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Colegdo: Linguagem/Critica Diregao: Charlotte Galves Eni Pulcinelli Orlandi Consetho Editorial: Charlote Galves Eni Pulcinelli Orlandi (presidente) Marilda Cavalcanti Paulo Otoni FICHA CATALOGRAFICA Dados de Catalogasio na Publicagio (CIP) Internacional (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Benveniste, Emile, 1902-1976. Baise Problemas de Lingiistica geral 1 ; tradugio de Maria 2. ed. da Gloria Novak © Maria Luiza Neri ; revisio do Prof. Isaac Nicolau Salum. — 2. ed. — Campinas, SP : Pontes : Bibliogratia 1. Lingifstica Indices para catélogo sistemético: 1. Lingiistica 410 £MILE BENVENISTE PROBLEMAS DE LINGUISTICA GERAL I Tradugao: Maria da Gloria Novak e Maria Luiza Neri Revisio do Prof. Isaac Nicolau Salum 1988 CAPITULO 21 da subjetividade na linguagem™ Sc a tinguagem é, como se diz, instrumento de comunicago, a que deve ela essa propriedade? A pergunta pode surpreender, como tudo o que parece questionar a evidéncia, mas As vezes é Util pedir a evidéncia que se justifique. Duas razées surgom entiio sucessivamente no espirito. Uma consistiria em que a lin- guagem, sem diivida, se encontra de faro assim empregada porque os homens no encontraram um meio melhor nem mesmo tio efieaz. para comunicar-se. Isso equivale a comprovar 0 que se queria compreender. Poderfamos também pensar em responder que a linguagem apresenta disposigdes tais que a tornam apta a servir de instrumento: presta-se a transmitir 0 que Ihe confi — uma ordem, uma pergunta, um aniincio —, e provoca no interlocutor um comportamento, cada vez, adequado. Acrescen- tariamos, desenvolvendo essa idéia sob um aspecto mais técnico, que o comportamento da linguagem admite uma descrigéo beha- viorista, em termos de estimulo ¢ resposta, de onde se conclui pelo cardter mediato ¢ instrumental da linguagem. Ser realmente da linguagem que se fala aqui? Nao a estamos confundindo com © discurso? Se propomos o discurso como a linguagem posta em ago — ¢ necessariamente entre parceiros —, fazemos apare- cer sob a confusdo uma peticdo de principio, uma vez. que a na- tureza desse “instrumento” se explica pela. sua situagio como “instrumento”. Quanto ao papel de transmissio desempenhado pela Tinguagem, no podemos deixar de observar, de um lado, 241, Journal de psychologic, jul-set. 1958, PLUE. 284 que esse papel pode caber a meios néo lingiisticos ~ gestos, mimica — e, de outro lado, que nés nos deixamos enganar, fa- Jando aqui de um “instrumento”, por certos processos de trans- misso que nas sociedades humanas sao, scmn excesiio, posteriores & linguagem ¢ lhe imitam o funcionamentc. Todos os sistemas de sinais, rudimentares ou complexos, se ercontram nesse caso. ‘Na realidade, a comparacdio da linguagem com um instru- mento, e é preciso realmente que seja com um instrumento mate- rial —para que a comparac&o seja pelo menos inteligivel, deve encher-nos de desconfianga, como toda nogao simplista a respeito da linguagem. Falar de instrumento, ¢ p6r em oposigdo 0 homem ea natureza. A picareta, a flecha, a roda nao esto na natureza. Sto fabricagdes. A linguagem esta na natureza do homem, que nfo a fabricou. Inclinamo-nos sempre para 4 imaginagdo ingénua de um periodo original, em que um homem completo descobriria um semelhante igualmente completo e, entre eles, pouco a pouco, se elaboraria a linguagem. Isso é pura ficgdo. Nao atingimos nunca 0 homem separado da linguagem © nfio 0 vemos nunca inventando-a. Nao atingimos jamais o homem reduzido a si mesmo e procurando conceber a existéncia do outro. B um homem falando que encontramos no mundo, um homem falando com outro homem, e¢ a linguagem ensina a propria definic&o do homem. : Todos os caracteres da linguagem, a sua natureza imaterial, © seu funcionamento simbélico, a sua organizagio articulada, © fato de que tem um contetido, ja sto suficientes para tornar suspeita essa assimilagdo a um instrumento, que tende a disso- ciar do homem a propriedade da linguagem. Seguramente, na pratica cotidiana, o vaivém da palavra sugere uma troca, por- tanto uma “coisa” que trocariamos, ¢ parece, pois, assumir uma funcdo instrumental ou veicular que estamos prontos a hiposta- siar num “objeto”. Ainda uma vez, porém, esse papel volta & palavra, Uma vez remetida & palavra essa fungio, podemos pergun- tar-nos © que a predispunha a asseguré-la. Para que a palavra. assegure a “comunicagao”, é preciso que esteja habilitada a isso pela linguagem, da qual & apenas a atualzagio. De fato, é na linguagem que devemos procurar a condicéo dessa aptidao. Bla 285 reside, parece-nos, numa propriedade da linguagem, pouco visivel sob a evidéncia que a dissimula, ¢ que no podemos ainda carac- terizar a ndo- ser sumariamente. 5 na linguagem e pela linguagem que o homem se constitui como sujeito; porque s6 a linguagem fundamenta na realidade, na sua realidade que & a do ser, 0 conceito de “ego”. A “subjetividade” de que tratamos aqui é a capacidade do locutor para se propor como “sujeito”. Define-se nao pelo seati- mento que cada um experimenta de ser ele mesmo (esse senti- mento, na medida em que podemos consideré-lo, nfo é mais que um reflexo) mas como a unidade psiquica que transcende a totalidade das experiéncias vividas que roime, ¢ que assegura a permanéncia da consciéncia. Ora, essa “subjetividade”, quer a apresentemos em fenomenologia ou em psicologia, como quiser- mos, nao € mais que a emergéncia no ser de uma propriedade fundamental da linguagem. E “ego” que diz ego. Encontramos ai © fundamento da “subjetividade” que se determina pelo status lingiiistico da “pessoa”. ‘A consciéncia de si mesmo s6 possivel se experimentada por contraste. Eu nfo emprego eu a nfio ser dirigindo-me a alguém, que sera na minha alocugZo um w. Essa condigao de didlogo & que é constitutiva da pessoa, pois implica em recipro- cidade — que eu me torne tu na alocugio daquele que por sua vez se designa por eu. Vemos af um principio cujas conseqtén- cias & preciso desenvolver-eratodas as diregdes. A linguagem 86 & possivel porque cada locutor se apresenta como sujeito, remetendo @ ele mesmo como ew no seu discurso. Por isso, eu propde outra pessoa, aquela que, sendo embora exterior a “mim”, torna-se 0 meu eco —ao qual digo tu e que me diz, i. A pola- ridade das pessoas ¢ na linguagem a condigio fundamental, cujo processo de comunicagio, de que partimos, é apenas uma ncia totalmente pragmitica. Polaridade, aliés, muito sin- gular em si mesma, ¢ que apresenta um tipo de oposi¢ao do qual no se encontra o equivalente em lugar nenhum, fora da lin- guagem. Essa polaridade no significa igualdade-nem simetria: ego tem sempre uma posigio de transcendéncia quanto a tu; apesar disso, nenhum dos dois termos se concebe sem 0 outro; sio complementares, mas segundo uma oposisio “interior/exte- 286 rior”, e ao mesmo tempo sio reversiveis. Procure-se um paralelo para isso; nfio se encontrara nenhum. Unice ¢ a condi¢io do homem na linguagem. ‘Caem assim as velhas antinomias do “eu” ¢ do “outro”, do individuo e da sociedade. Dualidade que ¢ ilegitimo e erréneo reduzic a um sé termo original, quer esse termo nico seja 0 ‘eu, que deveria estar instalado na sua prépria consciéncia para abrir-se entiio A do “prximo”, ou seja, ao contrario, a sociedade, que preexistiria como totalidade ao individuo e da qual este 86 se teria destacado a medida que adquirisse a consciéncia de si mesmo. E numa realidade dialética que englobe os dois termos € os defina pela relagdo miitua que se desccbre o fundamento lingilistico da subjetividade. Tera de ser lingilistico esse fundamento? Onde esto os titulos da linguagem para fundar a subjetividade? De fato, a linguagem corresponde a isso em todas as suas partes. to profundamente marcada pela expresso da subje~ tividade que nés nos perguntamos se, construida de outro modo, poderia ainda funcionar ¢ chamar-se linguagem. Falamos real- mente da linguagem e ndo apenas de linguas particulares. Os fatos das linguas particulares, que concordam, testemunham pela linguagem. Contentar-nos-emos em citar os mais aparentes. Os prdprios termos dos quais nos servimos aqui, eu, ¢ tt, nfio se devern tomar como figuras mas como formas lingiiisticas que indicam a “pessoa”. E notavel 0 fato — mas, familiar como 6, quem pensa em noti-lo? — de que entre os signos de uma lingua, de qualquer tipo, época ou regifio que ela seja, nfo faltam jamais os “pronomes pessoais”. Uma lingua sem expressfio da ‘pessoa é inconcebivel. Pode acontecer somente que, em certas linguas, em certas circunstncias, esses “pronomes” sejam deli- beradamente omitidos; & 0 caso na maioria das sociedades do extremo oriente, onde uma convengio de polidez impie 0 em- prego de perifrases ou de formas especiais entre certos grupos de individuos, para substituir as referéncias pessoais diretas. Esses usos, no entanto, néo fazem mais que sublinhar 0 valor das formas evitadas; & a existéncia implicita desses pronomes que dé 0 scue valor social ¢ cultural aos substitutos impostos pelas relagdes de classe, 287 (Ora, esses pronomes se distinguem de todas as designagdes que a lingua articula, no seguinte: nao remetem nem a um conceito nem a um individuo. Nao ha conceito “eu” englobando todos os eu que se enun- ciam a todo instante na boca de todos os locutores, no sentido em que hA um conceito “arvore” ao qual se reduzem todos os empregos individuais de drvore. O “cu” ndo denomina pois ne- nhuma entidade lexical. Poder-se-i dizer, ento, que eu se refere um individuo particular? Se assim fosse, haveria uma contra- digo permanente admitida na linguagem, e anarquia na pratica como é que © mesmo termo poderia referir-se indiferentemente a qualquer individuo ¢ a0 mesmo tempo identificé-lo na sua particularidade? Estamos na presenga de uma classe de palavras, os"pronomes pessoais”, que escapam ao status de todos os outros signos da linguagem. A que, entio, se refere 0 eu? A algo de muito singular, que é exclusivamente lingiiistico: eu se refere a0 ato de discurso individual no qual é pronunciado, ¢ the designa © locutor. E um termo que ndo pode ser identificado a nao ser dentro do que, noutro passo, chamamos uma instancia de dis- curso, e que sé tem referencia atual. A realidade a qual ele remete a realidade do discurso. B na instancia de discurso na qual eu designa o locutor que este se enuncia como “sujeito”. E por- tanto verdade ao pé da letra que o fundamento da subjetividade esta no exercicio da lingua. Se quisermos refletic bem sobre isso, veremos que nao ha outro testemunho objetivo da identidade do sujeito que no seja o que ele da assim, ele mesmo sobre si mesmo. A linguagem esté de tal forma organizada que permite a cada locutor apropriar-se da lingua toda designando-se como eu. Os pronomes pessoais so 0 primeiro ponto de apoio para essa revelacdo da subjetividade na linguagem. Desses pronomes dependem por sua vez outras classes de pronomes, que parti- cipam do mesmo status. So os indicadores da defxis, demons- trativos, advérbios, adjetivos, que organizam as relagdes espaciais ¢ temporais em torno do “sujeito” tomado como ponto de refe- réncia: “isto, aqui, agora” e as suas numerosas correlacdes “isso, ‘ontem, no ano passado, amanha”, etc. Tém em cémum o traco dese definirem somente com relacdo A instancia de discurso na qual sio produzidos, isto 6, sob a dependéncia do eu que ai se enuncia, 288 E facil ver que 0 dominio da subjetividade se amplia ainda e deve chamar a si a expressiio da temporalidade. Seja qual for © tipo de lingua, comprova-se em toda parte certa organizacao lingilistica da nogdo de tempo. Pouco importa que essa nogdo se marque na flexio de um verbo ou por meio de palavras de outras classes (particulas, advérbios, variagtes lexicais, etc); & problema de estrutura formal. De uma ou de outra maneira, uma lingua distingue sempre “tempos”; quer seja um passado e um futuro, separados por um “presente”, como em francés; ou um presente-passado oposto a um futuro, ou um presente futuro distinto de um passado, como em diversas Iinguas amerin- dias, podendo essas distingSes por sua vez depender de variagées de aspecto, etc. Sempre, porém, a linha de articipaciio € uma referéncia ao “presente”. Ora, esse “presente”, por sua vez, tom como referéncia temporal um dado lingiiistico: a coincidéncia do acontecimento descrito com a instdncia de discurso que o descreve. A marca temporal do presente so pode ser interior a0 discurso. O Dictionnaire général define 0 presente como “o tempo do verbo que exprime o tempo em que se esta”, Devermos tomar cuidado; ndo ha outro oritério nem outra expresso para indicar “o tempo em que se estd” seniio tomé-lo como “o tempo em que se fala”. Esse € 0 momento eterramente “presente”, embora nio se refira jamais aos mesmos acontecimentos de uma cronologia_“objetiva® porque € determinado cada vez pelo lo- cutor para Cada uma das instdncias de discurso referidas, O tempo lingiistico & sui-referencial. Em Gltima anélise, a temporalidade humana com todo o seu aparato linglistico revela a subjetividade inerente a0 proprio exercicio da linguagem ‘A linguagem 6, pois, a possibilidade da subjetividade, pelo fato de conter sempre as formas lingiifsticas apropriadas & sua expresso; ¢ 0 discurso provoca a emergéncia da subjetividade, pelo fato de consistir de instancias discretas. A linguagem de algum modo propde formas “vazias” das quais cada locutor em ‘exercicio de discurso se apropria e as quais refere & sua “pessoa”, definindo-se ao mesmo tempo a si mesmo como eu ¢ a um par- Geir como tu. A instincia de discurso ¢ assim constitutiva de todas as coordenadas que definem o sujeito ¢ das quais apenas designamos sumariamente as mais aparentes. 289 ‘A instalagdo da “subjetividade” na linguagem cria na lin- ‘guagem e, acreditamos, igualmente fora da linguagem, a categoria da pessoa. Tem além disso efeitos muito variados sobre a propria estrutura das linguas, quer seja na organizagtio das formas ou nas relagdes da significagio. Aqui, visamos necessariamente Iin- guas particulares, para ilustrar alguns efeitos da mudanga de perspectiva que a “subjetividade” pode introduzir. Nao saberia- mos dizer qual & no universo das linguas-reais, a extensiio das particularidades que assinalamos; no momento, 6 menos impor- tante delimité-las que fazé-las ver. O francés d4 alguns exemplos sob medida De maneira geral, quando emprego o presente de um verbo de trés pessoas (segundo a nomenclatura tradicional), parece que a diferenga de pessoa nao ocasiona nenhuma mudanga de sentido— na forma verbal conjugada. Entre je mange e iu manges e il mange [= “eu como e tu comes e ele come”], ha de comum e de cons- fante o fato de que a forma verbal apresenta uma descrigdo de uma agdo, atribuida respectivamente, ¢ de mancira idéntica, a “cu”, a “tu”, a “ele”. Entre je souffre ¢ tu soufftes ¢ il soufire [= “eu softo ¢ tu sofres e ele softe”], ha paralelamente em comum a descrigio de um mesmo estado. Isso di a impressio de uma evidéncia, ja implicada pelo alinhamento formal no paradigma da conjugasio. Ora, intimeros verbos escapam a essa permanéncia do sen- tido na mudanga das pessoas. Esses dos quais vamos tratar de- notam disposig6es ou operagdes mentais. Dizendo je soujre [= “eu sofro”], descrevo o meu estado presente. Dizendo je sens (que le temps ‘va changer) [= “sinto que o tempo. vai mudar”), descrevo uma impressiio que me afeta. O que acontecera, porém, se em vez de je sens (que le temps va changer) eu disser: je crois (que le temps va changer) [= “creio que o tempo vai mudar”]? A simetria formal & completa entre je sens e je crois. E quanto a0 sentido? Posso considerar esse je crois como uma descri¢ao de mim mesmo tanto quanto je sens? Seri que me descrevo “crendo” quando digo je crois (que...)? Seguramente que nao. ‘A operagio de pensamento ndo é absolulamente o objeto do enunciado; je erois (que) equivale a uma afirmagio mitigada. Ao dizer je crois (que...) converto numa enuriciagio subjetiva 290 © fato asseverado impessoalmente, isto é le temps va changer, que é a verdadeira proposigao. Consideremos agora os seguintes enunciados: vous étes, “je suppose", Monsieur X... — “je présume” que Jean a recu ma lettre — ita quitté Phdpital, dou “je conclus” qu'il est guéri [= “O senhor 6, suponho, 0 senhor X... — presuro que Jean recebeu a minha carta — ele deixou o hospital, donde concluo que esta. curado”]. Essas frases contém verbos que sio verbos de opera- so, supposer, présumer, conclure, e igualmente de operagies 1é- gicas. Entretanto supposer, présumer, conclure postos na primeira pessoa néo se comportam como, por exemplo, raisonner, téfléchir [= “raciocinar, refletir”], que no entanto parecem muito vizinhos. As formas je raisonne, je réfléchis me descrevem raciocinando, refletindo. Totalmente diferentes sto je suppose, je présume, je conclus. Ao dizer je conclus (que...), no me descrevo ocupado em concluir; qual poderia ser a atividade de “conclure"? Nao me represento supondo, presumindo quando digo je suppose, je présume. O que je conclus indica & que, da situagéo apresentada, tiro uma relagio de conclusto que toca um fato dado. E essa relagio légica que esta instaurada num verbo pessoal. Igualmente Je suppose, je présume esto muito longe de je pose, je résume [= “proponho, resumo”]. Em je suppose, je présume, ha uma atitude indicada, nao uma operagtio descrita. Quando inctuo no meu discurso je suppose, je présume, implico 0 fato de que-tomo certa atitude quanto ao enuneiada que se segue. De fato ja se ter’ observado que todos os verbos citados es:dio seguidos de que ¢ uma proposicao: esta.é 0 verdadeiro enunciado, nfio a forma verbal pessoal que a governa. Em compensacZo, essa forma pessoal 6 se se pode dizer, o indicador de subjetividade. DA a assergio que segue o contexto subjetivo — dtivida, presurig&o, inferéncia — préprio para caracterizar a atitude do locutor em face do enunciado que profere. Essa manifestagio da subjetividade 56 tem relovo na primeira pessoa. Nao se imeginam Verbos seme- Ihantes na segunda pessoa sendo para retomar uerbatim uma argumentasio — tu supposes qu'il est parti ele partiu”] — o que é apenas a maneira de repetir © que 0 “tu” acaba de dizer: “je suppose qu'il est parti”, Suprima-se, porém, ‘a expresso da pessoa deixando s6: il suppose que... 2, do 291 ee Angulo do eu que a enuncia, nao se tem mais que uma simples comprovasdo. Discerniremos ainda melhor a natureza dessa “subjetividade” a0 considerarmos os efeitos do sentido produzidos pela mudanca das pessoas em certos verbos de palavra. Sao verbos que denotam pelo seu sentido um ato individual de alcance social: jurer, pro- ‘metire, garantir, certifier, com variantes locucionais como s’engager @..., se faire fort de... [= “jurar, prometer, garantir, certificar; alistar-se, empenhar-se em”). Nas condigdes sociais nas quais a lingua se exerce, os atos denotados por esses verbos so olha- dos como constrangedores. Ora, aqui a diferenga entre a enun- ciagdo “subjetiva” e a enunciac&o “nao subjetiva” aparece em plena luz, desde que se tenha percebido a natureza da oposi¢io entre as “pessoas” do verbo. F preciso ter no espirito que a “ter- ceira pessoa” & a forma do paradigma verbal (ou pronominal) que no remete a nenhuma pessoa, porque se refere a um objeto colocado fora da alocugio. Entretanto existe ¢ s6 se caracteriza por oposigio & pessoa eu do locutor que, enunciando-a, a situa como “ndo-pessoa”. Esse é 0 seu status. A forma ele... tira 0 seu valor do fato de que faz necessariamente parte de um discurso enunciado por “eu”. Ora, je jure & uma forma de valor singular, por colocar sobre aquele que se enuncia eu a realidade de um juramento. Essa enunciag&o é um cumprimento: “jurar” consiste precisamente na enunciac&o eu juro, pela qual 0 Ego esth preso. A enunciagao Je jure & 0 proprio ato que me compromete, ndo a descrigao ‘do ato que eu cumpro. Dizendo je promets, je garantis, prometo ¢ garanto efetivamente. As conseqiténcias (sociais, juridicas, etc) do meu juramento, da minha promessa se desenrolam a partir da instancia de discurso que contém je jure, je promets. A enun- ciagéo identifica-se com 0 proprio ato. Essa condigéo, porém, nio se da no sentido do verbo: é a “subjetividade” do discurso que a torna possivel. Pode ver-se a diferenca substituindo-se je jure por il jure. Enquanto je jure é um compromisso, il jure apenas uma descrigao, no ‘mesmo plano de il court, il fume [= “ele corre, ele fuma”]. Vé-se aqui, em condigées proprias dessas expresses, que 0 mesino verbo, segundo seja assumido por um “sujeito” ou esteja colocado fora da “pessoa”, toma um 292 valor diferente. E uma conseqiténcia do fato de que a propria insténcia de discurso que contém o verbo apresenta 0 ato, ao mesmo tempo em que fundamenta 0 sujeito. Assim, o ato & cumprido pela insténcia de enunciagdo do seu “nome” (que € jurar), a0 mesmo tempo em que o sujeito € apresentado pela instancia de enunciagdo do seu indicador (que é “eu"). Muitas nogGes na lingiiistica, e talvez mesmo na psicologia, aparecerdo sob uma luz diferente se as restabelecermos no qua- dro do discurso, que € a lingua enquanto assumida pelo homem que fala, e sob a condigaio de intersubjetividade, Gnica que torna possivel a comunicasdo lingtiistica, 293

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