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FELIPPE MORAES
SÃO PAULO
2009
FELIPPE MORAES
ORIENTADOR:
Profª MSc Débora Gigli Buonano
São Paulo
2009
MORAES, Felippe
62 f.: il.
Trabalho de Iniciação Científica orientado pela Profª MSc Débora Gigli Buonano
INTRODUÇÃO ________________________________________________ 10
CAPÍTULO 1 _________________________________________________ 13
CAPÍTULO 2 _________________________________________________ 24
CAPÍTULO 3 _________________________________________________ 42
FIG. 1 GABRIEL SIERRA COM SUA MOBÍLIA PARA A 28ª BIENAL DE SÃO PAULO FOTO:
AMÍLCAR PACKER FONTE:
<HTTP://ENTRETENIMENTO.UOL.COM.BR/ARTE/BIENAL/2008/ARTISTAS/GABRIEL-
SIERRA/> ACESSADO EM 07/07/2009 __________________________________________ 17
“The Slack Chair: appointments for a redeeming design” starts from the
deconstruction of the modern values in the search for a new approach
over the materiality that surrounds us. In a progressively chaotic world, the
objects have become catalyzers of the alienation. The modernist
Functionalism is analyzed in the matter of how he managed to contribute
to this phenomenon. The established downfall scenario for this is
discussed and how it is below the diverse post-modern necessities. It is
suggested a new level of reflection. Function and the meanings of the
materiality are subverted in order to promote perception. That attribute is
taken as a generator of freedom by the choices that are presented to the
citizens. By references from literature, philosophy, architecture, design
and visual arts, ways of comprehending and subverting the pernicious
reality in which we live are presented in the pursuit for a less aggressive
and impersonal existence.
Introdução
Esta frase me foi dita pela própria orientadora deste trabalho no início
da minha graduação, muito antes de eu sequer cogitar a existência deste texto,
e vem permeando o meu pensamento desde então e talvez tenha sido uma das
principais motivações para escrever esta obra.
10
los, assim como a inquietação pela busca de respostas, que é tão rara na
mente da maioria dos designers contemporâneos. Em verdade não trataremos
aqui apenas de designers, como pode parecer à primeira vista, mas de todos
aqueles que manipulam uma materialidade em direção a uma finalidade
específica e a todos aqueles que são influenciados por esses desígnios. No
entanto essas questões serão elucidadas mais a frente no desenvolver do texto
tais quais a própria utilização do termo “designer”.
Não quero que leia mais um livro. Quero que leia esta obra como sendo
um convite a um despertar, uma constatação de que há outras formas de se
fazer e, acima de tudo, pensar design, além dos métodos bauhausianos e
tantos outros que a academia está acostumada a pregar. E que existem formas
diferentes e mais conscientes de lidar com o mundo material que nos rodeia.
Os métodos mais recorrentes surgem de uma racionalidade e terminam em
alienação. As proposições feitas aqui visam inserir a razão e a consciência
sobre todo o processo, muitas vezes inclusive subvertendo-a.
Convido-o a conhecer e pensar um design que pode ser arte, uma arte
que pode ser design ou, porque não, algo que ultrapasse tudo isso e sequer
tenha nome? Partiremos de autores que tratam destes temas, refletiremos a
cerca de seus limites, passaremos por referências que parecerão
1
Tom Wolfe (1931), Jornalista e escritor norte-americano, autor de “A Fogueira das Vaidades”, “Da
Bauhaus ao Nosso Caos” entre outros. Conhecido pelo seu estilo irônico, é considerado um dos
fundadores do New Journalism, movimento jornalístico dos anos 1960 e 70.
11
absolutamente discrepantes de toda a temática da obra, mas que em muito
serão convenientes para promover as reflexões e provocar as tão cobiçadas
inquietações.
2
MACK, John E. apud PINCHERLE, Livio Túlio in WEISS, Brian L. “Muitas Vidas, Muitos Mestres” p.11
12
Capítulo 1
Umberto Eco em seu livro “Obra Aberta” diz que: “Facilmente podemos
pensar na obra de Kafka como uma obra “aberta” por excelência: processo,
castelo, espera, condenação, doença, metamorfose, tortura, não são situações
a serem entendidas em seu significado literal imediato.” .Desta maneira inicio
esta obra, cujo objetivo-mor é a reflexão, partindo da metáfora de Kafka que
tanto trata de nossa condição de humanos, sobre a qual procurarei falar a partir
da materialidade.
14
O senso comum nos diz que o que separa o homem dos demais animais
é a razão, a consciência. Então Gregor, mesmo que metamorfoseado num
inseto, mantém-se humano pois sua consciência, apesar de em alguns
momentos estar por um fio, como no transcrito há pouco, mantém-se intocada
e em plenas condições. Talvez inclusive em melhores condições pois, à
margem da sociedade, torna-se consciente de muito do que nela acontece e
principalmente na micro-estrutura de sua casa. E esta é a principal contribuição
que Kafka tem a fornecer às humildes reflexões deste livro que, por sua vez,
estão longe de pretenderem ser tão grandiosas e universais quanto as do
escritor.
O que Kafka queria nos dizer na passagem transcrita? Apesar de, como
diz Eco, ser uma “obra aberta” por excelência, o que lhe permite muitas
leituras, e é aí que jaz uma das maiores genialidades deste, pois trata de
infinitas humanidades em um só texto, para esta obra a leitura se dá sobre o
questionamento do prático e do funcional. O momento em que diz : “se os
móveis o prejudicassem no ato de se arrastar por aí sem sentido, isso não era
um prejuízo, mas sim uma grande vantagem” é , trocando em miúdos a
conclusão deste texto. Se o digníssimo leitor inclusive sentir que já foi tocado
pela obra e que adquiriu tudo que esta teria a lhe oferecer, convido-o a fechar
essas páginas e refletir sobre o tema por si só pois, como já disse na
introdução, a única, e já suficientemente grandiosa, ambição deste texto é
instigar uma nova forma de pensar o design.
Desta forma Gregor faz uma opção pela vida e pela consciência em
detrimento do conforto. Esta parece uma escolha muito óbvia de ser feita
tendo-se acompanhado o desenvolver do raciocínio. No entanto a
progressivamente exigente e veloz vida contemporânea nos faz optar por
aquilo que nos parece o alívio de necessidade imediatistas por meio de
naturezas fugazes em detrimento da consciência. E a questão é exatamente
essa: tirar o design de uma reflexão industrial que pretensiosamente promete
dar cabo da resolução de todos os problemas imediatos e torná-lo um portador
de poderes transformadores sobre a sociedade. O design passa a ser visto
como um grandioso criador de consciência e liberdade para essa horda de
“Insetos monstruosos” na qual vamos lentamente nos transformando por meio
de um vertiginoso processo de perda de referências sobre nós mesmos.
3
Guia 28ª Bienal de São Paulo p.26
16
grande valia para a compreensão deste tema por si só, mas torna-se ainda
mais rica por ter sido dita por Gabriel Sierra, artista colombiano, que
desenvolveu o espaço expositivo do terceiro andar da 28ª Bienal de São Paulo,
que ficou conhecida como “a Bienal do vazio”. Seu curioso projeto que revelava
estruturas, materiais, muitas vezes madeira barata, subvertia, com suas formas
extravagantes, a arquitetura do ambiente assim como o próprio conceito de
projeto expográfico e sua natureza de design, tornando-se freqüentemente
híbrido com as obras para as quais servia de suporte ou circundava.
Fig. 1 Gabriel Sierra com sua mobília para a 28ª Bienal de São Paulo foto: Amílcar Packer
“A arte não precisa da arquitetura nem dos museus para existir; ela
precisa de redes e de tecidos sociais que suportem seus conteúdos,
fazendo uso da lógica para construir um sistema de maneiras
possíveis para dispor e mostrar arte.”
Dialogando de forma similar sobre essas aproximações entre arte, design e
arquitetura nos termos das suas articulações sociais e mercadológicas,
MAZZUCHELLI nos apresenta uma visão muito similar sobre como esses
campos se relacionam na sociedade e como se assemelham. Quando a arte
torna-se progressivamente mais mercadológica, nada mais natural que também
se aproxime dessas outras áreas nos mesmos termos que elas e passem a se
fundir, assim como o fazem no âmbito da poética, em termos de articulação
social.
4
Guia 28ª Bienal de São Paulo p.261
5
adendo do autor desta obra.
6
Guia 28ª Bienal de São Paulo p.261
19
“Não vemos o design gráfico como arte, mas vemos a arte como uma
forma de design. Embora seja difícil definir a arte, não é difícil definir
seu contexto: há uma infra-estrutura clara de espaços expositivos,
galerias, museus, revistas de arte, editoras de livros de arte, a história
da arte, a teoria, etc. A arte pode ser vista como a produção de
objetos, conceitos e atividades que funcionam dentro desta infra-
estrutura específica. Para nós, esta produção pode certamente ser
vista como uma forma específica de design.”
Partindo então dessas premissas estabelecidas por Kiki Mazzuchelli e
Gabriel Sierra podemos assumir o posicionamento de expectadores
conscientes das crescentes, e cada vez mais influentes, relações
mercadológicas inerentes, na contemporaneidade, às atividades discutidas. Ao
passo que sabemos os princípios do que se quer elucidar, torna-se muito
prático o absorvimento, assim como a assimilação, das intempéries
relacionadas ao uso, à compra e principalmente ao projeto destas três formas
de expressão.
20
são produtos sociais bem mais caracterizados e mais atuais do que
os seres humanos que os realizaram.”7
Moles nos apresenta o cenário de uma sociedade que passa a se
relacionar consigo mesma por meio dos produtos que cria e não a partir das
relações entre as partes criadoras. Passa-se a produzir uma relação:
7
MOLES, Abraham p.12
8
FEATHERSTONE p. 70
21
Aqui FEATHERSTONE, apesar de já tratar das relações de troca e
valores abstratos dados aos artefatos, ele compreende o poder simbólico que
possuem e nos dá uma demonstração breve da subjugação do homem aos
próprios valores de troca que cria. “Consumir é muito mais que a simples
aquisição pela qual o homem pretende inscrever-se no eterno, e por esta via,
aliena-se eventualmente aos elementos de seu cenário(...)”9.Para compreender
também estas relações mercadológicas são necessários objetos que portem
perceptividade, de forma a tornar consciente quem os consome, assim como
os demonstrados na história de Gregor Samsa.
22
dos detalhes do uso e da assimilação de valores e símbolos e a conseqüente
consciência e extirpação da alienação presente nessa nova abordagem em
relação aos artefatos.
23
Capítulo 2
“Only when the design fails does it draw attention to itself; when it succeeds, it‟s
invisible.”12
“Somente quando o design falha ele atrai atenção para si; quando obtém
sucesso, é invisível”
John D. Berry
24
apreender o mundo pelas pessoas e as relações que estabelecem entre si,
fazendo surgir nelas uma compreensão maior das questões subjetivas
associadas à existência; ao mesmo tempo em que tomam maior consciência
de suas fragilidades e da humanidade da qual fazem parte. Essa espécie de
“fábula” contemporânea, que narra sem dar nomes a nenhuma das
personagens alegorizando assim a perda progressiva de identidade, nos faz
refletir acerca do quão obtusos nos tornamos e o quanto precisamos perder
para reestruturarmos nossas relações de forma menos perniciosa. Produzindo
uma reflexão sobre a necessidade da percepção e das novas formas de se
fazê-la a partir da perda para estabelecermos cenários mais aprazíveis para as
interações entre os homens e de si para consigo mesmo.
13
FISCHER, Volker p.151
25
relacionamento diagonal o efeito psicológico é completamente diferente
daquele criado pelo confronto cara-a-cara.”14
14
WEWERKA, Stefan apud FISCHER, Volker p.151
26
doméstico, moda, cinema ou outros gêneros artísticos.”15 Desta maneira o
arquiteto e artista nos dá um exemplo do que esta obra discute e defende: o
poder do designer, e do projetista em geral, de ser um agente de
transformação social a partir das articulações que sugere para a utilização dos
seus projetos pelo público simplesmente por subverter a percepção
convencional das imagens.
15
Tradução de FISCHER, Volker p.149
27
“Cortar coisas se tornou para mim o ápice do radicalismo. Eu tinha que
desmembrar, dissolver, chegar ao cerne das coisas, para fugir do aspecto
decorativo. A serra era minha arma, apesar de que certa vez a cortei ao meio
também”16. Esse processo de cortar e rearrumar objetos é um processo, mais
que reconstrutivo, analítico em verdade.17
16
Tradução de citação de WEWERKA de FISCHER, Volker p.149
17
FISCHER, Volker p.150
18
Tradução de FISCHER, Volker p.149
19
FISCHER, Volker p.149
20
FISCHER, Volker p.149
28
as cadeiras, que são pensadas de forma a instigar a reflexão sobre o
convencional, tornam-se convencionais per si ao serem reproduzidas
serialmente e dispostas de forma reproduzir uma matriz à frente.
Fig. 6 Sala de aula construída na Galerie Müller em Colônia em 1971 por Stefan Wewerka
21
KEI, Adriana Faces do Design 2 p.19
29
Berry, obtendo um efeito reverso ao que desejava, rompe uma série de
valores do funcionalismo modernista. Praticante contemporâneo deste modelo,
o autor em verdade, ao dizer essa frase, muito provavelmente queria conferir-
lhe o efeito de ser uma propagadora de um design indefectível,
consequentemente, em suas próprias palavras, invisível. KEI nos fala sobre
essa metodologia da seguinte maneira:
Ora, KEI também nos diz que “o objeto deve não somente atender às
necessidade práticas do usuário, mas também ter a propriedade significativa
que contribuirá com a satisfação emocional do indivíduo” e continua dizendo
que “todos os indivíduos tem desejos além das necessidades práticas”24 e
Irene Rodrigues afirma que “Além das necessidades naturais, os humanos
também tem necessidades estéticas”25, seria então muito incongruente
prosseguirmos com a prática desses valores modernistas associados a um
método que, segundo MOLES “pretende ver na beleza um elemento
22
KEI, Adriana Faces do Design 2 p.19
23
MOLES, Abraham apud GROPIUS, Walter O Kitsch p.140-141
24
KEI, Adriana Faces do Design 2 p.20
25
RODRIGUES, Irene G. Faces do Design 2 p.88
30
suplementar, uma percepção de adequação”.26 MAZZUCCHELLI aborda essa
questão da seguinte maneira:
26
MOLES, Abraham O Kitsch p.140
27
MAZZUCCHELLI, Kiki (2008)
28
MAZZUCCHELLI, Kiki (2008)
29
www.uol.com.br/houaiss acessado em 09/09/2009
31
O conceito de cotidiano, assim sendo, como descrito pelo dicionário, trata
de repetição, algo muito presente na realidade operária modernista. Não
bastando a conclusão histórica da obsolescência de valores modernos em um
mundo completamente diferente chamado por isso mesmo de pós-moderno,
temos também uma conclusão retórica de que o funcionalismo moderno fora
feito para operários igualmente modernos. Assim sendo, quem são esses
operários, onde e como vivem atualmente? Estes tais trabalhadores, aos
moldes que eram nos tempos bauhausianos são uma espécie em extinção, ao
contrário de antes, quando eram a maioria da sociedade. Torna-se então muito
claro o caráter obsoleto desses modelos os quais se insiste em praticar.
32
Berry também prova, com sua citação, a própria falência completa do
método. Segundo ele o design perfeito é invisível. Não havendo, no mundo
presente, algo que se porte com tais características, o método por ele
defendido demonstra-se absolutamente frustrado pois em momento algum
atingiu seus objetivos de projetar objetos com o cumprimento pleno das
funções para as quais foram designados e, conseqüentemente, tornando-se
invisíveis. O funcionalismo é levado a extremos como estes criando diversos
paradoxos insolúveis tanto retoricamente quanto na práxis condenando o
método, tão profundo e poderoso a princípio na sua idealização no início do
século XX, ao obsolescimento e a uma abordagem meramente histórica.
O design moderno foi muito pioneiro em seu tempo, final do século XIX e
início do XX, no sentido de promover esse acesso democrático, não só a uma
vida confortável, funcional, mas que fosse estética na materialidade dos objetos
principalmente por meio da Bauhaus que uniu uma série de movimentos pré-
existente que caminhavam nessa direção. No entanto tais preceitos, praticados
à exaustão, se perderam em meio a uma série de fatores como interesses
econômicos e reestruturação da sociedade. Sobre isso FOLIE inicia o texto de
apresentação da exposição de sua curadoria “Modernism as a Ruin – An
Archaeology of the Present” (Modernismo como Ruína – Uma Arqueologia do
Presente) da seguinte maneira:
30
Tradução: “A mostra lança seu olhar sobre o design da modernidade para uma sociedade
mais humana e contemporânea desde o começo do século XX: um design para novas formas
de viver e novos cenários urbanos. O que aconteceu com essa utopia?”
33
FOLIE cria uma questão curiosa logo no início de seu texto ao apresentar
o sonho modernista e em seguida sua derrocada ao questionar onde se
encontram as conclusões deste sonho perfeito, idealista e universal concebido
pelo movimento modernista. Ao mesmo tempo que considera louváveis as
ambições modernistas para um mundo futuro, ela compreende a sua
inconsistência no mundo contemporâneo e tenta compreender o que desvirtuou
as suas épicas ambições. A curadora não é a única a perceber tais
incongruências, KEI se pergunta: “o que aconteceu com os conceitos do design
moderno, com toda sua busca pela boa forma, atrelada às questões de
funcionalidade?”
31
Tradução: “Quando desolação, negligência, e a degeneração para favelas como implacável e
desoladora evidência final de uma sociedade de competição exploradora e brutalizada, lucro, e
fanatismo fizeram a utopia de uma sociedade humana e iluminada vir por terra, então
humildade é convocada para trazer à tona qualquer coisa do vácuo com qualquer significado
que tenha se mantido após a catástrofe.”
34
adicionados à alienação. Desta forma FOLIE prossegue: “a redefinition of the
new, of progress is called for”32. A curadora assim nos convida à redefinição de
valores e uma busca pelo progresso de maneira a subverter a ordem vigente e
de se experimentarem novos métodos. O que ela nos diz é que da maneira
como nos encontramos neste momento, não podemos continuar. O design,
como já vimos, dotado de um poder grandioso, não pode se abster e deve ser
uma engrenagem importante nessa renovação de valores estanques e
perniciosos. Sendo o cerne da cultura material, o design está em todos os
momentos em contato com a humanidade e ela o está com ele. Assim sendo
ele tem muito poder e deve utilizá-lo sendo o portador de mensagens
responsáveis e ter um papel decisivo no estabelecimento da consciência dos
homens em relação à materialidade por eles mesmos criada.
Sabine nos dá uma pista da forma como se deve proceder diante deste
quadro quando trata do trabalho de Robert Smithson e de Gordon Matta-Clark.
Segundo ela, Smithson descrevia o estado da arquitetura pós-industrial com o
conceito de “ruínas reversas”. Ela prossegue dizendo que trata-se de uma
“afirmação pela desconstrução”. Ora, se estamos tratando de uma sociedade
fragilizada, fruto de um modernismo frustrado que almejava um crescimento
perene e indefectível, para subvertê-lo e criar uma nova ordem, nada mais
coerente que compreender o antônimo das afirmativas modernistas: a
desconstrução.
35
ambição da produção atual e de credibilidade no poder social das atividades
projetuais. As resoluções da arquitetura moderna são essenciais para a
compreensão e funcionamento das cidades tanto no micro quanto no
macrocosmo urbano. Apesar de heróicos, bem resolvidos e até épicos esses
apontamentos, em especial os de Le Corbusier, não dão conta de muitas das
questões contemporâneas e o erro jaz na frustrante persistência do
mantimento purista desta metodologia. É inegável a projeção genial concebida
pelos pensadores modernos das artes e a preocupação com o suprimento das
necessidades do homem e suas tentativas, por meio de articulações teóricas e
experimentação prática, de conferir dignidade à sociedade por meio do projeto
completo da materialidade de sua vida.
33
FIELL, Charlotte e Peter Design do Século XX p.263
34
FIELL, Charlotte e Peter Design do Século XX p.263
36
projetados. Nesses termos ARGAN nos diz que a arquitetura moderna se
desenvolveu sobre as seguintes bases:
35
ARGAN, Giulio Carlo Arte Moderna p.264
36
Adendo do autor desta obra
37
acontecesse normalmente em bares, bordéis, clubes, bilhares,
galerias de jogos, armazéns, paióis de milho, horta de nabos, montes
de feno, cachoeiras, agora se desenrolava nas ruas suspensas.(...) As
pessoas decentes bateram em retirada, mesmo que isso significasse
viver em buracos nas calçadas. Milhões de dólares e incontáveis
reuniões da comissão e projetos especiais foram gastos numa
tentativa desesperada de tornar Pruitt-Igoe habitável. Em 1971, a
força-tarefa final convocou uma reunião geral de todos que ainda
habitavam o conjunto.(...) O coro começou imediatamente:
“Explodam... o conjunto! Explodam... o conjunto! Explodam... o
conjunto! Explodam... o conjunto! Explodam... o conjunto!”(...) Em
julho de 1972, a cidade dinamitou os três blocos centrais do Pruitt-
Igoe.”37
37
WOLFE, Tom Da Bauhaus ao nosso caos p.62-64
38
Fig. 8 Demolição de Pruitt-Igoe em 1972
38
ARGAN, Giulio Carlo Arte Moderna p.264
39
estavam preocupados em promover a aparência39 da
modernidade.”40
Revela-se aqui uma questão muito pertinente pois, segundo a visão de
FIELL, as pretensões do Movimento Moderno não só eram ambiciosamente
universais demais como, talvez até inconscientemente, meramente estilísticas
trazendo, a longo prazo, frustrações como as de Pruitt-Igoe.
39
Grifo do autor desta obra
40
FIELL, Charlotte e Peter Design do Século XX p.263-265
40
praticado às últimas conseqüências, sem levar em consideração quaisquer
outras necessidades humanas além daquelas expressas pela razão.
41
ARGAN, Giulio Carlo Arte Moderna p.268
42
ARGAN, Giulio Carlo Arte Moderna p.268
41
Capítulo 3
Lidando diretamente com a psicologia, Suely Rolnik faz uma leitura muito
relevante sobre a obra de Lygia Clark que muito tem a nos dizer sobre os
termos que aqui vem sendo tratados. No texto “Lygia Clark e o híbrido
arte/clínica” a autora enuncia o mundo em que vivemos da seguinte maneira:
43
ROLNIK, Suely p.4
43
depender inteiramente de experimentação, o que impede que o objeto
seja simplesmente exposto, e que o receptor o consuma, sem que isto
o afete.”44
Para ROLNIK, o mais perto que Lygia Clark chegou disso foram suas
últimas obras os “Objetos Relacionais”, em que, num quarto de seu
apartamento, que chamou de consultório, utilizava diversos objetos como
saquinhos de plástico com água, ar, sementes, areia, além de panos, mel,
conchas, esponjas, canos de papelão, isopor, meias, tubos de borracha e daí
por diante para “um ritual de iniciação que ela desenvolve ao longo de
“sessões” regulares com cada receptor”45. Esses objetos eram tocados pelos
“pacientes” ou esfregados neles, às vezes Lygia pingava uma gota de mel na
língua dele, entre tantas outras ações.
44
ROLNIK, Suely p.4
45
ROLNIK, Suely p.4
46
ROLNIK, Suely p.1
44
sua subjetividade, ponto no qual por isso mesmo, o objeto atinge a máxima
potência de contágio do receptor”47.
47
ROLNIK, Suely p.4
48
ROLNIK, Suely p.5
45
o autor segue: “evidenciando o entendimento que tem dela como virtualidade e
não completude.”49
49
SPERLING, David
50
CLARK, Lygia apud ROLNIK, Suely p.10
51
ROLNIK, Suely p.7
52
CLARK, Lygia apud ROLNIK, Suely p.7
46
“A partir de uma paisagem acadêmica pendurada na casa de sua
família no Rio de Janeiro ela convida um amigo pintor, Rafael
Alonso, para reproduzi-la e da tela realizada ela recorta detalhes e
cria um costume que vai tanto para a parede como para o corpo do
espectador – que pode eventualmente vesti-la, a pintura, como
máscara.(...) No procedimento do corte, que é o gesto ornamental, a
artista vai desenhando seus costumes pintados, criando uma
espécie de “pintura relacional” que se dissemina pela parede e pode
ser trazida para perto do corpo. As relações aí são pura
exterioridade, ao contrário dos objetos relacionais de Lygia Clark,
que convocam potências interiores nos sujeitos que as usam.”53
Como enunciado anteriormente, não colocaria as duas artistas de maneira
tão distante como o faz OSÓRIO. Apesar de concordar com o autor que o
posicionamento das duas artistas perante a realidade é muito diferente, ambas
se dispõem a discutir esse posicionamento e ambas propõem não só uma
reflexão, mas uma experiência e uma nova postura do espectador perante ela,
independentemente do nível em que é tratada, inserindo-o em situações que
reconstroem a percepção da mesma.
53
OSÓRIO, Luiz Camillo
54
OSÓRIO, Luiz Camillo
47
Fig. 10 Um dos "Novos Costumes" de Laura Lima foto: Ana Torres
55
MOLES, Abraham p.154
56
OSÓRIO, Luiz Camillo
48
Lima flertam com a desestruturação dos sistemas de alienação que se dão pela
materialidade inconseqüente e pelo consumo desenfreado e irracional.
Luiz Camillo Osório continua dizendo que “a roupa além de sua função
orgânica, afirmar-se-ia como um suplemento poético, um desejo de
individuação”. A roupa, sendo um objeto de design é também um dos
elementos em direção a essa libertação do homem por meio da própria
materialidade inconseqüente que o oprime sem mesmo perceber. As “roupas”
de Laura portam-se desta mesma maneira, sendo desconfortáveis e pouco
convencionais, transformando não só a relação do usuário com seu corpo, mas
também com o ambiente que o rodeia. Isto pois, o ambiente urbano, não tendo
sido projetado para manifestações de excentricidades como as relacionadas
aos “Costumes” torna-se instável. É difícil passar por portas, não esbarrar em
objetos e impossível manter-se indiferente diante dessas “roupas”. Desta forma
a geografia dos espaços deve ser modificada para a permanência desses
vestíveis. Ao mesmo tempo a relação é ambígua, pois é a materialidade
reestruturando a presença física do homem que, por sua vez, reestrutura seu
ambiente para permitir a permanência da relação entre homem e costume. No
entanto a relação homem/objeto é elevada a muitas potências, evidenciado as
situações, cumprindo seu papel de ampliar, para então denunciar as
disparidades. Sobre outro trabalho da artista, o
“Homem=Carne/Mulher=Carne”, Ricardo Basbaum diz que:
57
BASBAUM, Ricardo
49
de Laura Lima “Homem, Mulher=Carne” indicaria a efetiva construção
de um choque, de um confronto entre a pessoa (que já chega como
um organismo carregando traços de uma individualização qualquer,
então reduzida e categorizada em termos de gênero, idade, aspecto
físico) e sua transformação em carne, portando o programa de
funcionamento trazido pela artista”.58
Esse trecho retirado do texto, obviamente não por acaso, entitulado “A
artista como predadora”, evidencia um paradoxo na obra de Laura Lima muito
conveniente às discussões aqui realizadas. Ao passo que cria trabalhos como
os “Costumes” e “Nômades”, que reestruturam o existir do homem no espaço e
na sociedade, revelando as discrepâncias e salientando o poder subversivo
dos objetos sobre estruturas perniciosas do processo civilizatório, também cria
trabalhos como os “Homem=Carne/Mulher=Carne” que retiram a
individualidade e humanidade dessas pessoas e as transformam em uma
“carne” condicionada à execução de uma função estabelecida pela artista.
Desta maneira, a relevância do trabalho de Laura Lima ultrapassa a
demonstração do poder da materialidade sobre o corpo pelos seus vestíveis,
mas toda a sua obra como artista, evidenciando as disparidades das relações
de poder entre os homens e, muitas vezes, mediadas pelos objetos. Assim, ela
não só desconstrói a rigidez cultivada nos corpos pelas convenções e por todos
os fatores que aqui vem sendo tratados, mas propõe uma reflexão sobre toda a
estrutura que envolve esse endurecimento e transformação dos homens em
carne.
58
BASBAUM, Ricardo
50
um a seu modo” segundo David Sperling “construiu intenso cruzamento arte-
vida”59 e continua dizendo que:
“Uma vez que a obra sai de suas mãos, o artista não possui mais
controle sobre a maneira como o espectador perceberá a obra de
arte. Pessoas diferentes entenderão a mesma coisa de maneiras
diferentes.”
Com essa citação Lewitt nos aproxima ainda mais desse questionamento
dos modelos imagéticos que vem sendo praticados em nossa sociedade que
visam, em geral, a transmissão de uma única mensagem da forma mais clara e
objetiva quão seja possível, não permitindo nuances ou interpretações mais
fluidas no instante da recepção. O que se defende então é um modelo que
permita interpretações diferentes e até divergentes sobre um mesmo assunto
59
SPERLING, David
60
SPERLING, David
61
BASBAUM, Ricardo
51
feitas por pessoas igualmente diferentes. Essa valorização do indivíduo como
portador de uma narrativa de vida muito particular se aproxima das proposições
de Oiticica e a obra deste coloca o espectador como item relevante nas
dinâmicas coletivas da sociedade:
62
CRANDALL, Jordan
63
CRANDALL, Jordan
52
através do qual procura-se desnudar a “modelagem perceptiva” da estrutura
sócio-ambiental – estrutura-ação no espaço”64. Neste momento torna-se muito
relevante novamente citar Sol Lewitt pela forma como este define “percepção”:
“Eu uso o termo “percepção” com o significado da apreensão de dados
sensíveis, a compreensão objetiva da idéia e simultaneamente uma
interpretação subjetiva de ambos.”65 É desta forma de percepção que os
artistas aqui abordados lançam mão em suas obras, assim como é a mesma
que aqui estamos discutindo. O curioso sobre a forma como Oiticica
experimenta essas questões são as características de coletividade e
extroversão de suas experimentações.
64
CRANDALL, Jordan
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LEWITT, Sol
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TRANSFORMAÇÃO queremos promover?”, e ele prossegue sem responder,
posicionando-a como propulsora de reflexão:
“Cuidado, não responda agora, seja cauteloso para não cair nas
armadilhas dessa pergunta ardilosa: se um “projeto de metamorfose”
soa como oximoro, em porque o processo transformacional não está
submisso a uma relação linear de causa-efeito”.
O autor então nos coloca diante de uma questão que tratamos
anteriormente de que, já que temos em mãos o poder transformador da
materialidade, o que queremos transformar e como o faremos? Nos
trazendo assim à irrefutável questão da responsabilidade associada às
transformações. E esbarramos inclusive em um entrave retórico: já que
estamos propondo modificações visando à liberdade e consciência por
meio da percepção, levamos em consideração que os receptores desta
ação estão, senão por completo, parcialmente obtusos e, desta maneira
incapazes de compreenderem suas atitudes em sua plenitude e que nem
tenham propriedade sobre suas escolhas. E tomamos a decisão por eles
de que devem ser libertados, atuando de forma absolutamente arbitrária
sobre suas vidas. Bom, é inevitavelmente um entrave. Assemelha-se
muito à atitude de Le Corbusier, enunciada por ARGAN no primeiro
capítulo desta obra, de tomar os problemas do mundo em suas mãos e
querer resolvê-los. Ironicamente critiquei-o no decorrer da obra, no
entanto pareço recair no mesmo erro. Contudo, a atitude heróica presente
nesta obra se dá somente no instante do despertar da consciência, a
partir de então tudo permanece nas mãos do usuário. Este entrave deve
ser derrubado para que possamos seguir com as discussões, proposições
e ações. Devemos então recorrer ao iluminismo, cujo um de seus
principais representantes, o britânico John Locke, nos dizia que todo
homem tem direito a “vida, propriedade e liberdade”, assim sendo,
considero plenamente aceitável a opção por uma breve incursão
despótica para garantir uma consciência e liberdade a longo prazo, visto
que tais direitos enunciados pelo britânico não estão sendo plenamente
garantidos. Assim o entrave é derrubado da mesma forma como se
propõe a geração da percepção neste texto: abre-se mão de um
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convencionado conforto e estabilidade em prol de uma melhor condição
existencial a longo prazo desencadeada pela consciência.
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favoráveis ao que se está propondo. A artista, tratando desses manipuladores
da materialidade por meio de processos conceituais e posteriormente físicos
(artistas, designers etc), diz:
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Considerações Finais - A Cadeira Bamba
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resultado de um projeto modernista. O Segundo motivo, e talvez o mais
importante, seja o dessa cadeira surpreender o usuário que nela se senta. Ela
o desequilibra primeiro fisicamente e depois conceitualmente. O usuário não
apenas senta-se, mas percebe o objeto e assim toma consciência de sua
existência, desencadeando o processo da possibilidade de escolha e tomada
de decisão sobre suas atitudes em relação a esse e outros objetos. Além é
claro de a cadeira ser uma aproximação metafórica muito clara da figura do ser
humano. Estabelece-se então uma situação de liberdade em que o homem,
criador dessa materialidade, toma em suas mãos o poder de decidir sobre o
destino desses objetos, suas criações e, no macrocosmo, de sua vida. Quebra-
se o processo de submissão do homem que se tornou dependente de suas
próprias criaturas e mal sabe viver sem as tais e nem sequer mais as percebe,
além de estar sujeito a outras relações sociais associadas a elas como o
consumismo e a estetização extrema da vida.
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Muntadas nos coloca diante da situação de uma manipulação de uma
materialidade em função dos seres humanos que só pode existir quando é feita
em função e tendo a plena participação tanto na concepção, quanto na
utilização e em todos os outros recantos do processos, desta última parte: os
seres humanos. O Homem deve permear todo o processo.
Sobre tal, ao fim de uma obra tão repleta de subjetividades, deixo minha
própria inquietação e reflexão para sua apreciação, caríssimo leitor que se
dignou a ler estas páginas.
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CLARK, Lygia apud SPERLING, David
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Referências Bibliográficas
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MOLES, Abraham Antoine O Kitsch: a arte da felicidade. Tradução de
Sergio Miceli 5.ed. São Paulo: 2001
NAVAS, Adolfo Montejo Marina Abramovic , Das Artes, Ano I, nº2: 48-53,
Fev. 2009. Editora O Selo: Rio de Janeiro
OSORIO, Luiz Camillo O Delírio da Pele São Paulo: CNI-SESI, 2009 (Texto
para Catálogo de Exposição de Artes Plásticas)
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