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ee fg dade no inicio do século XXI we h 4 Milton Santos e Maria Laura Silveira i eerie Re M bets | oroE tala elias) nem de uma compitacio exaustiva do que foi ode CA SO rE Cay STU Rte creme eR eat id Soe TCO iii arate! ete MCR eMC a erecta Re Mee tit is Emel co Sn eed Poe: eee eo Sree ee oe eee cd eee Se ey Cendant cet et ee CT ey tee ees Sone) Be Re ce ue ol est} Ree eee one eee Pree ce oe Ce ese cos ISBN 85-01-05939-0 05939 9 "788501 Com uma linguagem acessivel, permite a leitura nfo apenas dos especialistas, mas também do leitor médio. Todavia, a forma como 0 livro foi redigido deve ser estimu- ladora para outros cientistas sociais, con- tribuindo, também, para a reflexdo de administradores e politicos. A nocao de uso do territério constitui-se em alicerce da abordagem. Os sistemas técnicos — objetos e formas de fazer — permitem explicar como, onde, por quem, por que e para que esse territdrio é usado. A delimitagio de perfodos e a recons- truco dos contextos leva ao reconheci- mento das herangas e, a0 mesmo tempo, das intencionalidades e da busca de senti- do pela sociedade, Cada regio acolhe cer- tas modernizacdes e certos atores dinami- cos, cristalizando usos antigos e aguardan- do novas racionalidades. Mostrando 0 movimento do espaco nacional como um todo, e paralelamente ‘© de cada uma de suas regides, os con- ceitos de divisdo territorial do trabalho e correlatos revelam que o territério nao é apenas um palco mas, sobretudo, um ator na dinamica social. A escrita desse texto, apds uma pes- quisa longa e diffcl, representa um conside- rével esforco para alcangar,a partir do olhar do gedgrafo, uma viséo interdisciplinar da realidade brasileira; e sua maior ambicdo é atingir 0 grande pubblico e, desse modo, par- ticipar ativamente do debate nacional. capa Even Gramach fotos edad e Fores de Reardo Azoury {ate livre atende a dols objativos cen+ trais: oferecer uma visto globalizadora da realidade nacional e fazé-lo através de um dos seus aspectos mais integradores: 9 tenildrio, Ha muito tempo que no Brasil, por cir- cunsténcias diversas, praticamente nfo so produzidas visées de conjunto do espaco nacional, Oferecendo uma interpretacdo do Brasil da globalizacio, este trabalho nao & um inventdrio exaustivo da geografia do pais e marca uma nova etapa na renovagdo dessa disciplina, Os fatos emergentes do perfodo séo aqui apresentados € os novos tracos da economia, da sociedade e da politica aparecem por meio da redefinicgo das relacdes entre a terra e a gente do Brasil, perante as novas condigées interna- cionais. Esta obra pretende apenas ser um retrato da nova natureza do territério, capaz, ao mesmo tempo, de permitir uma busca de caminhos tendo em vista o atual momento histérico, Fatos e relagdes rele- vantes foram escolhidos para caracterizar a formag&o socioespacial brasileira atual, num esforco de propor uma teoria do Brasil a partir do seu territério. Este livro representa, de certo modo, uma dupla aventura geogréfica. De um lado, mostra como um pais pode ser ana- lisado mediante uma visdo inovadora, fun- dada na realidade da globalizacao, e, de outro, revela a riqueza de uma interpre- taco baseada na mediagio entre uma teo- ria e os dados empiricos, aliés numerosos. UP 000 365351 Sea." 3894 - Sinn Nill i Err de Loo, Sse, Mites, 19262001 sna "Glial tern ike ono d scl XX Set ation Sui, Mata Lan Sivonen. ess 2008, 1 Geog use Br Ste, Mis La I cad neva: PA4938 cad. ex - 40397110 Copyright © 2001 by Milton Santos e Masta Laura Silveira Capa: Evelyn Grumach Direitos exclusivos desta edigdo reservados pela DISTRIBUIDORA RECORD DE SERVICOS DE IMPRENSA S.A. Rua Argentina 171 ~ Rio de Janeiro, RI 20921-380 - TeL: 2585-2000 Impresso no Brasil ISBN85.01-05930-0 PEDIDOS PELO REEMBOLSO POSTAL £ Caixa Postal 23.052 Rio de Jancito, RJ ~ 20022.970 son ruin SUMARIO INTRODUGAO 11 Primeina PaRte - (© TERRITORIO BRASILEIRO: UM ESFORCO DE ANALISE Cariruio | A.questéo: 0 uso do territério 19 capiru.o I Do meio natural ao meio técnico-cientifico-informacional 23 1. Problems da periodizagio 23 2. Asucessio dos meios geogrificos no Brasil 28 2.1. Osmeios “naturals” 28 2.2. Os sucessivos meios téenicos 30 2.2.1. © Brasil arquipélago: a mecanizagio incompleta 31 2.2.2. O meio técnico da circulagio mecanizada e dos inicios da industralizacio 36 2.22.1. A formagio da Regio Concentrada e a urbanizagio interior 42 2.23. Aintegragio nacional 43 23. Meio técnico-cientifico-informacional 47 23.1. Operiodo técnico-cientifico 47 23.2. O meio téenico-cientifico-informacional coma globalizagio 52 MILION SANIOS F MARIA LAURA siLvEIRA, Capiruto I A constituicéo do meio técnico-cientifico-informacional e a renovagao da materialidade no territério_ 55 Introdugio 55 Construgées,imigagio e barragens 55 }. Aeroportose portos 57 Ferrovias, rodovias, hidrovias 62 Energia elétrica 6 Refinarias edutos 72 Bases materiisdas telecomunicagSes 73 Semoventese insumosao solo 86 . Geografia da pesquisa e da tecnologia 89 Capiruto IV A constituigéo do meio técnico-cientifico-informacional, a informagéo eo conhecimento 93 1. Oconheciments do terrtério 93 2. Aconstituigio recente do meio téenico-cientifico-informacional 101 3. Diferengas do mio técnico-cientifico-informacional no teritério brasileiro 103 capiruto V Uma reorganizagéo produtiva do territério 105 Introdugio 105 Adescentralizacio” industrial 106 “Guerra fiscal”, querra dos lugares 112 Zona Francade Manaus 116 Amodemizagioda agricultura 118 5. Especializagées territoriais produtivas 135 . A Regio Concentradae o “resto” do territério 140 Capitulo VI 0s atuais circulos de cooperagao, conseqiiéncia dos circuil espaciais da produgao 143 1. Inrodugio 143 2. Adivisio territorial do trabalho, os circuitos espaciais de produgio ¢ 08 irulos de cooperagio. 145 2.1. Ceasa, CRAGESP, Figorificos 148 © BRASIL; TERRITORIO E SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO xxi Supermercados, feiras 150 ‘Shoppingecenters 151 ‘Topologias de empresas 153 24.1. Fumo 153 242. Leite 154 2.43. Grupo Arbi 155 244. Informitica 156 245. Hering 156 246, Cimento 157 2.4.7. Grupo Sadia 158 24.8, Companhia Vale do Rio Doe 160 249. Refrigerantese cerveja 161 24.10, Indistria automobilistica 163 24.11, Grupo Tadtautec-Philco 164 Capiruto Vil ; Por uma geografia do movimento 167 1. Pluxos aéreos 167 2. Pluxos ferrovirios 174 §. Fluxos rodoviirios 176 4, Fluxos aquavirios 180 4.1. Navegagio de longo curso 180 4.2. Navegagio de cabotagern 183 4.3, Navegacho interior 183, Cariruto VII sistema financeiro 185 1. Vocagées e topologias dos bancos 189 ) Pragas financeiras 192 §. Financeitizagio da sociedade e do territério 195 Enviruto IK . (Re) Distribuicao da populacéo, econor consumo e dos niveis de vida 199 ia e geografia do 1. Apopulagio 199 1.1. Evoligio demogrifiea 200 12. Alfibetizagio 202 MILTON SANTOS & MARIA LAURA SILVEIRA 2. O processo recente de urbanizagio 202 2.1. Cidades com mais de 20 mil habitantes 203 2.2. Cidades com mus de 100 mil habitamtes 205 23. Cidades milionirias e metropolizagio. 206 24, Desmetropolizagio 207 25. Processose tendéncias 208 26. Involugio metropolitana 209 3. Apopulagionao-urbana 210 . As migragses 212 5. Ocmprego 214 5.1. Emprego nas Regiées Metropolitanas 217 5.2. Cobertura trabalhista e previdenciéria 217 53. Trabalho doméstico 219 5.4. Desemprego 219 5. Novas profissies 220 . Arenda 221 O consumo: expansio e aprofundamento 223 Os niveis de vida no territério 225 9.1. Energia elétrica 205 92. Equipamentos do lar 226 913, Educagio.e satide 229 9.4. Viagens, turismo e lazer 235 95. Consumos culturaise da informagio 237 eens ____ SEGUNDA PanTe © TERRITORIO BRASILEIRO: UM ESFORGO DE SINTESE Cariruvo X A categoria de anlise nao € 0 territério em si, mas 0 territério. utilizado 247 Carituto XI O territério brasileiro: do passado ao presente 249 1. Umpafs com grandes extensoes 249 2. O passado longo e sua heranga 3. Adinimica de um pats que se in 4. Adinimica de um puis unitirio 252 justia 251 © BRASIL: TERRITORIO £ SOCIEDADE NO INiclo DO SECULO xx! A superposigdo da dindmica globalizadora 253, Lgicas globaise reorganizagio do territ6rio 254 espago nacional da economia internacional 256 Capiruto XII As diferenciagées no territério 259 Novas desigualdades terrtoriais 259 . Zonas de densidade e de rarefagio 260 Fluidez e viscosidade 261 Espagos da rapidez e da lentidio 262 Espagos que mandam, espagos que obedecem 264 Novas l6gicas centro-periferia 265 Os quatro Brasis... 268 a3 diferenciagSes regionais da urbanizagio 273 1 2 3 4 5. Espagos luminosos, espagos opacos 264 6 7 8. 9 CapiTULo XID Urbanizasao: cidades médias e grandes 279 1. Introdugio 279 2. As cidades médias na encruzilhada das verticalidades e das horizontalidades 280 3. Das cidades médias as grandes cidades 284 4, Opapel da vida metropolitana: a nova riqueza,a nova pobreza 286 Cariruto XIV Uma ordem espacial: a economia politica do territério 289 1. Introdugio 289 2. AsdivisSes do trabalho superpostas 290 3. Umespago corporativo, a privatizacio do territério 291, 4, A l6gica territorial das empresas 292 5. Aampliagio dos contextos 294 6. Ouso competitivo do territrio 295 7. Aguerra global entre lugares 296 H. Acirculagio desnecessiria 297 9, Ainstabilidade do territ6rio 298 10, EspecializagSes aiensgenas alienadas 299 11. Asde 12, Des. reiculagSes resultantes 301 orizagsies e revalorizagies to texrivirio 30L MILTON SANTOS © MARIA LAURA SILVEIRA 13, Neoliberalismo e uso do territério 302 14. Forgas centrifugas e centripetas hoje 303 15. A racionalidade do espago: da solidariedade orgfnica & solidariedade organizacional 306 BIBLIOGRAFIA 309 ESTUDOS DE CASO Ossistemas de engenaia ea tecniizagdo do tereitéri. O exemplo da rede rodovidria brasileira 329 MARCOS XAVIER “Teleconunicagies, informatica einformagio ea remodelagdo do territirio brasileiro 345 CILENE GOMES (Os sistemas de movimento do territério brasileiro 357 FABIO BETIOL CONTEL Sistemas ténicosagrcolase meio téovico-centfco-informaional no Brasil 375 SORATA RAMOS Refuncionalizagio da metrépole no periodo téenico-cientfio-informacional ees noves servges 389 BLIZA ALMEIDA Alun nexos entre a atividade publictéria eo tertério brasileiro 401 LIDIA ANTONGIOVANNE A nove divisiotertoral do trabatho brasileira ea produgto de informagies na cidade de ‘Sao Paulo (as empresas de consultorig) 413 ADRIANA BERNARDES Uma hiséria de movimentos 433 MARIA ANGELA FAGGIN PEREIRA LEITE INDICE DE MAPAS 447 INDICE DE ASSUNTOS 451 INDICE ONOMASTICO 469 auronrs. 474 INTRODUGAO Escolher um caminho de método significa levar em conta diversas esca~ las de manifestagio da realidade, de modo a encontrar as varisveis explicativas f doa estabelecer, levando sobretudo em consideragio que o espaco geogrifi- co se define como unio indissokivel de sistemas de objetos e sistemas de lamentais. Estas comparecem como as personagens principals do enre- es, suas formas hibridas, as técnicas (M. Santos, 1996), que nos indicam ‘coms 0 territério é usado: como, onde, por quem, por qué, para qué. Ado- tando tal énfase nas téenicas, podemos privilegiar uma historia secular do territ6rio brasileiro, delimitar perfodos e redescobrir os respectivos contex- tos. Somente estes permitem enxergar a evolugio das varisveis escolhidas dentro de uma situacio, reconhecer as herangas ¢, ao mesmo tempo, as tencionalidades e a busca de sentido pela sociedade. A cada periodo pode- mos, assim, perguntar-nos 0 que & novo no espago e como se combina com © que jé existia, Procuramos, desse modo, contar a histéria do territério, o caminho per- corrido entre etapas, um transcurso que leva do meio natural ao meio téeni- © € a0 meio técnico-cientifico-informacional. O esforgo central foi o de ‘»peracionalizar geograficamentea idéia de sistemas técnicos, entendidos como bjetos e também como formas de fazer e de regular. Buscamos aprender a constituicio do territério, a partir dos seus usos, «do seu movimento conjunto e do de suas partes, reconhecendo as respectivas complementaridades. Daf falarmos em divisio territorial do trabalho ¢ em circulos de cooperagio, o que, ao mesmo tempo, permite pensar o territério o ator endo apenas como um paleo, isto é, 0 territério no seu papel ativo. Dois objetivos principais nortearam a elaboragio desta obra. Julgamos importante, de un lado, levar av levtor comum uma interpretagio googrifica " PRIMEIRA PARTE O TERRITORIO BRASILEIRO: UM ESFORGO DE ANALISE Capituto | A questao: o uso do territorio uagem cotidiana freqiientemente confunde territ6rio ¢ espaco. Ea palavra extensdo, tantas vezes utilizada por gegrafos franceses (étendue), nio tao se iustala nesse vocabulirio, aumentando as ambigitidades. Uma dis- uissio nos meios geogréficos se preocupa em indicara precedéncia entre essas stulutes. Isso se dé em fungio da acepgio atribuida a cada um dos vocébu- Joy, Pasa uns, 0 territGrio viria antes do espago; para outros, 0 contririo éque ¢ verdadeiro (André-Louis Sanguin, 1977; Claude Raffestin, 1980, 1993). Tor territério entende-se geralmente a extensio apropriada e usada. Mas o slo da palavra tertoraldade como sindnimo de pertencer aguilo que nos perten- .¢ sentimento de exclusividade ¢ limite ultrapassa a raga humana e pres aude da existéncia de Estado, Assim, essa idéia de territorialidade se estende aos 110s animais, como sinénimo de érea de vivencia ¢ de reprodugio. Mas a tv ritonulidade humana pressup6e também a preocupacio com o destino,acons- tnnado futuro, 0 que, entre os seres vivos, € privilégio do homem. Hum sentido mais restrito, 0 territério é um nome politico para o espago «le sun pus Ein ontras palavras, a existenela de um pais supe ui TerFITOrIO. Mavaes ricia de una nagio nem sempre € acompanhada da posse de um. Horne nem sempre supie a existéncia de um Estado. Pode-se falar, por= rit, le territorialdade sem Estado, nis € praticamente impossivel nos re- femmes a un Estado sem territsrio, 10 MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA do Brasil e, de outro, oferecer aos estudiosos um guia de trabalho, mesmo incompleto, ‘Numa boa parte das teses doutorais,a escrita académica teria sempre dois pélos: a teoria ea empiria. Na realidade, a teoria nem sempre o , pois amii- de aparece como um discurso em que afirmagées verazes, sem chegar a cons- tituir um sistema de conceitos, sio, para o objetivo do trabalho, apenas meias-verdades, Falta freqiientemente um esquema aplicével de forma efe- tiva ao que vai ser tratado como empirico. Assim, o que € obtido como empirico corre o risco de se revelar apenas uma listagem de fatos, ignorando que o que existe é sempre unitério, Na verdade, 0 que dé unidade as partes € a visio de conjunto que precede ¢ acompanha 0 exercicio da andlise. De todo modo, a teoria maior com freqiiéncia se revela insuficiente ao ser mecanicamente adaptada aos niveis menores do real, isto é, as situacdes, nacionais ou infranacionais. Surge, entio, o problema das teorias menores. No caso vertente, torna-se necessério elaborar uma teoria menor do pais € uma teoria menor do lugar, a serem situadas no plano empfrico-tedrico. Esse esforgo no foi o tinico propésito desta obra, mas o de sugerir uma “teoria das mediagdes”, na qual a escolha dos fatos ¢ relagdes relevantes possa estar apoiada, Dafa utilizagio de nossa antiga proposta da categoria de formagio socioespacial. Uma teoria do Brasil a partir do territ6rio é,na verdade, uma gencraliza~ io num segundo nivel, com a ambigio de ser uma teoria eum método por- que utiliza materiais erelagies retirados das situagGes reas ¢, por isso, aplicivel a esses nfveis “inferiores”. Procuramos um nivel de generalidade entre 0 te6- rico e o empirico, preocupades, porém, com o encontro de enfoques ¢ con ceitos dinimicos, guiados todavia por objetivos precisos, especificos. O_ instrumental estatistico utilizado é sobretudo referente aos Estados da Fede caparia a0 nosso objetivo neste tr Nio se trata de um catélogo enciclopédico, nem de uma compilagio cxaustiva do que foi feito no Brasil, mas de um retrato das novas quantida~ des e sobretudo das novas qualidades do ten rio que, vistas de maneira vislumbrar ten dinamica, oferecem, a0 mesmo tempo, fandamentos acias. © territério j4 usado pela sociedade ganha usos atuais, que se ” © BRASIL: TERRITORIO € SOCIEDADE NO INicIO DO SECULO xxI .perpdem ¢ permitem ler as descontinuidades nas feig6es regionais. Certas togides sio, num dado momento hist6rico, mais utilizadas ¢, em outro, 0 «aio menos, Por isso cada regio nao acolhe igualmente as modernizagées nem seus atores dinémicos, cristalizando usos antigos e aguardando novas racio- ualidades. sa problemdtica tem antecedentes antigos. Jé em 1980, na rewniio da AGB, foi apresentada ¢ debatida a proposta de Milton Santos, de entender 0 ico. Diversos artigos e livros espago atual como um meio aprofundaram essa linha de teorizagio © pesquisa (Espaco e método; Metamor- Joes do espaco habitado; A urbanizagéo brasileira; Técnica, espaco e tempo; A natureza do espago; Técnica e tempo; Razdo e emogao). E, por outro lado, em suas teses de doutorado ¢ dissertagdes de mestrado, defendidas na Universidade de Sao Paulo, Maria Angela Faggin Pereira Leite, Wilson dos Santos, Luiz Cruz Lima, M: Cecilia Nogueira Linardi, Cilene Gomes, Marita Silva Pimenta, De- se Elias, Maria Laura Silveira, Delfina Trinea, Sérgio Gertel, Aleindo José ide Si, Samira Pedute Kahil, Manuel da Silva Lemes Neto, Lidia Antongiovanni ¢ Eliza Almeida, de um modo ou de outro, trataram dessa " do mneio téenico-cientifico-informacional, No Departamento de Cicografia ¢ no Instituto de Pesquisa ¢ Plangamento Urbano da Universida- ile Federal do Rio de Janeiro, Margarete de Castro Afeche Pimenta, Luiz Vugazzola Pimenta, Leoni Mazzocchihi Frizzo ¢ Marilia Natal, entre outros, tuabalharam o mesmo tema Apresentamos um texto em duas grandes partes ¢ catorze capitulos. Na primeira delas, oferecemos um esforgo de anilise, discutindo, no primeiro ‘apitulo, a nogio que vai nortear a pesquisa, isto 6, 0 uso do territério, No «yundo capitulo mostramos a transformagio do Brasil do meio natural, os tuvessivos meios técnicos eo advento do meio técnico-cientifico-infor- iuacional. Mas € no terceiro capitulo que nos debrugamos sobre aconstitui- _av desse novo meio geogréfico, suas bases materiais fixas, os semoventes € vs insumosao solo, O capitulo quarto prope discutir o papel da informagio .cimento nesse novo espago geogrifico. No quinto capitulo privile- juumosa reorganizagio produtiva do territ6rio, indicando as novas manifes~ tages da descentralizagio industrial, da modernizagio agricola e, sobretudo, 1 especializagies territoriais produtivas. A presenga de uma Regiio Con MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA centrada fica, assim, mais evidente. No capitulo seis, a idéia de movimento gaha.a cena com o desenvolvimento da categoria de citculos de cooperacio. Assim, buscamos explicar as formas de abastecimento as topologias de al gumas empresas. O capitulo sétimo descreve a multiplicagio de movimen- tos no territ6rio nacional que vem configurar uma nova geografia. Esta se completa com as novas manifestacbes das finangas, motor do periodo con- temporaneo e cbjeto das anilises do oitavo capitulo. No capitulo nove, énfase foi dada a dinamica da populagio e da urbanizagio, assinalando a importin- cia da nova cidade média, das metrépoles ¢ dos processos de involugio me- tropolitana, Foram outrossim exploradas as caracteristicas da populagio segundo seu lugar de origem e de vida, a renda, o emprego e os consumos. Jana segunda parte, que inclui os capitulos dez até catorze, oferecemos tum esforgo de sintese do territ6rio atual, rediscutindo, no capitulo dez,a idéia de territ6rio usido. Uma revisio da hist6ria do territ6rio brasileiro permi- tiu-nos, no capitulo onze, apontar as relagSes da dindmica globalizadora num pais de grandes extensdes como o Brasil, tornado um espago nacional da economia internacional, a partir dessas bases que, no capitulo doze, esbo- gamos as bases para uma nova divisio do Brasil em quatro grandes regides, 0 que permite compreender as novas desigualdades territoriais, as zonas de densidade ¢ rarefagio, os espagos da rapidez e da lentidio, os espagos que mandam ¢ 0s espagos que obedecem... Retomamos, no capitulo treze, a ure banizagio, o papel das cidades médias como encruzilhada das verticalidades ¢ horizontalidaces ¢ o papel da vida metropolitana. Por fim, o capitulo cator- ze vem propor questies como as divisdes do trabalho superpostas, a consti- tuigio de um espago corporativoa partir da l6gica das empresas e, sobretudo, © uso competitivo do territ6rio, com instabilidades, desarticulagSes, desva- lorizagies € revelorizagdes de nova natureza no territ6rio brasileiro, Concebido como uma unidade, o livro oferece, também, oito contribui- Ses temiticas. Marcos Xavier discorre sobre as sucessivas modernizagdes dos sistemas de engenharia, analisando o caso da rede rodovisria brasileira, Essa perspectivaarticula-se com a explanagio das bases materiais das teleco- municagoes € da informitica desenvolvida por Cilene Gomes. E esse arca~ bougo t€cnico e organizacional que écausa e conseyiicucia dos novos sistemas de movimiento, asumto estudado por Fabio Betioli Contel. © papel que, na Va (© BRASIL: TERRITORIO € SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO xx! constituigio do meio técnico-cientifico-informacional, cabe & nova agricul- 1 € analisado por Soraia Ramos. Os novos servigos metropolitanos no periodo da globalizagio so a preocupacio de Eliza Almeida, enquanto Lidia ‘Antongiovanni explieaa angio da midia e da publicidade nos usos atuais do territGtio nacional. Adriana Bernardes se debruga sobre a questio da infor da racionalidade e da nova divisio territorial do trabalho na definigio «lo centro informacional de Sio Paulo. Por fim, num enfoque abrangente ¢ comparativo, a professora doutora Maria Angela Faggin Pereira Leite nos ‘oferece um vivo retrato da evolugio ¢ da situagio atual da paisagem nas cida~ dles do Recife, Belo Horizonte ¢ Brasilia _ Um anexo de mapas vem ilustrarigualmente alguns dos principais fend new tratados no texto. As abel ineludas neste sfo apenas alguinas entre as que formam onumeroso banco de dados constituido para apoiara redagio. Foi preciosa a colaborasio das gedgrafis Paula Borin ¢ Fivia Grimm a0 longo das diversas etapas da pesquisa bibliogrifica, documental e estatistica, como na fase da redagio e de preparacio do livro. Fomos, também, ito audados, em momentos diversos do trabalho, pelos bolsstas de ini- cientifica Tara Sakitani, Gustavo Lara Goulart Nobre, Marcelo Pisetta, Vchson Claudino Bicudo Janior, Vanir de Lima Belo, Adriano Nogueira ‘Zerbini e Ricardo Pagliuso Regatieri. _— Nosso agradecimento vai também para os colegas, de diversas universi- itcitas, Maria Adélia A. de Souza, Ana Clara Torres Ribeiro, Leila ti Dias, Roberto Lobato Corréa, Rosa Ester Rossini, Armen Mami- jomun, Maria Encarnacio Beltria Spésito, Eliseu Spésito, Lia Os6rio Ma «Tad, [lindemburgo Pires e Ménica Arroyo, cuja critica rigorosa eoportuna acl uy nossa projeto foi inestimavel. ; © apoio da FAPESP e do CNPq foi fandamental e, no primeiro mo- tncante dda pesquisa, o da FINER por intermédio da Associagio Nacional de Dir. Gradhiagio € Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR). propor, modestamente, uma teoria do Brasil a partir (entativa de explicagio da sociedade brasileira tomando Pew fonitone.t : 10+ pane cle indo © proprio espago geogrifico. MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA ‘Adotando-se essa linha, impde-se a nogio de “espago territorial”: um. Estado, um espago, mesmo que as “nagées” sejam muitas. Esse espago territorial estf sujeito a transformagSes sucessivas, mas em qualquer momento 0s termos da equagio permanecem os mesmos: uma ou mais nagdes, um Estado, um espago. O que interessa discutir é, entio, 0 territ6rio usado, sindnimo de espago geogrifico. E essa categoria, territério usado, aponta para a necessidade de um esforgo destinado a analisar sistematicamente a constituigio do territé- rio. Como se trata de uma proposta totalmente empiricizavel, segue-se dafo enriquecimento da teoria, Entretanto uma periodizagio € necesséria, pois os usos sio diferentes nos diversos momentos histéricos. Cada periodizagio se caracteriza por exten sbes diversas de formas de uso, marcadas por manifestagdes particulares in- terligadas que evoluem juntas e obedecem a principios gerais, comoa historia particular ¢ a histéria global, o comportamento do Estado e da nagio (ou nagies) ¢, certamente, as feigGes regionais. Mas a evolugio que se busca é a dos contextos, ¢ assim as varisveis escolhidas sio trabalhadas no interior de tuma situagio (M. Santos, 1996; M. L. Silveira, 1999a) que é sempre datada. Interessa-nos, em cada época, o peso diverso da novidade e das herancas. O territério, visto como unidade e diversidade, é uma questio central da historia humana e de cada pais ¢ constitui pano de fundo do estudo das suas diversas ctapas e do momento atual Na medida em que sio representativas das épocas hist6ricas, as técni- as,! fancionando solidariamente em sistemas, apresentam-se assim como base para uma proposta de método. Esses sistemas técnicos incluem, de um ldo, a materialidade e, de outro, seus modos de organizagio e regulagio. Eles autorizam, a cada momento histérico, uma forma e uma distribuigio do trabalho. Por isso a divisio territorial do trabalho envolve, de um lado, a repirtigio do trabalho vivo nos lugares e, de outro, uma distribuigio do trabalho morto e dos recursos naturais. Estes tm um papel fundamental "Noss preocupagio € com a técnica e nfo apenas com a tecnologia, pois a primeira envolve fase mis gute hoje tem embutidas a ciéucia ea informayio— tuna nica inforniavional e alo a pura tecnoluia toxins formas técnica, comé (© BRASIL: TERRITORIO E SOCIEDADE NO INicIo DO SECULO Xx! ua tepartigéo do trabalho vivo. Por essa razio a redistribuigio do proceso nucial nio é indiferente as formas herdadas, e 0 processo de reconstrugio puralela da sociedade e do territ6rio pode ser encendido a partir da catego- tu de formagio socioespacial (M. Santos, 1977). A divisio territorial do tmahalho cria uma hierarquia entre lugares e redefine, a cada momento, a tapavidade de agir das pessoas, das firmas e das instituigdes. Nos dias atuais, tn novo conjunto de técnicas torna-se hegemdaico € constitui a base ma- (eral da vida da sociedade, £ a cigncia que, dominada por uma técnica tarcadamente informacional, aparece como um complexo de varisveis que ientifico- tomanda o desenvolvimento do periodo atual, © meio técnic ipformacional é a expressio geogrifica da globalizagao. (© uso do territ6rio pode ser definido pela umplantagio de infra-estratu- tas, para as quais estamos igualmente utilizando a denominagio sistemas de ngeuhuria, mas também pelo dinamismo da economia ¢ da sociedade. Sio os iovimentos da populacio, a distribuigfo da agricultura, da inddstria e dos srivigos, © arcabougo normativo, incluidas a legislagio civil, fiscal e finan- ira, que, juntamente com 0 aleance ea extensio da cidadania, configuram 4s lungies do novo espago geogrifico (M. Santos, 1987; M. L. Silveira, 1997). Debrugando-nos sobre esse novo meio geogrifico, buscamos compreen- ler o papel das formas geogrificas materiais eo papel das formas sociais, Justdicas e politicas, todas impregnadas, hoje, de ciéncia, técnica ¢ informa- (40, Outro dado indispensével ao entendimento das situagdes ora vigentes & tnesudo do povoamento, abordado sobretudo em sua associagio com a ocu- «» econdmica, assim como os sistemas de movimento de homens, capi- produtos, mercadorias, servigos, mensagens, ordens. E também histéria ths tuulez do territério, hoje balizada por um processo de aceleragio (M. 1996). Com a instalagio de um niimero cada vez maior de pessoas nero cada vez menor de lugares, a urbanizagio significa ao mes- po uma maior divisio do trabalho € uma imobilizagio relativa e 6, (anubent, umn resultado da fluidez aumentada do territério. O peso do mer- + exter na vida econGmica do pais acaba por orientar uma boa parcela struturas, servigos e formas de ivos para a criagio de inf lho voltados para © comeércio exterior, uma atividade on ‘atnnac pelo iniperative da competitividacte localizada nos pontos mais aptos do tr MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA para desenvolver essas fungSes. Isso nio se faz sem uma regulagio politica do territério e sem uma regulagio do territério pelo mercado. E desse modo que se reconstroem os contextos da evolugio das bases materiais geogréficas ¢ também da propria regulagio. O resultado € a criagio de regiées do man- dar e regides do fazer. Nesse arcabougo levamos em conta tanto as técnicas que se tornaram territério, com sua incorporagio ao solo (rodovias, ferrovias, hidrelétricas, telecomunicagdes, emissoras de ridio ¢ TV ete.), como os objetos técnicos ligados 3 produgio (vefculos, implementos) e os insumos técnico-cientifi- cos (sementes, adubos, propaganda, consultoria) destinados a aumentar a ficicia, a divisio ea especializagio do trabalho nos lugares. E nesse sentido que um territério condiciona a localizagio dos atores, pois asacdes que sobre ele se operam dependem da sua prépria constituigio. ‘Uma preocupacio com o entendimento das diferenciagies regionais e com ‘© novo dinamismo das suas relagSes tem norteado particularmente a busca de uma interpretagio geogrifica da sociedade brasileira. a Capituto IL Do meio natural ao meio técnico- cientifico-informacional 1. Problemas da periodizagao A hwacria do territ6rio brasileiro é,a um s6 tempo, una e diversa, pois € tauibens a soma ea sintese das historias de suas regides. Para entendé-la no ‘+1 prowesso ena sta realidade atual, um esforgo de periodizagio é essencial. Wate v de encontrar e desenvolver nexos horizontais ¢ verticais, E esta é la temeriia, pois basta que nos equivoquemos quanto & hierarquia dado momento para que 0 nosso edificio intelectual se 1. O trabalho se complica porque o espago acumula defa- yan. © sanperposighes de divisies do trabalho — sociais ¢ territoriais. De tun ponte de vita wenéticn, as varidveis do espago sio assinerdnicas, mas em + uly lujat elas fisneionan: sincronicamente e tendem a ser assim também “ tenle, Dai as descontinuidades que permitiriam explicar as diver- lu teytotiar, aquilo que também se costuma chamar de desigualdades saqualibe ws reygonais. cada pedago do tempo, 1a de eventos que denomi- \ aque -tane ewalher as variiveis-ehave que isn pertobe Fie praneipio a parti do qual poxlenos valorizar os proces MILTON SANTOS € MARIA LAURA SILVEIRA Como um elemento nio pode evoluir isoladamente, nem é capaz de se transformar sem arrastar os demais no seu movimento, 0 nosso problema nio € 0 da evolugio particular de um elemento, mas o da evolugio global. Nio temos, porém, a preocupagio de estabelecer cortes rigidos. Ao con- trario, desejamos realgar sobretudo as épocas ¢ menos os marcos que as se- param. Perfodos sio pedagos de tempo definidos por caracteristicas que interagem e asseguram 0 movimento do todo. Mas essa interagio se faz se~ gundo um controle que assegura uma reprodugio ordenada das caracterfsti- cas gerais, isto é, segundo uma organizagio. Ea faléncia desta tiltima, agoitada por uma evolucio mais brutal de um ou de diversos fatores, que desmantela a harmonia do conjunto, determina a ruptura e permite dizer que se entrow em um novo perfodo. Periodizagées de economistas e sociSlogos podem ser ricas ¢ inspiradoras, ‘mas com freqiiéncia sio insuficientes, pois raramente tomam em considera ‘gioa materialidade e os dinamismos do territério. A base das periodizagdes nio é constituida apenas pelas relagées sociais (Rebeca Scherer, 1987). Estas nio bastam como dado explicativo, porque nio se dio num vacuo. E preciso, entio, pensar paralelamente as téenicas como formas de fazer e de regular a vida, mas ao mesmo tempo como cristalizagio em objetos geogrificos, pois estes também tém um papel de controle devido ao seu tempo préprio, que modula os demais tempos. Sobretudo entre os economistas ¢ historiadores, a industrializagio des ponta como fimdannent de ura bua partedas periodizagGies. Um autor come Mircea Buescu (1985, pp. 94-95) delimita quatro perfodos para descrever os surtos industriais no pais, a partir do comportamento do poder piiblico e dos ‘capitais estrangeiros: a) 1903-1913; b) 1920-1929: bom comportamento do setor externo, capacidade de importar, entrada de capitais estrangeiros, re- ra do governo; ¢) 1933-1939: retragio do comér- duzida atividade inves cio internacional, © governo nao investe muito, mas fomenta por meio do crédito especializado; d) 1946-1961: substituigio de importagdes € processo ento econdmico, Ar- de industrializagio intensiva, ampliagio do planejan gemiro Jacob Brum (1982, 1990) indica a existéneia de uma longa fase p mirio-cxportadora (1500-1930), uma fase de tentativa de cousteugio de um desenvolvimento nacional eautnomo baseada na industrilizagio via subs- a © BRASIL: TERRITORIO € SOCIEDACE NO INICIO DO SECULO Xx! Anuigio de importagdes (1930-1964) c uma fase de desenvolvimento associado slependente (aprofundada a partir de 1964, embora sew inicio tenha ocorrido sua segunda metade da década de 1950). Nio podemos esquecer os trabalhos de Igncio Rangel (1981), que bus- tam compreender 0 que ele chama de dualidade brasileira, embasados na tworia dos ciclos longos (mais ou menos cingiienta anos) de Kondratieff e dos cielos médios (dez anos) de Juglar: Levando em conta variveis como a agio do Estado, a industria, a agri- cultura ea urbanizagio, José Carlos Pereira (1984) assinala alguns periodos: 4 mulustrializagio brasileira até a Segunda Guerra Mundial, a do pés-guerra até 4 crise 1963-1965 e a passagem do desenvolvimento nacional ao desen- vimento exeludente. Uma das periodizagdes mais frutuosas, do ponto de vista da histéria do \irio, talvez seja a de Caio Prado Jr. na sua obra Histria econ6mica do Bra~ quando ele prope considerar oito momentos: a) preliminares (1500- 11,80); b) a ocupacio efetiva (1530-1640), definida pelo inicio da agricultura «suas atividades acess6rias; ¢) a exparsio da colonizacio (1640-1770), la pela mineragio € ocupacio do Centro-Sul, a pecudria ¢ © povoa 10 do Nordeste, a colonizagio do vale amazénico ¢ a colheita florestal; «1) s apogeu da Colonia (1770-1808), com o renascimento da agricultura ea uv orporagio do Rio Grande do Sul para a atividade pecusia; e) a era do li- Iwsalismo, entre 1808 ¢ 1850, determinada pelo declinio do pacto colonial e ‘ssaparecimento do capitalismo industrial; £) 0 imps (1850-1889), caracterizados pela evolugio agricola, um novo jo escravocrata e aauro- ba Ta ‘ulibrio econémico, a decadéncia do trabalho servil e sua aboligio, a imi- wan © a colonizagio; g) a replica burguesa (1889-1930), com dois ubperiodos —a industrializagio ¢ o imperialismo — e, por fim, h) a crise sh si sistema a partir de 1930. O livro € de 1945. Na sua importante obra Formagéo econémica do Brasil, Celso Furtado dis- ‘inpate cinco etapas: a) 0s fuandamentos econdmicos da ocupagio territorial (te cimplane ici da empresa agricola); 5) a economia escravagista da agri- sltuta tropical (séculos XVI e XVI); ¢) a economia escravagista a (seule XVID; d) a economia de transigin para o trabalho assalariado (sécu- hy SIN) coma economia ¢ ragio européia, a transi ” MITTON SANTOS & MARIA LAURA SILVEIRA, zénica € a eliminagio do trabalho escravo; ¢, finalmente, ¢) a economia de transigio para um sistema industrial (século XX), com a crise do café e 0 deslocamento do centro dinimico. Dentro do que dsnomina perfodo da revolugio burguesa ¢ eapitalismo dependente no Brasil, Plorestan Fernandes (1974, 1981, pp. 224-225) apon- ta trés fases. [A fase de eclosio do mercado capitalista moderno €, ma verdade, uma fase de transigio neocolonial. Sua delimitagio pode ir, gosso modo, da abertura dos portos até 20s meados ou sexta década do século XIX. A fase de forma fo € expansio do capitalismo competitivo se caracteriza pela consolidagio ¢ disseminagio desse mercado e por seu fancionamento como fator de dife- renciagio do sistema econdmico. Ela compreende, pois, tanto 0 perfodo de consolidacio da economia urbano-comercial quanto a primeira transigfo industrial verdade-amente; e vai, grso mado, da sexta década ou do éirmo quarel do século XIX até a década de 50, no século XX. A fase de irrupgo do capitalismo monopolista se caracteriza pela reorganizago do mercado do sistema de produgio, por meio das operagbes comerciais, financeiras € industriais da “grande corporagio” (predominantemente estrangeira, mas também estatal ou mista). Embora as tendéncias para essa evolugio sejam anteriores, ea s6 se acentua no fim da década de 1950 e s6 adquire caréter estrutural posteriormente a “Revolugio de 1964”. A Srdua tarefa de contar a histéria do territ6rio € empreendida também. por Nestor Goulart Reis Filho (1968, p. 16), quando ele critica as tentativas, até entio feitas, de generalizara histéria urbana do Brasil sem distinguir eta~ pas no desenvolvimento brasileiro ou diversidades regionais, constituindo “um excesso de unidade para séculos de histéria, e em territério tio vasto, com atividades econdmicas tio diversas, como o foram a agroindtistria do agticar, 0 bandeirismo, a pecudria extensiva e a mineragio”. A periodizagio em ciclos — pau-brasil, agicar, ouro ¢ diamantes, algo- dio etc. —, proposta e discutida por virios historiadores, nao € realista, diz: Manuel Correia de Andrade (1995, p. 43), pois a exportagio de um produto continuava no ciclo seguinte como um produto menos expressive. E esse .gedgrafo, que tampouco concorda com 0 esquema dos modos de produgio, 2% © BRASIL; TERRITORIO E SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO xxI opie interpretar a histéria brasileira usando conceitos ligados 4 formagio i PI tv undmico-social. ‘A busca de uma periodizagio do territ6rio brasileiro € um partido essen- ‘sul para um projeto ambieioso: fazer falara nagio pelo territ6rio. Assim como 4 vconomtia foi considerada como a fala privilegiada da nagio por Celso Fur- tudo, © povo por Darcy Ribeiro ea cultura por Florestan Fernandes, preten- dlemios considerar 0 territério como a fala privilegiada da nagio. Nosso propésito aqui é apresentar a sucessio de meios geogréficos no Muasil. Assim, ao longo da histéria ds organizagio do territ6rio brasileiro, trés wandes momentos poderiam, gross modo, ser identificados: 08 meios “natu- ifico-informacional. Por in ais", os meios técnicos € 0 meio téenico-ci io de suas técnicas diversas no tempo € nos lugares, a sociedade foi tunnstruindo uma histéria dos usos do territério nacional. © primeiro periodo € marcado pelos tempos lentos da naturcza coman- \lanulo as ages humanas de diversos grupos indigenas e pela instalagio dos smopeus, empenhados todos, cadz qual a seu modo, em amansar esses rit- ior. A unidade, entio, era dada pela natureza, ea presenga humana buscava sulaptar-se aos sistemas naturais. Num perfodo pr thoy mstrumentos artificiais necessirios ao dominio desse mundo natural Unia segunda grande fase € a dos diversos meios técnicos, que gradual- Senico, a escassez era a mente buscam atenuar o império da natureza. A mecanizagio seletiva desse Wiludciro conjunto de *ilhas” que era 0 territ6rio exige que se identifiquem mibperiodos, Ay Wenicas pré-méquina e, depois, as téenicas da méquina — ‘nun. apenas na produgio — definem o Brasil como um arquipélago da me~ ‘aunzagio incompleta, Mais tarde, com a incorporagio das maquinas ao ter- titirin (fertovias, portos, telégrafo) estariamos autorizados a apontar um meio tes nwa cirettligio mecanizada ¢ da industrializagio balbuciante, caracte- Honky também pelos primérdios da urbanizagio interior ¢ pela formagio da yum Concentrada.? No pés-guerra sobrevém a integragio nacional, gra~ sistrucio de estradas de rodagem, 3 continuagio do estabelecimento 1 ocasdemsnuiayanr — Regio Concentrads — foi ineroduzida na literatura geogrifca com as vatslu pian tw Kio ke Facto, por Milton Santos Ana Clara Torres Ribeiro (O conee- 1 consttuid pelos Estados do Rio de Janeiro, ad Suita Catarina e Rip Grande do Su Teun mento, WH rei vs 1, Manas Geta, Si a, ” METERS TE MAKIN LAUR STINT THA das ferrovias © a wma nova induste trio edo mereado, com lizagion. Dieve un integragio do terrie significativa hegemonia pauls O terceiro grande periodo é a construgio ¢ a difusio do meio técnico= cientifico-informacional. Cabe, todavia, diferenciar uma primeira fase, um petfodo técnico-cientifico que, no Brasil dos anos 70, caracterizou-se, entre ‘outros aspectos, por uma revolugio das telecomunicagées. E sobretudo nesse momento que, ultrapassando o seu estigio de pontos manchas, o meio tée- nico realmente se difunde, Mas 0 novo meio geogrifico (t€cnico-cientifico- informacional) permanece circunscrito a algumas areas. Jé com a globalizacio, informagio e finangas passam a configurar a nova geografia, distinguindo os Tugares segundo a presenga ou a escasse2 das novas variiveis-chave. Com 0 meio técnico-cientifico-informacional, agravam-se as diferengas regionais € aumenta a importincia da Regiio Concentrada com a hegemonia paulista, vas também a partir da ocupagio de areas periféricas com produgdes mo- jernas. 2. A sucessao dos meios geograficos no Brasil 2.1. Os meios “naturais” Os pedagos da crosta terrestre utilizados pelos grupos humanos para desenvolver sua base material nos primérdios da histéria constituem 0 que estamos chamando de meio natural (ou pré-téenico?). Todavia a presenga do homem jé atribui um valor s coisas, que, assim, passam a conter um dado social. Por outra parte, como toda agio supde uma técnica, a idéia de meio geogrifico nio pode ser desvinculada dessa nogio de técnica. Daio relativismo de denominagies como “natural” ¢ “pré-técnico”, Como porém denominar esse meio que era, de um lado, ocupado por uma vasta e quase impenetrével floresta e, de outro, constitufa o dominio do cerrado e da caatinga e onde a vida humana ocupava apenas os intersticios? Umma floresta de 1 milhio de quilémetros quadrados, a Mata Atlantica, ass0- ciava-se a outra muito maior,a floresta amazénica (Warren Dean, 1995; 1997, 28 (© BRASIL: TERMITORIO E SOCIEDADL NO INICIO DO SECULO XXI sbitaram nelas cagadores-coletores ¢, pp 24-25). Durante mithares deanos depos, grupos que se alimentavam unicamente de ostras, sem desenvolver hyetos e sem deixar outro vestigio além dos sambaquis (WW. Dean, 1995, pp. Alesse Dhwversos instrumentos de trabalho e formas de fazer, lentamente elabo- tadhos, erio concorrido para a realizagio, aqui, de uma fase basilar da hist6- 1 do homem, isto é a domesticacio de plantas ¢ animais. O despontar da aqrwultura foi também sinénimo de desmatamento. Todavia, esse processo aw significou a implantagio de préteses nos lugares, mas a imposi¢io a na- urea de um primeiro esbogo de presenga técnica, pois ritmos e regras hu- naturais. Todavia a natureza comandava, nas buscavam sobrepor-se as ls ou indiretamente, as agGes humanas. A precariedade ou a pobreza das -as disponiveis constitufa o corpo do homem como principal agente de sformagio tanto na produgio como no enfrentamento das distincias, € ‘ida aqui a natureza triunfa e o homem se adapta. Era um periodo de aco- Laci e morosidade na relagio com o meio, pois permitia-se quea flores- tu voltasse a crescer durante algumas décadas, antes de o plantio recomegar tum mesmo lugar. Grupos éticos diferentes, num desenvolvimento endégeno, criaram uhjetos dotados de eventual semelhanga com téenicas de outros povos. Tra- tava-se talvez daquilo que André Leroi-Gourhan (1945) chamou de univer- sulidade das téenicas, nascidas espontaneamente em lugares diferentes, endo dle difusio técnica devida a contatos —a lei da imitagio de Gabriel Tarde (1921) —, pois a maior parte das tribos vivia isolada. Constituindo dezenas de grupos tribais que moravam em aldefas de tre- rentos a 2 mil habitantes, a matriz tupi somava provavelmente 1 milhio de indios (F. Fernandes, 1949). Os tupis, que desalojaram os primeiros agricul- tones das Areas litordneas, eram capazes de navegar os rios ¢ cultivar a terra, jroduzindo excedentes ¢ estocando-os. Habitavann amplas éreas da floresta ‘Nis dreas Iorineas recifes ou bancos de areia permitiam a formagio de estusrios de maré. (Os prupos encontravam pintanos de mangues ¢ estras de mangue. Coletavam os moluscos, snnentavamse deles e atiravam as conchas por ima dos ombros. Essas acumulagSes de vichas foram denominadas sambaguis e testemunham wm mado de vida que durou pelo tucsi0s 7 mil anos (W. Dean, 1995; 1997, pp. 42-43). 29 MILTON SANTOS & MARIA LAURA SILVEIRA amaz6nica e da floreste tropical, a maior parte do litoral e ainda parte do cer- rado ¢ da caatinga. Darcy Ribeiro, para quem os indios teriam sido vérios milhdes, explica (1995, 1997, p. 29) que cles “filavam dialetos de uma mes~ ma lingua, cada um dos quais, a0 crescer, se bipartia, fazendo dois povos que comegavam a se diferenciar e logo se desconheciam e se hostilizavam”. A floresta amaz6nica era ainda povoada por outros grupos indfgenas: caribas, tucanos, aruaques ¢ panos. O grupo jé alcangava uma ampla érea do cerrado, da caatinga e da area mais meridional da Mata Atlintica, enquanto 0 ‘grupo cariri circunscrevia-se & caatinga. Nos campos do Sul, na atual vizi- nhanga com o Uruguai, habitavam os charruas. (Os assentamentos humanos fisndavam-se assim nas ofertas da natureza (Maria do Carmo C. Galvio, 1992), eas localizagdes econémicas resultavam. da combinagio entre as necessidades de cada produto e as condigées naturais preexistentes. O caso do Recéncavo Baiano e do Nordeste (também agucarei- stra esse tipo de relagdes nos séculos XVI, XVII eXVIIL. Poder-se-ia dizer que o reino da necessidade balizava a reprodugio harmoniosa da natureza. Era, desse modo, um territério caracterizado pelos tempos Ientos, onde as diferenciagdes enraizavam-se na natureza ¢ um tempo humano buscava timidamente ocupar os alvéolos de um tempo “natural” 2.2. Os sucessivos meios técnicos Na sua evolugao, como lembra o filésofo Alfred Whitchead (1919), a natureza diversifica-se ¢ se faz outra porque mudam seus elementos ¢ ela prépria como um todo. Analogamente, o movimento da sociedade e a trans- formagio dos contetidos e fungSes dos lugares podem ser entendidos pelas, sucessivas divisdes territoriais do trabalho (M. Santos, 1996, p. 105). A pro- ducio em cada lugar é 0 motor do processo, porque transforma as relagdes do todo e cria novas vinculagGes entre as éreas. Distribuido no territ6rio a0 sabor do trabalho mort, isto é, dos lugares jé organizados para uma dada produgio, o trabalho vivo organiza-se sob novas formas de produgio € cir culagio, e desse modo uma nova divisio territorial do trabalho se impde & preexistente. 30 © BRASIL: TERRITORIO £ SOCILDADE NO INICIO DO SECULO XXt Mais tarde, a invengio ¢ difusio das maquinas e a claboragio de formas de organizagio mais complexas permitiram outros usos do territ6rio. Novas eografias desenham-se, sobretudoa partir da utilizagio de prolongamentos nio apenas do corpo do homem, mas do préprio territério, constituindo verdadeiras préteses, © periodo téeaico testemunha a emergéncia do espago imecanizado. Sio as légicas ¢ os tempos humanos impondo-se & natureza, situagdes em que as possibilidades técnicas presentes denotam os conflitos resultantes da emergéncia de sucessivos meios geogrificos, todos incomple- amiente realizados, todos incompletamente difundidos. Poderiamos assim reconhecer diversos momentos em um proceso de evolugio que é permanente. No primeiro podemos falar do territério brasi- leiro como um arquipélago, contendo um subsistema que seria 0 arquipéla- 0 mecanizado, isto é, 0 conjunto de manchas ou pontos do territ6rio onde ne realiza uma produgio mecanizada. Depois, a propria circulagio se meca~ niza ea industrializagio se manifesta. E somente num terceiro momento que esses pontos e manchas sio ligados pelas extensGes das ferrovias e pela im- plantagio de rodovias nacionais, criando-se as bases para uma integragio do ssa integragio revela a heterogeneidade do espaco inereado e do territéri nacional e de certo modo a agrava, jé que as disparidades regionais tendem, assim, a tornar-se estruturais. 2.2.1. © Brasil arquipélago: a mecanizacéo incompleta Relacionadas com a demanda do exterior, formam-se zonas econdmicas c criam-se verdadeiras familias e geragdes de cidades (M. Santos, 1971) tes- temunhando uma sucessio de divisdes territoriais do trabalho fandadas em graus diversos de tecnificagio. Em um primeiro momento, as aglomeragies restitaram da instalagio dos servigos de governo (Mauricio de A. Abreu, 1997), comegando pela fiscalizagio das atividades rentéveis tanto na agricul- tura como na mineragio. Cidades ¢o ouro e cidades do diamante, cidades de estradas de ferro, cidades de passagem, bocas de sertio e cidades planejadas cls companhias de colonizagio sio os tipos principais a partir dos quais Pierre Deffontaines (1944) assinala 0 dinamismo da urbanizacio brasileira, (O desenvolvimento urbano era uma conseqiiéncia imediata da combinagio an de dois fatores principais: a localizagio do poder politico-admi centralizagio correspondente dos agentes € das atividades econémicas. E 0 istrativo ea caso, entre outros, de Salvador e do Recife e também do Rio de Janeiro, ca- pital do Vice-reino do Brasil em 1763 (Lysia Bernardes e Maria Theresinha de Segadas Soares, 1987). Tadavia o governo geral instalado em Salvador em 1549 ¢, depois, 0 vice reinado no Rio de Janeiro, a transferéncia da cabega do Império portugués em 1808 ¢ a Independéncia em 1822 foram, para a hist6ria do pais, fatos ‘marcantes mas incapazes de criar, no dominio da economia, fluxos verda~ deiramente nacionais. A méquina de Estado servia para preservar e ampliar as fronteiras, manter o regime e a ordem, assegurar a coleta de impostos e, com a ajuda da Igreja, unificar a lingua. A unidade politica e lingtiistica se dava ao mesmo tempo em que as diversas regides, produzindo para o merca~ do externo, a este se ligavam praticamente sem intermediério, de modo que sua evolugio espacial e econémica era ditada por relagdes quase diretas. Dai a imagem de um vasto arquipélago formado, na verdade, por um conjunto de “peninsulas” da Europa. Escravidio e dominio sio outros termos para contar a histéria colonial do territério brasileiro. Homens, plantas e animais de trés continentes, sob o império dos europeus, encontraram-se ¢, no seu convivio obrigat6rio, cria~ ram uma nova geografia nessa porcio do planeta. Acultura da cana-de-acticar, baseada no desmatamento da floresta,* aju- daa fondar uma série de pequenos centros na Zona da Mata nordestina e no Recéncavo Baiano (Thales de Azevedo, 1955; Maria de Azevedo Brandio, 1988; Pedro de A. Vasconcelos, 1997, Maria Auxiliadora da Silva, 1972). Res- ponsiveis pela escravidio de africanos nessas terras, os engenhos constitui- ram uma manifestagio precoce da mecanizagio. Foi a principal razio da importincia de Salvador e Recife no comeso da época colonial (Josué de Castro, 1957; Gilberto Freyre, 1933, 1998). Esses engenhos, explica Sérgio xde-se eicular que até 1700 — cerca de 150 anos apés a exportagio do agicaralcangar escala comercial — os campos de cana teriam elimninado uns mil km? da Mata Atlantica, sue pondlo-se um crescimento quase constante eos camposde cana ‘cansudos’sendo abandona- dos para aagriculturade subsisténcia ou pastagens ap6s urna médiade quinze anos” (W. Dean, 1995; 1997, p. 96). 32 Buarque de Holanda (1936, 1995, p. 80), constitufam organismos comple- tos, fornecendo alimentos, ensino e religido aos seus moradores. Mas no Nordeste semi-érido, aponta Manuel Corréa de Andrade (1995, p. 47), for= mouse “uma sociedade pecuarista dominada por grandes latifiindios cujos detentores quase sempre viviam em Olinda ou Salvador”. A interiorizagio do povoamento foi devida, de um lado, i mineragio e, de outro, a ctiagio de gado nas fazendas. A exploragio dos diamantes e do ouro foi responsével pela existéncia de intimeros niicleos de vida urbana no interior «los Estados de Minas Gerais, Bahia, Goigs e Mato Grosso. Tiés reas princi- piais de criagio de gado despontavam nos albores do século XIX: os sertdes do Norte edo Nordeste, que abasteciam a zona agricola do litoral, a zona de mi- agio, Minas Gerais, que contava com melhores condigdes técnicas, ¢ os pos do Sul, que serviram & produgio de couro e charque (Caio Prado J, 1945, pp. 185, 192, 198). Esse avango para o coragio do continente nio retirou, porém, a importincia demogrifica do litoral, pois, conforme esse autor (pp. 3 € 33), de uma populagio de 3 milhées de hatitantes no comego do século XIX, 60% concentravam-se nas éreas litordneas. Os portos, lugar de solidariedade entre navios, rotas de navegagio € z0- nas produtivas, as {errovias, as primeiras estradas de rodagem ¢ usinas de cletricidade permitiram a constituigio dos primeiros sistemas de engenharia no territ6rio brasileiro. Todavia, em enormes pedagos do territério, como a Amazénia, impunha-se o meio natural, com significativos estorvos a explo- facia e4 posse. A producio € 0 comércio da borracha, baseados na possibili- dadedo investimento piblico, permitiram o crescimento de Belém ¢ Manaus. Ao café devem Sao Paulo e Santos a sua fortuna. O cacau criow uma rede de s. cidades, assim como o porto de Hh: As primeiras linhas regulares de navegacio entre o Brasil eo Velho Mun- do, a partir de 1850, convidam 4 construgio de cais nos portos do Rio de Janeiro, Bahia, Sio Luis do Maranhao, Recife, Cabedelo eas docas em Belém do Paré, queaté entio operavam como pontos de um precario desembarque. No Rio de Janeiro, as novas infra-estruturas portusrias nascem em solidarie- dade com as primeiras estradas de ferro, como a Pedro II. ‘Ainda que existissem, no final do século XIX, alguns caminhos de terra sem drenagem e com escassas pontes para atravessar os rios, eles permitiam aa MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA apenas o tréfego de animais e nio se encadeavam em sistemas com 0s portos. Todavia, no Sudeste e no Sul jé existiam algumas estradas que, embora per- mitindo a circulagio de diligencias, nao foram eficientes na concorréncia com as ferrovias para escoar as produgées (Milton Vargas, 1994a, p. 140) O crescimento das cidades, entretanto, foi desigual devido as oscilagses das economias regionais ou de seu papel politico (Pedro P. Geiger, 1963; ‘Murilo Marx, 1991). Formavam-se verdadeiros circuitos interiores, cada qual dominando uma dada extensio do territério com os meios limitados de que dispunham. A inexisténcia de transportes interiores répidos era responsivel por um isokmento quebrado apenas pelos transportes maritimos. Como essas aglomeragies viviam sobretudo do comeércio, a hierarquia entre elas depen- dia das relacdes com o estrangeiro. Mas ainda nio havia uma integragio. Dai a inexisténcia de uma rede urbana verdadeiramente nacional. Nio se podia tampouco falar de uma metr6pole nacional, salvo no que diz respeito, até certo ponto, aos aspectos politico e cultural. Os intercimbios, conquanto limitados, no ocultavam um cariter hierérquico. Este estava essencialmente realizado no dominio da administragio, que foi completamente centralizada até a Reptiblica de 1889. No entanto, essa centralizagio permaneces, gragas distribuigio constitucional dos impostos, cuja arrecadagio rendia grandes so- ‘mas de dinheiro ao governo federal. ‘As maiores cidades formaram-se no litoral ou nos seus arredores (Anto- nio Carlos Robert Moraes, 1991; 1999). Pode-se até afirmar que, exceto para as cidades do ouro, a vida urbana praticamente nio existia fora das zonas li- torineas ¢ sublitorineas. As metropoles coloniais eram igualmente portos, a0 passo que, na regio interior mais proxima, centros intermedisrios se for= mavam, destinadosa servir mais diretamentes zonas de produgio. Formando ‘um conjunto funcional com o porto de Santos, o caso de Sio Paulo é dife- rente, pois correspondea uma expansio da produgio do café (Vale do Paraiba, ‘Campinas, Ribeirio Preto) (Ari Franga, 1956; Maria Irene de Q. Szmecsinyi, 1983). Mas, até meados do século XIX, Santos foi o porto do agiicar, para converter-se depois em porto do café, com a “formagio do verdadeiro bindmio So Paulo-Santos” (José R. Araiio Filho, 1969, p. 55). Em todos os casos, as maiores cidades presidem a uma cconomia de pro- ducio voltada para o estrangeiro. E a explicagio desse urbanismo de fachada 34 (© BRASIL: TERRITORIO & SOCILDADE NO INICIO DO SECULO XXI aque reflete a condigio de dependéncia da economia nacional. A excegio das cludes eriadas (Belo Horizonte, Goiinia, Aracajt),a organizagio urbana do Basil era uma heranga direta da colonizagio. Durante quatro séculos vagarosos, 0 territ6rio brasileiro, mas sobretudo algunas dreas, como a Bahia, foram a base de uma produgio fundada na cria~ iv de um meio técnico muito mais dependente do trabalho direto ¢ con- cet do homem do que da incorporagio de capital i natureza. Esta, de certo modo, teve ao longo do tempo um papel relevante na selegio das produgées, dos homens. A partir da segunda metade do século XIX, a produgio (é 0 caso do agii- ar) e, depois, o territério se mecanizam, mediante a instalagio de usinas agu- carciras e, mais tarde, da navegagio a vapor e das estradas de ferro, As técnicas da méquina circunscritas & produgio sucedem as técnicas da mquina inclu- fdas no territério. Contudo, as primeiras indiistrias brasileiras no eram obrigatoriamente anas. Algumas dependiam diretamente de matérias-primas — como 0 algodio cultivado em éreas da Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco ¢ Maranhio ~ ou de fontes de energia que se encontravam fora das cidades. Em 1881 existiam 44 estabelecimentos industriais téxteis brasileiros, dos quais a regio da Bahia possuia o maior néimero. Todavia a maior parte da producio correspondia ao Estado do Rio de Janciro, onde seis estabeleci- rentos forneciam 8,8 milhdcs de metros de tecidos, enquanto na Bahia se produziam 3,559 milhdes de metros, Jé Sio Paulo, apesar de contarcom nove estabelecimentos, produzis apenas 1,97 milho de metros. Em Minas Ge- rais, oito estabelecimentos produziam somente 361 mil metros de tecido. ‘Um fato porém € importante e deve ser ressaltado: a localizagio da pro- dugo mostra claramente o papel preponderante da populagio. E por essa ratio que das 636 fabricas existentes no Brasil em 1890, e que empregavam 54.169 operdrios, as mais numerosas e importantes estavam no Rio de Janei- +0, So Paulo, cuja populagio era de apenas 50 mil habitantes, tinha somente 3.600 operérios. Em 1907, 0 entio Distrito Federal, atual municfpio do Rio de Janeiro, detinha ainda o primeiro lugar, com 33,1% da produgio industrial, 24% do total de opersiios € 20% do conjunto de estabelecimentos do pats. Sio Paulo 35 ee ne MARIA LAURA SILVEIRA assegurava 16% da produgio total, enquanto o Rio Grande do Sul ficava com 15% eo Estado do Rio de Janciro com 7%. Nenhum outro Estado chegavaa 5% Mas em 1920, enquanto o Rio de Janeiro produz 20,8%, Sio Paulo jé alcanga 31,5% do total nacional. Nos Estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Parané, a politica oficial de imigragio e colonizagio assinalou a forma de povoamento e de tra balho. E, sobretudo em Sio Paulo, parte da imigragio constitufa uma mio- de-obra qualificada, os imigrantes eram também portadores de um modelo de consumo que conheceram ou almejavam obter nos paises de origem. Isso ajuda a explicar o desenvolvimento industrial Sio Paulo conseguiu uma expansio maxima da produgio de café numa fase em que havia mercado para esse produto, porque o nivel de vida estava em elevagio na Europa e nos Estados Unidos. Os recursos obtidos permiti- ram uma realizagio econdmica diversificada na drea cafecira. Como os pre- 0s eram favorveis eo volume da produgio crescia rapidamente, parte do salirio podia ser liberada para um consumo mais amplo. Ao mesmo tempo, a industrializagio nascente se fez numa fase em que os progressos técnicos ram menos ripidos, de sorte que o tempo de vida de uma fabrica era maior ea cada necessidade de aumentar a produgio uma outra fabrica era agregada. Acconomia era de certo modo concorrencial, e por isso mesmo criavam-se mais empregos €o salério fabril servia, juntamente com o rural, para encora- jar 0 nascimento de outras fabricas. 2.2.2. O meio técnico da circulagéo mecanizada e dos inicios da industrializagao Uma transigio pode ser observada entre o perfodo anterior, heranga da €poca colonial pré-mecinica, e a verdadeira integragio nacional. "Mas a indkstria paulista conhecia entdo um ritmo de expansio muito ripido. Em 1885 Si0 Paulo, com os seus 3.172 opersrios, produzia um montante de Cr$ 20.598.000 de produtos industrais. Em 1905 o niimero de operdrios multiplicavaese por treze (39.159),€ 0 valor da produgio por doze (Cr$ 242 milhes). O ritmo de crescimento jé era superior ao do Rio de Janeiro, ultapassado em 1910. Em 1920 Estado de Sio Paulo possufa 83,998 operirios, isto é, 30% do total da populagio ativa do pats. 36 OBRASIL: TERRITORIO E SOCIDADE NO INICIO DO SECULO XXI Esse periodo de transigio teve, regionalmente, expressio e duragio dife- rentes, Mas, para 0 conjunto do pais, pode-se situé-lo entre 0 comego do século XX e a década de 1940. E entio que se estabelece uma rede brasileira «le cidades, com uma hierarquia nacional e com os prinérdios da precedén- cia do urbanismo interior sobre o urbanismo de fachada. E, simultaneamen- tc, sm comeco de integragio nacional e um infcio da hegemonia de Sio Paulo, como crescimento industrial do pats e a formagio de um esbogo de merea~ do territorial localizado no Centro-Sul. Paralelamente, aumenta de forma cclerada a populagio global do pais, mas de um modo geral permanecem as velhas estruturas sociais. Oaparelhamento dos portos, a construgio de estradas de ferro e as novas formas de participagio do pais na fase industrial do modo de produgio capi- tulista permitiram as cidades beneficidrias aumentar seu comando sobre 0 cspago regional, enquanto a navegagio, muito mais importante para o exte- rior, apenas ensejava um minimo de contatos entre asdiversas capitais regio ‘is, assim como entre os portos de importincia, Rompia-se, desse modo, a lento para dentro do territ6rio que se associava com um tempo répido para fora. Este se encarnava nos portos, nas ferrovias, no telégrafo e na produgio rncia do tempo “natural” para ceder lugar a um novo mosaico: um tempo mecanizada, E assim, usando os termos de Georges Friedmann (1966, 1977, pp. 7-8), poderfamos dizer que “maquinas de produgio e maquinas de circulagio” se espalham no territério brasileiro, consolidando as éreis de mineragio e con- ribuindo para criar areas de monocultura de exportacdo, unidas aos portos licorineos por estradas e ferrovias. A produgio ¢ a distribuigio de energia, ¥e a0s centros urbanos* e a essas até 0 inicio do século XX, circunscreviam: reas de maior espessura da divisio do trabalho. £ 0 caso de Minas Gerais, com a construgio das usinas Ribeirio do Inferno (Diamantina), vinculada 4 exploragio de diamantes, Macacos (Nova Lima) ¢ Marmelos I ¢ I (Juiz de Fora).? As possibilidades técnicas de transmissio eram circunseritas ao lugar. ‘Aprimeira insialaglo de iluminagio elétrica no pats foi feta na cidade do Rio de Janeiro em 1379, Todas exam usinas térmicas e hidrdulicas, construfdas na décata de 1880 para auniliar os trabalhos de minerasio. 37 (MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA Em 1901 foi implantada a usina de Santana do Parnatba no Estado de Sio Paulo, sobre o rio Tieté, capaz de gerar 16 mil quilowatts. Entre 1900 ¢ 1935 iniciaram suas operagSes no Brasil 13 portos flu- viais e maritimos, correspondendo cinco a regito Nordeste, trés & regido Sudeste, trés & regiio Sul e dois & regifo Norte. Dentre estes, Manaus, cujo cais foi construido em 1903, possibilitou o escoamento de um bem altamente apreciado nos mercados mundiais: a borracha amazénica. O porto de Belém foi planejado como um sistema de engenharia que en volvia cais, avenidas, armazéns, linhas férreas, casas de méquinas e ou- tros edificios complementares. Pode-se dizer que esse 0 momento da mecanizagio do territ6rio bra- sileiro e também da sua motorizagio, com a extensio, em sistema com os portos, de linhas ferrovidrias. Até a década de 1940, a expansio da rede aumenta num ritmo importante, porém com profundas diferengas regio- nais. Contando com 16.782 quilimetros de estradas de ferro em 1905, Brasil atinge, em 1940, 108.594 quildmetros. Ea regifo Sudeste — sobre tudo Minas Gerais ¢ Sio Paulo — que apresenta as maiores expanses € representa, no iltimo desses anos, 37,27% do total da rede nacional. Des- deo século XX a exportagio de café foi um fator decisivo nesse processo, incorporando éreas tributirias como o Triingulo Mineiro ¢ 0 norte do Parané. Uma topologia marcada por desconexdes decorre, sobretudo, de uma vida circunscrita as regides, embora orientada para satisfazer a neces- sidades de matérias-primas além dos mares. E nesses anos que 0 porto de Paranagua (PR) comega a ganhar importincia na exportagio de café (José R. Arailjo Filho, 1969, p. 158). As especializagoes regionais em matérias~ primas de exportagio garantiam sua vinculagio aos portos ea mundo. Mas a busca da integracfo nacional nio era ainda um imperativo da construgio dessas redes. Paralelamente, 0 proceso de urbanizagio aumentava as demandas de cletricidade, com a difusio dos bondes elétricos, da iluminagio pablica e das primeiras indistrias, Entre 1901 ¢ 1910 iniciaram operagSes 77 usinas, ccm 1920 0 seu niimero se elevava a 343, distribuidas fundamentalmente entre os Estados do Sudeste, do Sul e o nordestino Pernambuco. A uma multiplicidade de sis 1s técnicos, independentes e abastecedores de suas 38 URIASIE TURMITGRIO © SOCHDADE NO INICIO DO SECULO XXL fiven sntigus, correspondia una miultiplicidade de empresas que os ad- tinisttavan.” Monte nicados dos anos 30 ¢ final da década de 1960 foram inaugura- thie nove portos, cinco dos quais na regido Sul do pais. Nesses anos, uma felons cl le vigente possibilitou concessses para a construgio e adminis Hayle, er nivel estadual, de alguns portos. Esse foi o contexto da constru- orale Nutexs, Angra dos Reis? e So Sebastifo. A aulustralizagio balbuciante leva a construgio de uma constelagio de Wainy eletrcas em todas as regides do pais, que passam de 1.208 em 1930 aia LHKS em 1940. Inicia-se, segundo Paulo Cesar Peiter (1994), um pro- tans le mterligagdes ¢ de padronizagio das linhas de transmissio e distri- Huan, que foi acompanhado por uma centralizagio estatal das empresas dletnn as © desenvolvimento das comunicagSes internas reforca a presenga do Fata nacional, mas também a dos governos provineiais, enquanto o cabo sulunat ine ficilta ainda mais as relagbes externas, localizando-as de maneira tuuan restita, O telégrafo, inovagio téenica presente no Brasil desde 1852, wanhs enorme difusio, sobretudo a partir das expedigdes do marechal Nuh, Lin bela narrativa, Amilcar Magalhies (1946, p. 16) refere-se a uteyragio efetiva de Mato Grosso ao pais apés a construgio da linha tele- Wtlica pelo marechal Cindido Rondon. © marechal foi responsivel pela tunstiugio de 5.500 quilémetros de linhas telegraficas, entre elas a linha { wushi Corumbé, com ramificagdes para Aquidauana ¢ Forte de Coimbra (1144), sul do Mato Grosso até Nioac, Porto Murtinho, Margarida ¢ Bela Vivta a {ronteira com Paraguai (1906), Cuiabé-Santo Antonio do Madei- (4. Wes tamais unindo os territérios do Amazonas, Acre, Alto Purus e Alto Junua ao Rio de Janeiro (1915), Aquidasana-Ponta Pord (1922), varias de- “tw (20, Minas Gerais contava com 91 usinas (em mios de 72 empresas), Sio Paulo com ‘wuss miprests), Rio Grande do Sul com 41 usinas (quarenta empresas), Parand com vinte (ante empresas), Rio de Janeiro coms 18 usinas (17 empresas), eenambuco com 16 (I empresas) sla vonstrugio do porto, exportava-se por Angra dos Reis o café do Vale do Paratba foram conclutdas as obras que permiciram importa carvio e madeira. A partir de ern Ania dos Reis passou a escour a produsio da Companhia Siderirgica Nacional e a eta igo 39 MILTON SANTOS & MARIA LAURA SILVEIRA las acompanhadas da construgio de estradas de rodagem (Rondon, 1916; E, Roquette-Pinto, 1950; D. Ribeiro, 1958; C. Ricardo, 1970). Pode-se dizer que os trabalhos do marechal Rondon constituiram uma forma de expan- sio do meio técnico europeizado nas éreas em que grupos indigenas ainda agiam entre os misteriosos desfgnios da natureza."” A populagio brasileira aumentou continuamente no decorrer dos tlti- mos decénios. A luta contra a morte, levada paralelamente a um combate menos eficaz contra 0 analfabetismo e pela educagio, deu como resultado uma enorme elevacio do indice de efetivos. Mesmo nas cidades, o aumento natural da populacio € significativo. A populagio brasileira, que era de 30 milhGes em 1920, é de perto de 83 milhdes em 1965. O incremento demo- _grifico teve como conseqiiéncia nio somente o aumento dos efetivos em cada regio, mas também a redistribuicio da populagio. Essa redistribuigfo ma- nifestou-se por um novo equilibrio demogréfico regional e um abandono do campo, com o aumento do niimero das cidades ¢ de sua populagio. Nordeste eo Norte representavam mais de um tergo (34,39%) da populagio global em 1872, Em 1960, e como que ilustrando um resultado da evolugio acima deserita, essas duas regides s6 representavam um quarto (25,76%) dos totais brasileiros, ainda que seus indices de natalidade fossem mais fortes que no resto do pats. Grande parte dos brasileiros do Norte e do Nordeste troca~ ram essas regides pelas cidades do Sul. De modo geral, foram as cidades que mais ganharam com 0 crescimento da populacio brasileira. Entre 1940 e 1950, enquanto a populacio global au- mentava de 24%, a populagio urbana crescia de 30%, No perfodo compreen- dido entre 1950 ¢ 1960, o fendmeno é ainda mais nitido. O indice global foi de 39%, mas o aumento urbano & de 54%. O crescimento da populagio rural fica estaciondrio nesses dois decénios, com a mesma tabela de 16%. Essa ta- bela é inferior a do crescimento vegetativo ¢ resulta do éxodo rural, devido cia de emprego nas cidades que a persisténcia de uma parte do territério brasileiro (Ver Mapas: muito menos exist estratura agréria defeituosa na m Segundo Cassiano Ricardo (1970), Rondon, “o pacificador do gentio", encontrow, além dos seusancestrais—os terenas —, os guaicurus, quiniquinais, ofaiés, guands, laianas, nimi, bororos, umatinas, cara, javags, chambicts, claps, gerotrés, gavides, djorés, anaucuis, naravutes,cuicutis, suis, eajabis, mandaracus, parecis,iranches, apanhumas, nhambiquars. 40 (0 RASH: TERRITORIO. F SOCHDADE NO INICIO BO SLCULO xxI Culades com mais de 20 mil habitantes 1940 ¢ 1950 p. XL Cidades com mais «100 mil habitantes 1940 e 1950, p. XLVI e XLVI. Difuusio das cidades com «cle 500 mil habitantes 1940 1950 p. Le LI; Difusio do fendmeno cida- «les milionsrias 1940 e 1950, p. LV). ‘Se consideramos as cifras globais para o Brasil em 1960, 89,39% dos es- Uubclecimentos rurais com menos de 100 hectares representavam 20,2% das superticies € 44,62% com menos de 10 hectares reuniam 2,23% das superfi- Wes, Por outro lado, 0,98% das propriedades com mais de 1.000 hectares teuniam 47,29% da superficie total. Assim, 32.825 proprietérios possufam ¢ a metade da superficie das propriedades agricolas brasileiras, enquan-= os outros 3.316.599 dispunham apenas de 52,71%. Semelhante estrutura da propriedade favorece ao mesmo tempo a per- tucia da pobreza ¢ © abandono do campo. Os excedentes de populagio, ‘ala ano mais numerosos, encontram um refiigio nas cidades. Isso explica crescimento urbano superior a 10% anuais em virios centros regionais ¢ «le 6% nas grandes metr6poles, enquanto o ntimero de empregados e subem- pregados aumenta num ritmo ainda maior. ‘O deslocamento desses milhares de individuos para as cidades responde, uase sempre, a uma preocupagio pela melhoria das condigGes de vida. Os tnwvos meios de comunicagio sio em grande parte responséveis por essa re- valugio. A estrada, 0 avio, aproximando as dreas de crescimento, facilitam ‘ontatos ¢ a propagagio das novidades. O rédio teve um papel muito im- ,, pois 0 conhecimento da existéncia de outros lugares com melho- igGes de vida fica a0 aleance dos iletrados. O transistor veio concluir poott eva evolugio nas regides onde a eletricidade ainda nio se havia difundido. Os albores da industrializagio no Sul sio contemporaneos de uma au- swacus de relagdes mais estreitas entre as diversas dreas importantes do pais. etorgavam-se, paralelamente, as relagdes intra-regionais, dentro de uma verdadeira “bacia urbana”, na expressio usada por Bernard Kayser (1966) para nciear, na Franga, as relages privilegiadas entre uma cidade e sua area de thuéneia, Num periodo anterior, a configuragio de uma bacia urbana havia sido jweouivel gragas as condigdes naturais. E 0 caso de Salvador e do Rec6ncavo, 41 primeira rede urbana estruturada nas Américas. Foi a revolugio dos trans- a MILIOW SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA portes que beneficion a regio do Recéneavo ¢ que também, mais tarde, possbilitow a regito de Sao Paulo assentar as bases de um ativo intercéimbio que Ihe permitiria, junto a outros fatores regionais, nfo apenas aumentar rapidamente o volume da produgio industrial, mas também diversificé-le (Armen Mamigonian, 1976a). Com essas condigbes regionalmente propi- ‘Giasa uma divisio do trabalho mais extensa ¢ complexa, a inddstria paulistana ganhou impeto, 2.2.2.1. A formagao da Regiao Concentrada e a urbanizacao interior ‘A partirda década de 1930, encontra-se no Sul uma indsstria importan~ te. Séo Paulo tornou-se uma grande metrépole industrial, onde estavam pre- sentes todos os tipos de fabricacio. Chamado a acompanhar esse despertar industrial, o pais inteiro conheceu uma quantidade de solicitagdes e sobre tudo foi impregnado pela nccessidade de concretizar a integracio nacional, Essa industria em desenvolvimento, particularmente a partir da revolu- «io de 1932, precisava ampliar o seu mercado, A extingio das barreiras 3 cit~ Culagio de mereadorias entre os Estados da Unizo marcou wm avango fandamental no processo de integragio econdmica do espaco nacional. Fal- tavam porém outras varisveis de sustentagio, entre elas uma rede nacional de transportes. Essa integracio comegou pela regio circunvizinha 20 Estado de Sio Paulo, pois as relagGes comereiais eram facilitadas pela existéncia de ‘um embriio de transportes modernos em rede ea relativa proximidade dos ‘mercados permitia um trafego maritimo mais intenso (Ver Mapas: Extensio dda rede rodoviseia por 1.000 kan’, p. I Extensio da rede rodoviria por 1.000 habitantes, p. IV). (© Estado de Sio Paulo comega a atrair migrantes de todo o pais, mas sobretudo do Nordeste. Entre 1935 ¢ 1939, 37,5% dos migrantes provinham do Estado da Bahia, 23,5% de Minas Gerais, 12,7% de Pernambuco, segui- dos pelos Estados nordestinos de Alagoas, Ceard ¢ Sergipe (Jorge Calon, 1998), Somente na década de 1930 é que o nximero de imigrantes brasileiros para o Estado de Sio Paulo ultrapassa 0 de estrangeiros. Criavam-se, entio, as condigées de formagio do que € hoje a regiio po- 42 © BRASIL: TERRITORIO E SOCIEDADE WO INicIO DO SECULO XXI Luvizada do pats. Foi um momento preliminar da integragio territorial, dado por uma integragio regional do Sudeste e do Sul. 2.2.3. A integragao nacional A partir de 1945 ¢ 1950 a indsstria brasileira ganha novo impeto ¢ Sio Paulo se afirma comoa grande metrépole fabril do pais. Boque Milton Braga Furtado (1980) chama de creseimento industria intencional, para diferencis- lo do crescimento industrial nio-intencional dos anos 30. Masa indistria do Sule, sobretudo, a indstria paulistativeram de soli- citar eortos produtos agricolas, como 0 algodio, a mamona ¢ o sisal, 20s lon= sinjuos Estados do Nordeste. As necessidadls alimentares de uma populagio tiuyo nivel de vida aumentava trabalharam no mesmo sentido, As estradas joreceram os intercimbios, e no Estado de Sio Paulo a agricultura obteve iveis de eficicia compativeis com a civilizagio industrial. um momento deconsolidagio da hegemonia paulista, com um aumento clerado dos investimentos. Henrique Rattner (1972,p-151) indica que, em 1054, Sio Paulo concentrava 354% dos investimentos do Brasil, enquanto 1958. proporcio era de 62,2%. Eo mesmo autor chama aatengéo paraa forte e constante drenagem que o sistema bancério e financeiro, situado so~ Inetudo nas éreas metropolitanas de Rio de Janciro e So Paulo, fazia de zonas mibrese subdesenvolvidas em beneficio dessas mesmas dreas metropolitas tus, © novo discurso politico-econdmico do Nordeste no fim dos anos 50 tora baseado nessas perdas € resultou na criagio da Sudene (Celso Furtado, 1989). Registravam-se no Brasil, em 1950, 71.027 estabelecimentos industrais «© 1.295.286 pessoas ocupadas. Era uma época em que as firmas micro ¢ de 1 porte representavam 96,7% dos estabelecimentos ¢ eram responsi- pea vets por 42,3% dos empregos no setor. Com 3 milhbes de habitantes, Sio Lanlo concentrava 32,4% dos estabelecimentos industriais e 34,6% do em- eggs industrial do pais, que evidencia também o crescimento da regio do ANG na Grande Sio Paulo (Adriana Bernardes ¢ Eliza Almeida, 1997, pp- 18-19, 24), «questdes 56 podem ser analisadas conjuntamente dentro dos qua- 43 MILION SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA dros nacional e internacional: a politica cambial que favorece a indiistria em detrimento das demais atividades econdmicas, a modernizagio do aparclho estatal indispensivel A modernizagio da economia nacional, sua melhor in- sercZo na economia internacional e as facilidades abertas & entrada do capital estrangeiro. Amodernizacio do pais, jé iniciada sob o regime de Gerilio Vargas, fici- Titara a concentragio econémica ¢ espacial. A ripida expansio da indéstria no “centro” passava a exigir mais mereados, nio apenas fora mas também dentro do pats. ‘Tanto para atender As necessidades de uma populagio de maior nivel de vida quanto para dirigir a colheita de produtos exportaveis, surgem intime- ras cidades € outras se desenvolvem. Até entio, as cidades maiores situavam- se no litoral ou em éreas préximas. E 0 caso de Manaus, até onde a navegagio maritima podia chegar, ou da Sio Paulo do café, com seu desdobramento do porto de Santos. E num Brasil integrado pelos transportes ¢ pelas necessida~ des advindas da industrializagio que vio nascer importantes cidades no in- terior. Estas decorrem do crescimento populacional, da elevacio dos niveis de vida e da demanda de servigos em niimero e freqiiéncia maiores que an- teriormente. Novas formas de relagio entre metrpole econdmica e centros regionais se estabelecem por intermédio do caminhio. As mercadorias exportadas do Rio de Janeiro pela estrada representavam, ji em 1954, 79% do peso © 84% do valor. © Rio fora larga e longamente beneficiado pela sua fungio politica. Ca- pital do pais durante quase dois séculos, pode tornar-se uma metr6pole po Iitica e econdmica. Mas o desenvolvimento industrial de Sio Paulo fez nascer uma nova metrépole econdmica para o Brasil, uma metrépole de outra na- tureza. No perfodo anterior & unificagio do mercado interno, tanto a forga “pré- pria” como forga regional do nticleo industrializado dependiam de fatores regionais (estrutura de propriedade, estrutura do consumo, niveis de renda total e per capita, organizacio dos transportes, das comunicagies edo crédito, distancia fisica e virtual entre cidade ¢ regio de influéncia — contigitidade ‘ou nao, maior ou menor contigiiidade). Mas quando da primeira unificagio 4a (© BRASIL: TERRITONIO F SOCILDADE NO INICIO BO SECULO XxI «ly mercado, jf mencionada, a regiio mais avantajada, em comparagio com as demais, passava também a dispor de condigdes para competir com as ou- tras regides na propria zona de influéncia destas tltimas, Hii, de um lado, mudanga estrutural no esquema produtivo e, de outro, ior seletividade geogréfica da producio industrial mediante uma polari- ais clara e mais forte. Os dois fenémenos sio interligados, pois € a iza¢io em Sio Paulo das indiistrias mais dindmicas (Wilson Cano, 1977; 1981) que reduza importincia relativa do Rio de Janeiro, impedindo, entio, aulmitir que ainda existam no pafs duas metrpoles. A fungio metropolitana cabe, doravante, a Sio Paulo. O desequilibrio entre a estrutura industrial do Rio ea de Sio Paulo afirma-se realmente quando a inditstria paulista conhe- ce uma diversificagio ¢ a do Rio de Janeiro deixa de seguir esse caminho. A formagio de capital na regiio de Sio Paulo é um dos fatores dessa diversifi- cagio ‘Se 0s transportes maritimos sempre reforgaram a dependéncia em rela~ io ao estrangeiro, os novos transportes terrestres, a partir da Segunda Guerra Mundial, beneficiam Sio Paulo, a metrépole industrial do pais. As dificul- dades financeiras para 0 equipamento dos navios € 0 fato de varias fe terem sido levadas a tornar-se antiecondmicas aceleraram a instalagio do império do caminhio. O tragado dessas estradas obedecia 4s novas exigén- cias da inddstria e do comércio, ¢ assim acabou por reforcar a posigio de Sao Paulo como centro produtor e, ao mesmo tempo, de distribuigio priméria. Aeriacio de uma indstria automobilistica e a construgio de Brasilia con- fluiram também para favorecer Sio Paulo ¢ aumentar 0 desequilibrio eco- ndmico. Constitui-se nessa cidade um parque de numerosas indkistrias de hase, cujo enorme mercado é dado pelo esforgo de equipamento de todo o territério e mesmo pelo abastecimento normal da populigio brasileira portante, pois a rede de estra- Acconstrugio de Brasilia foi um pass das, indispensivel: afirmagio do Estado sobre 0 conjunto do territério, tam- bhém era imprescindivel para a expansio do consumo do que era produzido ‘ifm 1940 mdo-de-obra industrial do Rio de Janeiro tinka uma importincia muito seme~ Ihante 3 de Sio Paulo, mas a estrutura das duas inddstras era diferente. Em 1958 Sio Paulo «Rio de Janeiro reuniam dois tergos da mio-de-obrade todo o Sudeste brasileiro: Sio Paulo dletinha 57% do total da mo-de-obra, enquanto 10 Rio cabia 43%. 4s MILTON SANTOS CF MARIA LAURA SILVEIRA, internamente, Aligs, a propria construgio de Brasilia teria sido impossivel se 2 inddstria ja nao se houvesse desenvolvido em Sio Paulo. Como resultado, cada um des es movimentos reforga os demais, e enquanto a economia ea sociedade se renovam, levando o pais a crises politicas sucessivas, as bases materiais também se transformam, mediante a possibilidade de circular mais depressa ¢ através de uma superficie muito maior que no periodo anterior. ‘Oasfaltamento da estrada de rodagem Rio-Bahia, no inicio dos anos 60, € 0 inicio da cor trugio da Belém—Brasitia e da Brasilia~Acre sio desse perfodo, assim como oasfaltamento ea melhoria de outras rodovias, inclusive na pré= pria érea core do pais. O golpe de Estado de 1964 pode ser considerado um novo passo na internacionalizagio da economia brasileira, com a influgncia explicita da guerra fria e os acordos assinados para tornar mais segura a en trada de capitais. ‘As antigas metrépoles costeiras foram, desse modo, reduzindo a sua po- larizagio frente as suas dreas tradicionais de influéncia, pois de um lado o novo sistema de transporte induzia os deslocamentos para Sio Paulo eo Rio de Janeiro e, de outro, essas metrépoles regionais litorineas tornaram incapazes de fornecer bens € servigos as suas regides, Por essa razio os nti~ cleos urbanos mais recentes ligaram-se diretamente a Sio Paulo. O antigo tipo de hicrarquia desmoronou para dar origem a novas formas de depen- dencia entre Sio Paulo ¢ esses centros regionais e metrpoles incompletas. Aindustrial igio ¢ a produgio agricola mais moderna — concentradas no Sudeste — © y consumo — mais difuso que a produgio, mas também concentrado — constituem 0 contetido mais visivel do novo proceso territorial. Acelera-se a tendéncia a disparidade estrutural de um espaco na- cional jé diferenciado, com a produgio de uma situagio em que se torna mais clara a existéncia de uma periferia e de um pélo (a “Regiio Concentrada”). Nesta, o fato paulista, que é dnnico em todo 0 mundo subdesenvolvido, com a contigiiidade entrea metrpole econdmica ea érea agricola mais tecnificada € dinamica, ainda mais facilita 0 desenvolvimento do conjunto e aumenta ainda mais a forga da cidade de Sio Paulo, Num periodo de ativa integragio nacional, as desigualdades assim instaladas tendem a agravar-se cada vez mais. 46 © GRASIL: TLHRITORIO E SOCILDADL NO INICIO DO SECULO XXI 2.3. Meio técnico-cientifico-informacional 2.3.1. O periodo técnico-cientifico A Segunda Guerra Mundial mostrara as enormes dificuldades que a au- séucia de uma rede nacional de transportes acarretava para um pais de di- mneusdes continentais. J idcologia do consumo, do crescimento econdmico e do planejamento lam os grandes instrumentos politicos e os grandes provedores das idéias «que iriam guiara reconstrugio ou a remodelagio dos espagos nacionais, junta mente com a da economia, da sociedade e, portanto, da politica. Para realizar qualquer desses designios impunha-se equiparo terrt6rio, integré-lo mediante recursos modernos. O caminho da integragio do territ6rio e da economia apon- Ludo para todos os paises era tanto mais facilitado e tanto mais répido quanto maior o ntimero de opcbes a atingir e a organizar. E 0 caso do Brasil. © fim da guerra marca também 0 inicio de uma nova era dentro do per- curso capitalista, com as perspectivas abertas pela revolucao cientifico-técni- ca. Era o momento de langara semente da dominagio do mundo pelas firmas 1ultinacionais, preparando assim todos os espagos mundiais para uma nova ia frutificar plenamente trinta anos aventura que, na escala mundial, s depois. Entre os paises subdesenvolvidos, as defesas préprias eram frégeis: 0 peso dla idcologia do crescimento, a correspondente atragio pelo desenvolvimen- tw industrial, apontada como panacéia, as necessidades do consumo interno, ‘ imperativo de afirmar 0 Estado sobre a nagio (owas nagies, ou as tribos) € 4 indispensabilidade de um comando eficaz sobre oterritério eram argumen- tos de peso, embora muitos deles fossem exclusivamente ideol6gicos. Sobre esse pano de findo, a adaptagio a0 modelo capitalista internacional torna-se iniais requintada, ¢ a respectiva ideologia de racionalidade e modernizagio a qualquer prego ultrapassa 0 dominio industrial, impde-se ao setor paiblico € nivade dreas até entio nio tocadas ou alcangadas sé indiretamente, como por cxemplo a manipulagio da midia, a organizagio e o contedido do ensino em todos os seus graus, a vida religiosa, a profissionalizagio, as relagdes de tra~ batho ete. a7 MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA Segundo Armen Mamigonian (1992, p. 10), a industrializacéo dependente havia criado mais problemas do que os exis- tentes anteriormente, pois com um exército industrial de reserva numeroso 0 us0 de tecnologia s cada importada a criagio de empregos tinka sido Pequena,a produtividade havia aurentado e 0s salirios haviamcaido, ocor- rendo uma superexploragio do trabalho e lucros extraordinérios, situagio que exigia a presenga de ditaduras militares colonial-fascistas. A dependé: cia, que se tornou crescentemente interna a economia brasileira, se man festava agora pelo crescimento das remessas de lucros e royalties, pagamento dos empréstimos externos etc., no dando margem apropriagio interna do excedente econémico. Enquanto isso, 0 exército de reserva aumentava, levando a intensificagio das migrages para o Estado de Sio Paulo. Como sempre, Bahia, Minas Gerais ¢ Pernambuco eram os principais Estados de origem dos contingentes, com 25,3%, 34,3% € 12,7% do total, respectivamente. Esse perfodo ria as condi- ‘s6es para reativar o processo de enfraquecimento de todas as periferias, en- quanto o pais parecia refluir para o seu centro: capitais privados, investimentos publicos, populagio, crescimento e pobreza. Esse ciclo deverd durar até fins dos anos 70, quandoa necessidade de novas orientagGes para a totalidade do corpo social virio manifestar-se também no terreno politico. A diminuigio da atividade econdmica que afetava o pais como um todo parecia, entio, uma ameaga A continuidade do modelo, Para manté- lo, era indispensével retomar a atividade, a0 prego de investimentos piiblicos mais numerosos ¢ mais injegio de recursos para promover a exportagio, mais protegio ao grande capital, menor retribuigio ao trabalho, a0 prego de uma politica social ainda menos generosa e, necessariamente, de uma ordem ain= da maior no campo politico-social. ‘Uma nova divisio territorial do trabalho esboga-se no Brasil a partir da necessidade de transformar os minérios, de produzir derivados do petréleo €, um s6 tempo, de substituir esse recurso em alguns setores da circulagio. £0 momento de implantacio de complexos e pélos industriais em diversas regides do pais: o Complexo Petroquimico de Camacati na Bahia, o Com- 48 © DRASIL: TEANITORIO E SOCIEDADE NO INICIO DO SECULO XxI plexn Sidertirgico de laqui no Maranhio, o Projeto Carajés, a indiistria de derwvados de cloro em Alagoas, 0 complexo eletrometakirgico de Tucuru Varalclamente, o Programa Nacional do Alcool (Prodlcool) muda a geogra- tudo interior paulista a partir de 1975, com o ingresso macigo da cultura da tana-tle-agiicar (Adriana Bernardes ¢ Eliza Almeida, 1997, p. 29). Equipa- mncntos de circulagio e especializagées industriais no Estado de Sio Paulo permitem, como assinala Maria Adélia de Souza (1976), identificar trés ei- nuws: Sio Paulo~Campinas-Piracicaba (industria téxtil, perfumaria e velas, uhistria quimica ao longo da via Anhangiiera), Sio Paulo-Sorocaba (indtis- tua textile minerais ndo-metilicos acompanhando a ferrovia Sorocabana) € Vale do Paraiba (quimica, material de transporte, borracha, téxtil, mecini- +4, papel e papelio, alimentos no percurso da rodovia Presidente Dutra). Ampliam-se as redes de transporte, que se tornam mais densas e mais moxlernas; ¢, gragas 8 modernizagio das comunicagdes, criam-se as condi- ives de fluidez do territério, uma fluidez potencial, representada pela pre- sctnga das infra-estruturas, e uma fluidez efetiva, significada pelo seu uso (Ver Mapas: Extensio da rede rodovisria por 1.000 km, p.ll; Extensio da rede texlovidria por 1.000 habitantes, p. IV). Constitui-se uma rede de aeroportos tno territ6rio nacional, entre os anos de 1949 e 1970, como resposta a neces~ nilade de intercimbios velozes. Dentre os aeroportos administrados pela Infracro contam-se 16 no Sudeste, 13 no Nordeste, 11 no Norte, nove no 11 ¢ seis no Centro-Oeste. A revolugio dos transportes, testemunhada no Brasil nas décadas de 1950 ¢ 1960, segue-sc, nos anos 70, uma revolugio das tclecomunicages, para a qual Leila Dias (1989, pp. 36-37) propée uma petiodizagio: até 1969, os meios técnicos do sistema de telecomunicagies ‘ram apenas as ondas curtas ¢ 0s cabos submarinos de baixa capacidade de miissio; entre 1969 ¢ 1973 instala-se um sistema nacional de telecomuni- cages por rede hertziana; de 1974 a 1984 incorpora-se ao sistema o satélite INTELSAT e por fim, entre 1985 ¢ 1988, hé o desenvolvimento dos satélites rasileiros Brasilsat I e Il Os anos 70 sio também um marco na modernizagio da agricultura, no desenvolvimento do capitalismo agrério, na expansio das fronteiras agricolas na intensificagio dos movimentos dos trabalhadores volantes — os béias~ Irias, Segundo Rosa Ester Rossini (1988), o volante € parcialmente liberado 49 EES TS MIATA LAURA SILVEIRA pela agricultura, convidado a participar das atividades principalmente nos momentos de “pico” dos trabalhos agricolas enquanto 0 resto do ano se refugia no trabalho do setor terciério, Todavia, na opiniio de Arthur Soffiati (1987, pp. 68-69) haveria certa tendéncia a transformar o trabalhador rural em vo- Jante, com “a ampliagio da drea plantada, a modernizagéo da agricultura, 0 desejo de ampliara margem de lucto no setor agroindustrial”, o que eria “uma ‘massa de camponeses volantes, desapegados da terra, subassalariados, desor- sanizados, sobreexplorados e vendendo particulas de sua vida dia a dia [..]". Fstados como Parang, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais ¢ Bahia apresentam, entre 1950 ¢ 1980, altas taxas de emigracio liquida, Areas gue haviam sido atrativas em outros momentos transformaram-se, nos anos 70, em expulsoras de uma populagio cujo destino eram as metrSpoles ou que incursionava em novas frentes pioneiras, como a Amaz6nia.2 Daf por dianteo que ocorre éa reprodugio ampliada do que fora feito no lhapso de tempo imediatamente anterior, de modo que tudo cresce ainda mais, Porém no mesmo sentido: uma produgio industrial extrovertida, um maior endividamento, maior penetracio de firmas estrangeiras, para as quais tudo € ficilitado, ampliagdo das facilidades de circulagio dentro do pais e para os canais de exportagio, Paralelamente, agrava-se a tendéncia 3 concentragio € 4 centralizacio da economia, assim como 3 concentracio geogrifica €4 con- certragio da renda. Em 1971, 60% da produgio industrial brasileira estava localizada no Estado de Sio Panlo (Anucio estatistco do Brasil, 1971), Os intercimbios aumentam e, em decorréncia, também aumenta 0 terciirio, pois hd maior necessidade de organizagio, de servigos pablicos Privados, de transportes e de bancos. Gesta-se,a um s6 tempo, uma grande especializagio territorial, com tendéncia 4 concentragio da producio de bens € servigos mais “nobres” e escassos em alguns pontos do Sudeste e do Sul ‘Como 0 aparato produtivo se torna dependente de recursos exégenos, ecomo 98 recursos nacionais — incluida a populagio — sio menos utilizados, © Parandé (urbano ¢ rural) perde cerca de 1.100 mil habitantes na década le 1970, Desse ‘nsmero total, $90 mil, ou sea, 83%, vie para Séo Paulo, enquanto 112 milse dirigem a Mato Grosso, 107 mila Mato Grosso do Sule 116 mila Ronddnis, Acre, Roraimae Amapd, Desse contingente, 82% estavam no Estado do Parani havia menos de cinco anos (Filhade S, Paul, 24.03.1982) 50 © BRASIL: TERAITORIO EF SOCIEHADE NO INICIO DO SECULO XXI tereisrio @a Danizagio tendem a aumentar, Trata-se certamente de uma mtemacionalizagio dos processos de produgio. © Brasil viveu um periodo em que as indsistrias podiam ser instaladas ‘con uma tecnologia superada —nio raro miquinss que haviam sido usadas nites em paises industrializados mais avangados —, buscando a substituigio «le importagdes. A produgio satisfazia as necessidades domésticas de consu- imo. Mais tarde, a industrializagio nacional foi determinada pelo nivel de salomeracio polarizadora mais importante do pais ou, em outras palavras, pelo complexo industrial de mais alto nivel. Como esse complexo, de um. ulo, & capaz de suprir a mesma faixa de produtes industrializados que 0 lo desenvolvido e, de outro, oferecer ao pais tens de consumo ao mes- tempo que bens de capital, pode-se dizer que o Brasil é um pats subde- seuvolvido industrializado (M, Santos, 1972-1973, 1975). Autores como Liicio Kowarick (1985) preferem falar de um “subdesenvolvimento industrializa- do”, enquanto L. Bresser Pereira (1975, 1977, 1981) reproduz a denomina~ io de M. Santos. ‘Concomitantemente, apesar da industrializagio,o pais conserva uma série decondigdes de subdesenvolvimento, muitas vezes agravadas pelo crescimen ( econdmiico, a saber, disparidades regionais pronunciadas, enormes desi- nuaklades de renda e uma crescente tendéncia ao empobrecimento das classes, subprivilegiadas, a despeito do aumento do Produto Nacional Bruto e do Produto Nacional per capita Dado que a expansio da indstria din mente pela redugio absoluta ou relativa do poder aquisitivo das massas, a forgada a procurar mercados em outros lugares ou a reduzir ica € acompanhada simultanea- seu proprio crescimento, Os investimentos dirigem-se aos setores onde hi possibilidade de exportagio, isto é producio de bens para os quais existem compradores estrangeiros potenciais, Essa orientagio exige uma constante adernizagio do equipamento industrial a fim de poder concorrer interna~ cionalmente. Isso agrava a dependéncia frente aos centros mais avangados do sistema mundial. Por outro lado, a necessidade de importagio exige uma politica de exportagio agressiva. A politica de crescimento estimula progressivamentea produgio de bens «le capital, para os quais nZo existe mercado interno. O Estado é, portanto, 51 MILTON SANTOS E MARIA LAURA SILVEIRA compelidoa adotar uma politica de grande poténcia, favorecendo as maiores empresas sem consideragio pelas massas cada vez mais empobrecidas. Nes~ se perfodo ocorre uma grande ruptura. Importantes capitais fixos sio a nados ao territ6rio, em dissociagZo com o meio ambiente e com a produgio. O capital comanda 0 territ6rio, eo trabalho, tomado abstrato, representa um papel indireto. Por isso as diferengas regionais passam a ser diferencas so- ciais e no mais naturais. ‘Uma autonomia relativa entre lngares ésubstituida por uma interdependéncia crescente e sobretudo a interdependéncia “local” entre sociedade regional e na~ ‘ureza, fiandada em circuitos locais, é rompida por circuitos mais amplos, em mios de poucos produtores, Tal evolugio é geral, embora a superposigio de ‘nexos mitltiplos, diferentes segundo os lugares, defina as diversidades regio- nais. Gragas a propaganda, & industrializagio, ao erédito e 3 urbanizagio, am- plia-se 0 consumo ao mesmo tempo que hi uma transformagio mais répida de valores de uso em valores de troca, acelerada pela especializagio territorial da produgio, pelo novo patamar de urbanizagio e pela valorizagio da terra. B ‘uma fase de nova integragio, mas com especializacio geogrifica da produgio ‘material e imaterial (Ver Mapas: Cidades com mais de 20 mil habitantes 1960 1970, p-XLI eXLII; Difusio das cidades com mais de 500 mil habitantes 1960 1970, p. Life LIIl; Difusio do fenémeno das cidades milionarias 1970, p. LVI). De um tempo lento, diferenciado segundo as regides, passamos a um tempo rapido, um tempo hegeménico tinico, influenciado pelo dado inter- nacional: os tempos do Estado e das multinacionais 2.3.2. O meio técnico-cientifico-informacional com a globalizacéo Auuniio entre cigncia e técnica que, a partir dos anos 70, havia transfor mado o territério brasileiro revigora-se com 0s novos € portentosos recur= sos da informagio, a partir do periodo da globalizacio e sob a égide do mercado, Eo mercado, gracas exatamente i ciéncia, 3 técnica e i informagio, torna-se um mercado global. O territério ganha novos contetidos ¢ impie novos comportamentos, gragas 3s enormes possibilidades da produgio e, sobretudo, da circulagio dos insumos, dos produtos, do dinheiro, das s2 (@ BRASIE: TORRUTORIG ¢ SOF BADE WU INICIG bo SC UL RKP + usformagdes, das ordens © dos homens. & a irradiagio do meio téenico- ‘sentifico-informacional (M, Santos, 1985, 1994b, 1996) que se instala sobre o territGrio, em dreas continuas no Sudeste e no Sul ou constituindo man thus © pontos no resto do pais ‘A questio da fluidez. do espaco apresenta-se agora em outros termes. Como a informagio e as finangas passam a ser dados importantes, se no fundamentais, na arquitetura da vida social, 0 espago total de um pais, isto é, «1 seu (errit6rio enquanto suporte da produgio em todas as suas instincias, rquivaleao mercado. Desse ponto de vista distinguem-se, no pais, areas onde aanforn netra que antes a questio se colocava quanto aos produtos ¢ 4 mao-de-obra Viubora as estatisticas por elas mesmas nao o digam, definem-se agora den- \e20 eas finangas tém maior ou menor influéncia, da mesma ma- unlules diferentes, novos usos € uma nova escassez, 53

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