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Anais do II Congresso Internacional de História da UFG/

Jataí – Realização Cursos de História, Letras, Direito e


Psicologia – ISSN 2178-1281

O MARXISMO E A HISTORIA: CONSIDERAÇÕES ACERCA DA CONCEPÇÃO


MATERIALISTA DA HISTÓRIA

Anna Isabel de Carvalho – UNIMONTES


Prof. Dra. Simone Narciso Lessa – UNIMONTES

Introdução

Nos dias atuais, várias questões se colocam ao trabalho do historiador,


principalmente no que se refere a sua prática. Andamos por um caminho marcado
por incertezas e probabilidades, que torna cada trabalho acadêmico parte de um
todo que apresenta infinitas possibilidades. Nossa habilidade de interpretar as fontes
nos permite analisar contextos e situações que não presenciamos. Mas, não são
apenas as experiências empíricas que garantem o êxito de uma pesquisa. O
conhecimento teórico é também fundamental.
A verdade é que, para enriquecer o debate historiográfico e aprimorar nosso
trabalho enquanto pesquisadores devemos conhecer vários modelos e padrões
analíticos. Para tanto, não podemos nos abster da importante contribuição dos
grandes pensadores da modernidade.
Entre as várias escolas teóricas do século XIX, algumas se destacam pela
riqueza de possibilidades que abrem ao historiador. O marxismo é uma delas. Como
bem ilustra Santos ―o marxismo é uma das mais brilhantes reflexões teóricas da
modernidade, um dos seus produtos culturais e políticos mais genuínos‖ 1. Isso
explicaria porque, mesmo depois de mais de um século, este continua suscitando
debates acalorados nas academias.
Sua constante revisão e continuo ressurgimento, apesar das
fundamentadas críticas, mostram a força e inegável contribuição do pensamento de
Marx, responsável por uma mudança significativa na produção histórica. Marx
apesar de não ser historiador, pensou historicamente. Suas pretensão não era
estudar o passado pelo passado e sim ―a serviço‘ do presente. Nas palavras de
Löwy o pensamento de Marx ―inaugura não uma ‗ciência da história‘ - que já existia
antes dele - mas uma nova concepção de mundo, que permanece uma referência
necessária para todo pensamento e ação emancipadores‖2. Ademais, Marx é
responsável pela formulação, ainda que de modo não sistemático, de uma nova
teoria da história: o Materialismo Histórico, que se tornaria o ―fio condutor‖ de seus
trabalhos posteriores. Desenvolvida a partir da crítica à filosofia hegeliana, esta
teoria explica as mudanças históricas a partir de mudanças nas relações de
produção. Para Marx são as relações de produção que fundamentam todo o
desenvolvimento social. Percebemos, no entanto, que atualmente, são poucos os
estudiosos, incluindo marxistas, que aceitam o materialismo histórico nesta versão 3.

1
SANTOS, B.S. Tudo que é sólido se desfaz no ar: o marxismo também? In: Pela mão de
Alice: o social e o político na pós-modernidade. 8ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 35.
2
LOWY, M. Por um marxismo crítico. Disponível em:
www.pucsp.br/neils/downloads/v3_artigo_michael.pdf. Acesso em 28 de maio de 2011.
3
SANTOS, B.S. Tudo que é sólido se desfaz no ar: o marxismo também? In: Pela mão de
Alice: o social e o político na pós-modernidade, 2001.

Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
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Dada as controvérsias interpretativas acerca dessa teoria, nos esforçamos


em compreender, alguns pontos convergentes e principalmente os conflitantes. É
claro que esta não é uma tarefa fácil. A complexidade e ambigüidades de análise do
tema tornam impossível examinarmos, no limitado espaço de que dispomos para
essa reflexão, todas as abordagens que, atualmente, perpassam o discurso
materialista da história. Lacunas ficarão.
Partindo dessa preocupação apresentamos aqui, em linhas gerais, alguns
pressupostos do Materialismo histórico. Iniciamos com a exposição da teoria
materialista de Marx e na seqüência discutimos aspectos relacionados as diferentes
(re)leituras com o suporte de autores como Loyd, Hobsbawm, Collin entre outros,
para ao final pontuarmos algumas questões que possam contribuir para o debate
dessa temática tão polêmica e necessária.

Revisitando a Concepção Materialista de Marx

Ainda hoje, observamos no meio acadêmico, uma confusão acerca do


pensamento de Marx, o que leva, muitas vezes, a equívocos em relação a sua
teoria. Estes equívocos decorrem, talvez, da dificuldade em ler Marx. Nem sempre
claro e conciso em suas obras, este autor deixou algumas lacunas que seus
seguidores tentaram preencher, muitas vezes sem nenhum êxito, o que justifica sua
constante retomada4.
Desde que surgiu, o Materialismo Histórico vem sendo constantemente
questionado e revisado. Como bem ilustra Hobsbawm ―tal como hoje escrita e
discutida, pelo menos na maioria dos países, a história marxista toma Marx como
ponto de partida e não como ponto de chegada‖5. Na análise do marxismo devemos
tomar alguns cuidados, principalmente não o dissociando do contexto histórico em
que foi escrito. Como nos alerta Hobsbawm ―o pensamento e a prática de Marx e
dos marxistas posteriores são um produto de seu tempo, por mais que possam ser
permanentes o seu valor intelectual ou suas conquistas práticas‖ 6. Este autor segue
comentando que

[...] enquanto produto de uma específica situação histórica o


marxismo inevitavelmente se desenvolveu e se modificou a luz das
mudanças, ou seja, como conseqüência das mais amplas
transformações históricas, da alteração das circunstâncias, da
descoberta de novos dados, das lições da experiência, para não falar
ainda das modificações ocorridas no quadro intelectual em que
atuava7.

Nesse mesmo estudo o autor salienta que a posterior evolução do marxismo


deve-se em grande parte as tentativas de considerar determinados problemas
teóricos e práticos, que iam gradualmente nascendo das novas situações históricas

4
De acordo com Hobsbawm (1998), muitos tentaram fazer o que Marx não havia feito.
5
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 183.
6
HOBSBAWM, E. Prefácio a história do marxismo. In: HOBSBAWM, Eric (et al.). História do
marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 3ed, 1987, p. 17.
7
Idem, p. 17

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ou de contingências para as quais os escritos de Marx não forneciam indicações


específicas ou davam indicações extremamente genéricas.
Mesmo exercendo uma grande influência na escrita da História, é
importante lembrar que a teoria materialista não é criação de Marx. Segundo Loyd, o
materialismo histórico é ―uma das mais antigas e importantes tentativas ou série de
tentativas de propor uma teoria e\ou metodologia explanatória geral para o domínio
da história estrutural. Mesmo a teoria de Marx e Engels foi uma elaboração, síntese
e reconstruções de versões anteriores‖.8 O mesmo nos diz quando afirma que ―as
fontes históricas da doutrina de Marx são em geral duas: por um lado a filosofia de
Hegel; por outro o materialismo dos séculos XVII e XVIII. Sua teoria seria na
verdade uma síntese criadora destas duas tradições opostas e diferentes‖9. No
entanto, Collin adverte que não há ―nenhuma necessidade de ser materialista, no
sentido do século XVIII para compartilhar as teses essenciais de Marx e não há, sem
dúvida, nenhum laço necessário entre o pensamento de Marx e o materialismo
professado pela maioria dos marxistas‖10.
Levando em consideração as várias abordagens da teoria marxista Loyd
enfatiza que o edifício do materialismo histórico marxista como abordagem coerente
está começando a se deteriorar internamente sob peso de grande número de
reconstruções e transformações propostas por críticos favoráveis, frequentemente
ex-marxistas. Podemos observar que essas reconstruções, muitas vezes,
apresentam a idéia de Marx com uma série de distorções. Porém, como lembrou
Loyd ―os textos de Marx são ambíguos, de modo que é difícil, se não impossível,
avaliar qualquer reivindicação de se estar apresentando uma reconstrução marxista
definitiva‖11.
Reconhecer a importante contribuição de Marx, não nos impede de
enxergar a existência de lacunas, dificuldades e limitações no seu pensamento. A
própria validade do materialismo histórico, enquanto teoria explicativa da história tem
sido muito questionada. Segundo Reis ―a possibilidade de leituras tão diversificadas
de uma mesma teoria permite-nos duvidar de seu propalado ‗rigor teórico‘ de seu
‗caráter paradigmático‖12.
Antes, porém, de avançarmos nesta discussão e para entendermos melhor
nosso objeto, convém analisarmos, mais detalhadamente, a concepção materialista
de Marx. Esta teoria foi desenvolvida a partir da sua releitura da filosofia de Hegel,
quando observou alguns pontos destoantes, principalmente ao que se referia a base
para explicação da História13.
Enquanto para Hegel a história da humanidade nada mais era do que a história do
desenvolvimento da idéia, do Espírito, Marx colocava como ponto de partida os indivíduos
reais, a sua ação e as suas condições materiais de existência, quer se tratasse

8
LOYD, C. Materialismo histórico e estruturalismo. In: As estruturas da História. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1995, p. 191. Este autor identifica pelo menos dez versões preliminares da teoria do
materialismo histórico surgidas nos últimos 250 anos.
9
COLLETTI, L. Ultrapassando o marxismo. Rio de Janeiro: Forense Universitário. 1983, p. 15.
10
COLLIN, D. Compreender Marx. Petrópolis: Vozes, 2008, p. 110.
11
Idem, p.192.
12
REIS, J. C. O marxismo. In: A História entre a Filosofia e a ciência. 3ed. Belo Horizonte: Autêntica,
2006, p. 58.
13
Segundo McLellaan (1987) embora Marx tivesse criticado Hegel como idealista, buscando repor a
dialética hegeliana ―sobre seus pés‖, foi sempre o primeiro a reconhecer que seu método derivava
diretamente do método de Hegel, que havia sido seu mestre nos anos 1830.

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daquelas que encontrou já elaboradas quando do seu aparecimento, quer das que
ele próprio criou14. Para Marx, as idéias não explicam a diversidade do real, mas
devem ser explicadas, daí ser necessário conceber como elas foram produzidas a
partir das sociedades humanas realmente existentes15.
Para Marx o modo pelo qual a produção material de uma sociedade é
realizada constitui o fator determinante do desenvolvimento e das transformações
sociais e históricas. Para ele aquilo que os indivíduos são depende das condições
materiais da sua produção. Sua concepção da história assenta, portanto, no
desenvolvimento do processo real de produção. Nesse sentido, o materialismo de
Marx procede de modo inverso ao de Hegel. ―Não mais o homem, mas os humanos,
todos singulares, não mais a sociedade, mas os indivíduos que estabelecem entre
eles relações determinadas. E não mais o trabalho em geral, mas modos de
produção historicamente determinados‖16.
Marx segue sua análise ressaltando que é a base material que exerce
influência direta nas instituições jurídicas, políticas (as leis, o Estado) e ideológicas
(as artes, a religião) e essas ―facetas‖ da vida social só devem ser interpretadas e
compreendidas a partir de sua base material. Ao contrário da visão idealista da
história, ela não tem que procurar uma categoria para cada época, pois ―permanece
constantemente no terreno real da história; ela não explica a prática segundo a idéia,
explica a formação das idéias segundo a prática material‖17.
Nesse sentido Marx julgava ter denunciado os conceitos errados que
serviam de base a todas as teorias e interpretações idealistas e era justamente
contra esses conceitos que ele se posicionava. A maior crítica que faz a todos esses
conceitos é que nenhum ousou pensar a realidade material. Essa crítica se justifica
pelo fato de que Marx acreditava e defendia que as concepções políticas,
ideológicas e filosóficas do homem só possuem significação na medida em que são
analisados a partir da produção material e dos conflitos entre os diferentes
interesses econômicos originados pela evolução das técnicas de produção. Supor
que elas poderiam ser consideradas independentemente dentro da história seria um
erro.
Marx argumenta que a produção das ideias está diretamente ligada à
atividade material, à sua vida real. Para ele o modo de produção da vida material
condiciona o processo da vida social, política e intelectual em geral. Não é a
consciência dos homens que determina o seu ser. Pelo contrário: é o seu ser social
que lhes determina a consciência.18 Partindo dessa premissa, Marx condena a
filosofia hegeliana que para ele reduzia o homem concreto à consciência de si.
Como observado por Santos, não podemos fazer uma leitura de Marx fora
do contexto intelectual e da época em que ele viveu 19. Por isso faz-se necessário
mencionar que a principal preocupação de Marx, naquele momento, era demonstrar
que as relações de produção fundamentam todo o desenvolvimento social. A
conclusão de Marx, foi assim resumida:

14
MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
15
COLLIN, D. Compreender Marx. Petrópolis: Vozes, 2008.
16
Idem, p.64.
17
MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.36
18
Idem.
19
SANTOS, B.S. Tudo que é sólido se desfaz no ar: o marxismo também? In: Pela mão de Alice: o
social e o político na pós-modernidade. 8ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 37.

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na produção social da sua vida, os homens contraem determinadas


relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a uma determinada fase de
desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto
dessas relações de produção forma a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura
jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de
consciência social20.

Essa passagem é interessante por vários motivos, principalmente, por deixa


claro que Marx considerava a questão econômica como primordial, mas como
sugere muitos autores, não como a única a influir nas mudanças21. A respeito disso
Hobsbawm comenta que ―está perfeitamente claro desde o início que, uma vez que
os seres humanos possuem consciência, a concepção materialista da história é
base da explicação histórica, mas não a explicação histórica em si‖ 22. Este autor
ressalta ainda que ―a história não é como a ecologia: os seres humanos decidem e
refletem sobre o que acontece‖23. Na opinião de Santos a obra de Marx, no seu todo,
procura obter o equilíbrio, embora instável, entre estrutura e ação. Para ele os
homens e as mulheres são ao mesmo tempo produtos e produtores da história 24.
De acordo com Collin o método exposto por Marx, que muitas vezes foi
transformado em dogma economicista, não é unicamente, uma explicação do
processo histórico, mas, primeiro, uma explicação da gênese intelectual das
abstrações que formam o ponto de partida do pensamento especulativo. Seu
objetivo central é compreender o pensamento a partir da vida da qual o pensamento
é fruto25.
Loyd, no entanto, enfatiza que

o erro fundamental do materialismo histórico tem sido a parte


materialista dogmática. Parece não haver qualquer razão plausível
para mantê-la. Em geral, o materialismo não é necessário para a
explicação da ação, da estrutura sócio-econômica, da cultura ou da
ideologia, nem tampouco para a explicação da mudança sócio-
estrutural, embora possa ser útil nessas explicações em certas
circunstâncias limitadas26.

Muitos historiadores, no entanto, atestam que os problemas da teoria


marxista não provêem necessariamente de Marx, mas sim de leituras difundidas
pelo marxismo vulgar. Como ilustra Hobsbawm, ―o grosso do que consideramos
como a influência marxista sobre a historiografia certamente foi marxista vulgar‖ 27.

20
GARDINER, P. Karl Marx. In: Teorias da história. Lisboa: Caloste Gulbenkian, 2008, p. 162
21
Não podemos esquecer que os escritos de Marx são um testemunho da sua própria época. E, em
meados do século XIX as questões econômicas estavam em pauta.
22
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 175.
23
Idem.
24
SANTOS, B.S. Tudo que é sólido se desfaz no ar: o marxismo também? In: Pela mão de Alice: o
social e o político na pós-modernidade. 8ed. São Paulo: Cortez, 2001.
25
COLLIN, D. Compreender Marx. Petrópolis: Vozes, 2008, p.64.
26
LOYD, C. Materialismo histórico e estruturalismo. In: As estruturas da História. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1995, p. 193.
27
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 161.

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Para a maioria dos críticos e revisionistas de Marx é necessário superar as


simplificações deterministas e mecanicistas a que foi relegada sua teoria. Collin
considera errôneo reduzir o pensamento de Marx a esse ―materialismo tecnicista
que freqüentemente se censurou nele. Uma interpretação mais coerente do
pensamento de Marx se impõe ao partir da idéia de que as forças produtivas em sua
essência, são em primeiro lugar, a potência dos indivíduos em ação‖28. Para este
autor, ―o materialismo, se há materialismo, consiste apenas em que Marx rejeita a
transformação de seres de razão (sociedade, Estado, classe social) em realidades
subsistentes por elas mesmas‖29. Na opinião de Hobsbawm os escritos efetivamente
históricos de Marx é o oposto exato de um reducionista econômico30.
Esta ideia é reforçada por Pereira ao afirmar que

O fato de Marx priorizar o exame do econômico, ou reconhecer na


base material o fator mais importante, está longe de equivaler a
determinismo econômico e desprezar todos os elementos imateriais
como meros reflexos. O próprio Marx confere ao político e ao cultural
sua devida relevância quando produz textos mais históricos e menos
analíticos, como é evidenciado em O Dezoito Brumário de Louis
Bonaparte31.

Este autor segue comentando que

admitir a primazia do econômico em Marx não é um problema.


Primeiro, porque isso não é sinônimo de determinismo, segundo
porque as relações econômicas foram, de fato, o objeto predileto do
autor e, por fim, porque o período que Marx analisou e no qual viveu
foi, concretamente, o tempo da civilização do mercado32.

A verdadeira crítica ao marxismo seria, na verdade, outra. O fato de que é


praticamente impossível separar as várias estâncias (estrutura – superestrutura),
elas são interdependentes. De acordo com Santos ―a insustentabilidade do
reducionismo econômico resulta acima de tudo do fato de, à medida que avançamos
na transição paradigmática, ser cada vez mais difícil distinguir entre o econômico o
político e o cultural‖33. Para este autor, isso não significa desconsiderar o valor e a
importância da estrutura econômica, significa apenas que ―tal valor não pode ser
determinado a priori e que, tendo de ser aferido empiricamente, pode variar de
processo histórico para processo histórico‖34. Mas, como defende Hobsbawm
―apesar da inseparabilidade essencial do econômico e do social na sociedade
humana, a base analítica de uma investigação histórica da evolução das sociedades
humanas deve ser o processo de produção social‖35.

28
COLLIN, D. Compreender Marx. Petrópolis: Vozes, 2008, p.99.
29
Idem, p. 109.
30
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
31
PEREIRA, L. M. A nova História Política e o marxismo. In: Revista OPSIS. V.8 N. 11. UFG-Catalão,
2008, p. 107.
32
Idem.
33
SANTOS, B.S. Tudo que é sólido se desfaz no ar: o marxismo também? In: Pela mão de Alice: o
social e o político na pós-modernidade. 8ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 38.
34
Idem.
35
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 85.

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Vale ressaltar que mesmo possuindo algumas limitações não podemos


desconsiderar a importância do materialismo histórico para a abordagem da história.
Como ressaltou Hobsbawm, o materialismo histórico é ―uma abordagem muito
melhor da história porque está mais visivelmente atento do que as outras
abordagens àquilo que os seres humanos podem fazer enquanto sujeitos e
produtores da história, bem como àquilo que, enquanto objetos, não podem‖36.
Este autor salienta ainda que, atualmente, existem várias possibilidades de
abordagem do marxismo, dentre elas aquela que prefere utilizar a metodologia
sugerida e outra que se concentra no comentário dos textos de Marx. Nas palavras
de Hobsbawm ―a história marxista, em suas versões mais frutíferas, hoje prefere
utilizar seus métodos em lugar de comentar seus textos – exceto onde esses
claramente mereçam ser comentados‖37.
No que tange a constante revisão da teoria marxista Freitag afirma que ―os
fatos conhecidos da história de hoje facilitam o diagnóstico, nos próprios textos de
Marx, das encruzilhadas e falhas da teoria marxista‖38. E segundo Löwy é possível
corrigir os problemas encontrados em Marx e na tradição marxista

através de uma abordagem aberta, uma disposição para aprender e


se enriquecer com as críticas e as contribuições vindas de outras
partes — e antes de tudo dos movimentos sociais, ―clássicos‖, como
os movimentos operários e camponeses, ou novos como a ecologia,
o feminismo, os movimentos pelos direitos do homem ou pela
libertação dos povos oprimidos, o indigenismo, a teologia da
libertação39.

Para este autor a renovação crítica do marxismo exige também seu


enriquecimento pelas formas mais avançadas e mais produtivas do pensamento
não-marxista, de Max Weber a Karl Mannheim, entre outros. Como ressaltou o autor
supracitado, a pretensão de reservar ao marxismo ―o monopólio da ciência,
rejeitando as outras correntes de pensamento para o purgatório da pura ideologia,
não tem nada a ver com a concepção que Marx tinha da articulação conflituosa de
sua teoria com a produção científica contemporânea‖.40
Como ressalta Hobsbawm,

A história marxista hoje é pluralista. Uma única interpretação ‗correta‘


da história não é o legado que Marx nos deixou: tornou-se parte da
herança do marxismo, particularmente a partir de 1930 ou por volta
dessa época, mas não é mais aceita ou aceitável, pelo menos onde
as pessoas dispõe de escolha no assunto41.

Vale mencionar ainda que o pensamento marxista, aceito ou refutado, foi a


base para as concepções de história de grande parte dos intelectuais do século XX.
36
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 77.
37
Idem, p. 183.
38
FREITAG, B. Marx morreu: viva Marx. In: FREITAG, B; PINHEIRO, M.F. (orgs). Marx morreu: viva
Marx. São Paulo: Papirus, 1993, p. 34.
39
LOWY, M. Por um marxismo crítico. Disponível em:
www.pucsp.br/neils/downloads/v3_artigo_michael.pdf. Acesso em 28 de maio de 2011.
40
Idem.
41
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 184.

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Uma das suas maiores contribuições foi introdução da noção de descontinuidade do


processo histórico.

Considerações Finais

Diante do exposto podemos concluir que mesmo com os avanços no


conhecimento científico e com a renovação da produção histórica no século XX, a
concepção materialista de Marx, por mais que esteja envolta em distorções, continua
sendo um importante arcabouço teórico. Esta concepção está associada e presente
em toda a obra de Marx, como expressão filosófica do seu pensamento. Por isso é
impensável estudar Marx sem levar em consideração seu materialismo histórico.
Contrapondo ao materialismo dos séculos XVII e XVIII e a metafísica
hegeliana, Marx esboçou sua teoria, mas não a desenvolveu plenamente. Essa
tarefa coube as marxistas posteriores, que na tentativa de explicar a teoria de Marx
de forma consistente, muitas vezes distorceram o seu pensamento. Duramente
questionado, o marxismo desenvolveu-se em momentos e de formas diversas,
sempre buscando resolver os problemas teóricos e práticos, que iam gradualmente
nascendo das novas situações históricas.
Dentre as várias críticas sofridas pelo pensamento marxista, ao longo dos
anos, duas merecem destaques. Primeiro, a idéia do determinismo econômico.
Acreditamos que Marx possuía sim uma preferência pelas questões econômicas, até
porque ele é fruto de seu tempo, e estava observando as transformações
econômicas contemporâneas a ele. Mas considerá-lo reducionista seria, talvez, um
exagero. Ele não nega a contribuição das demais categorias, conferindo ao político e
ao cultural sua devida importância.
A segunda se refere a questão do evolucionismo, que levou muitos
estudiosos a afirmar que a teoria de Marx era teleológica. Quanto a isso acreditamos
que esta não é uma crítica pertinente, Marx realmente possui uma leitura evolutiva
da sociedade, principalmente quando se refere a uma sucessão hierárquica da
sociedade e a conseqüente superação do capitalismo e ascensão do proletariado.
Mas este processo só ocorre a partir da intervenção e da vontade do homem.
Mesmo encontrando problemas e limitações na obra de Marx não podemos
desconsiderar o fato de que ele foi um pensador relevante e original. Formulou
conceitos e teorias que transformaram profundamente a percepção, a compreensão
e as explicações históricas de sua época. E, apesar das várias críticas, inclusive de
autores renomados, continua a exercer enorme influência na Ciência. Se há
ambiguidades na formulação materialista de Marx, elas, ao invés de destruí-lo,
serviu para reforçá-lo e manter sua teoria sempre atual.
Vale lembrar que esta foi uma abordagem geral de algumas questões que
perpassam o pensamento marxista e que são extremamente relevantes ao debate
historiográfico. Mas as críticas as diferentes abordagens foram aqui trabalhadas de
forma superficial. Para um aprofundamento necessitaríamos de um tratamento
analítico mais amplo. O que poderá ser feito em trabalhos posteriores.

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Referências

COLLETTI, L. Ultrapassando o marxismo. Rio de Janeiro: Forense Universitário.


1983.
COLLIN, D. Compreender Marx. Petrópolis: Vozes, 2008.
FREITAG, B. Marx morreu: viva Marx. In: FREITAG, B; PINHEIRO, M.F. (orgs). Marx
morreu: viva Marx. São Paulo: Papirus, 1993, p. 33-52.
GARDINER, P. Karl Marx. In: Teorias da história. Lisboa: Caloste Gulbenkian, 2008,
p. 153-169.
HOBSBAWM, E. Sobre História. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
_____________. Prefácio a história do marxismo. In: HOBSBAWM, Eric (et al.).
História do marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 3ed, 1987, p. 11-33.
LOYD, C. Materialismo histórico e estruturalismo. In: As estruturas da História. Rio
de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p. 191-214.
LOWY, M. Por um marxismo crítico. Disponível em:
www.pucsp.br/neils/downloads/v3_artigo_michael.pdf. Acesso em 28 de maio de
2011.
MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
McLELLAN. A concepção Materialista da História. In: HOBSBAWM, Eric (et al.).
História do marxismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 3ed, 1987, p. 67-90.
NETO, J P. Relendo a Teoria Marxista da História. In: SAVIANI, D; LOMBARDI, J. C;
SANFELICE, J. L. (Orgs). História e História da Educação: O Debate Teórico-
Metodológico Atual. Campinas – SP: Autores Associados. 1998.
PEREIRA, L. M. A nova História Política e o marxismo. In: Revista OPSIS. V.8 N. 11.
UFG-Catalão, 2008.
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Textos Completos: II Congresso Internacional de História da UFG/Jataí: História e Mídia – ISSN 2178-1281
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