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ALFABETIZAÇÃO VISUAL E A LINGUAGENS VISUAIS COMO FERRAMENTA DE

PROMOÇÃO À DESRACIALIZAÇÃO DOS ESPAÇOS ESCOLARES NO PROJETO


UNIVERCIDADES, RELATO DE EXPERIÊNCIA.

DIEGO SANTOS BRITO 1

ANTONIO ARGOLO SILVA NETO ²

Resumo

O presente artigo irá abordar uma reflexão teórica das possibilidades das linguagens visuais como
um instrumento de ensino e aprendizagem para favorecer o processo de desracialização dos espaços
escolares a partir da concepção de alfabetização visual discutida por alguns autores, na qual
propõem a alfabetizar no sentindo de saltar da utilização passiva ou apenas de consumo de imagens
para uma forma na qual possam ser leitores críticos de imagem e outros ligados a visualidade.
Como também o relato de experiência destes conteúdos apreendidos em conjunto com o contato
com o modulo de linguagens visuais no Curso de Extensão em Cultura Africana e Afro-brasileira
oferecido no ODEERE/UESB e aplicado no projeto de extensão UniveCidades sitiado pela Pró-
reitoria de Extensão e Assuntos Comunitários da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.

Palavras-chaves: Alfabetização Visual; Linguagens visuais; Desracialização.

A Necessidade de Alfabetização Visual.

“Embora usada por nós com tanta naturalidade, a visão ainda não produziu sua civilização”
Caleb Gattegno.

Com esta frase começamos este artigo, pois ela em poucas palavras dá sentindo a
necessidade de se pensar a alfabetização visual, partir de uma situação passiva do olhar, perceber, e

1
Graduando em Pedagogia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/ bolsista do Programa institucional de
bolsas de Iniciação a docência.
² Mestre em Desenho, Cultura e Interatividade pela Universidade Estadual de Feira de Santana/Integrante do Grupo de
Pesquisa “Linguagens Visuais: Memórias e Culturas.”
das ações ativas, expressar, fazer, as quais emanaram em mensagens visuais, enviando e recebendo
constantemente, sem se dar conta deste sistema, complexo e sem ordenamento, mas necessários à
nossa comunicação. Naturalmente preferimos as informações visuais, ela é o mais antigo registro
que temos na historia humanas, as pinturas rupestres encontrada em cavernas e datadas de mais de
30 mil anos ou mais validam essa sentença. Outra frase que evidencia esse lcontexto histórico de
forma sarcástica de autor desconhecido, “no princípio não era verbo, era imagem”, apesar de a frase
opor-se a outra ligada às liturgias do cristianismo, consequentemente e humoristicamente denota
essa relação histórica do homem com a linguagem visual, muito antes da verbal.

O autor Dondis, aborda a Alfabetização visual sistematicamente, como um sistema


simbólico, com definições e ordenações, sintática, na qual o autor dedica um livro, Sintaxe da
Linguagem Visual, para discutir este tema, sendo o seu conceito um dos mais significativos.

Os primeiros passos acerca deste tema, posto pelo autor, aponta para o risco de envolver a
abordagem do alfabetismo visual num excesso de definições (DONDIS) diante da complexidade
que já tem, porém acredito que tamanha complexidade é a consequência que a linguagem visual tem
por ser um sistema de comunicação verbal quase que universal, uma fotografia, um videoclipe, obra
de arte de determinadas culturas podem ser compreendidas sem necessariamente o apoio do texto
escrito. Se comparada ao sistema verbal de escrita, a estrutura repleta de técnica e definições, a
comunicação visual aparenta uma desordem, ou falta de pressuposto capaz de defini-la como um
sistema comunicativo capaz de ser apreendido, porém a tentativa de colocar a pé de igualdade com
qualquer outra estrutura de linguagem se faz inútil, pois são processos antagônicos. No sentido
comum, alfabetismo constitui aprender a ler e escrever, no contexto das linguagens visuais o
sentindo empregado é de criar e compreender mensagens visuais, tão simples o sentindo que
custamos acreditar que isso não ocorra, naturalmente sim, porém a eficácia se dar a partir de
estudos. Se há pessoas mal alfabetizadas que não compreendem e dominam o sistema linguístico
materno também há no campo da visualidade, e neste caso mais ainda, pois ficou por anos que a
eficácia nesse campo se atingiria através do “dom” e do talento. Quando trazemos essa perspectiva
para os espaço escolares que utilizam de recursos visuais, Dondis coloca-se

Até mesmo a utilização de uma abordagem visual do ensino carece de rigor e


objetivos bem definidos. Em muitos casos, os alunos são bombardeados com recursos
visuais – diapositivos, filmes, slides, projeções audiovisuais -, mas trata-se de
apresentações que reforçam sua experiência passiva de consumidores de televisão. Os
recursos de comunicação que vêm sendo produzidos e usados com fins pedagógicos são
apresentados com critérios muitos deficientes para avaliação e a compreensão dos efeitos
que produzem. (DONDIS, 2007, p.17)

Ainda o autor faz analogia ao sistema de escrita,

O consumidor da maior parte da produção dos meios de comunicação educacionais


não seria capaz de identificar (para recorremos a uma analogia com o alfabetismo verbal)
um erro de grafia, uma frase incorretamente estruturada ou um tema mal formulado.
(DONDIS, 2007, p.17)

E como a educação é um fator importante para formação cidadã, e os reflexos da de uma má


educação na constituição do sujeito se dá nas suas relações sociais e interações ao apontar essa
deficiência nos espaços escolares com relação as artes visuais, percebemos que, de fato, na atual
sociedade o trato que dado as artes visuais apenas como interativa, tácita, pitoresca, reflexo das
ações em sala de aula, como bem descreve o autor:

Uma das tragédias do avassalador potencial do alfabetismo em todos os níveis da


educação é a função irracional, de depositário da recreação, que as artes visuais
desempenham nos currículos escolares, e a situação parecida que se verifica no uso dos
meios de comunicação, câmeras, cinemas, televisão. Por que herdamos, nas artes visuais,
uma devoção tácita ao não-intelectualismo? O enxame do sistema de educação revela que o
desenvolvimento de métodos construtivos de aprendizagem visual são ignorados, a não ser
no caso de alunos especialmente interessados e talentosos. (DONDIS, 2007, p.17)

Por outro lado, vários autores do cenário da comunicação já sinalizaram a necessidade de


pensar uma forma neste contexto de estudar e formar as pessoas para uma visualidade a partir de
uma leitura critica dos conteúdos no campo das linguagens visuais, correlacionada a outros aspectos
além do de Dondis.

Roland Barthes (1984) já chamava a atenção para uma preocupação em estudar a


visualidade, no caso em particular a fotografia, no contexto comum, geral, para todos, além dos
estudiosos que faziam esses estudos a partir de suas óticas. Neste caso o Barthes incomodava-se que
a única referencia existentes para a fotografia estavam das pessoas próximas, que dominavam a
técnica de produção, o fazer, e as pessoas que estavam longe, que estudavam os impactos sociais da
fotografia na sociedade, os sociólogos e antropólogos, metaforicamente descreve no seu livro:
[...] Os livros de que tratam dela, aliás muitos menos numerosos que os relativos a qualquer
outra arte, padecem dessa dificuldade. Uns são técnicos; para “ver” o significante
fotográfico, são obrigados a acomodar a vista muito perto. Outros são históricos ou
sociológicos; para observar o fenômeno global da Fotografia, estes são obrigados a
acomodar a vista muito longe. Eu constatava com o desagrado que nenhum me falava com
justeza das fotos que me interessam, as que me dão prazer ou emoção. Que tinha eu a ver
com as regras de composição da paisagem fotográfica, ou, no outro extremo, com a
Fotografia como rito familiar? (BARTHES, 1984, p.16)

Percebemos que o autor se prende na fotografia, porém seu questionamento aplica-se a todas
as manifestações da linguagem visual, ainda assim a própria fotografia é o mais comum, nesse caso
ele angustia-se com o fato de não existir um referencial para as pessoas que não se encontram nos
extremos da fotografia, produtores e historiadores, sociólogos, mas o cidadão comum,
consumidores das visualidades.

Já o autor Edson Ferreira (2014) aponta também essa necessidade, porém restrita ao campo
cultural, mas diferente de Barthes que estava mais próximo de uma preocupação com sujeito
individual, Edson em particular traz a questão das culturas africana e afro-brasileira. Entrelaçando
as linguagens visuais e a cultura para uma abordagem das visualidades no campo da comunicação
sem desprezar as outras dimensões; oralidade e escrita. Assim coloca

[...] mesmo reconhecendo a força da oralidade e da escrita nos processos comunicativos,


chamou a atenção para a necessidade de uma alfabetização visual com o desenvolvimento
da capacidade de promover leitura crítica acerca das imagens. (FERREIRA, 2014, p.78)

No contexto deste autor e o recorte para as culturas africana e afro-brasileira que nós
apropriamos para tomar as linguagens visuais como ferramenta para a promoção da desracialização
dos espaços dos espaços escolares por meio do projeto Olhares Protagonistas aplicado nas escolas
de educação básica. As linguagens visuais como mediadora nesses espaços possibilitou a quebra da
resistência em discutir temas desta cultura na sala de aula.

O Surgimento do Projeto.

Após os questionamentos gerados pela necessidade de trabalhar nos espaços escolares a


temática das linguagens visuais no aspecto de alfabetização e sensibilização dos alunos para esse
campo ficou evidente, e em contato com o modulo de linguagens visuais oferecido no Curso de
Extensão em Cultura Africana e Afro-brasileira o Projeto Olhares Protagonista foi surgindo.
No módulo de linguagens visuais, que é oferecido para o publico geral, mas principalmente
para os docentes da educação em virtude da lei 10.639/032, o curso é ministrado no
ODEERE/UESB3 órgão que surgiu da necessidade de preparar os docentes da educação básica para
atuar a partir da lei com a educação afro-brasileira, respaldo por pesquisadores e professores que
pesquisam a temática.

Diante das riquezas visuais que têm a cultura africana e afro-brasileira, o modulo se faz
necessário para a capacitação desses professores e todos cursistas ao tratar com esta cultura, assim
NETO (2014) descreve a importância das linguagens visuais com a educação nas ações propostas
pelo módulo em umas das experiências da efetivação dessas ações no ano de 2010,

Conceber a educação nessa lógica nos faz acreditar que o contato com a imagem,
por meio das intervenções das Linguagens Visuais e Cultura, propiciou um nível de
desenvolvimento que permitiu ao aluno ampliar a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a
imaginação. Em se tratando dos cursos de extensão em história e cultura afro-brasileira,
essas condições são imprescindíveis para a compreensão dos símbolos, que se apresentam
nessas formas de conhecimentos tradicionais apresentados em sala. (NETO, 2014, p.98)

Assim as experiências obtidas nas práticas e estudos do módulo de Linguagens Visuais,


aliadas aos questionamentos da alfabetização visual, convergiram para proposta de elaborar um
trabalho que aliassem essas duas questões. Especificamente apoderando-se do conceito do vídeo
educativo de Wohlgemuth (2005), pois na proposta do autor o vídeo educativo tem sua função
singular na educação, pois compreende o fazer, produzir, colocando o processo mais próximo de
uma educação significativa, pegando como exemplo a experiência de Miranda (2002) ao trabalhar a
proposta do vídeo com meninos da favela na “Baixada Fluminense” com a realização de uma TV, a
mesma define a proposta libertadora e produtora de subjetividade protagonista em meios aos jovens
que participaram. Pensando na vantagem de trabalhar com vídeo, em meio a marginalização das
ferramentas capazes de produzir material audiovisual e poder de massificação dos conteúdos como
sugere Wohlgemuth

A vantagem do vídeo é que ele se constitui num instrumento que conserva as


mensagens, que permite massificá-las por observação reiterada, que permite homogeneizar

2
Em março de 2003, foi aprovada a Lei Federal nº 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História e Cultura
Africana e Afro-Brasileira nas escolas de Ensino Fundamental e Médio. Essa lei altera a LDB (Lei de Diretrizes e
Bases) e tem o objetivo de promover uma educação que reconhece e valoriza a diversidade, comprometida com as
origens do povo brasileiro.
3
Orgão de Educação e Relação Étnicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia.
os conteúdos quando esta homogeneização é necessária, e que propicia um tipo de
mensagem com um tratamento áudio e vídeo bastante inteligível para homens e mulheres
dos setores populares. (WOHLGEMUTH, 2005, p.11).

Definidas a proposta de intervenção, com oficinas de capacitação de produção audiovisuais,


restavam a escolha do lugar no qual a proposta fosse de maior relevância para a juventude que
participaria, optamos por comunidades marginalizadas e oriundas de povos remanescentes de
quilombo, nos apoiamos a partir da pesquisa de SILVA NETO acerca da visualidade da cultura
negra pela mídia local, especificamente o município Baiano, Cidade de Jequié, onde esta situada a
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia que sedia o Projeto UniverCidades4, assim, Neto
(2008, p. V) relata em sua monografia sobre como a mídia radiofônica aborda a população
afrodescendente:

...tanto o programa policial como os demais, pouco contribuem na divulgação dos


atributos culturais, pertencentes aos afrodescendentes. Isto é preocupante, pois grande parte
dos jequieenses possui referências negras e esses identificadores culturais são visíveis na
sociedade. Como o preconceito não se limita apenas ao racismo, faz-se ser necessário
conscientizar os profissionais do rádio acerca da representação cultural negra em Jequié e
como ela está silenciada no jornalismo. (SILVA NETO, 2008, p.V)

Partindo desse pressuposto colocado por Silva Neto, escolhemos a comunidade do Barro
Preto, bairro quilombola para aplicar o projeto, que foi titulado: Olhares Protagonistas, Identidade e
Afirmação por meio da Educação Audiovisual, neste projeto são ministrados oficinas de produção
de vídeo, os quais abordam o contexto sociocultural dos jovens participantes, propiciando uma
experiência significativa com as mídias e a leitura crítica das mídias visuais, em contraponto ao que
é posto pela mídia radiofônica local, e radiodifusão, não trabalha, em sua programação diária, com
os atributos referenciais de ancestralidades em seu conteúdo programático, além de abordar a
comunidade como bairro violento, descaracterizando assim o negro, é que o projeto ora proposto
torna-se relevante. Os alunos inseridos no curso são protagonistas ao abordar através da linguagem
audiovisual a realidade do bairro. Também ressaltamos como foi discutido no inicio deste artigo, o
fato das oficinas do vídeo tornam-se importante para quebra de resistência para discussão de temas
nesses espaços, pois para a realização das oficinas, anteriormente é realizados discussão com os
4
Programa de Extensão Comunitária UniverCidades, um conjunto de ações desenvolvidas pelos discentes nos
municípios do sudeste da Bahia, permitindo diálogo e interação entre a Universidade e os demais seguimentos sociais
através de ações, como Cursos, Oficinas, Treinamentos e Capacitação, Atividades desportivas e culturais, e eventos
planejados de acordo com as áreas temáticas de Comunicação Social, Tecnologia e Produção, Meio Ambiente, Cultura,
Direitos Humanos e Justiça, Trabalho, Educação e Saúde.
alunos de vários temas relacionados com a cultura Africanos e Afro-brasileiros no intuito de
sensibiliza-los, vídeos são utilizados a fim de despertar a percepção para mídias com o olhar crítico,
principalmente para entenderem os processos históricos que negam a visibilidade dessas culturas,
dos seus símbolos e atributos que são bastante ricos, que incluem desde literatura, com contos e
mitos, culinária própria e tantos outros.

Considerações Finais

O projeto ainda encontra-se em fase de execução, porém já trazendo bons resultados para a
comunidade quando se veem protagonistas, atores, produtores e espectadores dos curtas metragem
produzidos, e para escola os vídeos se tornaram uma forma de aproximação da comunidade em
volta com espaço escolar, colocando a realidade dos alunos nas salas de aulas, nesse projeto é
possível comtemplar diversas propostas; a alfabetização visual tão necessária na sociedade atual,
protagonismos juvenil, o trato com a lei 10639/03 como tantas outras que é possível contestar em
cada palavra dos alunos participantes ou até nos tímidos sorrisos daqueles antes não valorizados se
veem protagonistas de suas historias.

Referenciais Bibliográficos

BARTHES, Roland. A câmara clara: nota sobre a fotografia / Roland Barthes ; tradução Júlio
Castañnon Guimarães – Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1984.

DONDIS, Donis A. Sintaxe da linguagem visual; tradução Jefferson Luiz Camargo. – 3ª ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2007.

FERREIRA, Edson D. Linguagens Visuais e Cultura: as interfaces possíveis com a proposta do


ODEERE. In SANTANA, Marise de. (Org) ODEERE: formação docente, linguagens visuais e
legado africano no sudoeste baiano - Vitoria da Conquista: Edições UESB, 2014.

MIRANDA, Luciana L. Criadores de Imagens, Produtores de Subjetividade: A Experiência da TV


Pinel e da TV Moxambomba –Tese de Doutorado; orientadora: Solange Jobim e Souza. – Rio de
Janeiro: PUC, Departamento de Psicologia, 2002.
SILVA NETO, Antonio Argolo. A função do jornalismo radiofônico de Jequié na concepção da
identidade cultural africana. Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Antropologia
Cultural com Ênfase em Cultura Afro-Brasileira. Jequié: UESB – Ba, 2008.

SILVA NETO, Antonio Argolo. A africanidade em Jequié e sua visualidade nas ações do
ODERRE. In SANTANA, Marise de. (Org) ODEERE: formação docente, linguagens visuais e
legado africano no sudoeste baiano - Vitoria da Conquista: Edições UESB, 2014.

WOHLGEMUTH, Júlio. Vídeo educativo: uma pedagogia audiovisual. Brasília: Editora Senac,
2005.

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