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FICÇÃO CIENTÍFICA ›
Em 1985 foi publicado O Conto da Aia, romance de Margaret Atwood que faz parte do
que ela chama de “ficção especulativa”. É uma distopia feminista que se transformou
em série de televisão em 2017. Por casualidade, começou a ir ao ar pouco depois da
chegada de Donald Trump à Casa Branca e à manifestação das mulheres em reação.
Naquele protesto havia uma faixa com o seguinte lema: “Make Margaret Atwood
fiction again” (Façam que Margaret Atwood seja ficção novamente). No romance de
Atwood houve um golpe de Estado nos Estados Unidos que devolveu o país aos
princípios do puritanismo do século XVII. A série faz referências ao presente (Uber,
Estado Islâmico) para que o paralelismo seja mais evidente. É uma sociedade vigiada,
militar e teocrática, mas com uma particularidade: encontrou uma solução para o
problema que o mundo enfrenta, a infertilidade provocada pela poluição ambiental.
Em Gilead (esse é o nome, depois da guerra, dos Estados Unidos), as mulheres férteis
são sequestradas, suas orelhas são grampeadas por um brinco (como se fossem
gado, pois de fato o são) e são vestidas de vermelho. Depois de eficientes sessões de
lavagem cerebral –que, claro, incluem torturas físicas e amputações– são enviadas às
casas designadas para serem estupradas (e fecundadas) pelo chefe da casa uma vez
por mês. A ideia é uma interpretação literal da Bíblia, verdadeira constituição da nova
ordem. A questão que inevitavelmente surge é: como isso pôde acontecer? No
prólogo da reedição do romance, Atwood explica que “sob determinadas
circunstâncias, qualquer coisa pode acontecer em qualquer lugar”.
Perguntada sobre se o Conto da Aia é uma profecia, a escritora canadense diz que é,
em vez disso, uma “antiprofecia: se esse futuro pode ser descrito em detalhes, talvez
não chegue a acontecer. Mas tampouco podemos confiar muito nessa ideia bem-
intencionada”. Nisso Atwood tem razão: no site Electric Literature, Andy Hunter
reuniu algumas das previsões que aparecem em livros de ficção científica (a lista tem
desde engenharia genética, tanques ou energia solar até a bomba atômica e a
espionagem massiva dos Governos) e não é absolutamente reconfortante.
Por outro lado, o esquete de Muchachada nui sobre as previsões fracassadas do filme
De Volta para o Futuro é um bom antídoto. Em parte, a função das distopias é fazer
uma advertência do que o futuro pode trazer: é uma das leituras do romance
Rendición, de Ray Loriga, em que a transparência e limpeza da cidade de vidro que
permanece isolada da guerra são sinais inconfundíveis da ausência de emoções, isto
é, da perda de humanidade. Os romances de Philip K. Dick são, entre outras coisas,
uma advertência sobre para onde a proliferação tecnológica e a inteligência artificial
nos levam.
O auge das distopias não se deve a Trump, mas não deixa passar a oportunidade de
demonstrar o quanto é capaz de criar um cenário apocalíptico. Na verdade, elas
nunca se foram. Embora tenham picos, como em Jogos Vorazes, uma trilogia juvenil
que foi um sucesso literário antes de ser levada ao cinema. O que acontece, de acordo
com Lepore, é que a distopia (e seus leitores) também têm uma classificação
ideológica: durante o primeiro ano da presidência de Obama, A Revolta de Atlas, de
Ayn Rand, vendeu meio milhão de exemplares e no primeiro mês de Trump na Casa
Branca 1984 foi um dos livros mais vendidos na Amazônia.
Para Lepore, a distopia deixou de ser uma ficção de resistência e se tornou uma ficção
de submissão. Seu sucesso responde à incapacidade – em parte resultado da
preguiça e da covardia – de imaginar um futuro melhor e revela um desencanto
também em relação à política: “De esquerda ou de direita, o pessimismo radical de
um distopismo incessante contribuiu para desmantelar o Estado liberal e enfraquecer
o compromisso com o pluralismo político”.
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Aloma Rodríguez é escritora e jornalista. Seu último livro é Los Idiotas Prefieren la Montaña (Xordica)
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