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andré banha

a casa das duas portas


A casa abriga o devaneio,
a casa protege o sonhador;
a casa permite sonhar em paz.
Gaston Bachelard
andré banha
a casa das duas portas

José Moura ethos artístico que, não se conformando com


Director da Biblioteca FCT-UNL qualquer sistema, vive dialecticamente do
no Campus de Caparica comentário (surdo) às suas mais perversas
representações.
Mário Caeiro
Em suma, e neste aspecto Banha será
Curador da exposição
dos artistas mais urgentes desta geração
(também porque é ligeiramente mais velho),
Conhecer o trabalho de André Banha a experiência que uma peça de Banha nos
é iniciarmo-nos num radical deslocamento exige consiste num triplo contacto com
do habitual estatuto do artista. Num o essencial: o essencial de um espaço
mundo de mercadorias e mistificações, construído com a afeição de um carpinteiro,
de imagens-écran que desvanecem de uma ideia edificada com o rigor de um
as possibilidades da iluminação ética, as monge e de uma acção levada a cabo
construções de Banha surgem como actos com a convicção de um profeta.
contínuos de um trabalho de silenciamento Fosse a arquitectura mais vezes assim
produtivo do ruído civilizacional. Como numa e teríamos na metáfora da edificação – tão
geração recente de pragmáticos renovadores da exausta no regime utópico – mais riqueza
forma-arte – de quem já apresentámos aqui na e, sobretudo, mais intensidade experimental.
Biblioteca da FCT-UNL as intervenções de Mas afinal, para isto é que serve a arte,
Bruno Jamaica, Anabela Santos ou para nos revelar a pequenez actual mas
Carlos Sousa, curiosamente todos formados também a potencialidade crítica dos nossos
na ESAD.CR (Caldas da Rainha) – em constructos, laboriosamente dissimulados
André Banha a escolha estóica de um caminho pela comunicação ou o sentido.
de simplicidade material, senão de ascetismo, Obrigado Banha, por construíres, connosco
revela-se uma poderosa manifestação de um lá dentro, a nossa própria casa.
andré banha
a casa das duas portas

Uma poiética dos passos aceder a um outro nível da casa… Os dois é aqui tanto a ideia de casa e sua tradução
Mário Caeiro volumes articulados determinam um novo formal como abstracção realizada, mas uma
circuito e uma experiência espacial efémera casa que vem, um frágil sinal de comunidade
que vive de uma nítida tensão com o espaço em construção, heroicamente arrancada
envolvente: o interior é modelado pela luz que ao materialismo funcional para ascender
irrompe, que insiste em furar, passar através das (ou regredir) a uma outra materialidade:
frestas resultantes dos intervalos entre réguas, dialógica (Buber), no seio dessa outra
ripas de madeira; fissuras que ora escondem instrumentalidade da arte contemporânea
o interior, ora permitem a sua iluminação e que consiste no facto de o seu poder residir
ao observador percorrer o interior – controlo em grande medida no debate intelectual
da luminosidade interior – mas que também e na experiência emocional que
consagram a comunhão com o exterior, com convocam, imponderável e porventura
a absorção e controlo da invasão da luz. desregradamente, para além do
confinamento objectual característico
Após seguirmos os devaneios de habitar A intervenção de André Banha na área Raramente um artista é tão compacto, da mentalidade burguesa.
esses lugares inabitáveis, voltamos a imagens de exposições da Biblioteca da FCT-UNL sincrético e eloquente na radicação das suas Nas suas leituras, Banha deixa-nos um mote
que exigem, para que as vivamos, que no Campus de Caparica parte, como sempre formas enquanto discurso sobre o efémero para esta desconcertante habitabilidade
nos façamos pequenos como ocorre nos ninhos nos trabalhos deste artista, da reflexão sobre do tempo. As construções de Banha são dos seus espaços, de uma espécie de
e nas conchas. Com efeito, não encontramos a observação in loco do trânsito como que constructos que, na sua discrição arquitectura que desenha o espaço como
nas próprias casas redutos e cantos onde e dos circuitos que os utentes executam: formal – e no minimalismo dos seus acontecimento, numa mínima moralia
gostamos de nos encolher? Encolher-se Logo de início, tive a vontade, a intenção, efeitos – se impõem como tão claros quanto de um fazer-ser-construir arcaico, que evita
pertence à fenomenologia do verbo habitar. de intervir neste circuito interno do edifício, ‘polidos’ convites à experimentação imersiva a atracção da funcionalidade abstracta:
Só habita com intensidade aquele que soube detentor de uma espécie de corrente própria do espaço – a matéria arquitectónica Embora exista pouco a descrever em uma
se encolher. e única só desse lugar, só possível pela sua por excelência. Por detrás dessa aparente casa pobre, austera, a sua primitividade,
Gaston Bachelard in Poética do Espaço arquitectura – e difícil de repetir em outro delicadeza, que a singeleza do material ela encerra uma primitividade que pertence
qualquer espaço de igual forma – pela sugere (sobretudo no contraste que a todos nós, é do ser humano […] Existe para
rotina característica, impressa, intrínseca, estabelece com as arquitecturas modernistas cada um de nós uma casa onírica, uma casa
inerente. Percebi, então, que queria interferir, como é o caso da da Biblioteca) esconde-se de lembrança-sonho.
interceptando, alterando essa rotina, criando porém uma retórica específica que é tudo Gaston Bachelard in Poética do Espaço
uma outra alternativa. menos decorativa (no sentido de fútil):
ao ethos do tempo e do esforço de construção
A reflexão resultou, ao nível da plasticidade e do rigor de composição (vejam-se
arquitectónica, na criação de dois módulos os estudos prévios da peça, em 3D, alia-se
em forma de paralelepípedos um jogo do vazio que nos mergulha numa
de diferentes dimensões, em que um deles emergente emoção contraditória,
parece repousar, tombado, sobre o outro. pré-linguística, infantil, em suspenso.
O inclinado esconde no seu interior uma Entre acção total (Beuys, o Happening)
escada, a qual possibilita ao espectador e acontecimento (Lefèbvre), uma casa não
andré banha
a casa das duas portas

Construir, Habitar, Pensar existirão florestas.... e, nessas florestas, estivesse enclausurado no tempo suspenso.
Filipa Oliveira árvores...” de 2008, instalada no Convento A economia da construção, ao limitar
do Espírito Santo em Loulé. a distracção, permite ainda a convocação
A instalação realizada para a Biblioteca da mais imediata da memória e da imaginação.
FCT/UN no Campus de Caparica segue A penumbra que impregna o espaço,
a linha da série de trabalhos intitulados rasgado apenas pelos raios de luz que
“Abrigo-me” que tem vindo a desenvolver entram pelas frestas das tábuas, contribui
desde 2005. A estrutura basilar destas obras, também para transformar este espaço
construídas pela própria mão do próprio numa casa de sonhos e de recordações
artista, assenta na conjunção de módulos (despoletadas ainda pela forma, pelo peso,
geométricos de dimensões diferentes que pelo cheiro ou substância do material em
interagem entre si de diferentes maneiras que é construído, pelo confronto com o
e que normalmente se encontram vazio, ou simplesmente pelo movimento
interligados. Se por um lado, a construção do percorrer da instalação). Apesar da
Poeticamente o homem habita Em 1954, Martin Heidegger escreveu criada por Banha permite que o espectador importância da fisicalidade e materialidade
Hölderlin “Bauen, Wohnen, Denken”. Neste famoso atravesse o espaço por um novo trajecto, por da estrutura, este é um lugar que se constitui
ensaio, o filósofo alemão examina outro, e na maioria dos casos, oferece fundamentalmente enquanto espaço mental,
o significado da existência do ser através a possibilidade de uma nova perspectiva do activado pela experiência corpórea do
do acto de construir e dos espaços erigidos espaço através do acesso a uma plataforma espectador que se inicia quando entra numa
resultantes. Tanto o edificar como o habitar mais elevada. Em ambos os casos trata-se das portas e sai na outra.
fazem parte da estrutura primária das de uma proposta de redescoberta do espaço Esta capacidade de transportar o espectador
nossas vidas. E por esse motivo, quando onde intervém. para fora do seu contexto e, de certa
nos deparamos com a construção de uma A estrutura em si é de uma simplicidade maneira, o desorientar espacialmente,
estrutura rectangular, aquilo que vemos quase árida. Apenas é feita de faixas de é estabelecida pela forte dicotomia entre
imediatamente é um habitáculo. pinho que são justapostas umas ao lado das o exterior e o interior: ruído vs. silêncio;
A intimidade entre as três dimensões da outras (no espaço entre as quais pequenas comoção vs. calma; público vs. privado;
arquitectura – o pensar, o construir fendas se abrem). O interior de cada módulo claridade e amplitude vs. escuro e clausura.
e o habitar (não necessariamente nesta assemelha-se a um pequeno quarto. “A casa das duas portas” é uma construção
ordem) – constituem-se como parte A secura da construção relaciona-se com dentro de outra construção. O interior do
intrínseca do trabalho de André Banha. a necessidade da concentração do olhar. interior. Quase como se de um coração se
A sua obra centra-se num re-pensar e num No meio da complexidade, da confusão e do tratasse. Ao mesmo tempo, não chega a ser
(re)questionar das arquitecturas onde escolhe barulho, as casas ou abrigos de André Banha nada de concreto, é um não-lugar sem uma
intervir. Por vezes, essa interpelação é obrigam a um momento de paragem. função clara. Com a simplicidade da sua
directa – como na escultura “De Dentro A visão é encurtada pelas especificidades do edificação, Banha apela a uma concentração
...#1” instalada na Galeria Carlos Carvalho espaço induzindo todos os outros sentidos no significado da poética do habitar.
(2007) ou “De Dentro... #2” realizada no a estarem em alerta. E esta é exactamente
CENTA em Vila Velha de Ródão em 2008 uma arquitectura para ser sentida, sentida
– outras vezes subliminar – como “Um dia para lá do tempo. É como se o espaço Setembro de 2010
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a casa das duas portas

Abril e Maio de 2010


andré banha
a casa das duas portas

Julho de 2010

O construtor tem o prazer do esforço, fala directamente com os materiais… Materializa-se


a suspeita de que estamos perante uma casa, ou um desejo de casa… uma construção efémera,
provisória, que se instalou mais uma vez no nosso caminho… O momento em que a peça se torna
arquitectura… a partir do qual passamos a ter um espaço alternativo que nos conduz… uma nova
alternativa que range, cheira a madeira e nos envolve, opondo-se ao tom vibrante e metálico da
escada existente… ideia de infinitas transições, que podemos ou desejaremos percorrer…
30 de Agosto de 2010
Carlos Lampreia
13 de Agosto de 2010
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Exposições Colectivas: › Ateliers Livres, Museu Atelier João


› Processo e Transfiguração, Casa da Cerca – Fragoso, Caldas da Rainha, 2006.
– Centro de Arte Contemporânea, Almada, › Jovens Artistas, Estado das Artes, Torres
2010 (catálogo). Vedras, 2005.
› Jeune Création Européenne, 2007 – 2009 › ESAD Caldas 2005 IPL, Caldas
(catálogo): da Rainha, 2005 (catálogo).
Théâtre de Montrouge, Montrouge, › Caldas Late Night, Caldas da Rainha, 2005.
França, Setembro – Outubro 2007;
Klaipeda Exhibition Hall, Klaipeda, Prémios:
Lituânia, Março – Abril 2008; › Menção Honrosa, Anteciparte, 3.ª Edição,
Galerie Im Traklhaus, Salzburgo, Lisboa, 2006.
Áustria, Novembro 2008 – Janeiro 2009; › Menção Honrosa, Bienal de Artes
Museo d’Arte Contemporanea Villa Plásticas de Coruche, 4.ª Edição, Coruche, 2009
Nasceu em Santarém, em 1980. Croce, Génova, Itália, Fevereiro –
André Banha Vive e trabalha em Coruche. – Março 2009; Bibliografia:
Estrada Nacional 114, n.º 62 Centre Cultural Metropolità Tecla Sala, CUNHA, Nuno – «São esculturas
2100-675 Santana do Mato Formação: L’Hospitalet de Llobregat, Catalunya, de protecção e refúgio». IN, #007
Coruche, Portugal › Licenciatura em Artes Plásticas, na Espanha, Abril – Maio 2009; (Mar. 2008), p. 54.
Tlm: +(351) 916873883 ESAD – Escola Superior de Arte e Design, Museu Amadeu de Sousa Cardoso, DUARTE, Ricardo – Os verdes anos.
e-mail: andrebanha@gmail.com Caldas da Rainha, 2006. Amarante, Portugal, Junho – Julho 2009. Jornal de Letras, Artes e Ideias. Lisboa,
› Bacharelato em Artes Plásticas, variante › Finisterra, no âmbito do evento Allgarve, 6 – 12 (Dez. 2006), pp. 8-9.
Actualmente é representado Pintura, na ESAD.cr, 2003 Convento do Espírito Santo, Loulé, 2008 JORGE, João Miguel Fernandes – A leitora
pela VPF – Cream Art Gallery, › Curso Tecnológico de Design, na Escola (catálogo). de Richter e um Monge Leitor de Rogier
Lisboa Profissional Bento de Jesus Caraça, Évora, › Fazer falar o desenho, Museu de Arte Van der Weyden. Telhados de Vidro, Lisboa:
1999. Contemporânea – Forte São Tiago, Funchal, Averno, n.º 6 (2006), pp. 171-173.
2007 (catálogo). MARTINS, Celso – De passagem,
Exposições Individuais: › Projecto Fábrica – Import/Export, escultura para habitar e ver com o corpo.
› Desenho, Escultura, Academia das Artes, Antiga fábrica de curtumes, Guimarães, actual, n.º 1841 (9 Fev. 2008), p. 34.
São Miguel, Açores, 2008 (catálogo). 2007 (catálogo). MARTINS, Celso – Cultura emprestada.
› Segurei-te o pôr-do-sol, VPFcream Art, › Coimbra – Aix-en-Provence – Convento actual, n.º 1864 (19 Jul. 2008), p. 32.
Lisboa, 2008. de São Francisco / Galeria Santa Clara, OLIVEIRA, Filipa – Guardar a luz. L+arte,
› O que existe no interior de um ovo? Coimbra, 2007. (Mar. 2008), p.86 .
Galeria Santa Clara, Coimbra, 2008. › Anteciparte, 3.ª Edição, Lisboa, 2006 SYNEK, Manuela – Abrigos de Refúgio
› De dentro…, no espaço 20m3, Galeria (catálogo). e de Protecção. Umbigo, n.º 25 ( Jun. 2008),
Carlos Carvalho – Arte Contemporânea, › Salon, Galeria Violeta – Caldas pp.42-43.
Lisboa, 2007 (catálogo). Contemporary Art, Caldas da Rainha, 2006. VALENTINA, Bárbara – Segurei-te
› Abrigo-me, Galeria Violeta – Caldas › LuzBoa, II Bienal Internacional da Luz, o Pôr do Sol. Time Out, n.º 22
Contemporary Art, Caldas da Rainha, 2006. Lisboa, 2006 (catálogo). (27 Fev. 2008), p. 36.
Biblioteca FCT/UNL
José Moura, director
Ana Alves Pereira, coordenadora
Sílvia Reis, produção

Agradecimento:
Victor Pinto da Fonseca / ARTECAPITAL

Agradecimento especial do artista:


José Moura
Ana Alves Pereira

Calendário:
20 de Setembro Inauguração e debate
André Banha, artista plástico
Mário Caeiro, investigador, curador da exposição
Carlos Lampreia, arquitecto
José Moura, programador, director da Biblioteca

Fotografias:
Página 2: Carlos Lampreia
Restantes: Maria Moser

Design Gráfico:
Luís Silva

Horário:
13 de Setembro a 10 de Novembro
2.ª a 6.ª | 09:00h às 20:00

Acesso:
Metro de Superfície - Estação Universidade
Ligação comboio da Ponte  - Estação Pragal
http://www.fct.unl.pt/candidato/como-chegar-a-fct

Informações:
Anabela Seita  
Divisão de Comunicação e Cultura

Secção de Difusão de Informação, Cultura
Tel.: 21 294 83 28 - ext: 15006
Fax: 21 294 83 29
e-mail: anabela.seita@fct.unl.pt
http://bibliotecaunl.blogspot.com/

12 de Agosto de 2010
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
13 Setembro a 10 Novembro
2010

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