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Revista da SBEnBio - Número 9 - 2016 VI Enebio e VIII Erebio Regional 3

“O MUNDO ANIMAL: QUAL É O ANIMAL MAIS FORTE?” TRABALHANDO


CONCEITOS SUBJETIVOS POR MEIO DA TEMÁTICA ANIMAL

Marcelo Kei Sato (Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências - USP)

Bruno Rafael Santos de Cerqueira (Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de


Ciências - USP)

Ana Luiza Cerqueira das Neves (Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de


Ciências - USP)

RESUMO

Diversos conceitos subjetivos são tratados de forma absoluta e estanque na sociedade atual.
Entretanto, ao se falar de animais, essa subjetividade é valorizada ou enfraquecida? Esse
relato tem como objetivo descrever e refletir acerca da oficina “O Mundo Animal”, oferecida
a crianças de 6 a 10 anos. Os conceitos de perigo, beleza, força e inteligência foram abordados
por meio de materiais biológicos vivos e/ou fixados, modelos, mídias audiovisuais e
dinâmicas. Sendo a temática animal algo presente no cotidiano diretamente (animais urbanos,
de estimação) e indiretamente (nos filmes, músicas, livros, contos, documentários), ela se
mostrou uma valiosa ponte de diálogo com as crianças.

Palavras-chaves: Temas transversais; projetores precários; manipulação de animais vivos.

APRESENTAÇÃO

Com o advento da globalização e da propaganda, diversos conceitos subjetivos têm sido


tratados de forma absoluta e estanque. Padrões de beleza eurocêntricos, estilo consumista de
vida, entre outros, são exemplos comuns no cenário das metrópoles brasileiras do século XXI.
Usamos nesse trabalho um conceito subjetivo como algo que possui significado atribuído pelo
sujeito que o observa, e não pelo objeto em si.

Ao se utilizar diversos desses conceitos para retratar a diversidade de animais, seu caráter
relativo acaba sendo ressaltado. Será que existe um animal mais forte? Mais belo? E um mais
inteligente?

Segundo Jiménez (1998), crianças possuem grande tendência a ter uma visão maniqueísta de
animais, atribuindo características como bom e mau, geralmente originado pelo contato com a
literatura infantil (lobos são maus, ursos são fortes e não precisam de proteção, entre outros).

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Motivados por tais questões, criou-se a atividade a seguir, voltada para crianças de 6 a 10
anos.

CONTEXTUALIZAÇÃO

O relato de experiência refere-se às atividades desenvolvidas durante a oficina “O mundo


animal” que foi trabalhada com uma turma de 12 alunas/os de diversos anos do primeiro ciclo
do ensino fundamental da Escola de Aplicação (EA) da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FE/USP), campus Cidade Universitária Armando de Salles
Oliveira. As atividades transcorreram ao longo de seis encontros semanais com duração de
uma hora cada.

A atividade de insere no contexto do “Projeto Oficinas”, elaborado semestralmente pela


Escola de Aplicação da FE/USP que possibilita à comunidade o oferecimento de atividades
aos alunos da instituição. Assim, no começo de cada semestre os alunos podem escolher
livremente qual oficina irão cursar. Para isso, se baseiam nos cartazes de divulgação (Figura
1) que lhe são apresentados.

Figura 1: Cartaz da oficina “Mundo Animal”.

Fonte: os autores, 2016.

O objetivo do presente trabalho é relatar e refletir sobre o desenvolvimento e aplicação de


uma oficina que tinha como objetivo abordar os conceitos de beleza, força, inteligência e
perigo a partir do uso da temática animal. A iniciativa em elaborar tais atividades teve origem

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no diálogo com algumas crianças que, através de perguntas semelhantes às utilizadas nessa
oficina (“Qual é o animal mais forte?”), demonstraram grande interesse nesses seres vivos.
Assim, foi localizada uma ótima oportunidade para extrapolar os conceitos biológicos e
abordar questões transversais, como a subjetividade de conceitos como perigo, beleza, força
e inteligência.

Para uma melhor análise reflexiva da oficina, utilizamos os dados obtidos a partir das
observações não estruturadas, dos vídeos, bem como as próprias atividades desenvolvidas
pelos alunos.

DESCRIÇÃO E REFLEXÕES SOBRE A OFICINA

Apresentamos, a seguir, uma breve descrição dos seis encontros que fizeram parte da oficina.
Pretende-se trazer, ao longo desta seção, elementos que surgiram na sala de aula no momento
da aplicação, como forma de suscitar reflexões sobre a abordagem da temática. Para análise
das situações, foi estabelecido um diálogo com outros trabalhos que discutem o assunto foco
da oficina. Além disso, trazemos discussões acerca do Ensino de Ciências nos anos iniciais do
Ensino Fundamental.

Encontro 1 - Abertura e diagnóstico da turma

No primeiro encontro foi feito um levantamento de concepções prévias das crianças sobre
animais. Para isso, foram feitas perguntas que serviram de temas para os outros momentos,
como por exemplo: “Qual é o animal mais perigoso? E o mais belo?”. Além disso, as crianças
tiveram liberdade para optar por um dos modelos de crachás oferecidos e a falar sobre sua
escolha. Os desenhos disponíveis eram: leão, cobra, filhote de urubu, macaco, formiga e tatu e
seguiam o modelo abaixo (Figura 2). Em grupos menores, bichos-pau vivos foram oferecidos
para manuseio das crianças, o que gerou diversas perguntas sobre esses animais. Na conclusão
do encontro uma roda de conversas foi proposta para que fosse socializado o que havia sido
discutido sobre os bichos-pau nos pequenos grupos. Antes de encerrar, as crianças ficaram
encarregadas de fazer uma pesquisa com dois adultos cada uma. O objetivo dessa pesquisa era
descobrir qual era o animal mais perigoso que existe e os resultados foram apresentados na
semana seguinte.

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Figura 2: Alguns modelos de crachás.

Fonte: os autores, 2016.

Encontro 2 - O animal mais perigoso

Após a socialização dos resultados da pesquisa que havia sido proposta no encontro passado,
iniciou-se o novo encontro. Nessa etapa, o grande tema “Mundo Animal” teve como recorte
os diferentes graus de periculosidade dos animais. Diversos materiais biológicos fixados,
modelos foram objetos mediadores do conceito de “perigoso”. Dentre os materiais de
destaque foram utilizados: pata de leão fixada, blocos acrílicos com aranhas e escorpiões,
entre outros. A dinâmica novamente foi a divisão em pequenos grupos para manuseio dos
materiais. Novamente as crianças ficaram encarregadas de fazer uma pesquisa sobre a
temática do próximo encontro: “Qual é o animal mais belo?”

Encontro 3 - O animal mais belo

Esse momento teve início com uma roda inicial de socialização das pesquisas. Novamente as
crianças foram divididas em grupos menores e materiais biológicos fixados foram objetos
mediadores. Entre eles: um cateto e um gambá taxidermizados, peles de cobra, entre outros.
Além desses, um sapo vivo também compôs o acervo de materiais de fomento à discussão.
Outro recurso utilizado nesse encontro foi o uso de imagens e vídeos de animais em seus
habitats, ressaltando a influência do meio ambiente nas características físicas dos seres vivos.
Ao final, as crianças produziram cartões postais com desenhos a partir de diferentes técnicas e
materiais (canetinha em papel, giz de cera sobre substratos de diferentes texturas, entre
outros).

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Encontro 4 - O animal mais forte

Diferentes dos demais momentos da atividade, diversas dinâmicas trabalhando o conceito de


força aplicada (velocidade, potência de salto e levantamento de objetos) foram realizadas fora
da sala de aula. No pátio da escola foram realizadas competições de velocidade, usando como
parâmetro a velocidade máxima que um guepardo atinge (aproximadamente 100km/h), e de
salto, usando como parâmetro a distância relativa que uma pulga consegue saltar sem impulso
(para uma criança, essa distância seria cerca de 5m). Além das competições, um modelo de
folha em três dimensões com tamanho relativo ao que uma formiga conseguiria carregar (se
tivesse o tamanho de uma criança) ilustrou sua força relativa. Como lembrança, as crianças
receberam figurinhas e um álbum produzido pela própria equipe com a temática “Qual é o
animal mais forte?”.

Encontro 5 - O animal mais inteligente

O uso de modelos, vídeos e um experimento foram as estratégias utilizadas nessa etapa. Com
o uso de material produzido em outro projeto (Figura 3), a discussão sobre inteligência animal
teve início através da temática uso de objetos para brincadeira. Entre os objetos mostrados
(todos modelos) haviam: aguapé (utilizado por botos como obstáculo e como bola), cocos
secos e pedaços de pedra (usados por macacos para emitir sons, além de servirem de
projéteis), entre outros. Diversos vídeos de animais resolvendo problemas e se comunicando
também fizeram parte dessa discussão. Para finalizar, foi feito um experimento utilizando
dois hamsters e um labirinto de 50cm x 70cm (Figura 4). Para a atividade de encerramento,
pediu-se às crianças que pensassem no animal que mais gostam, podendo ter ou não ter
aparecido ao longo da oficina.

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Figura 3: Modelos utilizados para ilustrar a inteligência animal.

Fonte: os autores, 2016.

Figura 4: Hamster resolvendo o labirinto construído

. Fonte: os autores, 2016.

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Encontro 6 - Fechamento

Como atividade de encerramento, optou-se por explorar a atividade criadora das crianças.
Após a solicitação de escolha do animal, pediu-se que o desenhasse em um pedaço de
transparência. Com o uso de projetores precários, construídos com caixa de papelão, lâmpada
dicroica e lupas de aumento1, os alunos contaram estórias envolvendo seus animais (Figura 5).
Para auxiliar na criação do enredo, dados contendo diversos elementos (estrelas, nuvens,
rodas, carros, entre outros) desenhados em suas faces foram jogados. Com isso, terminaram-se
as atividades da oficina.

Figura 5: Alunos manuseando o projetor precário e contando estórias.

Fonte: os autores, 2016.

Algumas reflexões

A discussão acerca do Ensino de Ciências com crianças de até 10 anos tem progredido
(BORGES; STRIEDER, 2013; FERST; GHEDIN, 2014). Entretanto, em ambientes
educativos, geralmente há o despejo de informações muitas vezes desprovidas de sentido
(FERREIRA-SANTOS; ALMEIDA, 2011), sendo necessário pensar em experiências de
ensino diferentes. Nesse contexto, o “Projeto Oficinas” da Escola de Aplicação oferece um
rico espaço de experimentação de novas estratégias e práticas.

1
Modelo proposto pelo projeto Taller de Proyectores Precarios (TAPP). Disponível em:
<http://proyectoresprecarios.blogspot.in>. Acessado em 20 jun 2016.
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No caso dessa oficina, as características de alguns animais foram trabalhadas. Entretanto essa
descrição não era seu objetivo final. Por trás de todos os conceitos trabalhados, havia uma
lógica que permeava a atividade: afinal, esse animal é assim para quem? Será que uma
formiga é forte em comparação com um elefante? Porque achamos sapos feios? Será que
alguém considera seu padrão de coloração bonito?

Por meio de perguntas e informações compartilhadas nessa tonalidade, rapidamente o discurso


da relatividade foi adotado pelas crianças. Antes mesmo do segundo encontro acabar, o
conceito de perigo já havia adotado esse sentido. Afinal, uma taturana pode ser muito
perigosa a uma criança, mas não representar danos para um elefante.

Discursos como: “depende” e “não existe um animal que seja o mais…” acompanharam todas
as atividades. Entretanto, há a dificuldade de avaliar se tais falas foram adotadas por mera
repetição ou se, de fato, indicavam uma ressignificação desses conceitos. Porém, um dos
poucos momentos em que foi possível observar algumas mudanças atitudinais foi no encontro
final, durante a escolha de um animal para a contação de estórias.

Em encontros anteriores, foi possível observar crianças clamando que seus animais favoritos
eram os mais bonitos, inteligentes, entre outras características. Por diversas vezes, por
exemplo, uma aluna afirmou que o coelho era fofo e, por isso, o mais belo dos animais.
Partindo desse compartilhamento, era levemente reprimida por seus colegas, que tinham
conhecimento de uma maior diversidade de animais. Afirmavam que aves-do-paraíso,
basilisco (lagarto), entre outras espécies/grupos animais eram mais belos.

Entretanto, na escolha dos animais para a contação, foi possível observar que houve maior
compreensão das escolhas dos colegas. De maneira colaborativa, hamsters, coelhos, cobras e
leões fizeram parte de uma grande estória, que se passava em uma floresta. Sendo assim,
houve maior respeito à opinião de colegas em relação ao animal de preferência.

Outro aspecto que merece ser frisado nessa atividade é a questão da manipulação de animais
vivos. Em três dos seis encontros houveram animais vivos para ilustrar os conhecimentos em
questão. Quando analisados de forma comparativas, comportamentos e foco de atenção foram
melhores na presença de atividade com toque em animais vivos. Nesse sentido, cabe valorizar
a existência de espaços não-formais de educação como: centros e museus de ciência,
zoológicos e aquários. Com a questão ética da proibição de manipulação de animais (no caso,

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pertencentes ao filo Chordata, subfilo Vertebrata), na Educação Básica2 o contato com


animais vertebrados acaba sendo através de fotos, vídeos e modelos. Sendo assim, a presença
desses espaços abertos para visitação, havendo, inclusive programas que tem como objetivo o
contato direto e o toque com animais estigmatizados (como cobras, sapos, insetos), se faz
necessária nos processos de formação e aprendizagem dentro e fora da escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De maneira geral, os animais são tema de muito interesse das crianças. Esses seres vivos
habitam o cotidiano de maneira direta (animais de estimação, urbanos e como forma de
alimentação) e indireta, presentes no imaginário coletivo, desde filmes, contos, lendas,
fábulas, músicas e livros até documentários, vídeos e religiões.

Rubira (2006) tece em sua dissertação que as estórias são uma ponte entre real e imaginário,
onde a palavra não possui a simples missão de nomear, de ter um significado único, mas sim
de ganhar múltiplos sentidos. Tendo como base essa tendência humana em ter interesse em
animais, Esopo escreveu fábulas criticando indiretamente a sociedade, o egoísmo e o valor da
coletividade, representando através de animais, suas visões da realidade.

Dessa mesma forma, pode a temática animal ser ponte de diálogo com as crianças para
trabalhar questões tão importantes nos dias atuais, como: valorização da vida, respeito à
diversidade, democracia, coletividade e empatia?

Para tal, cabe a nós, educadoras e educadores, que superemos o preciosismo da memorização
de conceitos para propor atividades integradoras e com temas transversais, visando a
formação de cidadãos e transformação da sociedade.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a Profa. Alessandra Bizerra, Adriana Chagas, Andrea Grieco e Gabriela Longo
pela participação na atividade. Gostaríamos de agradecer também à Escola de Aplicação da
FE/USP, por abrir as portas para essa atividade.

2
Cf. Lei nº 11.794, de 8 de outubro de 2008.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11794.htm>. Acesso em: 20
jun.2016. .
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REFERÊNCIAS

BORGES, D. de J.; STRIEDER, R. B. Ensino de Ciências na Educação Infantil: um panorama


a partir do ENPEC. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO EM
CIÊNCIAS, 9., 2013, Águas de Lindóia.

FERREIRA-SANTOS, M.; ALMEIDA, R. de. Antropolíticas de Educação. São Paulo:


Képos, 2011.

FERST; E. M.; GHEDIN; E. Panorama das publicações nos ENPECs sobre CTS nos anos
iniciais do Ensino Fundamental. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE ENSINO DE CIÊNCIA E
TECNOLOGIA, 4., 2014, Ponta Grossa.

JIMÉNEZ, A. M. Concepciones sobre algunas especies animales: ejemplificaciones del


razonamiento por categorías. Dificultades de aprendizaje asociadas. Enseñanza de las
ciencias: revista de investigación y experiencias didácticas, v. 16, n. 1, p. 147-157, 1998.

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