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LUIZ RUFFATO 28 66 rserco de 2007 Luiz Ruffato (Cataguases, MG, 1961). Ficcionista, poeta eer le 2003, Sua estreia romance Eles eram nio Machado . saudado pela Jelice (2005, Pri (2005, Prémio APCA), Vista pa dda noite (2006, Prémi . impossbil Argentina, Col ‘México, Alemanha, Cul Estados Unidos. Destaca-se a organizador de A SUBVERSAO NARRATIVA Eu venho de uma fa colénia de italianos chamada Rodeiro, meu pai ¢ filho de portu- gueses, de uma cidade chamada Guidoval. Logo que se casaram, na década de 50, cles migraram para Cataguases, cidade da Zona da ‘Mata mineira que jé tinha forte vocago industrial desde o inicio do século 20, especialmente na produgao de tecidos. Agricultores sem terra, eles safram da roga em busca de vida melhor. O sonho deles era dar aos filhos uma profissao e uma esperanga. Minha mie, lavadeira, analfabeta, lavou muita trouxa de roupa, tenho essa lembranga forte na meméria. Meu pai era pipoqueiro. Eles deram duro ¢ eu acabei ‘me formando em tornearia mecinica pelo SENAI. Eu nao sei se para alegria ou tristeza deles, acabei migrando para outros Ingares e outros afazeres, mas, enfim, cumpri o sonho deles. Tornei-me um operiio especializado. lia de migrantes. Minha mie é de uma Vida de trabalho Desde pequeno eu ajudei no orgamento doméstico, fiz muita coisa vida enguanto estive em Cataguases. Ja vendi cachaga, torresmo ¢ igarro em balcio de bar. Menino ainda, eu atendia os tipos que fre- ‘entavam o botequim — prostitutas, operatios, ambulantes. Trabalhei armarinho da cidade, vendia coisas como agulha, linha, botdes... Depois, adolescente, trabalhei numa fibrica de algodio hidrofilo. De na labuta, & noite eu estudava. Aos 17 anos, fti para Juiz de Fora trabalhar como torneiro mecénico em uma oficina. Como eu pretendia continuar os estudos, entrar na universidade, precisei fazer 8 is eu me incluia, qua udavam, Citudavam em escolas semiparticulares que integravam a Campanhs Nacional de Escolas de Comunidade. Até o prédio da escola era en. prestado, tudo era n m, entio eu tinha obrigagio de estudar muito se uisesse passar no vestibular. E nao poderia errarna escolha! Eu tinha de acertar de primeira. Eu imaginava que comunicagdo ~ olha 4 ignorincia ~ tinha tudo a ver com tornearia mecinica, por causa de telecomunicagao, aquelas coisas todas. Por iso escolhi comunicagio, 'Naquele vestibular, eu passei em primeiro lugar. Carreira na imprensa Eu ndo tinha quem me sustentasse nem nos primeiros dias de faculdade, por isso tive logo de trabalhar. Como eu descobri cede gue comunicagio nio tinha nada a ver com tornearia mecnica, entendi que precisava imediatamente entrar no mundo dos jornais Eu tinha de ser jornalista, ora. E foi o que aconteceu. Acho que haquele momento, qualquer coisa que cu fosse fazer ou ia ter que fazer, porque afinal de contas eu no tinha muita opgio. Entio para ‘mim 0 jornalismo nem foi uma opeio consciente, foi algo que eu me defrontei. Como cu sempre fiti muito obstinado, fiz o melhor possvel, Em 1981 eu estava graduado em Comunicagio Social pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Ac longo dos anos 80, trabalhei como repérter, redator ¢ edi- for em jornais de Juiz de Fora e Alfenas. Acompanhava os debates Politicos ¢ literérios, tentavatirar 0 atraso de tanto tempo vivendo em tm mundo meio que 3 parte. No comeco dos anos 90, chegtiei a desistir da profissio, fui gerente de lanchonete, fiz outras pequenas coisas. Finalmente, decidi mudar de vez para S4o Paulo e tentar 2 sorte na imprensa, afinal eu tinha estudado pra isto. Posso dizer que fiz uma carreira relativamente boa no jomnalismo. Quando deine Profissio, 13 anos depois, eu era secretirio de redacio do Jornal da Tarde, entio umn dos mais importantes do pais. Cheguei, portanto, ae segundo cargo de importancia na hierarquia daquele periddico ue fez historia no Brasil. Mas a decisio estava tomada, eu optara pela literatura. 14] oFIcI0 04 paLaven ta da literatura ; Se rRRtY ea Jo com 0 jornalismo foi ditada pelo acaso. Jé com aso tem a sua responsabilidade mais no comego storia, Teve um encontro que deflagrou todo 0 resto. Foi em domingo, meu pai vendia pipocas na praga, 0 eee ee we intenso apés a missa. Meu pai fizia as pipocas, minha ma a o saquinho e eu dava o troco. Estivamos naquela fungio “Nossal Que menino bacana! Um menino deste eae ”. E perguntou: “Onde esse menino estuda?”. ja trabalhando! respondeu Eade, que era um colégio horrivel. O tal senhor con uu: “Por que ele ndo estuda no colégio Cataguases, que é um colegio 6timo?”. Meu pai: “Porque nunca tem vaga 14”, O sujeito rrematou: “Imagina, © senhor me procura que ett vou arrumar a vaga pra esse menino”. Ele deixou 0 enderego e foi embers a {que ele no conhecia 0 meu pai. Na segunda-feira de manhi Sai pai estava Ié na sala dele. “Vocé falou que vai arrumar vaga p: Ke ‘meu filho...”. © homem deve ter se assustado com meu pai, ma é a vaga para mim. P Ne tne depuins of bl eendar nen’ coli Catazunes quando cheguei lé, eu me senti completamente oreo = a da periferia, aquelas pessoas eram de classe a ebro aque andava, nos intervalos de aula, encostado nas paredes, porq) io me sentia nem um pouco bem. Uma dessas vezes acontecet 0 inustado, Eu estava, como de habito, me movendo pelas paredes quando, de repente, caio dentro de uma sala ~ era a biblioteca. literalmente dentro da biblioteca. Eu ainda estava me crgvendo quando, subitamente, me vi diante da bibliotecéria, bem feo frence: “Vocé quer um livro?”. Eu estava assustado, fiquei oe paraa cara dela. “Toma esse livro”, ela disse, ¢ entregou um. ae 7 “vocé me devolve semana que vem”. Eu peguei sii, : ise rao e fui embora. Nao tive coragem de falar para ela Gis aac Gin open Cana eu daha re mt mp cs em casa, eu fui Jé-o, E quando eu lio livro fiquei mal. Eu see acho que a literattira modifica o mundo porque a core EAD fica as pessoas. Eu tive febre, fiquei muito mal mesmo, e . iz nureato [15 sei por q gas-d"igua a biblioteciria me colocou esse livro nas Mos. Era 0 livro Bébi Jar, do russo Anatoly Kuznetsov, que contava a histéria de um massacre de judeus em Odessa, na Segunda Guerra ‘Mundial. Aquilo nfo tinha absolutamente nada a ver com a minha ealidade em Cataguases, uma cidade até entio pacata, sem assassinatos ou crimes violentos. Aquele livro, de um autor que eu nio conseguia sequer pronunciar o nome, era de extrema violéncia. A leitura me apresentava a algo diferente de tudo o que eu sabia até entio. O que aconteceu, afinal? Eu percebi que o mundo que eu conhecia, o mundo da minha cidade, era muito pequeno. Existiam lugares diferentes de Cataguases, climas diferentes, pessoas falando diferente — ¢ existia, inclusive, gente se matando em outros lugares. Eu acho que nesse momento eu descubro a minha pequenez, Ai cu descubro a literatura. Formas de ler Nagquela época, cu percebi claramente que deveria me infor- mar melhor do mundo em que eu vivia. Eu nio tinka dinheiro ara comprar livros ¢ nem havia livraria em Cataguases, apenas um Jornaleiro italiano, o senhor Leone, que, entre outras coisas, vendia livros da Edigdes de Ouro, Eram livros bem pequenos, tio antigos, qne ficavam todos com as lombadas cheias de cocé de mosquito, Porque ninguém os comprava. E ele nio deixava a gente sequer egar no livro. Eu tive de buscar outras maneiras de ler: jornal que embrulhava verdura, bula de remédio, aqueles comunicados de fa~ Iecimento comuns no interior € mais o que estivesse 3 mo. Foi um perfodo de leitura precétia Eu sé vim a descobrir a literatura de verdade quando eu fui para Juiz de Fora estudar. Eu devo issa a dnas pessoas, que na época eam mais do que professoras, eram minhas amigas: Hilda Cursio e Imacu- Jada Reis, que me alertaram para a necessidade de prestar mais aten0 na leitura e na literatura, E nesse momento acho que eu comecei a me despertar também para a possibilidade de um dia, talvez, vira escrever. © Brasil na mira Juiz de Fora foi também a descoberta da politica. Até entio, minha ignorincia era de tal tamanho que eu nem sabia da existéncia 16| OFIcIo DA paLaven modo perguntava: 0 que «do? Foi s6 nesse momento que eu entendi que estivamos 1¢ duro, de excegio. Por volta de 1979, eu comecei a ler cuidado, a me entrosar com pessoas que faziam poesia, Era emo da “poesia marginal’, da poesia alternative en seni o guto xe cu estava de uma formagio adequada. Decidi que iria cuidar eu \esino da minha formagio, sozinho. Eu comecei a ler muito, a es ramar para aprender, Como eu disse, sou muito obstinado. Eu \e preparei durante muitos anos, para quem sabe, um dia, virar um tor Pasei de 1979 a 1986 lendo,acredito que eu nio tenha escrito pt ‘mas lendo muito, tentando entender um monte ‘0 que era o Brasil, como vocé se nada nessa época, sas relativas a0 mew proceso. res sia o Brasil na literatura, quem eram aliancacgenre = lis pe ci isa fantastica: o marginal, o bandido, Bu descobri uma coisa fantistic: gi anid, eve xresentado na literatur yersonagem esti muito bem repres n 2 oi nos momentos; voc’ tem o camponés também muito ies esentado; 0 aristocrata idem; também estio bem representados .c média, o pequeno burguiés, o burgués... Mas, inert . urbano. Nés podemos contar nos dedos, é nio tem 0 operirio ; uma mio, quantos romances ov quantos escritores rhalhrannconvafiguts do opti wisano no Bras F quand cor iso eu level um sust, “Se algum dia eu quiser ser escrito ero trabalhar exatamente com isso”, foi o que eu pensei. ego esse universo, esti entranhado em mim, Eu morava numa ‘meu ambiente de trabalho era a industria, fui ope- 0 a minha vida inteira eu convivi ririo téxtil, fi tornciro mecinico, n ea ‘ imaginario dessa transformagio de um pafs rural para um ‘pano, morando inclusive nas franjas desses lugares, porque na verdade Sio Paulo ¢ Rio de Janeiro sempre se abasteceram da i tue vem de outros lugares. A minha cidade sempre foi polo i raga industrial, nés tinhamos uma escola do SENAI muito as turmas se formavam e partiam em busca dos grandes ces ia até em Sio Paulo uma col6nia de cataguasenses no a anga. Entio, quando eu decidi escrever, eu quis escrever sobr ratio, sobre a formagio do Brasil. turz rurraro |17 Violéncia secular O projeto tem exatamente esse sentido. A questio da violencia, em nosso pais, é tratada de uma maneira absolutamente irresponsivel, como se fosse algo que tivesse nasci- do ontem no Brasil. © Brasil, na verdade, nasce com violéncia. O pais comeca com os colonizadores chegando aqui e dizimando os indios, depois temos os afticanos capturados para trabalhar 3 forca na lavoura, com extrema violencia. Fala-se em democracia racial a partir da figura do mulato, mas nos esquecemos de que o mulato no Brasil é fruto do estupro das mulheres negras pelos brancos. A violéncia sempre esteve entre nés. Nos cinco volumes de © Infema Provisério eu tento entender um pouco, a partir do ponto de vista do proletariado brasileiro, como é que nés chegamos ao ponto onde nds estamos, Partindo de uma pergunta ou uma provocagio de um verso do Caetano Veloso que diz: “Nesse pais o que est em construcio Ja é ruina’’ Esta é talvez a melhor sintese do Brasil. Ns somos um pais em construcdo € ao mesmo tempo nds ji somos puder trabalhar tendo € discutir isso com am ferno Provis6rii as. Se eu 10 como parimetro, se en puder descrever a literacura, eu ja me dou por satisfeito. Livros em ruinas Ao entender que nio havia a figura do operario urbano na lite- ratura brasileira, eu percebi um espaco onde eu poderia me colocat ¢ contribuir, Se havia um espa 0 a ser ocupado, deveria haver também tuma forma literéria de executar esse projeto que nio fosse também convencional ou repetidora de férmulas, Seria uma grande contra~ digéo da minha parte Se eu tomasse, como forma do meu romance, a forma do romance burgués. O romance — nfo fago aqui nenhuma revelagio — nasce da necessidade de expressio de uma classe social em um determinado momento do século 12, a sua génese traz uma forte carga ideolégica. Eu achava que, ao usar a forma do romance tal como nés a conhecemos, eu estaria traindo 0 meu projeto na sua origem. © que fazer, entio? Eu nio consigo inventar nada, sei Anferno Povssrio & compost dos romances Manna, son tanto fle 2008), 0 2185), Visa paral da noite (2006), O loro das impesibilidades (2008) ) 1B | oFIci0 DA pataven nce que é um deboche ce. Mas nao precisamos ir tio convencional do ror ido A vida e as opinides do cavatheiro Tristram Shandy. Neste livro oso de mais de 800 paginas, 0 autor usa ¢ abusa de recursos cos ¢ narrativos pouco comuns. £ um romance que desconstr6it sro, Em outro livro, chamado Viagem sentimental pela Franca € ‘mesmo autor inicia a obra com um siege ¢ aeomin de ce, sem qualquer explicago, & uma narrativa bem incomum. ve cheyssoquer’ i, ele pra ma Fraga! O sujet quebrou regras narrativas no século 18! a Bu peteebi que ese tipo de desconstugio era uma mania de subverter nao s6 a forma do romance, mas também de desconstruy prio discurso do que eu queria. A partir dai, eu me impus a inte questio: 0 que seria escrever a historia do ponto de vista proletariado? O proletariado como uma classe social que no tem vor, nfo tem imagem, nfo tem rosto © que, pertanto, no tem nen roprio discus. Fu peguel 2 auséncia do dscurso— ou discatio ruinas ~e fai escrever os meus livros em ruinas. Eleseram mutt 1s @ um romance em que o discurso ¢ a propria estrutura so 1m romance, mas nao é. E como se fosse uma etc contaia, mas tomada pelos aces de dogs fe que nfo serve para mais nada em torno da educagio, a serventia dlela € outra, Como eu tenho para mim que a figura do escritor no tema menor importincia, o que importa é o trabalho, & 0 livro que ta desse esforco, entio eu nio tenho nenhuma sacralidade em lacio ao texto. O texto para mim deve ser uma espécie de Tigacdo Go, seria como um espelho. re dade ¢ a sua representagio, se Sao ypromisso com © cseritor sera um mero mediador. O meu compromis 4 literatura € um compromisso com a precariedade do rao 1 precariedade do texto, a precariedade do mundo em que vi Laurence Sterne ( anglicano islndés, detxou una Laurence Sterne (1713-1768), escritor ¢ cléigo angh as dco ui nae urproende pela qucbra de convengoes narratives, Machalo de reconheceu como uma de suas inluéacias turz nugeato | 19 40 dessa realidade. Eu no conseguiria representar a re ‘i ue eu vivo, sol 6 i , que & absolutamenteca6tiea, precira earruinada, de uma maneira organizada, sedimentada, bem construida. Exercicio do poder seam? ae Sempre me intrgow no Brasil € a relagSo muito es- ranha que se estabelece entre as correntes politicas dominant rio importa se de direita ou esquerda, com o que les chamam de povo. O pensamento corrente € 0 seguimte: se em wma determinada comunidade as pessoas gostam de funk, entio nés vamos evar fank ie Eu sempre ache sso de uma imbecilidade completa, porque a i tem fank, por que nao levar até ela outta coisa, sae sica popular, para que as pessoas possam ter opci0? que ew ache funk raim ou bom, nio é isso, mas é uma questi de oferecer alternativas para escolha. ; qo sea eee Danilo Ris tem uma frase que se aplica bem a esta releo: quem 1 um vo usc ignorinia quem I vros vos buss sibedora, Part mim 6 claro ese sentido, quam ipo bilddes oe feces pens, mai elas podem buscar essa sabedoria, Quando eu digo que tentodesrever mundo do ponto a do proletariado, muita gente reage questionando a linguagem gue eu ado: “imaging, voc & um eseitor diel, no tem nada a ver, vor tnha gue eicrver mas fel’ Iso € uma visio fascist a Tinguagem, € a vio da linguagem como poder: Exa posicio me re ait outro um poke ele entio imbecil, ee s6 ai conseguir ler um téxto ordenado de forma bisica, verbo, predicado, nada além disso Eu ioe ee 7 a ae Bu penso que o mundo ideal, o'mundo que eu quere, ¢ mundo em que as pessoas tenhai condigdes de ler qualquer coisa. Eu fe sss experiéncias inGimers vezes, Faso questo de entrar a ivros para pessoas que nio sio do mundo académico, pessoas até sem muita instrugio, ¢ elas entendem! Primeito, elas nio entram "Dam is (935-195 ls orga hep anc a0 Pi 1989, ano em que vis flcer No Bra us ohm mas conheldaJashe as, publicada pela Companhia das Letras em 1986, biel etl 20| oFICI0 oA paLavan é abertura nto, Se eu fago um livro em que ide favela, usando linguagem absolutamente pobre ¢ falando de violencia de uma maneira absolutamente pobre, que graca tem? Qual ‘9 sentido de reforgar, com a minha literatura, um pretenso papel de inferioridade do outro? Eu prefiro retratar 0 mundo, as coisas 1s que eu vejo, nZo da maneira que as pessoas gostariam que eu mas da maneira que en gostaria que clas percebessem. Essa forma narrativa também é uma estratégia de poder? Sim. Claro que 6, Mas ev acho muito mais saudivel, muito mais salutar, do que esse rebaixamento fascista da linguagem, seja no cinema, seja nas artes plistias, seja na literatura O trabalho (me) move ‘A figura glamourizada do escritor € uma invengdo da elite, A bunguesia diz o seguinte: esse rapaz é um doido, é um escritor, entio io temos que nos preocupar com 0 discurso dele. Ou seja, voce ddeslegitima 0 discurso do escritor porque ele é um cara malucio, ‘vive nos bares bebendo, é um cara que mexe com droga etc... ssa € ‘magem que interessa a quem quer que nada mude, Uma boa parte dos meus colegas de oficio reforga intencionalmente essa imagem do escritor como uma pessoa diferente, como alguém que tem um ‘contato com alguma coisa que vocé nao tem. Por que, afinal? Por 1m lado, essa posigio te da um poder sobre o outro, por voce ser diferente, nio ser igual. E por outro lado, sem que esse autor saiba, cle esti atendendo os interesses de quem no quer que mude abso- jutamente nada. Entio, para mim, sempre foi muito importante eu saber que 0 met trabalho é absolutamente igual a qualquer outro, tao bom ou ruim quanto qualquer um. Eu simplesmente sento € escrevo. Eu trabalho, todos os dias, de sete da manhi até meio-dia, meio-dia ‘e meia. A tarde eu nio tenho um horirio fixo, posso ler, resolver problemas da casa, voltar a escrever, enfim, fico mais livre, Mas de fete a0 meio dia ¢ meia, eu trabalho rigorosamente, E as pessoas falam assim: “Como assim? Voe@ fica fazendo experiéncia?”. Nio eu sento ¢ trabalho. Da uma dor nas costas danada, horas. £ um trabalho é experiéncia, porque vocé tem que ficar sentado durante ura nuEearo |21 eee vezes vo n as vistas, Bu us iio pode estar co m los porque eu tenho que fi aquele negécio iluminando a minh: — dave 2c lo a minha cara todos os dias, Nao tem eouhien oa experiéncia, € trabalho. Agora, para isso eu tenho Tenn ke ei exatamente aonde quero chegae. Sea minha i bresta ou nao presta, no me interessa saber, nio é 1 mave. O que me move € 0 meu trabalho. Sea Oescritor atuante Além da produgio literitia propria, Jjetos de atuagtio na sociedade. Ji que eu n em nenhuma ONG, nao tenho esse lado © meu trabalho como intelectual — -€4 tenho vitios outros pro- io sou politico, nio trabalho assistencialista, eu acho que C to importante ceca quanto qualqu = = fm permite aeuar einervima sociedad, dente daquilo 2 . E 0 caso do meu envolvimento e anole chamads Bt icy foe Eaquesio dahumroenclns através do tempo. A antologia cor de Assn fa " omega com Machado de Assis, 7 Seale 19, e chega ao comego do século 21, com a cata imone Campos, do Ri , aCe do Rio de Janeiro, passando por virios autores como = ado, Robe Fonseca, Lygia Fagundes Telles. O q ‘0m i850? Eu quero provocar uma discuss edad sobre c ar uma discussio na sociedade sobre : ae da homossexualidade, € uma grande hipocrisia sch = porque accitamos a Parada Gay, a questi evualidade ea ya questo da homossexual 4 een nasociedade. O brago armada da socerade eer ernie, Continua matando e reprimindlo pessoas por causa da op3o cae = legislagio é retrégrada, & refém do pior conservadorienn, lcbatida sio os direitos individuais, E uma que panies baie soo i esto de resguardar os os a : Pes 's que vivem juntas, independentemente i. sexo ou ‘ue seja, da mesma maneira. © meu papel de intelectual € intervir na sociedade, influir no debate, ‘menina chamada Ameméria do corpo Eu sou absolutamente incapaz de escrever sol Igo que ni screver sobre al nio nha me tocado fiscamente. E uma questio corporal, mama, A |. mesmo, ‘minha meméria afetiva esté muito ligada a coisas que ficarsm regis- ‘radas no corpo: as cicatrizes do meu corpo, as nédoas do met corpo, s Z| OF ICI On paLaven rt fetiva. Por isso © oficio do escritor é interessante no sentido de ele ser um media~ dor, Como alguém pode ser mediador de algo que ele no se deixa tocar | a mediagio se dé entre esse toque que eu recebo © toque que eu passo para frente, A meméria afetiva, a meméria social, para mim elas estio absolutamente misturadas no sentido do corpo fisico. Na questio do romance, na construcio da subjetivi- a minha pergunta é a seguinte: como construir subjetividades higje se sequer podemos falar sobre sexo, no sentido de masculino f ? No mundo em que © masculino ¢ o feminino estio em questio, a propria subjetividade € questionada, A subjetividade do ponto de vista burgués é muito clara, ela é compartimentada. A des- construgdo do romance serve também para a propria desconstrucio subjetividade, no momento em que esta também est em ruina, Sao coisas em que eu acredito hoje, talvez amanha eu pense de tra forma, Sio verdades, digamos assim, provisérias. E a minha verdade provis6ria hoje em rela¢io 4 construgio do romance € essa As ligbes do jornalismo ‘© jomalismo me ajudou em duas ou trés coisas. A primeira delas, a disciplina, Se eu no tivesse passado pelo jornalismo talver eu tivesse uma dificuldade maior de desenvolver 0 meu trabalho. Com 0 jor- nalismo eu aprendi que eu no tenho que ter temperatura, espago ou condigées ideais, eu tenho que trabalhar. Imagina se 0 repérter chega para o chefe e diz: “puxa, nio vai dar pra escrever a matéria, estou sem inspiragao”. Ele seria demitido imediatamente. Vocé tem que chegar € trabalhar, é 0 seu oficio, é onde vocé tira 0 seu ganha-pio, e acabou. Por isso milo existe essa historia de inspiragao, 0 que existe € trabalho. ‘A segunda coisa que 0 jornalismo me mostrou & 0 que eu iio deveria fazer na literatura. Ou seja, eu nio devia usar linguagem de jornalismo, eu no devia descrever as coisas que o jornalismo descre- ‘ve, eu nio devia ter 0 olhar que o jornalista tem. O jornalismo foi interessante também como ponto de partida para a desconstrucio da linguagem. A linguagem do jornalismo tem que ser uma linguagem mais digerivel para o leitor, a partir de um olhar pretensamente ob- jetivo, que a gente bem sabe que no é verdade, Mas que se propoe ser, Jo olhar do escritor é absolutamente subjetivo, ea desconstrugio Luiz rueraro |23 ‘curso parte disso. A minha literatura comeca exatamente onde ‘na 0 jornalismo. Quer dizer, aonde o jornalista vai, e olha, ¢ « uma determinada situagao e descreve aquilo, ai comega a mi- fcratura, porque eu quero ver o que tem por tris daquilo ali O que faco, afinal? Eu nio sei muito bem como encaixar os meus livos. A comecar Pela definigio do género, se € romance ou conto, para mim é umm Pouco difusa. O meu primeiro livro, Histrias de remorsos e rancores foi Publicado como contos, mas eu o considero um romance. O livre Seguinte, Os sobreviventes, passou pela mesma “crise” de identidade, cu nunca 0 considerei sendo um conjunto de contos. Eram hist Bas, de certa forma, continuidade do primeiro livro. © fato é que 2 editora me disse que livros de contos no vendem bem, tinhamos ai um problema. © que eu fiz foi transformar os meus contos num Srande romance. Foi quando eu desenvolvi a saga de Inferno Prov. ssrio~ teansformei todas aquelas hist6rias ou contos em romances Mas hd também uma linha ténue que separa a prépria literatura dle outros géneros, como o ensaio. A verdade & que eu faco coisas gue nao sio muito encaixiveis numa definigio prévia Eu tento trazer para dentro da literatura coisas que normalmente nio sio da literatura, Como as artes phisticas, por exemplo, Eu vejo #0 no emprego que faso do recurso das colagens. Também procuro trazer a linguagem do teatro, assim como a do cinema, Fundamental & a linguagem da poesia, principalmente pela questio do ritmo. A 'ieratura para mim precisa ter ritmo. Eu nio consigo ler coisas que nao tenham ritmo, tenho uma dificuldade muito grande com aqueles textos que chamo de paracardiacos, vocé comega a ler e para, comera « para, Nao importa o tipo de pontuagio usado pelo escritor, © texto precisa preservar o ritmo, A questio do ensaio para mim se apresenta na propria forma «et! us0 na minha fic¢lo, que é uma discussio ensaistica. A mancira "u exergo a minha ficgio é reflexiva, to do género, Eno pois ela traz em sio proprio fomento que eu questiono o ga nsaio também, Entdo, para hado de Assis, Peli Poa falam em Machado de Assis como o grande itor a Eu no acho 0 Machado o grande escritor brasileiro, eu a Mado de sso eneesrortnne, Tambo a itor classico, no sentido de um escritor fechado em si: _—. ae slucionat “ itor brasileiro, simplesmente isso. Da sua fase ‘mais revolucionario escrit i sae Disa madura, ele s6 tem um romance que voce pode — we aon ¢ ros N4o séo romances ser que 6 0 Dom Casmuro, 0s outros livros nio s 0 cide rasicional Ele ficou tempo invciro brincando com sso, co con ea we - © proprio género romance, mas ele é um autor chama ee iss 0. De certa forma, é mais cémodo classifici-lo como um at ., imexivel, indiscutivel, e deixa ele lé, ponto. tras linguagens ; inh oes ge de ums lngagens come ote cine ne meto com eles, Em 2003, por exemplo, eu havia sca ie ve nal quando fai procurado pelo Luiz Fernando Cara ho, ditor ae {oc saa comes orto Quadra’ na Reve Go He ne convidou para trabalhar como roteirista. Eu estive 6 ie corr 1os durante horas, recebi uma excelente proposta de =e PS determinado momento, eu disse a eles que: iria para 0 ae a uma resposta no dia seguinte. Mas ew sai dei coma. — ares que eu no queria. E no outro dia, fei: no ape. No mint 7 Asin ono no itera feet Nao eo naa om pel ni cho gus wma co apaixonant, x eso oes ing rent, que exigem outros tipos de relacionamento com elas. A capi - tooo complicadfssima, Além disso, eu tenho a ficuldade imensa de trabalhar com outras pessoas. Eu sou uma pesos thatsima, perfeccionisa, Bu ndo conseguira teabalhar em sro, nese juer dizer, na carpintaria do teatro voce tem que trabalh : ais [No cinema entio iso é muito pior, porque voce fiz um oy ada pessoas vdo mexem no roteiro. Para mim no me ro, quinhentas 1 de Aviano Luiz nurraro ‘uma popalagio hoje de 200 milhdes de de h: que tenhamos af 50% de analfal : de pessoas, dos quais 36 10% itantes. Var ae Fancionais, entio sio 100 milhées ee linheiro para comprar livros. Sio 10 nas 10% dest nda so a Rees 10% dest total se ineresar po ivr, tos grandes, Para os cado muito bom. Eu nio vi Pied Sum ivo $6 no vende por guns ‘mente © comportamen ge que 0 escritor brasileiro tem de . ele ia fe ie Publicar ¢ ser reconhecido imediatar te como um géni “nicledele 7 assim: agora eu vou esperar a gléria. Ea glori iu acho que o escritor tem tré : ° és momento: trabalho dele: 0 primeiro, obviamente, quando cle momento mais imp, ; ine "ve, que é ortante; o segundo é ee fato, na produgio inte; © segundo é quando ele se envolve, de € t2o importante quanto o p seu trabalho. Isso dé trabalho. se acha us 08 que evistas em © tempo Iho. Agora eu 8 pergunto: as pessoas eressadas em fazer iss Thar? Nio sei, Eu quero 0” AS Pessoas querem traba No olho do furacso A critica literdria centrada hoj Cd la hoje na acader gente fizendo 6timos trabalhos. ff tante para o desenvolv acompanhando, de fato, o que estd sendo feito na atualidade. Eu cos- tumaya brincar que o slogan da universidade era “autor bom € autor ‘morto”, [gual 4 policia, para quem bandido bom é bandido morto, Era assim, no € mais. Hoje existem intimeros nichos de acompanhamento que esti sendo feito na literatura brasileira, com muita coragem. srque é preciso coragem, acima de tudo, para avaliar 0 que esté sendo feito junto quando esta produgao acontece. Essa atitude da criti certa maneira, esti realimentando a literatura brasileira contemporinea. Compromisso com o meu tempo Eu nio concorro com ninguém, Para mim nio faz a menor di- quinhentos escritores escrevendo melhor, Eu tenho um minho que nao vai mudar, ni trabalhando, Eu nio sei rotular o que faco. Essa dicotomia entre lite- sticas, nfo sio exatamente mo, Mas também nio sei como cl npartimentagdes so ymar, nem, ym © qual ja quiseram me imprimir. A literatura, para ser reconhecida como tal, procura uma linguagem capaz de transcender ‘© tempo, 0 espago, no se prende ao aqui c agora. Se ela se atém 4 denincia social, 0 resultado pode ser 0 esvaziamento da literatura. |quer arte, Nao interessa 0 tem: \égica, literatura fisiologica, ? Na minh 1.0 tempo que eu vivo. O tempo em que eu vivo faz com que sereva esse tipo de literatura que eu escrevo. Em outro momento, esereva outra coisa, mas vivendo nesse tempo eu escrevo dessa zero melhor que eu posso. eeratura animalesca, que iteratura, © compromisso é antes de seja a primeira vez n 26! oFIcio oA Lure nurraro [27

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