio para o domínio do conteúdo e, ao mesmo
tempo, finalidades do próprio processo de ensino. As dinâmicas de leitura são
instrumentos para o professor de filosofia.

No método de ensino que atribui tarefas para serem realizadas em sala de aula
ou em grupos de trabalho acrescentam uma finalidade a mais do que o método
anterior: nele, aprender a trabalhar em grupo, partilhar tarefas, não são tarefas
somente teoréticas, nem somente poéticas, mas também práticas.

Assim, o aprendizado é o objetivo central de toda aula. Quando o professor


expõe o conteúdo e propõe tarefas seu objetivo é facilitar o processo de aprendizado
que ocorre quando o aluno aprende um novo conteúdo, uma nova atitude, novas
habilidades e competências. Para que isso ocorra é preciso que os novos conteúdos
de aprendizagem, a serem apresentados, se relacionem de um modo ou de outro ao
que o aluno já sabe. Como diz Masetto:

“Trata-se de um processo que permita ao aluno relacionar o que


está aprendendo com os conhecimentos e experiências que já
possui; que o incentive a perguntar e apresentar questões que o
envolvam”. (1996, p. 46).

Esses conhecimentos e experiências que o aluno possui previamente à


apresentação dos novos conteúdos escolares são fundamentais para que o processo
de desenvolvimento transcorra no ambiente escolar. Assim, Vygotsky estabelece que
há dois níveis de desenvolvimento: o nível real e o nível potencial ou proximal. O
primeiro se remete ao que o aluno possui antes da apresentação dos novos
conteúdos:

29
“O nível de desenvolvimento real pode ser entendido como referente
àquelas conquistas que já estão consolidadas na criança, aquelas
funções ou capacidades que ela já aprendeu e domina, pois já
consegue utilizar sozinha, sem assistência de alguém mais
experiente da cultura (pai, mãe, professor, criança mais velha etc.)
Este nível indica, assim, os processos mentais da criança que já se
estabeleceram, ciclos de desenvolvimento que já se completaram”.
(REGO, 1994, p. 72).

O segundo nível de desenvolvimento é o potencial de aprender, do aluno,


desde que seja mediado, apoiado por uma pessoa mais experiente da cultura. Esse
nível é comumente conhecido como proximal, mas também pode ser chamado de
potencial, tal como vemos em Rego:

O nível de desenvolvimento potencial também se refere àquilo que a


criança é capaz de fazer, só que mediante a ajuda de outra pessoa
(adultos ou crianças mais experientes). Nesse caso, a criança
realiza tarefas e soluciona problemas através do diálogo, da
colaboração, da imitação, da experiência compartilhada e das pistas
que lhe são fornecidas. (1994, p. 73).

Ora, percebe-se a influência de Aristóteles sobre concepções de outras áreas:


o primeiro nível, o real, também pode ser compreendido como atual, no sentido de que
é aquilo que se realiza nesse momento, é a matéria que guarda em si a forma que é o
devir. Esse devir é a potência, aquilo que virá-a-ser, mas nesse caso, não por um
impulso natural e, sim, porque será mediado. Evidentemente, todo ser humano é
capaz de aprender sozinho não sendo necessária a presença constante de alguém
mais experiente da cultura para expandir o nível de desenvolvimento atual ou real,
mas estamos nos remetendo ao problema do aprendizado na escola, portanto, nesse
caso, trata-se da relação entre o aluno e aqueles que o auxiliarão no processo de
desenvolvimento pessoal.

O processo de aprendizagem se relaciona com o de desenvolvimento na


medida em que o aluno desenvolve-se enquanto aprende, portanto a aula torna-se um
lugar privilegiado não somente para o aprendizado, mas também para o
desenvolvimento atual e potencial do aluno. Para que isso ocorra, Masetto afirma a
necessidade de se pensar nesse processo como um complexo de relacionamentos:

Toda aprendizagem precisa ser embasada em um bom


relacionamento entre os elementos que participam do processo, ou
seja, aluno, professor, colega de turma: diálogo, colaboração,
participação, trabalhos e jogos (brincadeiras) em conjunto ou em
grupos, respeito mútuo etc. (1996, p. 46).

O hífen da expressão processo de ensino-aprendizagem deve ser


compreendido como uma ponte que liga dois territórios distintos. Enquanto o processo
de ensino é elaborado e dirigido pelo professor o processo de aprendizado é exclusivo

30
do aluno, por isso, apesar da correção da idéia a definição apresentada por Masetto
confunde esses territórios:

No processo de ensino-aprendizagem, o aluno é sujeito e construtor


do processo. A aprendizagem envolve sempre alguma mudança de
comportamento ou de situação, e isto é acontece na pessoa do
aprendiz. Ela é estritamente pessoal. Dessa forma, ou o aluno
aprende ou ninguém aprenderá por ele. (1996, p. 46)

O aluno deve ser visto como construtor do processo de aprendizagem, pois de


fato, se ele não aprende ninguém poderá aprender por ele, mas não o construtor do
processo de ensino porque esse envolve outros conhecimentos, habilidades e
competências que pertencem ao universo da docência. Além disso, Rego observa
que, ao estabelecer um plano de ensino, o professor deve levar em conta o nível de
desenvolvimento atual do aluno, portanto, o processo de aprendizagem é direcionado
ao aluno e não dirigido por ele. Contudo, podemos, por outro lado, entender um
discurso subliminar de Masetto que é legítimo na medida em que o aluno não aprende
somente com o professor, mas também com os colegas e com todo o conjunto de
relações que estabelece fora do ambiente escolar (família, meios de comunicação,
comunidades).

Nesse sentido, a definição das tarefas do professor propostas por Masetto (a


despeito da inserção do processo de ensino) parece-nos coerente com a perspectiva
apresentada acima:

Como aparece, num processo de aprendizagem assim descrito, a


figura do professor? Como o de estimulador, orientador e facilitador
da aprendizagem dos seus alunos. Seu papel será o de ajudar o
aluno a aprender. Ele não é só o transmissor de informações, mas
também aquele que cria condições para que o aluno adquira
informações, não é aquele que faz preleções para divulgar a cultura,
mas quem organiza estratégias para que o aluno conheça a cultura
existente e crie cultura. (1996, p. 47).

Em conclusão, observamos que a divisão das ciências operada por Aristóteles


influenciou direta ou indiretamente inúmeras outras áreas do saber, como a Psicologia
e a Pedagogia e, que ainda podem contribuir para a reflexão sobre a prática docente,
uma vez entendido que o fenômeno da aula não ocorre num único campo do saber,
mas ao menos em três (conteúdos conceituais – teorética; conteúdos atitudinais –
prática; conteúdos procedimentais – poética) e que ter consciência dessa diversidade
torna-se fundamento da docência. Por outro lado, é preciso que o professor tenha
consciência de que o processo de ensino deve estar orientado para o aluno segundo
seus níveis de desenvolvimento, atual ou real e potencial ou proximal, para que seu
trabalho atinja a finalidade pretendida.

BIBLIOGRAFIA

ABBAGNANO, N., Dicionário de Filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

31
ARISTÓTELES, Metafísica. Porto Alegre: Globo, 1969.

Poética, Ética a Nicômaco e outras obras. Os Pensadores.

São Paulo: Nova Cultural, 1996.

LIBÂNEO, J. C., Didática. Formação do Professor. São Paulo: Cortez, 1994.

MARTINS, J. Um enfoque fenomenológico do currículo: educação como poíesis. São


Paulo: Cortez, 1992.

MASETTO, M., Didática: a aula como centro. Coleção Aprender e Ensinar. São Paulo:
FTD, 1996.

MAURI, T., O que faz com que os alunos aprendam os conteúdos escolares? In: O
Construtivismo na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1999.

RAGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petrópolis:


Vozes, 1995.

32
A AVALIAÇÃO EM FILOSOFIA
O tema da avaliação não exige uma abordagem específica da filosofia, pois
encaixa-se na área das ciências humanas. Há bastante material teórico escrito sobre a
avaliação que pode ser consultado pelo professor. De qualquer forma, parece-nos útil
apresentar, ao menos, algum aspecto desse tema.
A avaliação pode ser dividida em três aspectos distintos: a avaliação
diagnóstica, a avaliação quantitativa e a qualitativa. O primeiro tipo é utilizado para
identificar o nível geral dos alunos e possibilitar ao professor reelaborar seu plano de
trabalho, se necessário. O segundo tipo se refere à identificação dos resultados
alcançados pelo trabalho do professor e pelo empenho dos alunos; para este tipo, é
necessário estabelecer os critérios de avaliação da atividade e deixá-los claros aos
alunos a fim de que possam preparar-se para o exame. O terceiro tipo considera o
processo de avaliação para além da relação conteúdo-resposta, nesse momento é que
o professor pode considerar, como válidas, respostas que não estejam exatamente
presas ao conteúdo exposto nas aulas.
Porém, mais importante que os aspectos técnicos da avaliação, são seus
objetivos que, conforme Libâneo, são três: a função pedagógico-didática, a função
diagnóstico e a função de controle. Define-as assim: “A função pedagógico-didática se
refere ao papel da avaliação no cumprimento dos objetivos gerais e específicos da
educação escolar. (...) A função diagnóstico permite identificar progressos e
dificuldades dos alunos e a atuação do professor, que por sua vez, determinam
modificações do processo de ensino para melhor cumprir exigências dos objetivos. (...)
A função de controle se refere aos meios e à freqüência das verificações e de
qualificação dos resultados escolares, possibilitando o diagnóstico das situações
didáticas.” (LIBÂNEO, 1994, p. 196.)
O processo de avaliação também pode levar em consideração dois critérios
fundamentais: o conteúdo conceitual e o formal. O primeiro se refere ao domínio, por
parte dos alunos, dos conceitos fundamentais da filosofia; o segundo se refere à forma
com a qual o aluno apresenta suas idéias, podendo ser escrita, no caso de provas e
trabalhos e, oral, no caso de seminários.
Uma outra questão relativa à avaliação são seus instrumentos, referimo-nos
aos seminários, provas, trabalhos, provas com questões de múltiplas escolhas etc. Tal
como no item acima, há uma vasta gama de publicações que discutem a função e
estratégias de uso dessas ferramentas. Basta-nos, portanto, fazer algumas
considerações gerais sobre o tema.
O professor da Educação Básica deve estar consciente de que seu aluno ainda
está em processo de aprendizado o que inclui auxiliá-los no processo de domínio da
língua portuguesa. Por isso, não devemos exigir dos alunos que tragam determinados
conteúdos, a priori, para que os processos de ensino e de aprendizagem se
desenvolvam, mas adaptar nossos objetivos aos alunos que temos. É melhor
ensinarmos alguns conteúdos mínimos, porém que sejam bem apreendidos (o que
significa uma situação de sucesso positivo) do que ensinarmos muitos conteúdos
conceituais que não sejam apreendidos pelos alunos (o que significa uma situação de
sucesso negativo).

A RESPEITO DAS RELAÇÕES ENTRE ENSINO E APRENDIZAGEM

CONCEPÇÃO DE APRENDIZAGEM
O senso comum costuma utilizar a expressão processo de ensino –
aprendizagem – e não percebe que há um imenso abismo entre esses dois processos
que são, absolutamente, distintos. O processo de ensino (elaboração do projeto de
curso, planos de aula e avaliação, elaboração de atividades na sala de aula etc.) é
fundamentalmente concentrado no professor. O processo de aprendizagem, porém,

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cabe somente ao aluno, por que, tal como a motivação, é impossível aprender por
alguém. Assim, pode-se ensinar os conteúdos que se deseja aos alunos, pode-se criar
estratégias que facilitem o aprendizado dos alunos, mas não se pode aprender por
eles.
O conhecimento é resultado de uma construção pessoal do aluno: “Nesse
caso, o que nos permite falar de construção de conhecimento e não de cópia é,
precisamente, a idéia de que aprender algo equivale a elaborar uma representação
pessoal do conteúdo objetivo da aprendizagem. Essa representação não se realiza em
uma mente em branco, mas a partir de conhecimentos que lhes servem para
enganchar o novo conteúdo e lhes permitem atribuir algum grau de significado”.
(COLL, 1999, p. 87). Dois outros conceitos se associam ao de aprendizagem: os
conhecimentos e o significado.
Esses ganchos aos quais o texto acima se refere são os “conhecimentos
prévios” ou subsunçores. Esses são os conhecimentos que o aluno traz para a escola
e que, não necessariamente, são conteúdos escolares. Esse aspecto permite retomar
o tema do aluno ideal e do aluno real. Para a maioria dos professores o aluno ideal é
aquele que traz determinados conhecimentos prévios típicos de sua disciplina. Certa
vez um professor de Filosofia do Direito reclamou que os alunos chegam à faculdade
sem as noções de lei, norma e regras e que isto dificultava o seu trabalho, ou seja, ele
estabelecia um padrão de aluno “ideal”, a partir disso, elaborava sua estratégia e seu
plano de curso o que resultava em um choque entre o ideal e o real. O aluno real é
todo aquele que se coloca diante do docente, porque todos trazem conhecimentos
prévios.
O trabalho docente consiste em apresentar os conteúdos de aprendizagem e
estabelecer estratégias que permitam aos alunos relacionarem seus conhecimentos
prévios aos novos conteúdos apresentados de tal forma que construam seus
conhecimentos. Nesse sentido, cai o velho preconceito de que alunos vindos das
camadas mais abastadas da sociedade aprendem com mais facilidade, pois têm mais
acesso à informação e conteúdos culturais como viagens nacionais e internacionais.
Nada mais falso! Sendo que todos possuem conhecimentos prévios, todos têm
condições iguais de aprender novos conteúdos, basta o docente ter paciência de
elaborar e reelaborar estratégias.
A atribuição de significado é o processo pelo qual o aluno transforma um
conhecimento que lhe foi apresentado como algo exterior em um conteúdo seu. Seria
o equivalente kantiano da passagem da heteronomia para a autonomia em termos
morais, para termos epistemológicos. Este seria um processo de aprendizagem
significativa, a qual, segundo Masini e Moreira: “O conceito mais importante da teoria
de Ausubel é o de aprendizagem significativa. Para Ausubel, aprendizagem
significativa é um processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um
aspecto relevante da estrutura do conhecimento do indivíduo. Ou seja, neste processo
a nova informação interage com uma estrutura de conhecimento específica, a qual
Ausubel define como conceitos subsunçores ou simplesmente, subsunçores
(subsumers) existentes na estrutura cognitiva do indivíduo. A aprendizagem
significativa ocorre quando a nova informação ancora-se em conceitos relevantes
preexistentes na estrutura cognitiva de quem aprende.” (1982, p. 7)

CONTEÚDOS DE APRENDIZAGEM: CONCEITUAIS, PROCEDIMENTAIS E


ATITUDINAIS.
A despeito de todos os debates sobre as novas e antigas teorias sobre
aprendizagem, tanto nos campos da psicologia da educação, como no campo da
pedagogia propriamente dita, parece-nos interessante observar a noção de “conteúdos
de aprendizagem” desenvolvida na perspectiva do construtivismo.
A distinção de três conteúdos de aprendizagem não esgota a imensa gama de
perspectivas que novos pesquisadores venham a identificar, porém, nesse momento,
esses três conteúdos são suficientes para abordar o delicado problema do ensino em

34
filosofia. Em geral, imaginar-se-ia que o ensino de filosofia é um ensino
eminentemente dos conteúdos conceituais de aprendizagem, uma vez que o termo
“conceito” tem, na filosofia, sua casa privilegiada. Porém, até mesmo os professores
de filosofia ao definirem os objetivos do ensino dessa disciplina, se aproximam
bastante das noções do construtivismo.
Os conteúdos conceituais são aqueles, cuja função é definir algum objeto por
meio da linguagem, por exemplo, os conceitos de povo, nação, estado, lugar, para a
geografia; os conceitos de antiguidade tardia e clássica em história; todas as
definições axiomáticas da geometria e da matemática; a classificação gramatical em
língua portuguesa etc. Conforme Coll “Os professores podem apresentar o novo
conceito ou informação já elaborado, tal como se quer que os alunos o aprendam, em
um texto escrito ou em uma explicação oral, ou podem apresentar o conceito como
resultado de uma série de atividades de exploração ou descoberta dos alunos.” (1999,
p. 108). O ensino dos conceitos, contudo, não pode ser isolado de outros conteúdos,
ou então, corremos o risco de transformarmos o ensino em mera memorização da
definição dos conceitos. Tal postura era bastante comum em instituições de ensino
tradicionais que não pautavam a avaliação pela capacidade do aluno apreender e
elaborar idéias, mas de memorizar as definições dadas pelos professores e livros
didáticos.
Por conceitos em filosofia podemos entender “a concepção de política em
Aristóteles” ou “a concepção de idéia em Locke” e as próprias definições dos períodos
históricos da filosofia e das diferentes áreas, como por exemplo, a definição do que é
metafísica, ontologia, ética, entre outras.
Os conteúdos procedimentais referem-se às habilidades que o aluno
desenvolve nas atividades escolares. Conforme Coll: “é ser capaz de realizar e
executar, em algum grau, as operações de procedimento necessárias para lograr a
meta proposta e, também, possuir uma representação ou idéia de procedimento em si
mesmo“ (1999, p. 111). Dentre essas habilidades podemos citar a leitura, o senso
estético em artes e mapas de geografia, a pesquisa, a preparação de trabalhos,
painéis, desenvolvimento de habilidades motoras em educação física etc. No caso da
filosofia, essas habilidades se referem a aspectos como a leitura e a interpretação de
textos, a pesquisa, a elaboração de trabalhos, apresentação de seminários entre
outros. Como se vê, conteúdos procedimentais e conceituais caminham em conjunto,
não é possível separá-los, pois na medida em que o professor varia as estratégias de
atividade – de um trabalho escrito, para um painel ou seminário – permite que o aluno
tenha várias oportunidades de reelaborar os conceitos apresentados.
Os conteúdos atitudinais referem-se ao campo da moral e é inegável que
permeia toda a atividade do docente. Ensinamos valores aos alunos, seja de maneira
intencional, seja de maneira não-intencional, isto é, por vezes os docentes,
conscientemente, apresentam e discutem seus valores morais aos alunos, por vezes,
esses valores são apresentados de forma subliminar em expressões e
comportamentos que evidenciam suas concepções de ser humano, profissional,
instituição, nação etc. Conforme Coll, é importante que a instituição tenha clara os
critérios de valores pelos quais é regida, porém, as normas devem ser compartilhadas
com os alunos, isto é, não se deve exigir que obedeçam cegamente, mas sejam
esclarecidos de sua importância. Além disso, no espaço interno da classe há
experiências bem sucedidas de discussão de normas. Assim, “É função dos docentes
ajudar os alunos a relacionarem significativamente as normas a determinadas atitudes
que se pretende que desenvolvam em situações concretas (no laboratório, no trabalho
em grupo, nos espaços comuns da escola, em uma saída, em uma exposição dos
professores etc.). Nesse sentido, pode ser útil apresentar as normas e atitudes
vinculando-as a situações concretas e familiares para os alunos, a fim de que possam
apreender claramente os argumentos que as sustentam e alguns dos comportamentos
que as exemplificam em realidades concretas”. (COLL, 1999, p. 119)

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BIBLIOGRAFIA
ARCHER, E. O Mito da Motivação. BERGAMINI, C. W. e CODA, R. (organizadores).
Psicodinâmica da Vida Organizacional. São Paulo: Atlas, 1997.
BUSQUETS, M. D. (org.) Temas Transversais em Educação. São Paulo: Ática: 1999.
CEDES. ............................................. São Paulo: Cortez; Campinas: UNICAMP. v. 24,
n° 64, set./dez. 2004.
COLL, C. (org.) O Construtivismo na Sala de Aula. São Paulo: Ática, 1999.
COSSUTA, F. Elementos para a leitura dos textos filosóficos. São Paulo: Martins
Fontes, 1994.
CUNHA, J. A. Filosofia na Educação Infantil: fundamentos, métodos e propostas.
Campinas; Alínea, 2002.
DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O que é a Filosofia? Lisboa: Presença, 1992.
GOLDSCHMIDT, V. A Religião de Platão. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1963
HEGEL, G. W.: A Fenomenologia do Espírito. Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Abril Cultural, 1980.
KANT, I. Crítica da Razão Pura. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural,
1979.
LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortez, 1994.
PARRA, N. O Adolescente Segundo Piaget. Série Cadernos de Educação. São Paulo:
Pioneira, 1983.
RANGEL, M. Dinâmicas de leitura para a sala de aula. Petrópolis: R. J.: Vozes, 1990.

PALAVRAS E CONCEITOS

Objetivo geral: Essas aulas são complementares à aula de história da filosofia que
teve como filósofo estudado Platão.

Objetivo específico: estudar a diferença entre palavras e conceitos bem como a


formação dos conceitos em filosofia.

Interdisciplinaridade: Língua Portuguesa, Literatura e história da religião.

Número de aulas: aproximadamente cinco aulas.

Atividades:
a) apresentação do objetivo dos estudos;
b) apresentação (audição) da canção de Renato Russo;
c) aula sobre Camões e leitura do poema;
d) aula sobre São Paulo e leitura do trecho;
e) aula sobre Platão e leitura do trecho.

O pensamento filosófico se diferencia de outras formas de pensamento justamente


porque é capaz de produzir conceitos. Como vimos, esta é a grande característica do
nascimento da filosofia na Grécia e, em especial, com Sócrates, que afirmava a
necessidade de conhecermos exatamente o significado de uma palavra antes de a
utilizarmos para explanar idéias.
Palavras são meios de expressão oral ou escrita que expressam idéias ou
sentimentos; para sabermos os significados das palavras podemos recorrer aos
dicionários de língua portuguesa. Os conceitos são palavras, mas cujo significado só
pode ser compreendido a partir da obra de um pesquisador, de um escritor, de um
filósofo, entre outros. Por exemplo, a justiça em Platão, a ética em Habermas. Se você
recorrer a um dicionário da língua portuguesa encontrará vários significados para

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justiça e ética, mas nenhum deles nos ajudará a compreender o significado, ou os
significados de justiça para Platão ou de ética para Habermas.
Quando uma pessoa escreve vários livros, canções, poemas ou qualquer outra
forma de expressão, utiliza palavras para definir suas idéias. Assim, é possível
identificar quais idéias quer expressar quando recorre a uma ou outra palavra mais
importante em seu vocabulário próprio.
Vamos tomar como exemplo a palavra Amor a partir da canção de Renato
Russo intitulada “Monte Castelo” na qual ele mescla duas das concepções de amor
acima citadas. Renato Russo foi um compositor do gênero rock e na maior parte de
sua carreira fez letras com forte conotação de crítica social (Faroeste Caboclo,
Geração Coca – Cola e outras), mas sempre compôs canções românticas. Ao final da
carreira inclinou-se para a religião e a auto-reflexão.

Monte Castelo – Renato Russo


“Ainda que eu falasse a língua dos homens,
E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É só o amor, é só o amor,
Que conhece o que é verdade,
O amor é bom, não quer o mal,
Não sente inveja ou se envaidece.

Amor é fogo que arde sem se ver


É ferida que dói e não se sente
É contentamento descontente
É dor que desatina sem doer.

Ainda que eu falasse a língua dos homens,


E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

É um não querer mais que bem querer,


É solitário andar por entre a gente,
É um não contentar-se de contente,
É cuidar que se ganha em se perder.

É um estar-se preso por vontade,


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com que nos mata lealdade,
Tão contrário a si é o mesmo amor.

Estou acordado e todos dormem, todos dormem,


Agora vejo em parte, mas então veremos face a face.

É só o amor, é só o amor,
Que conhece o que é verdade,

Ainda que eu falasse a língua dos homens,


E falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria.

O trecho abaixo é do apóstolo Paulo, Primeira Carta aos Coríntios, capítulo 13


versículos de 1 a 7. Paulo nasceu em Tarso com o nome Saulo, entre 5 e 10 d.C. e
faleceu em 68 d. C.. Judeu criado na diáspora era conservador e assumiu a tarefa de
perseguir os cristãos até que se converteu ao cristianismo, no famoso episódio da

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viagem a Damasco e tornou-se o mais importante responsável pela expansão da
religião cristão para fora dos círculos judaicos.
“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, se não tiver amor,
sou como o bronze que soa, ou como o címbalo que retine. Mesmo que eu tivesse o
dom da profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência; mesmo que
tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tiver amor, não sou nada.
Ainda que distribuísse todos os meus bens em sustento dos pobres, e ainda que
entregasse o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada valeria!
O amor é paciente, o amor é bondoso. Não tem inveja. O amor não é
orgulhoso. Não é arrogante. Nem escandaloso. Não busca os seus próprios
interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se
rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”.

Abaixo temos o soneto completo de Luís de Camões (1524/25 – 1579/80), um


dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa. Não se sabe ao certo em que
cidade nasceu, mas sabe-se que faleceu, pobre, em Lisboa. Teve uma vida agitada
por viagens, prisões, guerras (numa das quais perdeu um olho) e amores.

Amor é fogo que arde sem se ver


É ferida que dói e não se sente
É contentamento descontente
É dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer,


É solitário andar por entre a gente,
É um não contentar-se de contente,
É cuidar que se ganha em se perder.

É um estar-se preso por vontade,


É servir a quem vence, o vencedor;
É ter com que nos mata lealdade,

Mas como causar pode seu favor


Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo amor?

O trecho abaixo é de Platão (427 a.C. até 347 a. C.) no diálogo denominado
Banquete ou Simpósio.
Quem vai a esses mistérios pelo caminho certo – explicou – tem de começar
saindo, na juventude, em busca da formosura física e, primeiramente, se o guia o
dirigir com acerto amar um só corpo, produzindo, nessa altura, belos discursos;
depois, aprender que a beleza de todo corpo é irmã da de outro corpo e que, se o
dever é buscar a beleza da forma, grande tolice é não considerar a beleza de todos os
corpos como uma só e a mesma: compreendido isso, tornar-se apaixonado da beleza
corpórea em geral e afrouxar o forte apego a um corpo só, desdenhando-o,
menosprezando-o. O estágio seguinte é considerar mais preciosa a beleza das almas
que a do corpo e, em conseqüência, se uma pessoa de alma bem dotada for provida
de poucos atrativos, dar-se por satisfeito, ama-la, cuidar dela, dar à luz discursos
daquele gênero, procurando os que possam melhorar a mocidade”.

Questões:

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Sobre o texto do Apóstolo:
1) Quais são os elementos inferiores ao amor e porque são assim? Quais são as
características do amor?

Sobre o texto de Camões:


2) O que o poeta quis dizer ao apresentar as contradições do amor (por exemplo,
fogo que arde sem se ver, ferida que dói e não se sente etc?).

Sobre o texto de Platão:


3) Quais são os três estágios do amor?

Sobre os textos em geral:


4) Quais são as diferenças do significado de Amor em São Paulo, Camões e
Platão?
5) Como você compreendeu a fusão de duas diferentes noções de amor na
canção de Renato Russo.

Respostas:
1) Esses elementos são: o dom da profecia, os mistérios, a ciência, a fé, a
doação dos bens, ou o sacrifício pessoal, pois de nada adianta tudo isso se
o motivo que levou a praticar o bem ou ter os dons não for o amor.
2) O poeta sintetiza, nas ambigüidades do amor, o que todos experimentam
ao começar a amar: ao mesmo tempo que vive-se uma felicidade extrema,
também sofre-se por medo de perder o amor.
3) O primeiro estágio é o de amar a beleza de um só corpo, ou seja, uma só
pessoa; depois amar a beleza de todos os corpos irmãos, ou seja, todas as
pessoas; por fim, amar a beleza da alma, pois aí está o verdadeiro ser do
homem.
4) Em São Paulo, trata-se do amor a Deus, isto é, um amor proveniente da fé
e dirigido à religião; em Camões trata-se do amor romântico, de um amante
a uma amada ou vice-versa; e em Platão, o conceito de amor é obtido por
meio da reflexão e não por inspiração.
5) Esta é uma pergunta propositadamente aberta, não podemos precisar um
único sentido para a intenção do cantor, mas podemos admitir
interpretações que conduzam a uma reflexão sobre as relações humanas,
sejam coletivas, sejam românticas.

BIBLIOGRAFIA
BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: Ave Maria, 1982.
PLATÃO. O Banquete. Diálogos. Tradução: Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix, s/d.
CAMÕES, L. V. Sonetos. www.vidaslusofonas.org.

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