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Fluxos de matéria e energia no reservatório solo:

André Henrique Rosa e Julio Cesar Rocha

Este trabalho apresenta aspectos importantes da litosfera como origem e formação, composição, classificação,
propriedades físico-químicas, fertilidade, manejo e degradação decorrentes de ações antrópicas. Traz uma abordagem
diferenciada, contextualizando fenômenos ambientais que ocorrem no solo, utilizando conceitos de contínuos fluxos
de matéria e energia entre os demais reservatórios – hidrosfera e atmosfera. Apresenta aspectos da ciência do solo,
sempre com uma visão global do ponto de vista ambiental.

 litosfera, solo, química do solo, manejo, ações antrópicas 

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“… pois a chuva voltando pra terra traz
coisas do ar…” Raul Seixas / Paulo Coelho

Origem e formação da litosfera ciou-se um lento processo de resfria- va, transformavam-na em um líquido
mento dessa massa incandescente, extremamente corrosivo (Branco e
Para melhor entender os fenôme- com formação das primeiras rochas e Cavinatto, 1999).
nos ambientais, é de fundamental im- da atmosfera, sendo esta devida à Assim, ao mesmo tempo em que
portância raciocinar com base nos ci- aglomeração de gases ao redor do as chuvas permitiram o resfriamento
clos biogeoquímicos. planeta. Foi então que, das rochas superficiais, as quais se
Ou seja, as ocorrênci- submetida a uma pres- solidificavam, iniciou-se um duplo pro-
as devem ser sempre Para melhor entender são atmosférica 300 ve- cesso de desgaste e desagregação
interpretadas conside- os fenômenos zes maior que a atual, a dessas: a abrasão e o ataque quími-
rando-se os importan- ambientais, água conseguiu passar co. Estes processos, aliados ao calor
tes fluxos de matéria e é de fundamental para o estado líquido, escaldante do dia e forte frio à noite,
energia, os quais ocor- importância raciocinar acumular-se em deter- levaram à quebra das rochas em pe-
rem dinamicamente com base nos ciclos minadas regiões e inici- daços de diferentes granulometrias
entre os três grandes ar o processo cíclico de tais como pedras, cascalho, areia e ar-
compartimentos regu- precipitação, evapora- gila.
ladores: litosfera, hi- ção, formação de nu- Ao longo do tempo, rochas sedi-
drosfera e atmosfera. vens e novas precipitações, as quais mentares formadas no fundo dos
Embora para fins didáticos, muitas ocorrem até hoje. oceanos vieram à superfície e o con-
vezes, as questões ambientais sejam A atmosfera daquela época pos- trário também ocorreu. Sedimentos
discutidas de forma compartimenta- suía composição química diferente da que já estavam na superfície, inclusive
lizada, não se pode esquecer que atual. Era muito mais corrosiva em con- formando solos férteis cobertos de flo-
constantemente há fluxos (trocas) de seqüência das contínuas erupções vul- restas, afundaram, em conseqüência
energia e matéria entre esses reserva- cânicas, lançando ao espaço enormes de movimentos tectônicos, e foram re-
tórios. quantidades de gás carbônico, enxo- cobertos, posteriormente, por novas
Há cerca de cinco bilhões de anos, fre e cloro, os quais se transformaram rochas sedimentares ou mesmo vul-
nosso planeta era uma bola de mine- em ácidos carbônico, sulfúrico e clorí- cânicas. Tal processo originou grandes
rais fundidos e incandescentes como drico, respectivamente. Estes compos- depósitos de plantas e microrganis-
a lava dos vulcões. Em seguida, ini- tos, dissolvendo-se nas águas da chu- mos fossilizados.

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Estes fósseis vieram a constituir as posição. Estes resultam de fatores cli- tão intimamente misturados, permitin-
jazidas de carvão e de petróleo, hoje máticos no decorrer do tempo e da ati- do a ocorrência de reações e consti-
utilizadas como combustíveis ou fon- vidade combinada de microrganismos, tuindo um ambiente adequado para a
tes de energia. Além desses materiais, decompondo restos de animais/vege- vida vegetal (Malavolta, 1976).
retiram-se do subsolo inúmeros mine- tação, respectivamente. Desta forma, o
rais, que constituem matéria-prima solo é considerado resultado das Fase sólida
para a indústria, tais como ferro, enxo- interações entre os compartimentos
fre e manganês. litosfera, hidrosfera, atmosfera e bios- A fração mineral da fase sólida é
Todo esse lento processo cíclico de fera. Os principais processos que leva- resultante da desagregação física das
formação dos solos e sua associação ram à sua formação são apresentados rochas. Portanto, possui dimensões
com microrganismos e plantas levou na Figura 1. bem menores, porém com composi-
milhões de anos para se concretizar e ção química idêntica à da rocha-mãe
permitiu o crescimento dos vegetais em Composição dos solos da qual se originou.
terra firme pois, até então, devido à at- A fração orgânica é constituída pela
mosfera altamente inóspita, viviam so- Os solos possuem três fases – sóli- porção do solo formada de substân-
mente nos mares, que ocupavam a da, líquida e gasosa – cujas proporções cias provenientes de plantas e animais
maior parte da superfície relativas variam de solo mortos, bem como produtos interme-
terrestre (Jardim, 2001; para solo e, num mes- diários da degradação biológica feita
Rodrigues, 2001). Como O solo é considerado mo solo, com as condi- por bactérias e fungos. O material or-
conseqüência, surgi- resultado das interações ções climáticas, a pre- gânico de fácil decomposição é trans-
ram, também, os primei- entre os compartimentos sença de plantas e ma- formado em gás carbônico, água e
ros animais terrestres litosfera, hidrosfera, nejo. Em geral, na com- sais minerais.
criando, com os vege- atmosfera e biosfera. posição volumétrica Nos solos férteis, com densa vege-
tais e o solo, estruturas porcentual de um solo, tação, existe uma complexa fauna
e sistemas cíclicos cada que apresenta condi- constituída de pequenos mamíferos,
8 vez mais complexos, os quais consti- ções ótimas para o crescimento de tais como ratos e outros roedores, e
tuem a natureza terrestre atual. plantas, verificam-se 50% de fase sóli- minúsculos protozoários, minhocas,
O solo pode ser representado como da (45% de origem mineral e 5% orgâ- insetos e vermes, os quais têm função
um ciclo natural do qual participam frag- nica), 25% de fase líquida e 25% de fase muito importante na trituração, aera-
mentos de rochas, minerais, água, ar, gasosa. Os quatros componentes (mi- ção, decomposição e mistura da ma-
seres vivos e seus detritos em decom- neral, orgânico, líquido e gasoso) es- téria orgânica no solo.

Figura 1: Processo de formação do solo.

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Fase líquida grandes reservatórios (atmosfera, Fase gasosa
hidrosfera e litosfera) podem ser
Representa a chamada solução do exemplificadas pela água da chuva. Outra caracterização da dinâmica
solo: “uma solução de eletrólitos qua- Esta, ao se formar na atmosfera, já de fluxos entre os compartimentos
se em equilíbrio, que ocorre no solo constitui uma solução de várias subs- (litosfera, atmosfera e hidrosfera) é a
em condições de não-saturação de tâncias absorvidas do ar. Quando há constatação de que a fase gasosa do
umidade”. E isto é assim porque a precipitação, além das diversas espé- solo apresenta, qualitativamente, os
água do solo contém numerosos ma- cies trazidas da atmosfera, ao atraves- mesmos componentes principais pre-
teriais orgânicos e inorgânicos, que fo- sar as camadas de solo, a água da sentes no ar atmosférico. Entretanto,
ram dissolvidos da fase sólida. chuva passa a transportar outras subs- do ponto de vista quantitativo, pode
As principais características do tâncias antes de chegar às raízes. No haver grandes diferenças, conforme se
conceito de solução do solo são: solo, a capacidade da água para tam- verifica na Tabela 2. Ou seja, devido à
a) constitui uma parte maior do fator bém dissolver diferentes substâncias respiração das raízes e dos microrga-
de intensidade no fornecimento de é ainda bastante aumentada pela nismos e à decomposição da matéria
nutrientes para as plantas; presença do gás carbô- orgânica e de reações
b) é o meio para a maioria dos pro- nico, resultante da respi- ocorridas no solo, há
O ar circulante no interior
cessos químicos e biológicos que ração das raízes e dos consumo de O2 e libe-
do solo é a fonte de
ocorrem no solo; microrganismos. ração de CO 2 com
oxigênio para a
c) é o principal meio para o movimen- A Tabela 1 resume constantes alterações
respiração das células
to de materiais no solo. dados compilados sobre nos fluxos entre os
das raízes, dos
Sempre que chove, ou quando se a composição da solu- compartimentos e,
microrganismos e
pratica a irrigação, as águas se ção do solo. Vê-se que conseqüentemente, a
pequenos animais
infiltram, preenchendo os espaços todos os macronutrien- composição do ar do
produtores de húmus.
existentes entre as partículas de solo. tes, exceto o fósforo, ge- solo não é fixa.
A quantidade de água absorvida de- ralmente estão presen- O ar circulante no
pende da permeabilidade do solo, pois tes em concentrações da ordem de interior do solo é a fonte de oxigênio
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quando esta é pequena, a maior parte 10-3 a 10-4 mol L-1. Em geral, o fósforo para a respiração das células das
da água escorre pela superfície em tem menor concentração, de 10-5 a raízes, bem como dos microrganismos
direção aos vales e rios, carregando 10-6 mol L-1. e pequenos animais produtores de
consigo grandes quantidades de se- Todos esses elementos químicos húmus. A maioria das plantas cultiva-
dimentos e elementos nutritivos. Este existem em quantidades limitadas no das requer solos bem arejados para
fenômeno natural é chamado de ero- solo. Nos ambientes naturais, tais ele- atingir máximo desenvolvimento radi-
são e está ilustrado na Figura 2. mentos são continuamente reciclados. cular. De modo geral, os sintomas de
O fluxo de matéria e energia e as Isto é, à medida que são absorvidos pe- falta de oxigênio (amarelecimento das
importantes inter-relações entre os três las raízes, são novamente depositados folhas, por exemplo) aparecem quan-
na superfície por meio da queda contí- do a concentração de O2 nos espaços
nua de folhas, frutos, ramos e outras porosos está muito abaixo de 15%. Por
partes vegetais. Ou, participam de um outro lado, parece não haver benefí-
ciclo biogeoquímico maior, transferindo- cio em se aumentar tal concentração
se para outros compartimentos como acima de 21% (Branco e Cavinatto,
a hidrosfera e/ou a atmosfera. 1999).

Tabela 1: Concentração típica da solução do solo*.

Elementos Solos em geral / 10-3 mol L-1 Solos ácidos / 10-3 mol L-1
Nitrogênio (N) 0,16 - 55 12,1
Fósforo (P) 0,001 - 1 00,007
Potássio (K) 0,2 - 10 00,7
Magnésio (Mg) 0,7 - 100 01,9
Cálcio (Ca) 0,5 - 38 03,4
Enxofre (S) 0,1 - 150 00,5
Cloro (Cl) 0,2 - 230 01,1
Sódio (Na) 0,4 - 150 01,0
Figura 2: Foto ilustrativa do processo de
Fonte: (MALAVOLTA, 1976).
erosão em solos (http://www.vidagua. *Nota: os elementos encontram-se no solo como componentes de substâncias, ou espécies
org.br/bauru_ambiental/solobauru.shtm). químicas, tais como nitratos, fosfatos, íons Mg+2, íons Ca2+ etc.

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Tabela 2: Composição média dos principais terísticas dos principais tipos de solos camada superficial mais escurecida,
componentes presentes no ar atmosférico encontrados no Estado de São Paulo. devido à presença de matéria orgânica.
e no ar do solo. Os latossolos foram formados sob Solos formados sob excesso de
Ar Componentes / (%) ação de lavagens alcalinas, em regiões água, em condições de aeração defi-
O2 CO2 N2 quentes e úmidas florestadas. Isto de- ciente, são denominados hidromór-
Atmosférico 21 0,03 72
terminou a perda de parte de sílica ficos. Estes solos de coloração acin-
(eluviação) do material original, perma- zentada são geralmente ácidos, po-
No solo 19 0,90 79 necendo os óxidos de ferro e de alu- bres em cálcio e magnésio e possu-
Fonte: Malavolta (1976) mínio. A argila silicatada presente é a em acúmulo de matéria orgânica nas
caolinita. camadas superficiais.
Litossolos são solos jovens, pouco Solos podzólicos e podzolizados
CLASSIFICAÇÃO DOS SOLOS desenvolvidos e de pequena espessu- são formados por processo de lava-
ra, assentados diretamente sobre as gens ácidas sobre material de origem
Atualmente, na maior parte do mun- rochas consolidadas ou, às vezes, aflo- arenosa, em regiões úmidas e flores-
do é utilizado o sistema de classifica- rando a superfície. tadas. Como conseqüência das lava-
ção denominado genético-natural, o Os regossolos caracterizam-se por gens, as argilas são arrastadas para o
qual é baseado nas características e fa- serem solos profundos, porém em iní- interior do solo, ficando as camadas
tores que levaram à formação do solo. cio de formação arenosa e, portanto, superficiais mais arenosas como, ilus-
A Tabela 3 mostra as diferentes carac- com drenagem excessiva. Apresentam trado na Figura 3.

Tabela 3: Limites de variação dos constituintes de alguns solos do Estado de São Paulo*.
K+ Ca2+ Mg2+ H+ Al3+
Solos pH C (%) N (%)
equiv. mg trocável / 100 g de terra
Latossolos 4,00-6,10 0,42-4,08 0,03-0,38 0,04-0,77 0,17-06,25 0,10-2,42 2,58-9,49 0,25-3,40
Podzólicos 4,10-7,60 0,28-2,51 0,03-0,21 0,03-0,50 0,63-22,19 0,11-2,46 1,05-5,16 0,00-4,89
10 Hidromórficos 3,80-5,60 0,82-3,31 0,06-0,29 0,04-0,07 0,76-01,16 0,60-0,77 4,61-6,23 2,08-3,40
Litossolos 4,30-5,10 1,15-3,12 0,18-0,41 0,20-0,78 0,79-27,17 1,18-8,42 0,00-6,27 0,00-7,06
Regossolos 4,50-5,30 0,33-0,93 0,03-0,07 0,02-0,06 0,14-1,56 0,02-0,44 1,25-1,42 0,54-1,86
*Adaptada de Malavolta (1976)

Figura 3: Características de perfil de solos podzólicos da bacia do Rio Negro-AM.


Foto feita durante coleta de amostras de solo.(Projeto FAPESP 00/13517-1)

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Per fil do solo
erfil Os horizontes são designados por ção de argila abaixo do horizonte
letras maiúsculas. Assim, as letras A, A. Essa camada caracteriza o hori-
O solo não é formado apenas pela B, e C representam os principais hori- zonte denominado E.
camada superficial de alguns centíme- zontes do solo. As letras O e R são c) Horizonte B – caracterizado pelo
tros a qual o agricultor cultiva, mas também utilizadas, para acúmulo de argila, fer-
também por outras camadas abaixo identificar um horizonte ro, alumínio e pouca
dessa. Em geral, as características do orgânico em solos mine- As propriedades físico- matéria orgânica. É
solo variam com a profundidade por rais e a rocha inalterada, químicas dos solos são denominado de hori-
causa da maneira pela qual ele se for- respectivamente. De devidas principalmente à zonte de acúmulo ou
mou ou depositou, devido às diferen- acordo com Malavolta elevada superfície iluvisal. O conjunto
ças de temperatura, teor de água, con- (1976), as principais ca- específica e à alta dos horizontes A e B
centração de gases (particularmente racterísticas dos horizon- reatividade apresentada caracteriza a parte do
CO2 e O2) e movimento descendente tes que um solo pode pelos componentes da solo que sofre influên-
de solutos e de partículas. Ou seja, os conter são: fração argila. cia das plantas e dos
fluxos de material formam diferentes a) Horizonte O – hori- animais.
camadas (denominadas horizontes), zonte orgânico com d) Horizonte C – ca-
que podem ser identificadas a partir do matéria orgânica fresca ou em de- mada de material não consolidado,
exame de uma secção vertical do solo, composição. Em condições de má com pouca influência de organis-
que é chamada perfil do solo (Figura drenagem esse horizonte é deno- mos, geralmente apresentando
4). Os horizontes diferenciam-se pela minado H. composição química, física e mine-
espessura, cor, distribuição e pelos b) Horizonte A – resultante do acúmulo ralógica similar à do material onde
arranjos das partículas sólidas e po- de material orgânico misturado se desenvolve o solo.
ros, distribuição de raízes e outras ca- com material mineral. Geralmente e) Rocha R – rocha inalterada, que po-
racterísticas, que resultam da interação apresenta coloração mais escura, derá ser, ou não, a rocha matriz a
de fatores influenciadores na formação devido ao material orgânico humifi- partir da qual o solo se desenvol-
do solo. A caracterização mais deta- cado. Em solos onde há eluviação veu.
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lhada dos horizontes permite identifi- (perda de parte da argila) muito in-
car, classificar e planejar o uso mais tensa, forma-se uma camada de Propriedades físico-químicas dos solos
adequado do solo. cores claras com menor concentra-
As propriedades físico-químicas
dos solos são devidas principalmente
à elevada superfície específica e à alta
reatividade apresentada pelos compo-
nentes da fração argila. Esta, geral-
mente é constituída por minerais se-
cundários, óxidos de ferro e alumínio
cristalinos ou amorfos e matéria orgâ-
nica. Têm tamanhos iguais ou inferio-
res a 4 µm, caráter coloidal e carga lí-
quida negativa saturada por cátions di-
versos. De modo geral, estas caracte-
rísticas são devidas a certas proprie-
dades estruturais da fase dispersa,
como tamanho, forma e área superfi-
cial das partículas. Portanto, devido
aos diferentes mecanismos de forma-
ção admite-se que a carga total nega-
tiva dos solos seja constituída por dois
componentes. Um constante, chama-
do de “carga permanente” e outro va-
riável denominado de “dependente de
pH”. O silte (partículas de diâmetro de
62,0-4,0 µm) e a areia (partículas de
diâmetro de 200-62 µm), são menos
eficientes nos processos químicos,
pois são constituídos de partículas
mais grosseiras de minerais primários
Figura 4: Camadas de um perfil genérico de solo (Adaptada de Rodrigues, 2001). e quartzos.

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Capacidade de troca catiônica mais comum, embora menos rigoro- minerais de solo. Destes processos re-
(CTC) de solos so, falar-se em H+ que em H3O+. sulta a formação de componentes se-
No caso de ácidos fortes a acidez cundários responsáveis por um esta-
É definida como a quantidade de ativa aproxima-se da potencial. Porém, do de equilíbrio, seja em nível físico-
cátions, que são adsorvidos reversivel- em se tratando de ácidos fracos, a químico (como por exemplo, a estabi-
mente por unidade de acidez ativa é menor lidade do pH, ou equilíbrio ácido/base),
massa de material seco O cultivo do solo iniciou- que a potencial. Por químico ou biológico.
e expressa a capacida- se há cerca de dez mil esse motivo, no segun- Outra constatação do fluxo dinâmi-
de do solo de trocar anos com os Sumérios, na do caso, a medição da co de energia e matéria entre os gran-
cátions. A quantidade Mesopotâmia, às margens acidez total não oferece des reservatórios reguladores é, por
de cátions é dada pelo dos rios Tigre e Eufrates indicação da acidez ati- exemplo, o fato dos quatro principais
número de cargas po- (atualmente onde se va. A noção de que os elementos químicos componentes dos
sitivas (centimol ou localiza o Iraque). solos ácidos podiam ser vegetais serem obtidos pela planta a
milimol) e a massa de neutralizados com car- partir do reservatório atmosfera. A
solo seco, geralmente gas (carbonatos de cál- água da chuva (H2O), indispensável a
100 g ou 1 kg. Os valores encontra- cio e de magnésio misturados com qualquer processo biológico, é tam-
dos para minerais argilosos variam de argila) já era conhecida dos gauleses, bém fornecedora de hidrogênio. O
1 – 150 centimol kg-1, enquanto a CTC gregos e romanos. Plínio escreveu carbono e o oxigênio são retirados do
para a matéria orgânica pode atingir sobre ela no primeiro século da era ar, o primeiro, no processo de fotos-
400 centimol kg-1, devido ao grande cristã (Branco e Cavinatto, 1999). síntese e o segundo, no processo de
número de grupos oxigenados, parti- Admite-se hoje que a acidez do respiração. Finalmente, o nitrogênio
cularmente carboxílicos (–COOH), os solo é constituída de duas frações: também é absorvido do ar por algu-
quais podem se ligar e trocar cátions a) fração trocável – corresponde prin- mas bactérias fixadoras localizadas
(Baird, 2001; Rocha e Rosa, 2003). cipalmente aos íons alumínio nas raízes e, posteriormente, é disponi-
Do ponto de vista de fertilidade dos adsorvidos nos complexos de tro- bilizado para as plantas.
12 solos, são desejados valores elevados ca e Para o crescimento da planta, com
de CTC, pois maiores quantidades de b) fração titulável – corresponde prin- exceção desses quatro elementos prin-
cátions podem ser armazenadas e, cipalmente a H+ que se encontra cipais, todos os demais (macro e
posteriormente, cedidas aos vegetais ligado covalentemente a compos- micronutrientes) devem encontrar-se no
através de reações de troca iônica (flu- tos da matéria orgânica (grupos solo. Portanto, os vegetais conseguem
xos entre reservatórios). carboxílicos e fenólicos) e, possi- desenvolver-se em cada ambiente à
velmente ao alumínio ligado aos medida que encontram no solo os ele-
Acidez do solo complexos argila-matéria orgânica. mentos que lhe são indispensáveis.
Como a fração titu- Mesmo nos solos fér-
De acordo com o conceito de lável é devida aos íons Com o tempo, verificou- teis, os elementos es-
Bronsted e Lowry, ácida é uma subs- Al +3 e H 3O+ fortemente se que a intervenção senciais aos vegetais
tância que tende a ceder prótons (íons retidos aos minerais da humana na constituição e não são inesgotáveis.
hidrogênios, H+) a uma outra. Base é argila e matéria orgânica, estrutura física do solo Por isso, após utiliza-
qualquer substância que tende a acei- evidenciando-se somen- poderia aumentar a ção pelas plantas, es-
tar prótons. Quando em solução aquo- te por extração em pH produtividade. ses elementos partici-
sa, o ácido se ioniza gerando H+ e o mais elevado, pode-se A este processo, pam de ciclos biogeo-
ânion correspondente: aceitar que, nas condi- atualmente, dá-se o nome químicos voltando ao
ções normais dos solos, de manejo do solo. solo, (e/ou atmosfera e
H2O os íons alumínio são os hidrosfera) para que
HA H+ + A– principais responsáveis este se mantenha fértil
ácido próton ânion pela acidez (Baird, 1999). e a vida vegetal tenha continuidade. Se
por algum motivo (por exemplo, quei-
Fertilidade do solo madas, erosão etc.) os ciclos forem in-
Diz-se que os H+ produzidos (se- terrompidos, o solo vai se tornando pro-
gundo membro da equação) corres- O conceito de fertilidade do solo gressivamente estéril ou improdutivo.
pondem à acidez ativa, e o HA no pri- também está intimamente relacionado Participam dos ciclos biogeoquími-
meiro membro indica a acidez poten- com os vários fluxos de matéria e ener- cos vários microrganismos decom-
cial. Quanto mais a reação tende para gia no ambiente. São várias as reações positores, que habitam o solo e são es-
a direita, maior a atividade em H+ e químicas que ocorrem entre as subs- senciais para o processo de fertilização.
mais forte é o ácido. Em meio aquoso, tâncias presentes no solo e na água, Ao decompor vegetais e animais mor-
o H+ está sempre hidratado e, por isso, bem como as trocas de substâncias tos ou seus excrementos, a população
predomina como hidrônio, H3O+ (H2O entre os seres vivos, as raízes, as par- de decompositores produz uma maté-
+ H+ → H3O+). É, entretanto, muito tes aéreas das plantas e as partículas ria gelatinosa, de coloração amarelo-

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castanha, denominada húmus, de im- 3) os microelementos ou micronu- tes dos rios, que trocavam matéria or-
portância fundamental como fornece- trientes, os quais entram na com- gânica e nutrientes com o solo. O ser
dora dos elementos químicos ciclados. posição das plantas em quantida- humano primitivo também observou
des mínimas, também podem con- que as terras escuras, constituídas de
Interações solo -planta
solo-planta trolar seu cresci- um material gelatinoso e
mento e macio unindo as partícu-
Hoje, no mundo inteiro,
Durante seu desenvolvimento a par- 4) atualmente, sabe- las (o húmus), associava
procura-se descobrir
tir de uma semente, a planta estende se que a lei de partículas com maior di-
quanto os sistemas
suas raízes para o interior do solo for- Liebig não está as- âmetro, tornando o solo
agrícolas contribuem
mando um aglomerado de minúsculos sociada apenas às mais poroso e permeável.
para o seqüestro (fixação
filamentos, distribuídos em várias dire- substâncias quími- Com o tempo, verificou-
no solo) de carbono.
ções, constituindo a rizosfera. A raiz tem cas dissolvidas no se que a intervenção hu-
formas tortuosas, adquiridas durante solo, mas também mana na constituição e
seu crescimento, à medida que vai pe- aos ciclos biogeoquímicos, aos estrutura física do solo podia aumen-
netrando no solo e desviando-se dos componentes químicos do ar (p.e. tar a produtividade. A este processo,
grãos e das partículas de terra, buscan- gás carbônico) e aos fatores físicos, atualmente, dá-se o nome de manejo
do encontrar água, oxigênio e nutrien- como luz, temperatura, umidade, do solo.
tes. Também, para absorver o máximo etc… Os progressos obtidos quanto ao
de minerais do solo, as raízes produ- manejo do solo são muitos. Entretan-
zem substâncias que ajudam a solu- Manejo do solo e atividades antrópicas to, atualmente, com melhor conheci-
bilizar os minerais, modificando-os qui- mento dos ciclos biogeoquímicos e
micamente e causando alterações de No decorrer dos anos a população das interações entre os três grandes
natureza química no solo. aumentou significativamente. No início, compartimentos, sabe-se que várias
poucos homens viviam sobre a terra e práticas agrícolas de manejo utilizadas
Produtividade do solo e lei do mínimo eles andavam pelas savanas em pe- no passado causam impactos am-
quenos grupos, como pastores e/ou bientais irreversíveis aos solos, como
13
A produção de vegetais por área caçadores. Posteriormente, o homem exemplo, infertilidade, erosão e perda
de solo é denominada produtividade. aprendeu a utilizar o ambiente para de produtividade. Por falta de informa-
Num sentido ecológico, a produtivida- obter benefícios e conforto. Entre os ção ou por razões históricas, muitas
de de uma área refere-se à produção fatores mais importantes para o desen- vezes o agricultor se nega a mudar de
total de matéria vegetal (produção pri- volvimento humano estão o aprendi- uma prática agrícola aprendida com
mária), seguida da produção de ani- zado para domar e criar animais, e seus antepassados, para outra mais
mais herbívoros (produ- plantar para seu bene- adequada ao tipo de solo da sua pro-
ção secundária) e da fício. Assim, o homem priedade. Experimentos agrícolas re-
produção de animais Em 1840, o químico passou de caçador centes indicam que o manejo do solo
predadores (produção alemão Justus von Liebig nômade a sedentário, deve variar de uma região para outra,
terciária). observou a relação entre pois havia necessida- de acordo com o clima e a natureza
Na primeira metade o crescimento de plantas de de esperar pelas do solo (www.cnpdia.embrapa.br).
do século XIX, o químico e a utilização de fezes de colheitas (Rocha et al.,
alemão Justus von Liebig animais como adubo. 1996). Aração/revolvimento do solo
(1803 – 1873) propôs a Desde então, para O cultivo do solo
Lei do mínimo ou Lei de atender à demanda cada iniciou-se há cerca de Há tempos remotos os processos
Liebig. Verificou que o ele- vez maior por dez mil anos com os de aração e revolvimento profundo de
mento essencial que se alimentação, a adubação Sumérios, na Me- solos duros e/ou congelados de climas
encontra em menor dis- tem sido utilizada no sopotâmia, às mar- temperados ou frios são utilizados para
ponibilidade no ambien- manejo de solos. gens dos rios Tigre e desagregar particulados, permitindo
te limita o crescimento do Eufrates (atualmente penetração de água (nutrientes) e ar
vegetal. Alguns aspectos importantes onde se localiza o Iraque). Depois, há necessários para o desenvolvimento
da Lei proposta por Liebig são (Branco cerca de oito mil anos iniciaram-se as da planta. Entretanto, para climas tro-
e Cavinatto, 1999): plantações no vale do Rio Nilo, no Egi- picais (por exemplo, no Brasil) estes
1) a limitação do crescimento do ve- to (Rodrigues, 2001). Ou seja, o ser hu- processos podem não ser adequados.
getal dá-se por falta, e não por ex- mano percebeu que a agricultura nas Com o revolvimento, os microrganis-
cesso, de um elemento componen- margens férteis dos rios alcançava pa- mos tão importantes nos processos de
te do ambiente; drões de produtividade suficientes troca entre solo, água e atmosfera fi-
2) o fator em mínimo é o elemento que para sustentar população mais nume- cam mais expostos na superfície e os
se encontra em quantidades míni- rosa (Magnoli e Araújo, 1996). Essa efeitos da intensidade de luz e do for-
mas em relação às necessidades fertilidade nos vales era devida aos te calor podem diminuir suas ativida-
da planta; constantes ciclos de cheias e vazan- des. Uma vez revolvido, o solo tam-

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bém fica sujeito ao arraste maior de incorporação da biomassa verde ao os vegetais ao solo (determinada pelo
nutrientes por águas de chuvas (cau- solo via revolvimento. Com o melhor sistema de cultura) e a taxa de perda
sa infertilidade) e, dependendo das conhecimento dos ciclos biogeoquí- de MOS (determinada principalmente
condições do terreno, o perigo de ero- micos (por exemplo, caracterização de pelo manejo do solo) for positivo, ocor-
são é eminente. Além disso, sabe-se perdas de carbono e CO2 do solo para rerá aumento da MOS. Neste caso, o
atualmente que o revolvimento pode a atmosfera), tem-se sugerido que, solo atuará como um dreno de CO2 at-
facilitar a transferência do carbono re- após o corte, a massa verde produzi- mosférico diminuindo o efeito estufa.
tido no solo para a atmosfera, na for- da pelas leguminosas seja mantida na Ao contrário, se o balanço for negativo,
ma de dióxido de carbono (CO2). superfície do solo sem revolvimento, ocorrerá redução da MOS e o solo con-
para decomposição natural por micror- tribuirá para o aumento do efeito estu-
Adubação ganismos aeróbicos (Figura 5). fa. Assim, práticas de manejo que acu-
mulem MOS poderão contribuir para
Em 1840, o químico Qual a impor tância aumentar a qualidade do solo e, tam-
alemão Justus von Liebig A utilização de água do do manejo do solo bém, para o seqüestro de CO2 atmos-
observou a relação entre Rio São Francisco, para para o seqüestro de férico (Pilon et al., 2001).
o crescimento de plantas irrigar plantações carbono? Hoje, no mundo inteiro, procura-se
e a utilização de fezes de frutíferas na região descobrir quanto os sistemas agrícolas
animais como adubo. nordestina, pode ser O aumento da con- contribuem para o seqüestro (fixação
Desde então, para aten- considerada como uma centração de gases no solo) de carbono. No Brasil, a
der àdemanda cada vez exportação de água na como CO2, CH4 e N2O Embrapa Solos tem feito medições da
maior por alimentação, a forma de frutas (melão e na atmosfera tem sido quantidade de carbono no solo no
adubação tem sido utili- melancia têm mais de relacionado ao efeito perfil entre 0 e 60 cm, buscando
zada no manejo de so- 90% de água), de uma estufa. A queima de quantificar a massa de carbono. Dessa
los. Ela tem não só a fi- região há tempos combustíveis fósseis é forma, é possível medir em diferentes
nalidade de modificar comprovada com a principal causa des- ecossistemas o estoque de carbono
14 quimicamente a compo- problemas de secas! se aumento, especial- sob, por exemplo, plantio conven-
sição do solo de manei- mente pela emissão de cional, adubação verde e solo não
ra a fornecer à planta os CO2. A agricultura con- cultivado. Estes estudos são parte
elementos necessários, mas também tribui para a emissão ou o seqüestro de uma avaliação da contribuição
a de condicioná-lo fisicamente. destes gases, dependendo do efeito do dos diferentes tipos de manejo de
Entretanto, a adubação sem acom- manejo sobre o conteúdo de matéria solo para o seqüestro de carbono
panhamento técnico agrícola, planeja- orgânica do solo (MOS). Quando o ba- (www.cnps.embrapa.com.br).
mento de culturas de acordo com a lanço entre a taxa de adição de resídu-
topografia do terreno e conhecimento
prévio do tipo de solo tem causado
vários impactos ambientais e prejuízos
financeiros ao agricultor. Além de
salinizar o solo, a aplicação de fertili-
zantes pode causar a eutrofização de
mananciais devido à lixiviação de fer-
tilizantes aplicados em solos revolvi-
dos, ocorrida principalmente em épo-
ca de chuvas.
Atualmente, uma das alternativas
sugeridas é a utilização de adubo or-
gânico ou organomineral. Este, ao con-
trário dos fertilizantes sintéticos, con-
tém alta porcentagem de húmus, con-
tribuindo para a fixação de nutrientes
e re-estruturação física do solo. Den-
tre as diversas formas de adubação or-
gânica com custo/benefício atrativos e
ótimos resultados técnicos para solos
e plantas, a adubação verde é de mais
fácil aplicação e menor custo. Ela ba-
seia-se praticamente no plantio rotativo Figura 5: Exemplo de adubação verde. A biomassa resultante das leguminosas é deixada
de plantas leguminosas entre as sa- na superfície do solo para decomposição natural da matéria orgânica (Elo informativo,
fras e, até poucos anos, sugeria-se a 2002).

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IrIrrigação
rigação Outro tipo é a ferti-irrigação, que senvolvem juntamente com as cultu-
consiste no aproveitamento de efluen- ras. Quando sintetizados pelo ser hu-
Considerando-se que a quantida- tes de esgotos urbanos tratados como mano, os pesticidas/herbicidas são
de de água na terra é constante e que fonte de água e de húmus para a agri- considerados substâncias estranhas
a população tem aumentado em pro- cultura. Neste caso, embora a reutili- ao ambiente e podem ser chamadas
porções assustadoras, a água já é zação de água tenha sido amplamen- também de xenobióticas.
considerada como um bem natural de te recomendada como forma de aten- Embora sejam conhecidos impac-
valor incalculável. Neste aspecto, do der às demandas cada vez maiores, é tos ambientais causados pela aplica-
ponto de vista ambiental, outra ques- necessário ter um monitoramento ção de pesticidas, parece certo que
tão importante em relação ao manejo constante da presença de espécies eles ainda continuarão sendo um com-
do solo refere-se à irri- metálicas potencialmen- ponente indispensável às muitas ativi-
gação. Embora na an- te tóxicas e de microrga- dades agrícolas (Toscano et al., 2000).
Embora sejam
tiguidade não se co- nismos patogênicos Após a aplicação e atuação nas cultu-
conhecidos os muitos
nhecesse o efeito dos nesses efluentes. ras, o pesticida pode permanecer no
impactos ambientais
fluxos de energia e ma- solo por muito tempo, mantendo ou
causados pela aplicação
téria entre os reservató- Pesticidas/herbicidas não seu efeito biológico. Assim, é im-
de pesticidas, parece
rios, reconhecia-se a portante conhecer seu comportamen-
certo que eles ainda
dependência direta en- Devido ao grande to no solo para prever se o pesticida
continuarão sendo um
tre disponibilidade de crescimento popula- vai causar algum dano a esse meio e
componente
água no solo e produti- cional, para atender à aos demais reservatórios que co-exis-
indispensável às muitas
vidade. Hoje, sabe-se demanda alimentícia tem (hidrosfera e atmosfera).
atividades agrícolas.
que isto é devido às ca- tem sido necessário uti- O comportamento do herbicida
racterísticas da água lizar pesticidas/herbi- depende das propriedades físico-quí-
em atuar no transporte, dissolução e cidas na agricultura. Atualmente, é di- micas e biológicas do solo, bem como
disponibilidade de nutrientes para as fícil imaginar a produção de alimentos de fatores climáticos. Os três proces-
plantas. Em solos com escassez de sem o uso de pesticidas, pois estes sos básicos que podem ocorrer com
15
água como, por exemplo, no Nordes- produtos melhoram a produtividade os pesticidas no solo são retenção,
te brasileiro e alguns países árabes, agrícola podendo, às vezes, diminuir transformação e transporte. A Figura
tem sido utilizada a irrigação mecâni- os preços dos alimentos e da mão de 6 mostra alguns fatores envolvidos no
ca, que consiste em captar água de obra. Denominam-se pesticidas todas comportamento de herbicidas no solo
mananciais, utilizando bombas, e dis- as substâncias de origem natural ou (Lavorenti, 1999).
tribuí-la nas lavouras. Sem acompa- sintética utilizadas no controle e/ou eli- O processo de retenção tende a
nhamento técnico-científico, este tipo minação/diminuição de pragas (inse- “segurar” a molécula de herbicida,
de manejo tem causado grandes pre- tos, ervas daninhas etc.), que causam impedindo-a de se mover. Pode ser
juízos aos mananciais, devido à suc- prejuízos na produção de alimentos, reversível ou irreversível e afetar os pro-
ção de excessivas quantidades de ou transmitem enfermidades aos se- cessos de transformação e transporte
água. Com o volume bombeado não res humanos e a outros organismos. do herbicida no ambiente.
compatível com a vazão do manancial, Os herbicidas são substâncias quími- A transformação refere-se a mudan-
toda vida aquática fica comprometida, cas empregadas para controlar ou ma- ças na estrutura química das molécu-
devido à falta d´água e conseqüente tar plantas daninhas, as quais se de- las do herbicida e determina se e por
assoreamento.
Recentemente tem-se discutido a
viabilidade e/ou possibilidade de trans-
por água do Rio São Francisco para
atender à demanda básica em partes
da região nordeste e, ainda, utilizar
essa água para irrigar culturas de fru-
tas, como melão e melancia, para fins
de exportação. Tal utilização pode ser
considerada como uma exportação de
água na forma de frutas (melão e me-
lancia têm mais de 90% de água), de
uma região há tempos comprovada
com problemas de secas! Este é um
exemplo de impacto ambiental causa-
do pela falta de visão ambiental inte-
grada entre os reservatórios litosfera e
hidrosfera. Figura 6: Esquema genérico da interação entre herbicida e solo (Fonte: Lavorenti, 1999).

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quanto tempo tais moléculas podem e mais fértil do solo para os mananci- permitem a recuperação ou remediação
permanecer intactas no ambiente ais. Se o desmatamento ocorrer em (do inglês, remediation) de solos conta-
(Lavorenti, 1999). áreas de recargas de aqüíferos e/ou minados e/ou degradados. Estas ba-
O processo de trans- em matas ciliares, as seiam-se nas propriedades químicas de
porte, determinado pelo Existem algumas conseqüências serão substâncias e/ou processos físicos que
movimento das molécu- tecnologias que danosas e os efeitos são utilizados para retenção, mobili-
las do herbicida no solo, permitem a recuperação dos impactos am- zação ou destruição de um determina-
é fortemente influencia- ou remediação (do bientais serão sentidos do contaminante presente no solo (Moeri
do pela umidade, tem- inglês, remediation) de rapidamente, resultan- e Salvador, 2003; Baird, 1999). Podem
peratura, densidade, ca- solos contaminados e/ou do no rebaixamento do ser aplicadas in situ, isto é, no lugar da
racterísticas físico-quí- degradados. nível do lençol freático contaminação ou ex situ, ou seja, primei-
micas do solo e do her- e assoreamento dos ramente removendo a matéria contami-
bicida. mananciais. nada para outro local.
No caso de pesticidas, às vezes, Bioremediação é a utilização de
apenas uma pequena porcentagem da É possível recuperar um solo con- organismos vivos, especialmente mi-
quantidade aplicada atinge o objetivo taminado? crorganismos, para degradar poluen-
desejado. Grande parte é transporta- tes ambientais. Para que uma técnica
da por ventos, chuvas e é aportada em Existem algumas tecnologias que de bioremediação funcione efetiva-
outros reservatórios, como atmosfera
e recursos hídricos. Para minimizar os
impactos ambientais, a aplicação de
pesticidas deve sempre ser feita com
orientação técnica agronômica, quan-
to aos cuidados durante a aplicação,
dosagem necessária, época e condi-
16 ções climáticas favoráveis (chuvas,
temperatura, umidade, evapotrans-
piração, irradiação solar, velocidade e
direção do vento etc.).

Ocupação e mineração

O ideal seria que o solo fosse tam-


bém ocupado com planejamento urba-
no adequado. Infelizmente, por falta de
planificação, muitas metrópoles estão Figura 7: Enchente ocorrida em Santo André/SP. (Registrada pelos repórteres J. B. Ferreira
hoje edificadas em áreas de difícil es- e K. Tamanaha, Janeiro de 1997.)
coamento pluvial, onde ocorre comple- (http://www.semasa.com.br/scripts/display.asp?idmenu=113&idnot=305)
ta impermeabilização dos solos (cober-
tura com asfalto e cimento), provocan-
do enchentes nos rios e freqüentes
inundações de cidades (Figura 7).
Os problemas antrópicos causa-
dos ao solo devidos às atividades de
mineração também são freqüentes
(Figura8). A exploração de minérios
deve sempre ter como base funda-
mental o preceito do uso sustentável,
ou seja, considerar também o bem es-
tar das gerações futuras. Para tal,
deve-se utilizar técnicas menos des-
trutivas e recuperar as áreas degrada-
das pelos impactos inerentes causa-
dos pelas atividades mineradoras. A
vegetação atua como um importante
fator de proteção aos solos, permitin-
do a maior infiltração das águas e evi- Figura 8: Atividade Mineradora.(Sistema de gestão ambiental da mineração Serra do
tando o arraste da camada superficial Sossego, Paraupeba, Pará http://www.ksnet.com.br/paginas/servicos/mineracao1.htm)

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quadas para a atua- através do uso susten- agrícola. Nutrição de plantas e fertilidade
ção dos microrganis- O ideal seria que o solo tado, alicerçado em pla- do solo, São Paulo: Editora Agronômica
mos. fosse também ocupado nejamento adequado. Ceres, 1976.
Recentemente, a com planejamento Se estas ações forem MOERI, E. e SALVADOR, C. Áreas
fitoremediação, isto é, urbano adequado. praticadas de maneira contaminadas: novos conceitos na
o uso de vegetação equilibrada com os ou- avaliação e recuperação. Saneamento
para a descontami- tros reservatórios, o re- Ambiental, v. 93, p. 24-27, 2003.
nação in situ de solos e sedimentos, curso natural solo não será esgotado e/ PILON, C. et al. Seqüestro de carbono
eliminando metais e poluentes orgâni- ou degradado, evitando o comprometi- por sistemas de manejo do solo e seus
cos, tem se tornado uma tecnologia mento das futuras gerações. reflexos sobre o efeito estufa. 4º
emergente (Baird, 1999). Encontro Brasileiro de Substâncias
Agradecimentos Húmicas, Viçosa: resumos, p. 20, 2001.
Considerações finais ROCHA, J.C. e ROSA, A.H.
Os autores agradecem à FAPESP, Substâncias húmicas aquáticas:
interações com espécies metálicas, São
Diferentes partes do sistema bio- ao CNPq e à CAPES por bolsas de
Paulo: Editora UNESP, 2003, 120p.
físico do planeta Terra estão relaciona- estudo e suporte financeiro.
ROCHA, J.C. et al. Recursos hídricos:
das intrinsecamente, e em equilíbrio
André Henrique Rosa, Bacharel em Química, Mestre noções sobre o desenvolvimento do
dinâmico, com os três grandes reser-
e Doutor em Química Analítica pelo Instituto de Química saneamento básico. Saneamento
vatórios litosfera, hidrosfera e atmos- da UNESP. Estágios Doutoral e Pós-Doutoral em Ambiental, v. 39, p. 36-43, 1996.
fera. Este conceito implica que, se esse Química Ambiental no Institute of Spectrochemistry and RODRIGUES, R.M. O solo e a vida,
equilíbrio for deslocado por algum im- Applied Spectroscopy (ISAS), Dortmund-Alemanha. É
Professor Assistente Doutor no Curso de Engenharia São Paulo: Editora Moderna, 2001.
pacto, o ambiente sempre reagirá de Ambiental da UNESP (Unidade Diferenciada de SILVESTRE, M. e MARCHI, R.S. Áreas
forma a atingir outro estado de equilí- Sorocaba/Iperó), andrrosa@hotmail.com. Julio Cesar contaminadas: quem responde pelo
brio, trocando matéria e energia entre Rocha, terminou Bacharelado e Licenciatura na
passivo de empresas falidas? Sanea-
FFCLRP-USP, em 1980 e fez Mestrado em Química
os reservatórios. Analítica no IQ-UNICAMP, em 1983. Contratado pelo mento Ambiental, v. 93, p. 28-32, 2003.
Neste contexto, o reservatório solo Instituto de Química de Araraquara-UNESP, desde1984, TOSCANO, I. A. S.; RIBEIRO, M. L.;
sempre foi importante, tanto para a es- onde ministra aulas das Disciplinas de Química ROCHA, J. C.; NUNES, G. S.; BARCELÓ,
Analítica e Química Ambiental. Terminou o Doutorado
pécie humana como para grande parte em Química Analítica nessa instituição, em 1987. Fez D. Determinação de carbaril utilizando
dos seres vivos, quanto ao fornecimen- 2 anos de estágio de Pós Doutoramento no ISAS em testes ELISA (Enzyme-linked immuno-
to de alimentos e extração de matérias- Dortmund – Alemanha (1991-92). Foi Diretor da Divisão sorbent assay) e CLAE com detecção por
de Química Ambiental da SBQ (1996-97) e tem arranjo de diodos. Química Nova
Nova, v. 23,
primas necessárias à sobrevivência. formado diversos mestres e doutores na especialidade
Devido ao crescimento demográfico, o Química Ambiental (jrocha@iq.unesp.br). n. 4, p. 466-471, 2000.

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