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FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

DEPARTAMENTO DE TEORIA E HISTÓRIA

Fernanda Pimentel André

OS ESPAÇOS PERCORRIDOS PELOS DIFERENTES TIPOS DE MULHERES


ENTRE O FIM DO SÉCULO XVIII E INÍCIO DO SÉCULO XIX EM MINAS GERAIS

Brasília/DF
Junho/2016
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FERNANDA PIMENTEL ANDRÉ

OS ESPAÇOS PERCORRIDOS PELOS DIFERENTES TIPOS DE MULHERES


ENTRE O FIM DO SÉCULO XVIII E INÍCIO DO SÉCULO XIX EM MINAS GERAIS

Artigo apresentado em cumprimento às exigências


acadêmicas da disciplina Arquitetura e Urbanismo
no Brasil Colônia Império do curso Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Brasília

Prof(a). Dr(a). Maria Fernanda Derntl

Brasília/DF
Junho/2016
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RESUMO

O presente artigo tem como objeto de estudo a relação entre as mulheres


brancas, de classe alta e classe baixa, e das negras, forras e escravas, e os espaços
percorridos por elas no período colonial brasileiro entre o fim do século XVIII e início do
século XIX. Perante uma sociedade conhecida por seu cunho predominantemente
patriarcal e relações abusivas, destacam-se quais limites as mulheres de cada perfil
social enfrentavam e quais liberdades eram cedidas na sociedade de Minas Gerais.
Desmistificando, assim, a imagem da mulher como um acessório de papel
exclusivamente secundário que se prega historicamente. Por isso, problematiza-se
lugares e funções das mulheres na esfera arquitetônica domiciliar e no meio urbano
social.

Palavras chave: Mulher; Minas Gerais; Brasil; Colônia; Século XVIII; Século XIX.
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1 INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira teve sua formação marcada por influências territoriais e


sociais. Algumas dessas influências, como cita Leila Algranti, em Famílias e vida
doméstica, foram a distância entre a metrópole, a falta de mulheres brancas e a expansão
do território. No início os colonos que vieram para o Brasil não instituíram um local fixo
de moradia nem trouxeram sua família de Portugal, porque ainda era necessário
conhecer o território e os nativos hostis.
No entanto, com o passar do tempo, a segurança certificada pelo império contra
os nativos e o crescente sentimento de posse dos colonos sobre a terra colaboraram
para o desenvolvimento de meios urbanos em Minas Gerais. Com a instituição de meios
sociais e menores distâncias, a separação entre espaço público e privado surgiu ao final
do século XVIII.
(Referindo-se ao século XVIII) [...]surpreendentemente, já contavam com
núcleos urbanos bem-sedimentados, aparelho burocrático, templos, irmandades
religiosas e praticamente todos os elementos que constituem a vida social[...]
(SILVEIRA, 1997)

Além disso, as mulheres brancas chegaram ao Brasil muito depois do início da


sua colonização. Consequentemente, muitas vezes reencontravam seu marido com
concubinas, negras ou índias, e filhos bastardos. Trouxeram hábitos europeus e os
implementaram na vivência, no local precário e distinto de Portugal, que era o Brasil.
Dado esse panorama histórico, percebe-se que os espaços percorridos pelas
mulheres não podem ser generalizados, uma vez que sua classe e etnia influenciam seu
papel social. Em função disso, objetiva-se neste artigo a análise e comparação dos
espaços privados e públicos percorridos por mulheres brancas, negras, livres, forras e
escravas entre o final do século XVIII e início do século XIX, em Minas Gerais.

2 A VIDA DOMÉSTICA DA MULHER

Portugal possuía um padrão de estilo de vida social muito marcado pelo domínio
da doutrina católica. Essa ideologia foi um forte argumento para toda a colonização. No
entanto, no meio domiciliar brasileiro o catolicismo não teve autoridade em todas as
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áreas. Não era o casamento religioso que unia uma família, mas sim o local físico de
residência. Principal local de permanência feminina.
A sociedade possuía diversas formas de habitantes para cada moradia, desde
uma casa com apenas um núcleo familiar e seus escravos até muitos indivíduos sem
nenhum vínculo sanguíneo ou matrimonial. Há mais relatos sobre a mulher branca da
elite, dentro das residências, visto que casas de classes sociais superiores eram mais
comumente providas de quartos para hóspedes, viajantes que descreviam de modo
escrito sua vivência.
As casas não se restringiam a áreas edificadas, mas possuíam quintais,
jardins e alpendres, como é possível ver no final do século XVIII, em Minas Gerais, no
inventário de Cláudio Manoel da Costa, que consta nos Autos da devassa da
Inconfidência Mineira (1789). Os jardins eram locais de intimidade, entretanto, esses
momentos de lazer, para as mulheres, eram fiscalizados por familiares.
Essa preocupação com a preservação da imagem da mulher também era marcada
com gelosias, janelas que protegem a visão do interior da casa, possivelmente utilizadas
para preservação da imagem feminina. Ainda que a casa fosse envolta por muros, a
proteção física não era grande, visto que esses muros não resguardavam a casa.
Não obstante, haviam ambientes de trabalho dentro do meio domiciliar que eram
mais percorridos pela mulher, como a casa de farinha, o monjolo, a moena e os locais
de estoque de alimentos e depósito de utensílios. No livro de Mary Del Priore, História
das mulheres no Brasil (1997), cita alguns cômodos que eram utilizados pelas mulheres,
como alcovas, salas de jantas e salões.
As alcovas, aposento que não possuíam abertura para o exterior, era um quarto
de intimidade. Este local, também conhecido como “quarto de mulher” era aonde os
prazeres e os sentimentos eram demonstrados. O local mais íntimo da casa, sem
ventilação ou iluminação, restrito à família.
O oposto destes cômodos eram as salas de jantar e os salões, espaço em que se
submetia a mulher da elite à avaliação e opinião da sociedade. As mulheres a partir de
então não eram vigidas apenas pelo pai e pelo marido, mas teve que aprender a se
comportar em público educadamente.
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Por outro lado, em relatos de Auguste de Saint-Hilaire do início do século XIX é


possível encontrar diversas citações sobre a reclusão feminina no cotidiano. Mesmo com
a hospedagem de viajantes sendo uma atitude comum para a sociedade da época, o
contato deles com as mulheres brancas era evitado. As mulheres não ficavam nos
alpendres, aonde os quartos de hóspedes ficavam. E quando o viajante adentrava à
casa, a mulher não saía do quarto a ela reservado.
Durante todo o tempo que passei em casa do capitão Verciani, a dona da
casa não se mostrou; entretanto, enquanto comíamos, via vulto simpático
feminino avançar docemente através da porta entreaberta; logo, porém, que
lançava os olhos para esse lado, a senhora desaparecia. É mediante uma
curiosidade desse tipo que as senhoras procuram compensar a escassa
liberdade de que podem gozar. (SAINT-HILAIRE, 1817)

Além disso, a relação estável de um casal era marcada mais por um filho do que
pelo matrimônio religioso. Um dos papeis principais que uma mulher deveria
desempenhar na época era a maternidade. Incidiam sobre as mulheres brancas das altas
classes sociais normas de comportamento passivas de submissão ao marido ou pai, com
manuais desde o século XVII, como cita Kátia Maria Nunes Campos em seu artigo
“Mulheres coloniais: esposas e concubinas -numa sociedade escravista”.
Para as brancas de baixa classe social, a situação era desfavorável. Com a
maternidade fora do casamento poderiam sofrer isolamento da sociedade e restrições
econômicas, uma vez que geralmente eram expulsas de suas residências ou as
abandonavam, dado presente no livro de Donald Ramos, “From Minho to Minas: The
Portuguese Roots of the Mineiro Family”.
Já as negras, integravam os costumes europeus, aprendidos na casa de suas
amas e senhores, com o da senzala, sendo esses os locais domiciliares percorridos por
elas. Eram responsáveis pela criação dos filhos de seus senhores e o ensino da cultura
brasileira, mistura de hábitos portugueses e costumes africanos.

3 A VIDA SOCIAL DA MULHER

No âmbito urbano, por sua vez, percebe-se que Minas Gerais foi uma região
diferenciada das capitanias litorâneas, assim como cita Luciano Figueiredo. Através do
estudo de Kenneth R. Maxwell analisa-se que essa sociedade não era tão patriarcal
como as demais da época. Tal excentricidade de Minas Gerais e a enorme diversidade
de atividades econômicas das quais as elites participavam possivelmente permitiam à
sociedade uma mentalidade um pouco menos fechada.
Apesar de organizar-se a partir dos estímulos e demandas externas do
capitalismo mercantil europeu, a formação social das Minas distinguiu-se da
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maioria das regiões geoeconômicas da América de colonização portuguesa, em


parte, graças à sua organização tipicamente urbana, apesar de seu caráter
escravista-mercantil. (FIGUEIREDO, 1993)

Nota-se uma clara diferença entre a vida social dos diversos tipos de mulheres,
possuindo cada uma espécie de restrição de sua liberdade diferenciado. Luciano
Figueiredo fala, em O avesso da memória, sobre as negras de tabuleiro ou vendeiras,
mulheres negras que participavam ativamente do comércio de mercadorias básicas,
localizado em bares ou armazéns.

Essa atividade foi dominada pela presença feminina, e uma profissão, antes
controlada por homens, passou a ser majoritariamente exercida por mulheres forras, que
possuíam esses comércios. Além dessa, havia a profissão de parteira, que as levava a
percorrer também residências alheias dentro da sociedade.

A administração de vendas constituiu-se em uma das ocupações que


mais incorporavam os contingentes femininos pobres da sociedade colonial
mineira. Excluídas dos ofícios mecânicos. (FIGUEIREDO, 1993)

Contudo, ainda que fossem uma importante fonte de recursos para o Estado
metropolitano, haviam restrições para essas mulheres que eram fiscalizadas
frequentemente e sofriam ameaças das elites a fim de regular ou extinguir do mercado
a figura feminina.

O rendimento limitado do mercado fazia com que as mulheres que se ocupavam do


comércio recorressem à prostituição como meio de minorar sua miséria. Isso leva a outro
local percorrido por essas mulheres no meio urbano: casas de alcouce. Espaço para a
prostituição de mulheres forras quanto a de escravas, vendidas cotidianamente como
mercadoria para consumo de fregueses, como Luciano Figueiredo descreve em O
avesso da história (1993).

Ainda que em minoria, haviam mulheres de pele mais clara e condição social baixa
que também tentavam essa profissão. Mas a cor era um restritivo para elas, posto que
algumas atividades eram consideradas próprias de escravas. Por consequência, esse
grupo de mulheres se ocupavam como costureiras ou fiadeiras, profissões que serviam
apenas para a subsistência.
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A mulher branca da elite, no que lhe concerne, possuía menos liberdade de andar
sozinha no meio urbano. Por falta de necessidade não precisava trabalhar e por
comodidade possuía quem a levasse por todo o caminho percorrido, sem necessidade
de locomover-se. A principal rota traçada era o caminho entre a sua residência e a igreja
no período matutino.

As senhoras saem pouco, a não ser para irem à igreja, aonde de fazem
conduzir em uma cadeira cercada de cortinas, encimada de um dossel e
suspensa a uma vara, levada por dois homens. Muitas vezes notei que a vida
sedentária das mulheres lhes prejudica a saúde [...]. (MAWE, 1810)

No âmbito de lazer, por outro lado, as mulheres desempenhavam outros


comportamentos. Após o surgimento urbano e a proximidade das residências os
encontros informais nas casas de amigos para dançar e jogar ou as festas eclesiásticas
e bailes na cidade se tornaram algo costumeiro. As mulheres brancas de classe alta
acompanhavam seus maridos ou pais. As escravas, quando presentes, também
participavam da festividade. Ambas, mulheres que não trocavam palavras com viajantes,
participavam de danças e cantorias (Saint-hilaire, 1816).

Ao anoitecer, ambos os sexos se encontram, nalguma casa amiga, e


juntam-se nas ativas danças ou em jogos de cartas que pouco esforço exigem
quer na inteligência quer da memória. (LUCCOCK, 1818)

4 CONCLUSÃO

Assim sendo, percebe-se que há divisão de papeis sexuais, assim como a


segregação da mulher de alguns ambientes domésticos e convívios sociais. No entanto,
o sistema patriarcal não é tão desmoderado quando em outros sítios brasileiros. Avalia-
se ainda que ao passo que a classe social da mulher livre aumenta, sua autonomia
decresce, fator possivelmente marcado pela falta de necessidade de subsidio das
mulheres da elite.

Além disso, avalia-se que a quantidade de relatos sobre as mulheres aumenta


proporcionalmente à sua importância naquele meio. No meio doméstico, no qual as
mulheres brancas de elite traziam mais honra ao nome da família, são referidas com
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mais frequência pela literatura. Já na esfera urbana, local aonde as negras de tabuleiro
comandavam as fontes de recursos para o Estado metropolitano, as comerciantes são
enfaticamente analisadas. Consequentemente, as mulheres brancas de classes baixas
são raramente citadas, tendo pouco enfoque tanto no domicílio quanto no social citadino.

Por fim, é razoável julgar que a mulher, independente de status e etnia, exercia
um papel submisso na sociedade colonial. Contudo, a mulher negra sofria ainda a
infâmia por sua cor e classe social, advindas da escravidão. Portanto, ainda que
compartilhasse com a mulher branca a repressão da sociedade patriarcal da colônia, era
vista como desqualificada e frequentemente mencionada como própria para prostituição.

5 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

ALGRANTI, Leila Mezan. Família e vida doméstica. In: SOUZA, Laura de Mello e
(Org.). História da vida privada no Brasil.
FIGUEIREDO, Luciano. O Avesso da Memória. Cotidiano e trabalho da mulher em
Minas Gerais no século XVIII. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasília: Edunb, 1993.
BASEGGIO, Julia Knapp; SILVA, Lisa Fernanda Meyer da. As condições femininas
no brasil colonial. Revista Maiê: Indaial, [s.l.], v. 3, n. 1, p.19-30, ago. 2015.
ALVES, Januária Cristina. O lado feminino do Brasil colonial. In: ER-2: o espião vira
cientista. Revista Super Interessante. São Paulo, Abril, v.79, 1994
BURILLE, Celma Faria de Souza. O papel das mulheres na organização do espaço
social na sociedade colonial. Oficina do DEB Itinerante. 2010. Disponível em:
<http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/2010/artigos_teses/2011/histori
a/1burille_artigo.pdf>. Acesso em: 10 jun. 2016.
CAMPOS, Kátia Maria Nunes. Mulheres coloniais: Esposas e concubinas numa
sociedade escravista. Trabalho apresentado no XVII Encontro Nacional de Estudos
Populacionais, realizado em Caxambu- MG – Brasil, de 20 a 24 de setembro de 2010.
Disponível em:
<http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/tema_10/abep2010_2459.p
df>. Acesso em: 10 jun. 2016.
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BRUNO, Ernani Silva. Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira:


costumes. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002.
RAMOS, Donald. From Minho to Minas: The Portuguese Roots of the Mineiro
Family. The Hispanic American Historical Review, Vol. 73, No. 4. (Nov., 1993), pp. 639-
662
SILVEIRA, Marco Antonio. O universo do indistinto – estado e sociedade nas Minas
setecentistas (1735-1808). São Paulo: Hucitec, 1997. p. 13-17.

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