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br/11/2010/literaturas-africanas-de-
lingua-portuguesa/>. Acesso em 28/02/2018.
por Sandro Brincher – Já li em alguma antologia que toda seleção é ingrata. Ora, não
é preciso lembrar que o objetivo das listas e das antologias não é nem justiça, nem
equilíbrio. Elas refletem, afinal de contas, uma opinião em um determinado tempo sob
certas influências teóricas ou metodológicas. O objetivo de toda lista – e aqui me refiro
a uma lista bibliográfica – é oferecer um panorama de leitura, um primeiro empurrão,
um norte aos interessados num determinado assunto. Proponho-me então, mui injusta e
desequilibradamente, a apresentar uma lista pessoal de dez obras fundamentais das
chamadas Literaturas Africanas de Língua Portuguesa. Outra questão que se faz
importante é essa pluralização do objeto: literaturas. Cada país da chamada lusofonia (o
conjunto de países onde se fala Português) – termo que, vale frisar, não agrada a muita
gente – tem sua própria história de colonização, suas características étnicas e sociais que
acabam reverberando em suas literaturas. Se já é redutor e generalizante dizer
“Literaturas Africanas”, no plural, penso que no singular é ainda mais.
Passemos às obras. Algumas aí estão por conta de sua evidente aclamação crítica.
Outras, por sua importância histórica ou por terem sido “vanguarda” em algum
momento. Há ainda aquelas que, sem estarem em nenhuma das duas situações
mencionadas, são instigantes, belas, impactantes ou terríveis – sim, porque a
terribilidade da obra também é fundamental para o prazer da leitura.
Ei-las, as obras, ordenadas em ordem alfabética pelo sobrenome do(a) autor(a), seguidas
de algum comentário ou da resenha da editora (indicada, quando for o caso).
O primeiro e um dos mais densos romances do moçambicano Mia Couto, hoje o mais
popular dos escritores africanos de língua portuguesa, Terra Sonâmbula tem como pano
de fundo o período de guerra civil pós-independência em Moçambique, mesclando
realismo visceral a elementos fantásticos de forma absolutamente orgânica. Em meio a
uma terra devastada, perambulando por uma estrada “mais deitada que os séculos,
suportando sozinha toda a distância”, um velho e um menino buscam uma forma de
sobreviver em meio àquela paisagem fantasmagórica. O romance foi adaptado para o
cinema em 2007 sob a direção de Teresa Prata, com co-produção portuguesa, alemã e
moçambicana.
Há quem indicaria Estação das chuvas ou mesmo Nação crioula como livro-chave na
produção de Agualusa. Entretanto, como nesta lista um dos objetivos ao indicar um
livro é sempre despertar em quem o lerá a curiosidade de conhecer mais do autor
indicado, penso que O vendedor de passados cumpre muito bem tal papel. É uma
narrativa densa sem ser fatigante, com humor e amor na dose certa, satirizando com
comedimento a construção da História e dos “heróis” daquele país, tudo visto através do
olhar de uma osga (lagartixa), o narrador do romance.
Yaka, apesar de não ser o livro mais representativo da produção ficcional de Pepetela
(aliás, é destacar apenas um), é um dos mais importantes para entender questões
fundamentais com as quais o autor vai trabalhar ao longo de toda sua obra, sobretudo a
relação colonizado/colonizador, tema que está na pauta do dia de discussões acadêmicas
há algumas décadas.
Orelha da edição brasileira lançada pela Ática em 1984: Uma estátua, Yaka, pura
ficção, surge como motivo condutor deste romance em que, nos finais do século
passado, uma família de colonos se estabelece em Benguela, centro comercial que
ombreava com Luanda. Recorrendo à memória familiar, Pepetela traça os vários
momentos da saga desses colonos, misto de comerciantes e agricultores, mostrando
como criaram a sua verdade referencial, tão diferente do contexto africano, que não
tinham condições de entender. Alexandre Semedo, o velho colono, desde cedo convive,
em segredo, com o mito da estátua; ao morrer, fica sabendo, pela voz de Yaka, que sua
geração será a última. Yaka simboliza a migração de povos caçadores, mais tarde
grandes guerreiros, que após chegarem à região de Luanda e irromperem, no século
XVI, no reino do Congo, atingiram o Cunene, no extremo sul de Angola. O mito da
unificação do território nacional, posteriormente tornado realidade, acompanha o Autor
ao criar Yaka. A estátua está cuidadosamente guardada por Alexandre Semedo,
desprezada por seus familiares, que com a independência fogem para o sul, e respeitada
pelo jovem neto, que se torna um combatente do MPLA (Movimento Popular de
Libertação de Angola), é mito ou realidade?
Da contracapa da edição da Cia das Letras: Dez anos antes de morrer, o Sr.
Napumoceno escreveu um testamento de “387 laudas de papel almaço pautado”.
Ninguém imaginava que pudesse haver tanta novidade na vida do comerciante solteirão,
de hábitos rigorosamente metódicos. Mas, nas centenas de folhas onde o Sr.
Napumoceno registrou a própria vida com toda a sinceridade, não se conta apenas a
história do garoto de pés descalços que enriqueceu com trabalho, sorte e alguma
malandragem: entrelaçado àquela existência surpreendente emerge o quadro vivo do
cotidiano em uma cidade de Cabo Verde antes da independência de Portugal, da década
de 40 em diante.
Terceiro livro de contos deste angolano por adoção – Luandino nasceu em Portugal –, é
constituído por três narrativas: “Vovó Xíxi e seu neto Zeca Santos”, “A estória do
ladrão e do papagaio” e “A estória da galinha e do ovo”. Através do olhar do narrador,
conhecemos o cotidiano dos musseques (favelas) de Luanda, a capital angolana. A
falsidade da política de assimilação colonial, a falta de esperanças num futuro decente, a
descoberta da solidariedade como forma de alívio da dor da existência, o olhar
transformador da criança em meio a essa realidade dura: eis alguns dos temas que
Luuanda nos oferece.
Balada de Amor ao Vento | Paulina Chiziane | Moçambique
As histórias que Paulina ouvia na infância são a fonte de onde Paulina extrai o material
humano que descreve neste romance. Aqui conhecemos Sarnau, uma jovem que amava
Mwando, rapaz a quem o sacerdócio estava designado como carreira. Entretanto, a
relação não vinga, pois seus destinos se separam. Sarnau torna-se uma das mulheres do
rei de Mambone. Tempos depois, ela reencontra Mwando e o romance é atualizado;
pela perseguição que sofrem, entretanto, separam-se de novo, tomando rumos
igualmente terríveis: ele, deportado a Angola, cumprirá quinze anos plantando café e
cana. Sarnau, que teve um filho de Mwando enquanto ainda era rainha, vê o menino ser
coroado rei após morte do falso pai, mas amargará uma vida de prostituição para
sobreviver a partir daí.