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Uma poiética dos passos aceder a um outro nível da casa… Os dois é aqui tanto a ideia de casa e sua tradução
Mário Caeiro volumes articulados determinam um novo formal como abstracção realizada, mas uma
circuito e uma experiência espacial efémera casa que vem, um frágil sinal de comunidade
que vive de uma nítida tensão com o espaço em construção, heroicamente arrancada
envolvente: o interior é modelado pela luz que ao materialismo funcional para ascender
irrompe, que insiste em furar, passar através das (ou regredir) a uma outra materialidade:
frestas resultantes dos intervalos entre réguas, dialógica (Buber), no seio dessa outra
ripas de madeira; fissuras que ora escondem instrumentalidade da arte contemporânea
o interior, ora permitem a sua iluminação e que consiste no facto de o seu poder residir
ao observador percorrer o interior – controlo em grande medida no debate intelectual
da luminosidade interior – mas que também e na experiência emocional que
consagram a comunhão com o exterior, com convocam, imponderável e porventura
a absorção e controlo da invasão da luz. desregradamente, para além do
confinamento objectual característico
Após seguirmos os devaneios de habitar A intervenção de André Banha na área Raramente um artista é tão compacto, da mentalidade burguesa.
esses lugares inabitáveis, voltamos a imagens de exposições da Biblioteca da FCT-UNL sincrético e eloquente na radicação das suas Nas suas leituras, Banha deixa-nos um mote
que exigem, para que as vivamos, que no Campus de Caparica parte, como sempre formas enquanto discurso sobre o efémero para esta desconcertante habitabilidade
nos façamos pequenos como ocorre nos ninhos nos trabalhos deste artista, da reflexão sobre do tempo. As construções de Banha são dos seus espaços, de uma espécie de
e nas conchas. Com efeito, não encontramos a observação in loco do trânsito como que constructos que, na sua discrição arquitectura que desenha o espaço como
nas próprias casas redutos e cantos onde e dos circuitos que os utentes executam: formal – e no minimalismo dos seus acontecimento, numa mínima moralia
gostamos de nos encolher? Encolher-se Logo de início, tive a vontade, a intenção, efeitos – se impõem como tão claros quanto de um fazer-ser-construir arcaico, que evita
pertence à fenomenologia do verbo habitar. de intervir neste circuito interno do edifício, ‘polidos’ convites à experimentação imersiva a atracção da funcionalidade abstracta:
Só habita com intensidade aquele que soube detentor de uma espécie de corrente própria do espaço – a matéria arquitectónica Embora exista pouco a descrever em uma
se encolher. e única só desse lugar, só possível pela sua por excelência. Por detrás dessa aparente casa pobre, austera, a sua primitividade,
Gaston Bachelard in Poética do Espaço arquitectura – e difícil de repetir em outro delicadeza, que a singeleza do material ela encerra uma primitividade que pertence
qualquer espaço de igual forma – pela sugere (sobretudo no contraste que a todos nós, é do ser humano […] Existe para
rotina característica, impressa, intrínseca, estabelece com as arquitecturas modernistas cada um de nós uma casa onírica, uma casa
inerente. Percebi, então, que queria interferir, como é o caso da da Biblioteca) esconde-se de lembrança-sonho.
interceptando, alterando essa rotina, criando porém uma retórica específica que é tudo Gaston Bachelard in Poética do Espaço
uma outra alternativa. menos decorativa (no sentido de fútil):
ao ethos do tempo e do esforço de construção
A reflexão resultou, ao nível da plasticidade e do rigor de composição (vejam-se
arquitectónica, na criação de dois módulos os estudos prévios da peça, em 3D, alia-se
em forma de paralelepípedos um jogo do vazio que nos mergulha numa
de diferentes dimensões, em que um deles emergente emoção contraditória,
parece repousar, tombado, sobre o outro. pré-linguística, infantil, em suspenso.
O inclinado esconde no seu interior uma Entre acção total (Beuys, o Happening)
escada, a qual possibilita ao espectador e acontecimento (Lefèbvre), uma casa não
andré banha
a casa das duas portas
Construir, Habitar, Pensar existirão florestas.... e, nessas florestas, estivesse enclausurado no tempo suspenso.
Filipa Oliveira árvores...” de 2008, instalada no Convento A economia da construção, ao limitar
do Espírito Santo em Loulé. a distracção, permite ainda a convocação
A instalação realizada para a Biblioteca da mais imediata da memória e da imaginação.
FCT/UN no Campus de Caparica segue A penumbra que impregna o espaço,
a linha da série de trabalhos intitulados rasgado apenas pelos raios de luz que
“Abrigo-me” que tem vindo a desenvolver entram pelas frestas das tábuas, contribui
desde 2005. A estrutura basilar destas obras, também para transformar este espaço
construídas pela própria mão do próprio numa casa de sonhos e de recordações
artista, assenta na conjunção de módulos (despoletadas ainda pela forma, pelo peso,
geométricos de dimensões diferentes que pelo cheiro ou substância do material em
interagem entre si de diferentes maneiras que é construído, pelo confronto com o
e que normalmente se encontram vazio, ou simplesmente pelo movimento
interligados. Se por um lado, a construção do percorrer da instalação). Apesar da
Poeticamente o homem habita Em 1954, Martin Heidegger escreveu criada por Banha permite que o espectador importância da fisicalidade e materialidade
Hölderlin “Bauen, Wohnen, Denken”. Neste famoso atravesse o espaço por um novo trajecto, por da estrutura, este é um lugar que se constitui
ensaio, o filósofo alemão examina outro, e na maioria dos casos, oferece fundamentalmente enquanto espaço mental,
o significado da existência do ser através a possibilidade de uma nova perspectiva do activado pela experiência corpórea do
do acto de construir e dos espaços erigidos espaço através do acesso a uma plataforma espectador que se inicia quando entra numa
resultantes. Tanto o edificar como o habitar mais elevada. Em ambos os casos trata-se das portas e sai na outra.
fazem parte da estrutura primária das de uma proposta de redescoberta do espaço Esta capacidade de transportar o espectador
nossas vidas. E por esse motivo, quando onde intervém. para fora do seu contexto e, de certa
nos deparamos com a construção de uma A estrutura em si é de uma simplicidade maneira, o desorientar espacialmente,
estrutura rectangular, aquilo que vemos quase árida. Apenas é feita de faixas de é estabelecida pela forte dicotomia entre
imediatamente é um habitáculo. pinho que são justapostas umas ao lado das o exterior e o interior: ruído vs. silêncio;
A intimidade entre as três dimensões da outras (no espaço entre as quais pequenas comoção vs. calma; público vs. privado;
arquitectura – o pensar, o construir fendas se abrem). O interior de cada módulo claridade e amplitude vs. escuro e clausura.
e o habitar (não necessariamente nesta assemelha-se a um pequeno quarto. “A casa das duas portas” é uma construção
ordem) – constituem-se como parte A secura da construção relaciona-se com dentro de outra construção. O interior do
intrínseca do trabalho de André Banha. a necessidade da concentração do olhar. interior. Quase como se de um coração se
A sua obra centra-se num re-pensar e num No meio da complexidade, da confusão e do tratasse. Ao mesmo tempo, não chega a ser
(re)questionar das arquitecturas onde escolhe barulho, as casas ou abrigos de André Banha nada de concreto, é um não-lugar sem uma
intervir. Por vezes, essa interpelação é obrigam a um momento de paragem. função clara. Com a simplicidade da sua
directa – como na escultura “De Dentro A visão é encurtada pelas especificidades do edificação, Banha apela a uma concentração
...#1” instalada na Galeria Carlos Carvalho espaço induzindo todos os outros sentidos no significado da poética do habitar.
(2007) ou “De Dentro... #2” realizada no a estarem em alerta. E esta é exactamente
CENTA em Vila Velha de Ródão em 2008 uma arquitectura para ser sentida, sentida
– outras vezes subliminar – como “Um dia para lá do tempo. É como se o espaço Setembro de 2010
andré banha
a casa das duas portas
Julho de 2010
Agradecimento:
Victor Pinto da Fonseca / ARTECAPITAL
Calendário:
20 de Setembro Inauguração e debate
André Banha, artista plástico
Mário Caeiro, investigador, curador da exposição
Carlos Lampreia, arquitecto
José Moura, programador, director da Biblioteca
Fotografias:
Página 2: Carlos Lampreia
Restantes: Maria Moser
Design Gráfico:
Luís Silva
Horário:
13 de Setembro a 10 de Novembro
2.ª a 6.ª | 09:00h às 20:00
Acesso:
Metro de Superfície - Estação Universidade
Ligação comboio da Ponte - Estação Pragal
http://www.fct.unl.pt/candidato/como-chegar-a-fct
Informações:
Anabela Seita
Divisão de Comunicação e Cultura
Secção de Difusão de Informação, Cultura
Tel.: 21 294 83 28 - ext: 15006
Fax: 21 294 83 29
e-mail: anabela.seita@fct.unl.pt
http://bibliotecaunl.blogspot.com/
12 de Agosto de 2010
FACULDADE DE CIÊNCIAS E TECNOLOGIA
13 Setembro a 10 Novembro
2010