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26/03/2018 19&20 - O Ensino de Pintura e Escultura na Academia Imperial das Belas Artes, por Cybele Vidal Neto Fernandes

O Ensino de Pintura e Escultura na Academia Imperial das


Belas Artes
Cybele Vidal Neto Fernandes

FERNANDES, Cybele Vidal Neto. O Ensino de Pintura e Escultura na Academia Imperial das
Belas Artes. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 3, jul. 2007. Disponível em:
<http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/aiba_ensino.htm>.

* * *

Integrando os planos de aparelhamento do Estado, o governo de D. João VI criava,


em 12/08/1816, a Escola Real de Ciências Artes e Ofícios, cuja origem atendia ainda
à aplicação de uma subscrição do Corpo do Comércio do Rio de Janeiro a D. João
VI, em regozijo pela elevação do Brasil a Reino Unido ao de Portugal e Algarves. Tal
iniciativa mudaria significativamente o rumo das artes e do ensino artístico no Brasil,
a partir da chegada da colônia de artistas e artífices vindos da França, conhecida
como Missão Artística Francesa, a quem caberia dar início às atividades da
instituição. Tratava-se naquele momento, de modo mais específico, da criação de
uma instituição que formasse adequadamente o artífice para os diferentes ramos da
indústria e o artista para o exercício das belas artes, atividades que deveriam ser
exercidas por profissionais e artistas formados com base em conhecimentos teóricos
adequados à sua profissão. A instituição criada deu origem à Academia Imperial das
Belas Artes, inaugurada dez anos mais tarde, em 05/11/1826.

Devem-se aos mestres franceses da Missão as primeiras atividades ligadas ao ensino


sistematizado, de tendência neoclássica e assentado em normas acadêmicas. O chefe
da Missão, Joachim Le Breton [QUADRO 1], redigiu um documento esclarecedor:
na verdade, um projeto que estruturava o ensino, quer na área das belas artes, quer na
área dos ofícios, dando à instituição a feição de uma dupla escola.1 Esse documento
embasou o estatuto provisório da AIBA [QUADRO 2], que vigorou até 1831; a
Reforma Lino Coutinho (30/12/1831) [QUADRO 3] que orientou os dezessete anos
da gestão de Félix Émile Taunay (1834-1851) e a Reforma Pedreira (14/05/1855)
[QUADRO 4] idealizada por Manoel de Araújo Porto-alegre.2 O período de
implantação dessa Reforma (1855-1857) corresponde à gestão de Porto-alegre como
diretor da AIBA. As determinações desse estatuto, com algumas alterações,
nortearam todas as atividades da Academia até ao final do Segundo Reinado.

Os demais mestres franceses, iniciadores da nova estética, seja através de suas


atividades de ensino, seja através da arte que exerceram, de modo geral voltada para
as encomendas oficiais, são os referenciais mais importantes para a nossa reflexão
sobre a orientação dada ao ensino artístico no período. Embora fosse recomendada a
busca do referencial da escola francesa, observou-se, desde as primeiras experiências,
que esse modelo teria que se adaptar à difícil realidade do país, onde não haviam
professores bem formados nem a consciência dos valores mais elevados da arte e dos
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seus benefícios sobre o progresso social. Na área da arquitetura, por exemplo, o


ensino esteve concentrado em Grandjean de Montigny (e dois auxiliares) até à sua
morte, em 1850, enquanto na França essa área era entregue à responsabilidade de
diversos professores. Esse mestre detinha uma formação elevada, estudara na Itália,
era arquiteto oficial do governo francês, escrevera um livro dedicado à arquitetura
toscana (do qual a AIBA possuía um exemplar). Os alunos eram muito
despreparados, não conheciam línguas para utilizarem os livros técnicos da
biblioteca, não tinham contato com monumentos antigos, não tinham dinheiro para
viajarem à Europa. Quando já adiantados, não tinham também muitas oportunidades
de trabalho nas repartições públicas do governo, fato sempre questionado por Taunay,
que defendia o papel da instituição como órgão público e responsável pelo
desenvolvimento e o bom gosto que deveriam orientar os projetos oficiais.

Dos mestres de pintura da Missão, Nicolas-Antoine Taunay, paisagista, regressou à


França em 1821, deixando no Brasil Félix Émile Taunay, seu filho, homem formado
na tradição francesa, que muito faria pelo ensino artístico. Foi eleito o segundo
diretor da Academia Imperial 3, onde atuou durante dezessete anos, e conseguiu
realmente estruturar a instituição [QUADRO 2], evocando sempre as tradições do
ensino acadêmico. Dentre os franceses, o mestre mais operoso, a quem se deve uma
extraordinária contribuição para os destinos da AIBA, foi o pintor Jean Baptiste
Debret. Tendo compreendido a essência de estética neoclássica na estreita relação
com Jacques Louis David, pintor oficial de Napoleão, Debret seria o responsável
pela implantação dessa tendência na Academia.

David, considerado o maior pintor da França, consagrara as novas tendências da


pintura ao representar O juramento dos Horácios, exposto em Roma e depois no
Salão de Paris, em 1785. Essa pintura era a primeira obra realmente neoclássica,
onde a linha se sobrepõe à cor, com contornos firmes e seguros, enquanto as cores
são primárias e a luz fria e cortante. O espaço é definido com precisão, onde a
composição resulta da economia dos elementos e exalta a figura humana na nudez
dos corpos. Os temas predominantes na pintura desse período, conseqüentemente,
são os retratos, as narrativas históricas, o culto à moral e às virtudes, a mitologia, e
finalmente as paisagens e naturezas mortas. Foram muito importantes as lições de
Debret, especialmente diversificadas nas suas realizações para o governo como
pintor, desenhista, decorador, cenógrafo.

Depois de exercer intensa atividade no Brasil, Debret regressou à Europa em


25/07/1831. Enfrentando grandes dificuldades, conseguindo mais tarde uma bolsa do
governo, Manoel de Araújo Porto-alegre [FIGURA 1] viajou acompanhando Debret
em seu regresso à Europa e sobre a sua acolhida na França escreve Afonso E.
Taunay: “Muito o comoveu o acolhimento que todos lhe fizeram e ao discípulo
predileto que do Brasil trouxera, Manoel de Araújo Porto-alegre, a quem dedicava
paternal afeto e a quem matriculou entre os discípulos de Gros”. 4 Porto-alegre
hospedou-se na residência de Francisco Debret, irmão do pintor, que era freqüentada
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por vários intelectuais, o que lhe permitiu desfrutar de um ambiente da mais elevada
erudição, fato que marcaria a sua vida. Ingressou na École des Beaux-Arts, onde
conquistou, em 1833, a Terceira Medalha de Ouro. Esteve em vários países da
Europa e na Itália foi discípulo de Canina e do arqueólogo Nibby. Escreveu Memória
acerca da arte antiga e moderna, para o Institut Historique de Paris e participou da
Comissão encarregada da Exposição Geral do Louvre, em 1836.

Porto-alegre destacou-se no cenário artístico e cultural do Rio de Janeiro,


especialmente entre as décadas de 1840 e 1860. Como intelectual, a sua produção
situa-se nos campos da arquitetura, pintura, cenografia, crítica da arte, poesia,
diplomacia. Dentre essas áreas de conhecimento, as suas atividades como professor e
diretor da Academia têm para nós um interesse especial, embora não devam ser
consideradas de forma independente das demais funções que exerceu, especialmente
como crítico de arte, em jornais e revistas literárias do período. Quando retornou ao
Brasil, em 1837, Porto-alegre trazia o pedido de jubilação de Debret e a
recomendação do artista para que assumisse a sua vaga na instituição. Contando
ainda com o apoio do senador Paula Freitas, o artista tomou posse como professor
efetivo de pintura histórica, disciplina que estava entregue interinamente, desde a
partida de Debret, a Simplício Rodrigues de Sá. O então diretor da Academia, F. E.
Taunay, acatou a designação do professor para o referido cargo, mas as suas relações
com Porto-alegre se tornaram, desde então, muito difíceis. Porto-alegre lecionou na
Academia durante onze anos, de 1837 a 1848. Segundo o seu diário, enfrentou
sempre um ambiente hostil, a rejeição dos demais professores às suas idéias
progressistas, resultantes, como acreditava, da sua melhor formação profissional e
das críticas que francamente exercia às atitudes dos seus colegas e do diretor da
AIBA.

O seu descontentamento referia-se a várias questões: considerava


que não era mais possível deixar a direção de um estabelecimento
tão importante para os destinos do país nas mãos de um
estrangeiro; julgava seus colegas incompetentes, invejosos e maus
críticos dos seus métodos de ensino. Além disso, defendia a
necessidade urgente de estabelecer bases teóricas para o ensino,
cujos resultados questionava: “Homens de pouca dignidade não
podendo castigar-me vingam-se nos meus discípulos, não lhes
concedendo nenhuma medalha das que prodigalizavam aos seus,
cujos trabalhos não passavam de cópias feitas de próprios
originais, sua feitura” . 5

Taunay, enquanto diretor da Academia, conseguiu que o governo tornasse públicas as


Exposições Gerais (1840) e concedesse bolsas aos alunos para Prêmios de Viagem
(1845); lutou pela participação da Academia como órgão consultor, nos projetos
oficiais do governo; organizou a biblioteca e traduziu livros para facilitar a
compreensão dos conceitos neoclássicos. Porto-alegre, no entanto, escrevia na
Revista Guanabara, 1849, uma dura crítica a Taunay. Levantava questões de
desordem na instituição e falta de empenho dos professores no sentido da melhoria
do ensino, o apadrinhamento a estrangeiros nos concursos:

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Mr Pallière, neto de Mr Grandjean, e moço que havia completado os


seus estudos em Paris, chega a esta capital e é convidado, ou obrigado
por seu avô, a matricular-se (contra os estatutos) no fim do ano escolar,
debaixo da direção de um mestre que lhe é inferior e a fazer algumas
cópias para receber uma medalha escolástica que lhe dê direito a
concorrer ao lugar de Substituto de Desenho.... Recomenda-se a esse
artista que pinte mal e que não mostre toda a valentia do seu talento... 6

Em 1853, Porto-alegre apresentou ao Imperador um projeto que idealizara para o


Campo de Santana. Segundo a sua autobiografia, esse projeto previa o melhoramento
do local com a finalidade de prepará-lo para receber o monumento à Independência
do Brasil. Seriam abertas alamedas, construídos edifícios, um jardim mourisco, o
Alhambra, onde aos domingos fossem promovidos concertos públicos. Discutiu
ainda com o imperador o Plano do Mangue, o projeto das escolas municipais, a
situação do ensino das belas artes, afirmando que considerava a Academia
decadente. O imperador solicitou-lhe então que escrevesse suas idéias sobre os meios
práticos para desenvolver o gosto pelas belas artes e apresentasse sugestões para
proceder a uma reforma radical na Academia.

Dessas suas idéias, originou-se o texto básico da Reforma Pedreira, (14/05/855)


[QUADRO 4]. Porto-alegre havia voltado à Academia Imperial, a pedido do
imperador, tornando-se o primeiro diretor brasileiro da instituição ( 22/04/1854 a
03/10/1857 ). Apesar de ter estado por um curto período na direção da AIBA, cerca
de três anos e meio, Porto-alegre empenhou-se para pôr em prática, o mais
rapidamente possível, a modernização que preconizava. Segundo a sua contribuição,
no texto da Reforma, criou as cadeiras de desenho geométrico, desenho industrial,
teoria das sombras e perspectiva, matemáticas aplicadas, escultura de ornatos e
história e teoria das artes, estética e arqueologia (esta não funcionou durante a sua
gestão, apesar de ser ele a pessoa indicada para ministrar a disciplina, segundo o
desejo do imperador). Construiu a biblioteca da AIBA, em terreno contíguo ao
palácio da Academia, decorou a pinacoteca, iniciou a restauração dos quadros da
coleção acadêmica, propôs o início das sessões temáticas para estudos dos temas
relevantes para o amadurecimento da arte nacional e a publicação de um periódico.
Para tanto, na Sessão da Congregação de 29/07/1855, apresentou aos professores
trinta e duas teses para reflexão (ver. Link), ligadas às questões da arquitetura,
escultura, pintura, gravura, fotografia, visando as soluções mais adequadas para a
elaboração de uma arte condizente e adequada à realidade brasileira.

No campo da edificação, propunha uma revisão do modelo de arquitetura urbana,


considerando o nosso clima, materiais mais adequados, o partido que melhor conviria
adotar na distribuição interna das casas, que deveria voltar-se mais para os itens da
comodidade e qualificações sanitárias. Sobre os edifícios religiosos, propunha
igualmente uma reflexão sobre os referenciais a serem adotados. Quanto às
construções rurais, entendia que deveriam tornar-se mais cômodas e alegres. O artista
entendia que era preciso criar condições favoráveis ao progresso da arquitetura
através da qual, conseqüentemente, as demais formas artísticas encontrariam terreno

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propício para a sua expansão. Os temas propostos não foram discutidos e o projeto
não frutificou, assim como outras iniciativas de Porto-alegre, que também não foram
abraçadas pelos demais professores da instituição.

Dava especial atenção à pintura de paisagem, que tinha se constituído como área
independente na Reforma Lino Coutinho [QUADRO 3], devido às peculiaridades do
país, solução original, uma vez que na Europa nenhuma Academia dedicava a essa
área atenção especial, ficando a mesma englobada na área de pintura histórica. Para o
paisagista, eram imprescindíveis os conhecimentos relativos à botânica e zoologia,
bases para a correta interpretação tipológica da fauna e da flora nacionais. Citava o
exemplo da boa formação do professor Agostinho José da Motta “Os princípios
fundamentais da arte têm uma só pátria - o mundo - e para refutar esta proposição
basta-me apontar o Sr. Motta, que não só estudou a Paisagem na Europa, como
também principiou pelo sistema rotineiro; no entanto é artista americano e pinta o
nosso país com verdade!”.7 Manteve, na ocasião, um embate com o professor
Augusto Müller, que considerava pouco interessado na moderna formação de um
pintor paisagista.

Apesar dessa posição, no entanto, defendia a supremacia da pintura histórica em


relação às demais formas de representação artística, uma vez que essa engloba a
todas, dedicando-lhe um lugar especial dentre as disciplinas da Academia. Para a
instituição, a pintura histórica era um gênero afeto aos artistas de grande talento, aos
quais estaria reservada a elevada missão de perpetuar os episódios da história
nacional. Comprometida com o programa oficial, devendo voltar-se para o culto à
pátria, através da narrativa do passado da nação; para a consagração da moral e das
virtudes, através dos símbolos e das alegorias; para a representação da nobreza
através dos retratos. Tais representações, de cunho oficial, iriam contribuir para a
construção do imaginário da nação, no discurso narrativo dos temas representados.

Para tanto, o pintor deveria representar corretamente a figura humana, nos diferentes
movimentos do corpo e nos sentimentos da alma que esses movimentos refletem.
Deveria voltar-se para a economia dos elementos da composição, representando
apenas o essencial. No entanto, os temas comemorativos da Corte e as cenas de
batalha foram sendo povoados de grande número de personagens. Para a
representação desses temas, os artistas deveriam seguir verdadeiras receitas; os
elementos da composição deveriam ser cansativamente estudados: cada participante
da ação, os diferentes escorços, seus rostos em tensão, gestos, detalhes das armas e
dos trajes, animais da cena, o local, o momento do dia , elementos que conferissem a
realidade necessária ao episódio. O planejamento completo e abrangente do projeto
previa mesmo, em caso das representações das batalhas, o deslocamento do artista
para o teatro do acontecimento. Seguindo a tendência européia, a pintura histórica ou
as obras de grande máquina eram apresentados em telas de grandes dimensões.

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A Academia deveria estar provida com objetos necessários à aprendizagem:


desenhos, preferentemente executados pelos professores, ou mesmo gravuras de
estampas européias, de partes do corpo humano (mãos, pés, olhos, orelhas, bocas,
partes do rosto) ; desenhos de corpos nus, completos, nas mais diversas posições (as
academias) [FIGURA 2]. O aluno passaria, posteriormente, ao desenho à frente dos
modelos de gesso, cópias de originais gregos e romanos. A orientação nessa etapa
seria dada pelos professores de pintura, escultura e gravura, que se revezariam. A
última etapa era o desenho à frente do modelo vivo, etapa mais importante e
demorada, pois o aluno deveria captar plenamente as formas do corpo, a sua
realidade, a sua carnação, a sua vida. Essa etapa era desenvolvida no ateliê do
professor de pintura histórica, que não dispensaria mesmo as lições de anatomia,
como o fizeram Debret e Porto-alegre. Não havia um tempo determinado para
percorrer cada etapa, devendo o aluno vencê-las a partir do seu sincero empenho e
dedicação. Esse processo consagrava o ensino clássico-acadêmico, cujos princípios
norteadores são a supremacia do desenho, a natureza como mestra, na busca da
beleza ideal, o ensino disciplinado e gradual. Tinha como ponto de partida a
imitação, seguida da invenção e da expressão, pressupostos racionalistas que
orientavam o ensino acadêmico.

Para o apoio ao ensino, a Academia reuniu várias coleções, encomendadas à Europa,


compradas em diferentes ocasiões. Citam-se, por exemplo, os registros de
encomendas ou de chegadas de diversos lotes de peças compradas aos museus da
Itália e da França, ou mesmo incorporadas ao acervo da Academia por doações
diversas de particulares ou membros honorários e correspondentes. No caso da
pintura, eram incorporados à coleção da AIBA quadros doados ou comprados pelo
governo. Eram também muito importantes as cópias realizadas pelos alunos em
Prêmio de Viagem à França ou à Itália, obras geralmente indicadas pela Academia,
escolhidas dentre as realizações mais significativas dos maiores pintores europeus.
Essas peças, chamadas “envios”, eram incorporadas ao acervo e expostas na
Academia com a finalidade primeira de orientar os alunos das diversas áreas e formar
uma grande pinacoteca, aberta aos alunos e ao público nas ocasiões festivas.

O mecanismo de avaliação e incentivo ao ensino era os concursos particulares ou de


segunda ordem, a cada trimestre, com distribuição de medalhas e os concursos
públicos ou de primeira ordem, no final do ano, com distribuição de bolsa para
Prêmio de Viagem. Nesse caso havia uma regulamentação especial que determinava
o tempo de estudo para cada área, o sistema de controle, exercido através de
avaliação de relatórios e de trabalhos ou “envios”. Os arquivos da Academia estão
repletos de documentação ligada a essas atividades, onde é fácil perceber o
acompanhamento severo exercido pela Academia sobre as atividades dos
pensionistas. Há relatos que identificam as grandes dificuldades enfrentadas pelos
alunos na Europa, ao se descobrirem com dificuldades referentes ao
desconhecimento do idioma do país, à fragilidade dos conhecimentos específicos da

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sua área, à engrenagem de ensino nas academias européias, à dificuldade de vencer


todos esses obstáculos no prazo determinado pela instituição.

Porto-alegre iniciou a implantação da Reforma, procurou melhorar as condições do


edifício da Academia, já bastante deteriorado e pequeno para as atividades rotineiras.
Conseguiu construir o edifício da pinacoteca, ampliando assim o espaço para as aulas
e exposições públicas. Certamente por falta de verbas e de espaço, não conseguiu
realizar nenhuma Exposição Geral durante a sua gestão. A renovação trazida ao
ensino da Academia pelos novos estatutos só seria sentida cerca de dez anos depois
da sua implantação. Vamos considerar de que maneira seus objetivos foram
atingidos, avaliando a obra de alguns pintores e escultores do período [QUADRO
5].

A pintura de paisagens, flores e animais

Essa disciplina passou pela orientação de seis professores entre 1855 e 1889, tendo
todos eles estado na Europa: Augusto Müller, Agostinho José da Motta (que demorou
cerca de dezoito anos no cargo), Victor Meirelles de Lima, G. Grimm, João Zeferino
da Costa e Rodolfo Amoedo. O método de ensino adotado pelo professor Augusto
Müller foi questionado algumas vezes por Porto-alegre, que defendia a necessidade
do exercício da pintura ao ar livre e da captação realística dos espécimes da flora e da
fauna. Insistia ainda, no caso dos pintores viajantes, no uso da aquarela no lugar do
óleo, mais rápida e prática tecnicamente. Essas observações eram realizadas à vista
dos programas das disciplinas apresentados para a avaliação da Congregação da
Academia. Se não aprovados, esses programas deveriam ser refeitos, para atenderem
ao teor da Reforma, o que nem sempre acontecia, devido à resistência dos
professores.

O professor Agostinho José da Motta foi o único pensionista da Academia. Tendo


conquistado o Prêmio de Viagem, seguiu para Roma em 1850, levando orientações
de F. E. Taunay, que o aconselhava a observar profundamente a natureza, verdadeira
fonte de produção do belo. A obra desse artista é muito pessoal e seus “envios”, a
maioria naturezas mortas, flores e frutos, participaram de oito Exposições Gerais. Ao
retornar, assumiu o ensino de pintura de paisagens, flores e animais (1860-1878).
Após sua morte, essa disciplina passou interinamente para a responsabilidade de
Victor Meirelles (1878 / 1879). A seguir, o professor Zeferino da Costa assumiu a
disciplina (1879 / 1882), que depois passou para a direção de G. Grimm (1882 /
1884). Este último era natural da região da Bavária e formado pela Academia de
Berlim. Chegara ao Brasil em 1860, quando começou a registrar as paisagens das
províncias de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Esse conjunto de obras realizadas ao
ar livre, nas mais diversas horas do dia, representava a experiência do pintor
paisagista, através da realidade captada, as luzes e o colorido vibrante. O verdadeiro
pintor de paisagens busca fixar em sua obra não só o sublime, a beleza harmoniosa e
colorida da natureza, mas também a realidade das suas espécies, seguindo as
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tendências inspiradas no espírito científico do último século. Sua obra foi


apresentada na Primeira Exposição da Sociedade Propagadora das Belas Artes, no
Rio de Janeiro e chamou a atenção da Academia, que o convidou para assumir o
ensino de pintura de paisagens, que estava provisoriamente entregue a Zeferino da
Costa.

A passagem de Grimm pela Academia foi muito importante, porque o artista


procurou introduzir os seus métodos de trabalho frente à natureza, recomendação
que, embora constasse dos Estatutos desde a Reforma de 1831, não vinha sendo
cumprida. Grimm, no entanto, esteve por muito pouco tempo como responsável pela
disciplina, tempo insuficiente para que se enraizassem os seus ensinamentos e a sua
atitude moderna frente ao ensino da paisagem. O esforço maior, no sentido de impor
mudanças no sistema e na compreensão real dessas questões, caberia a João Zeferino
da Costa, que assumiu a disciplina nos anos de 1885, 1888, 1889, na qualidade de
professor interino, uma vez que nunca fez concurso para a mesma, desfrutando da
possibilidade de lecionar na Academia como ex-pensionista e artista formado pela
AIBA, considerado então membro honorário.

Esse pintor fora Prêmio de Viagem em 1868 [FIGURA 3]; seguiu para a Itália e
ingressou na Academia de São Lucas de Roma, onde foi orientado por Cesare
Marianni. Apesar de sentir grande dificuldade em relação ao uso da língua e ao nível
elevado do ensino, questões que teve que vencer com muito empenho e dedicação,
conquistou por duas vezes o primeiro lugar nos concursos acadêmicos e foi
reconhecido como um dos mais dedicados pensionistas da Academia. Ao retornar
assumiu na AIBA, em diferentes ocasiões, as disciplinas de pintura histórica, pintura
de paisagem, desenho figurado e desenho de modelo vivo, lecionando até o ano de
1915. Na Academia, Zeferino da Costa revelava muito empenho e desejava trabalhar
do modo mais correto possível, aplicando os recursos mais modernos e
indispensáveis ao ensino. Nesse sentido, na área da paisagem, enfrentou grandes
dificuldades em relação à falta de condições materiais para o exercício correto das
suas atividades. O professor apresentou à Congregação da Academia diversos
relatórios em que apontava esses fatos e solicitava recursos para desenvolver melhor
as suas aulas: “25/08/1887 - Peço o especial favor de passes de bondes para facilitar
aos alunos da referida aula os meios de se transportarem aos diferentes lugares
retirados do centro da cidade, a fim de estudar ali, imediatamente do natural, pois
isso que ninguém pode estudar paisagem senão por essa forma, nunca dentro das
salas de aula de uma academia”. 8

Esse ponto de vista, voltado para a realização dos estudos e da obra diretamente do
natural, era reconhecido como o único caminho para o paisagista moderno. Nesse
sentido, Zeferino da Costa lutava para que o governo destinasse verbas para a
Academia, que possibilitassem o ensino de sua disciplina. Os passes solicitados
foram sendo concedidos aos poucos, fato que não permitiu estabelecer uma rotina no
desenvolvimento das aulas externas. Assim sendo, professor e alunos tinham mesmo
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que trabalhar dentro das salas da Academia, descritas por Zeferino da Costa como
completamente inadequadas por serem espaços semelhantes a um corredor comprido
e mal iluminado. A inadequação dos espaços da Academia já tinha sido denunciada
por Porto-alegre que criticara, em várias ocasiões, o projeto de Grandjean de
Montigny. O desenvolvimento das atividades acadêmicas ia-se tornando cada vez
mais difícil dentro da Academia. Se os espaços eram insuficientes para a vida
rotineira da instituição, nas ocasiões festivas eram francamente insatisfatórios com o
aumento do número de pessoas circulando em seus recintos. Em 1868, a disciplina de
pintura histórica funcionava numa sala do Convento de Santo Antônio, a de
estatuária num salão por concluir do novo edifício do Conservatório de Música e a de
arquitetura numa dependência da Igreja da Candelária.

O professor Zeferino da Costa aponta ainda outras dificuldades referentes ao material


necessário para as suas aulas. A Academia recebia muitos alunos pobres, que não
tinham condições para adquirir material para as suas atividades. Nesse caso, deveria
oferecer esse material ao aluno, mas isso não ocorria: “21/12/1887 - É minha opinião
que se limite a matrícula em relação à verba que, pela exiguidade, não satisfaz,
admitindo-se somente aqueles alunos com que a dita verba possa arcar...” 9

O professor demonstra a sua insatisfação, numa atitude de seriedade e empenho no


cumprimento das suas tarefas. Lembra ainda à Congregação da Academia que não
seria demais contar, em suas aulas externas, com a presença de modelos vivos que
pudessem animar os cenários ao ar livre, recomendação presente nos modernos
manuais. Todas essas questões contribuíam para o grande número de faltas dos
alunos registradas nas aulas, ou mesmo para o abandono de curso. Zeferino da Costa
não aceitava muitos pedidos de alunos para prestarem concursos (provas de
avaliação), uma vez que os julgava muito mal preparados. Condenava francamente
essa atitude nos seus colegas e chegou a recomendar: “... proponho simplesmente que
lhes sejam conferidos votos de louvor em compensação aos progressos relativos aos
seus trabalhos”. 10

Com essa atitude, Zeferino da Costa se eximia da responsabilidade pelo baixo


aproveitamento dos alunos e oficiava à Congregação da Academia a displicência do
professor de desenho, que não cumpria o programa de ensino, deixando os alunos
sem base para prosseguirem os estudos de ateliê. Condenava ainda a atitude da
Academia, ao não programar as atividades acadêmicas dentro de sua realidade,
acomodando-se constantemente a verbas irrisórias destinadas a uma instituição do
governo, a qual estava destinado um papel da maior relevância dentro do projeto
civilizatório e de formação da nossa nacionalidade. Talvez essa atitude tão veemente
do professor fosse um eco da desagradável situação que vivera na Itália, quando
tomara consciência da sua frágil formação artística frente à realidade que deveria
enfrentar, no período de aperfeiçoamento profissional na Academia de São Lucas de
Roma. No desenrolar desses acontecimentos, e já ao final do regime monárquico, o

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artista propunha para a Academia a reforma de seus estatutos, que já não atendiam
mais às exigências de um ensino moderno.

Nas Exposições Gerais da Academia a pintura de paisagem, flores, frutas e animais


foi sempre muito bem representada, destacando-se os eventos de 1872 com 58 obras,
1879 com 61 e 1884 com 64. Ao longo das Exposições Gerais observou-se também a
diminuição do número de obras em paisagem estrangeira e o aumento de paisagem
brasileira, com franco predomínio das paisagens com vistas da cidade do Rio de
Janeiro. O tema flores, frutas e animais era geralmente recomendado aos artistas
amadores e às mulheres, e também foi mais freqüente nas últimas Exposições Gerais
do Império.

Pintura histórica

O bom aproveitamento do aluno nas disciplinas do curso básico era a condição


primeira para habilitá-lo nas aulas de pintura histórica. Essa disciplina era
considerada muito importante e estava destinada aos melhores alunos da Academia.
Em 1864, Victor Meirelles apresentava à Congregação seu plano de estudos para a
aula de pintura histórica daquele ano:

Art. 1º - Os alunos que freqüentarem o primeiro ano desta aula deverão


principiar o estudo da Pintura copiando os bustos e os grupos de gesso,
exercitando-se depois no estudo da Natureza morta, estudos esses que
muito contribuirão não só a que os alunos compreendam os efeitos do
claro-escuro e da Perspectiva, como para o arranjo e distribuição dos
diferentes objetos que constituem a composição, exercitando-se também,
deste modo, no estudo do colorido. 11

Esse programa propõe o início das atividades a partir das cópias em gesso e a fase
mais adiantada do ensino, comum às atividades de ateliê, chegando aos exercícios de
composição. Faculta ainda aos alunos do primeiro ano as aulas de modelo vivo, etapa
mais importante do curso de pintura histórica. Deveriam, nessa aula, pintar cabeças,
troncos e o corpo inteiro (desenho de “academias”), roupagens e composição de
assuntos históricos. Victor Meirelles fora pensionista na Itália e na França, onde
adquirira grande conhecimento do assunto, adotando então, nas suas aulas, a
sistemática do ensino das academias européias. O seu método baseava-se na
orientação de John Burnet, autor do livro L’Art de la peinture, que, de modo geral,
“inscreve-se dentro das idéias que, no final do século XVIII e início do XIX,
constituíam-se como as bases para a estruturação do desenvolvimento de um
trabalho pictórico”. 12 O livro traça um roteiro para o estudo da pintura histórica e
se assemelha a outras publicações no gênero, que estabelecem verdadeiros
receituários para a orientação do aluno dessa área. A tradição neoclássica consagrava
o método analítico que tinha no professor um observador e orientador atento. Sem
negligenciar a atenção à liberdade criadora do aluno, o mestre deveria conduzi-lo na
valorização da necessidade das regras, da beleza ideal, da graça, da harmonia da
composição, do bom gosto. Nesse sentido, o conhecimento da história sagrada, da

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mitologia clássica e dos símbolos era essencial ao exercício das composições


alegóricas e para a formação geral do aluno.

A Reforma de 1855 havia incluído a disciplina história da arte, estética e arqueologia


no programa. Apesar de estar destinada a Porto-alegre, as aulas não foram iniciadas,
o que foi feito só em 1870 por Pedro Américo. No entanto, um relatório do diretor
Nicolau Tolentino, em 1876, informava que as aulas vinham funcionando de modo
muito precário, com resultados insuficientes, devido ao grau de quase analfabetismo
dos alunos da Academia. Em 1883, o professor Zeferino da Costa, dirigindo as aulas
de desenho figurado e de modelo vivo interinamente, observava: “Os modelos que
servem na aula de Pintura Histórica ( Homens, mulheres e crianças ) não são
profissionais porque em nosso país não existe semelhante profissão. Somos, portanto,
obrigados a procurar, dentre o povo de baixa classe, isto é, entre ganhadores,
jornaleiros e mendigos aqueles que, pelo seu aspecto, possam servir para tal fim”.
13

As dificuldades para ministrar corretamente as aulas nas diversas disciplinas podem


ser observadas nos vários relatórios de Zeferino da Costa, que prestou serviços em
várias delas. A falta de material era um problema constante e, em 1887, o concurso
de fim de ano foi interrompido por esse motivo. O professor endossou o abaixo-
assinado dos alunos à Congregação da Academia, que concedeu parcialmente a ajuda
com a seguinte observação do Diretor: “Aí vai a catilinária de J. Zeferino: é
insistência arranjada para contrariar e vencer a boa ordem; tolice, mas como só se
trata de 60$000 mande dá-los. Veremos se o estratagema pára por aí. Tolentino”. 14

Pelo exposto vê-se que as reclamações do professor, além de não serem apoiadas pela
AIBA, eram interpretadas como intenção de perturbar a boa ordem. Para Zeferino da
Costa os problemas a serem enfrentados eram muitos e, pelo que parece, resultavam
de um total descaso da instituição sobre as questões de ensino, fato que a Academia
parecia querer desconhecer. Desse modo, a atuação de Zeferino da Costa na
Academia levou-o a constantes questionamentos junto ao seu grupo de trabalho.
Lutando com as dificuldades do espaço, de verbas, de incompetência ou desleixo dos
seus colegas, nunca deixou de expor as suas idéias assentadas na defesa de um
ensino de qualidade. Essa atitude determinada revelara-se desde os tempos em que
era pensionista na Europa, quando escrevera à Academia sugerindo a substituição das
tradicionais gravuras utilizadas nas aulas por fotografias / fac - simile de obras dos
grandes mestres: “ as coleções de obras de pintura e desenhos a fresco, igualmente
muito útil para as aulas superiores, a fim de que os estudantes possam, diante dessas
sublimes obras, penetrar todos os quisitos da composição”. 15 Não encontramos
documento referente à compra dessa coleção. Na verdade, as aquisições para a
biblioteca e pinacoteca da AIBA não eram rotineiras, devido às constantes faltas de
verba, embora os pedidos de compra fossem constantes. Algumas obras eram
anexadas à coleção por doação de membros ou de instituições nacionais e
estrangeiras.
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A crítica também vinha de fora da Academia: em 1874 o pintor Antônio de Souza


Lobo fazia uma avaliação sobre a situação do ensino apontando a falta de material,
a indisciplina, a grande quantidade de alunos pobres, que não tinham condições
adequadas de estudo nem no Brasil, num estabelecimento que enfrentava tantos
problemas, nem no exterior, pois não estariam bem preparados e nem teriam
condições econômicas para viajaram. O pintor reprovava ainda o fato da instituição
não ser dirigida por um artista, desde a saída de Porto-alegre da Academia.
Observava que, apesar da Reforma de 1855 ter introduzido disciplinas básicas, os
alunos nada sabiam de perspectiva e teoria das sombras, e comparava o ensino do
Liceu de Artes e Ofícios com o da Academia, concluindo que a instituição tinha
ficado na retaguarda do progresso.

Na verdade, diversos textos referem-se às discórdias existentes entre os membros da


Academia, questão que certamente se refletiam na desordem do estabelecimento,
como um todo. O texto da Reforma previra punições em caso de indisciplina, com
sanções severas, chegando mesmo à expulsão e prisão do aluno. Previa também
punições para os professores que descumprissem as normas. O que se observava, no
entanto, é que as determinações dos estatutos não estavam sendo cumpridas, nem
quanto à ordem nem quanto ao ensino acadêmico. Apesar dessa situação, a produção
da Academia na área da pintura histórica encontrou, após a década de setenta, o seu
momento mais significativo na obra de três artistas: Victor Meirelles, Pedro Américo
e João Zeferino da Costa. Importa refletir sobre as causas desses resultados. Para
tanto consideremos a trajetória de Victor Meirelles.

Aluno da Academia, onde ingressou em 1847, Victor Meirelles conquistou o Prêmio


de Viagem em 1852, viajando em 1853 para Roma. Ali estudou com Tommaso
Minardi, que o considerou ainda despreparado para o estudo de pintura histórica,
estranhando que desejasse pintar, quando nem mesmo sabia desenhar. Passou então
às orientações de Nicolau Cansoni, da Academia de São Lucas, com quem estudou
modelo vivo e costumes. Estudou também em Florença e Veneza, onde procurou
compreender o segredo das grandes composições, do colorido e da luz. Indo para
Paris freqüentou o ateliê de Leon Cogniet, mas reconhecia o valor das aulas de
Gastaldi, “que ensinou-lhe a espalhar e reunir as tintas na palheta, produzindo a
fácil composição das cores complementares”. 16 Os estudos do pensionista eram
constantemente avaliados pela Academia, que desde cedo percebeu os esforços do
pensionista para vencer as dificuldades. Sua dedicação foi intensa e os seus “envios”
[FIGURA 4] formam hoje uma numerosa coleção de registros os mais variados,
tomados na Itália e na França (tipos regionais, mãos, cabeças, trajes). Enquanto
pensionista realizou, além dos estudos enviados, A degolação de São João Batista, A
flagelação de Cristo, A bacante e A Primeira Missa no Brasil. 17

Comprovou ser um artista capaz de realizar a “pintura de grande máquina” ou pintura


de batalhas, obras em grandes dimensões e de complexa execução, que não estava
afeta aos artistas despreparados. No Brasil pintou ainda A batalha de Guararapes, O
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combate do Riachuelo, A passagem do Humaitá, A Questão Christie, O casamento


da Princesa Imperial, deixando para tantos os esbocetos dessas obras e inúmeros
estudos, preciosos testemunhos dos traços mais puros do artista. Foi importante na
execução de retratos - obras vivas de forte realismo e individualidade, encomendadas
pela elite da época. Na etapa final da sua produção, interessou-se pela paisagem e
pela sua representação em panoramas, aos quais se dedicou para melhor representar e
divulgar o Brasil, especialmente o Rio de Janeiro. Assim sendo, a idéia de comunhão
nacional, de sentimento de amor à pátria e de trabalho realizado com respeito e
dedicação encontra em Victor Meirelles o exemplo mais completo da ação da
Academia, através do qual o ensino artístico não pode ser avaliado de forma
desvinculada do projeto civilizatório do país e da tarefa de construção da
nacionalidade brasileira. O amadurecimento do artista, assentado no culto às virtudes,
havia sido apontado aos alunos por Taunay e depois por Porto-alegre, como o único
caminho para o crescimento moral, intelectual e artístico dos que procuravam a
formação mais elevada no campo das artes.

Outro artista formado pela Academia, que representou importante papel na pintura do
período, é Pedro Américo de Figueiredo e Melo. Como aluno ingressou na AIBA em
1856, destacando-se desde cedo: conquistou várias medalhas e mereceu a simpatia de
Porto-alegre, seu futuro sogro. Com sua orientação e proteção, viajou para a Europa
em 1859 como “bolsista do Imperador”. Ingressou na École des Beaux-Arts, estudou
com Léon Cogniet, pintor histórico, e com Horace Vernet, artista muito conceituado
que dirigiu a Académie de France à Rome. Esse artista era versado nos temas de
batalha, muito em moda no período e também sensível ao orientalismo, resultante,
certamente, das viagens que realizara no norte da África. Foi ainda aluno de H.
Fladrin e conviveu com intelectuais em Paris. Esse percurso influenciou a obra do
artista, remetendo claramente ao contato com os artistas de tendência romântica do
grupo de Paris. Sobre o assunto, é importante assinalar que Pedro Américo copiou a
obra A balsa do Medusa, de Géricault, obra já plenamente romântica. Ivan Coelho de
Sá, em seu estudo sobre a obra do pintor, afirma:

Se a tela mais polêmica de Géricault - considerada o próprio manifesto


da pintura romântica - era reproduzida com finalidades didáticas pelos
alunos da Beaux-Arts, isso significa, sem dúvida, a incorporação do
Romantismo à própria metodologia pedagógica. E isso, ao que tudo
indica, era uma prática sistemática, pois Victor Meirelles, durante o seu
pensionato, copiara obras do pre-romântico Gros, do romântico
Géricault e do romântico Ary Scheffer. 18

Na verdade, o século XIX não revelou uma unidade de estilo nem na Europa e nem
em outro lugar qualquer. No Brasil o academismo aprisionou o neoclassicismo por
um período mais longo, mas, na segunda metade do período, as tendências
românticas foram gradativamente se revelando na nossa arte, acomodando-se, porém,
ao modelo acadêmico vigente. Na França os artistas da École desenvolviam um
academismo que correspondia à assimilação do romantismo que, em suas primeiras
manifestações, podem ser observadas nas obras de Gros, Ingres, Couture, dentre

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outros. Na segunda metade do século, essa tendência se revela principalmente em


Picot, Delaroche, L. Cogniet e alunos de Cabanel, como Boulanger e Meissonier,
com os quais muitos brasileiros estudaram na França. Enquanto o romantismo era
uma tendência na obra dos artistas mais independentes, o neoclassicismo declinava,
embora ainda praticado nos projetos oficiais.

Pedro Américo cede às tendências românticas e chega a realizar uma viagem à


Argélia, onde convive com o exotismo, o orientalismo, vivendo aventuras em locais e
situações estranhas à sua cultura. Essa experiência impregnou o espírito do artista, o
que pode ser observado na escolha dos temas de suas obras, sejam aqueles tomados à
história bíblica ou à literatura ou à sociedade. Artista com formação erudita,
diplomou-se ainda em ciências sociais e escreveu vários ensaios literários.
Retornando ao Brasil, ingressou na Academia como professor efetivo de desenho, em
concurso do qual também participou Jules Le Chevrel, em 1865. Mais tarde pediria
para assumir a disciplina história da arte, estética e arqueologia, alegando as
dificuldades do professor de desenho frente a alunos com fracos conhecimentos, o
que tornava o trabalho “sobremodo fastidioso e pesado” . Alegava ainda que o
professor era extremamente mal pago, o que “traz-lhe de contínuo presente a idéia de
miséria, a mais assustadora de quantas afligem o artista no Brasil”. 19 Pedro
Américo nunca atuou regularmente como professor na Academia. Solicitou várias
licenças para executar obras encomendadas pelo governo ou para tratamento de
saúde.

O artista decididamente manifestava sua rejeição a uma situação acadêmica


evidentemente desconfortável, como o despreparo dos alunos para a disciplina de sua
responsabilidade. Era um artista e um intelectual, mais que um professor. A sua
atuação sistemática no ensino da AIBA foi praticamente nula. Em 1882 o diretor da
Academia, Tomás Gomes dos Santos informava: “... dezessete anos depois do
concurso seu tempo de efetivo exercício contava, exatamente, quatro anos e quatro
meses...” 20

O ensino de pintura histórica, desenvolvido de forma rotineira, esteve nas mãos de


diversos professores, durante o período imperial, destacando-se Debret, Porto-alegre,
Victor Meirelles e Zeferino da Costa. A contribuição de Pedro Américo não viria
dessa atividade acadêmica e sim dos exemplos que deixou em sua obra,
especialmente nas batalhas que realizou. Em 1870-1872 pintou A batalha de Campo
Grande e logo a seguir A batalha de Avahy. Para cumprir o compromisso assumido
com o governo, viajou para Florença, onde expôs a obra em presença do Imperador.
No Brasil, a tela, obra de “grande máquina” (10,0m x 5,0m) foi exposta na Exposição
Geral de 1879, ao lado de A batalha de Guararapes, de Victor Meirelles. Os dois
artistas enfrentaram acirrado debate crítico na época, que colocava em confronto as
duas obras e os seus autores, que foram acusados de plágio e de serem artistas de
pouco valor.

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Retomando os ideais artísticos de Porto-alegre referentes ao desenvolvimento e


enraizamento do gosto pelas belas artes no país, a ser alcançado através do ensino e
da produção dos artistas brasileiros, vemos que o mesmo já estava em andamento
através da relação estabelecida entre a produção da Academia e a sociedade carioca,
como o prova o debate crítico que as batalhas suscitaram naquela ocasião. Os
avanços nesse sentido podem ser observados no conjunto de obras de Pedro
Américo, Victor Meirelles, Zeferino da Costa, Almeida Júnior, em seu caráter geral e
tendências individuais. Pedro Américo dividiu sua residência entre o Rio de Janeiro e
Florença, onde se fixou em 1905, quando morreu. O último trabalho de grandes
dimensões do artista foi O grito do Ipiranga, de 1888. Como nos demais, manteve o
tema dramático, de gosto romântico, tal qual no Tiradentes esquartejado.

Nas considerações referentes à importância da pintura histórica no período, vamos


retomar o nome de João Zeferino da Costa, dessa feita como um artista pouco
estudado, mas de grande valor. Recebeu o Prêmio de Viagem com a obra Moisés
recebendo as tábuas da lei; seu pensionato deu-se apenas na Itália, onde demorou-se
até terminar o prazo de viagem, preferindo ali estudar e não na França. Seus
“envios” participaram das Exposições Gerais de 1872 , 1879 e 1884. Sua produção
não pode rivalizar, em quantidade, com as de Victor Meirelles e Pedro Américo, mas,
em qualidade, está à altura desses artistas. Sua obra mais significativa é a decoração
da Igreja da Candelária, onde trabalhou primeiramente a cúpula pintando painéis
com o tema da vida da Virgem: A Virgem rodeada das virtudes - fé, esperança,
caridade, prudência, justiça, fortaleza, temperança. No tambor da cúpula colocou as
figuras de Salomão, David, Jessé e Isaías, em figuras que medem o dobro do
tamanho natural, dada a escala da igreja. Esse ciclo se completa na capela-mor, ainda
no tema da vida da Virgem: A purificação, A anunciação, Os esponsais, A ascensão.
Na abóbada da nave, pintou o drama da viagem dos fundadores da primitiva igreja: A
partida do porto de Palma, A tempestade, O salvamento, O voto cumprido, A
sagração (1775), A inauguração.

Nessa obra Zeferino da Costa propiciou a um grupo de artistas da Academia desfrutar


da experiência do trabalho prático junto ao professor. Eram eles: Oscar Pereira da
Silva, Giovanni Battista Castagneto, Rafael Pinto Bandeira e Sebastião Fernandes. A
importância de Zeferino da Costa e de Antônio de Pádua e Castro, professor de
escultura de ornatos, refere-se à sua condição singular no panorama das artes do
período, pois foram os únicos artistas da Academia que se distinguiram por
realizarem grandes obras de decoração religiosa nas igrejas do Rio de Janeiro. O
ciclo pictórico da Igreja da Candelária é profundamente significativo e, pelo número
de painéis que reúne, testemunha com clareza a operosidade do artista. Sobre ele
observou Quirino Campofiorito:

Se a moléstia que o afetava não lhe impediu totalmente a dedicação ao


ensino, não lhe permitiu pintar. Por essa razão sua obra é reduzida,
conservando-se todavia rica de valores que a tornaram destacada na
pintura brasileira. Uma obra que além de seu rigor técnico revela

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sensibilidade poética, conquanto o pintor se haja mantido rigoroso no


respeito aos postulados artísticos a que se filiou.. 21

Escultura estatuária

Com o neoclassicismo, a escultura busca copiar modelos gregos e romanos embora,


diferentemente da arquitetura, não se submetesse a regras tão rígidas, o que permitiu
certa liberdade aos artistas. Eram buscados os referenciais no mundo antigo, em
temas moralizadores, heróicos, mitológicos, e as figuras captadas em gestos
compassados. A madeira praticamente desaparece e o mármore pode ser associado ao
bronze. Os elementos decorativos na escultura arquitetônica são tomados à arte
egípcia, grega, romana, renascentista. Por vezes, um detalhe de ornamento tirado de
um prédio antigo pode ser copiado fielmente ou servir de inspiração aos escultores.
Os motivos tomados à natureza são ordenados, como as grinaldas compactas com
movimentos geométricos, motivos saídos dos grotescos romanos, folhagens ritmadas,
elementos em metamorfose. Esses elementos tipológicos foram divulgados
geralmente em livros editados com desenhos decorativos empregados em edifícios
importantes da Europa. Em relação a esse material a biblioteca da Academia possuía
bom número de exemplares.

Na área de escultura, a estatuária era a forma de representação mais elevada, havendo


também a escultura de ornatos e pedras preciosas. Pela Reforma Lino Coutinho, de
1831 [QUADRO 3], foi incluída a gravura de ornatos, necessária para a preparação
dos cunhos, nos quais era importante a técnica do baixo-relevo nas representações de
verso e anverso das moedas e medalhas. Até 1855 foram designados três professores
para a área de escultura estatuária. Auguste Marie Taunay não chegou a lecionar,
falecendo em 1824. João Joaquim Alão, português natural do Porto, veio para o
Brasil, decorou o Palácio da Quinta da Boa Vista e trabalhou na Academia de 1824 a
1837. Marc Ferrez destacou-se dentre os demais com várias obras muito
significativas para os rumos da escultura na segunda metade do período. Foi mestre
de Francisco Chaves Pinheiro, Honorato Manoel de Lima e Francisco Elídio Pânfiro.

Elídio Pânfiro foi Prêmio de Viagem em 1846 e viajou para Roma, onde estudou até
1849. Tornou-se Professor Proprietário em 1850; é de sua autoria a decoração do
Salão Nobre da Escola Politécnica. Por sua morte, a vaga foi ocupada por Francisco
Chaves Pinheiro, seu substituto. Chaves Pinheiro, dentre outros alunos, foi mestre de
Cândido Caetano de Almeida Reis, Hortêncio Branco Cordoville e Rodolfo
Bernardelli. Chaves Pinheiro não se aperfeiçoou na Europa, onde representou o país
em comissões nas Exposições Internacionais de 1864 e 1880. Lecionou na Academia
de 1851 a 1884, dominando as orientações do ensino de estatuária durante trinta e
três anos. Sua produção é muito grande, está dispersa e não foi ainda estudada
convenientemente; suas obras ligam-se a temas alegóricos, em pleno vulto ou relevo
arquitetônico, temas comemorativos, bustos. Esse elenco é condizente com a situação
de mecenato do Estado e com o crescente movimento de conscientização, no Brasil e
na Europa, das questões nacionais. Na idealização e construção de monumentos,
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símbolos e alegorias a arte do século XIX foi traduzindo os “lugares de memória”


voltados para a identificação ou afirmação dos valores culturais das nações.

A elaboração desses monumentos comemorativos partia em geral de projetos oficiais,


de instituições ou grupos diversos que os patrocinavam, e resultava em obras de
grandes proporções, de representação complexa, elaboradas a partir de elementos
simbólicos e alegóricos, voltados para o sentido moralizador e formador dos
sentimentos nacionalistas. Esse tipo de representação em praça pública requeria a
elaboração da escultura em pleno vulto e em relevo aplicado, seja entalhada em pedra
ou moldada em bronze. O movimento de reurbanização das cidades e as
manifestações ligadas às questões nacionais iam cada vez mais abrindo espaços para
essas formas de representação. No Brasil, os estudiosos têm dedicado a sua atenção à
arquitetura e à pintura do período. Curiosamente o estudo da escultura avançou muito
pouco e a produção dos escultores está dispersa e goza de franco desprestígio, sendo
raramente contemplada com estudos monográficos. Inclui-se nesse caso, a obra do
artista e professor da AIBA Francisco Chaves Pinheiro, cuja produção é numerosa e
pode ser dividida em quatro grupos: estátuas, bustos, relevos arquitetônicos e arte
sacra. Sua obra era, em geral, voltada para o convencionalismo acadêmico,
revelando, porém, nos últimos trabalhos, maior emoção e dramaticidade.

Chaves Pinheiro deixou várias contribuições na tendência histórico-nacionalista,


realizando na escultura a representação do sentimento da nacionalidade, que se
desejava forjar com a afirmação da independência, no tema do indianismo, ou
comemorando fatos da história nacional. Representou D. Pedro II, em tamanho
colossal, em trajes de voluntário da pátria, na Rendição de Uruguaiana, episódio da
Guerra do Paraguai, em terracota. Essa obra foi exposta em 1866 no Rio de Janeiro e
depois em Paris, em 1867. Realizou também uma Estátua pedestre de D. Pedro II,
em 1873, reproduzida para a Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, para a
Casa da Moeda e para a Caixa Econômica (original no MNBA). Representou O ator
João Caetano como Oscar, em 1860, obra fundida em bronze, enviada à Exposição
de Filadélfia em 1876 (original no MNBA). Dentre as alegorias voltadas ao
sentimento nacionalista, podemos citar Alegoria à libertação do Brasil, 1845;
Alegoria à descoberta da América, 1846; Caboclo simbolizando o Brasil, terracota,
1872; Ubirajara; Emancipação do elemento servil, grupo alegórico com cinco
figuras, que comemora a lei de 28/09/1871. No tema sacro, a obra mais significativa
encontra-se na Igreja da Irmandade Terceira de São Francisco de Paula, onde
representou dois dos seis Painéis da vida de São Francisco de Paula e, sobre as
colunas da nave, os Doze apóstolos, em madeira, sendo outros quatro do escultor
Cândido de Almeida Reis. Entre os monumentos comemorativos, representou José
Bonifácio, mais tarde fundida em bronze por Louis Rochet, integrando o monumento
ao patriarca da Independência, no Largo de São Francisco de Paula.

Dos discípulos de Chaves Pinheiro, destacamos Cândido Caetano de Almeida Reis,


Prêmio de Viagem em 1865, Hortêncio Branco Cordoville e Rodolfo Bernardelli,
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Prêmio de Viagem em 1876. Almeida Reis estudou em Paris com Louis Rochet,
realizador dos monumentos Estátua eqüestre de D. Pedro I e Monumento a José
Bonifácio. Em Paris tornou-se admirador de Pierre Puget, artista romântico, que o
influenciou. A sua obra O Paraíba - representado por um índio que, separando duas
pedras, liberta um veio d’água, a nascente do rio Paraíba do Sul - não foi bem aceita
pela Academia e o artista perdeu sua “bolsa de pensionista”, retornando ao Brasil.
Esse episódio deixa claro o mecanismo de controle sobre os pensionistas da AIBA e
a sua franca resistência sobre as tendências modernas da arte então produzida em
Paris. A obra de Almeida Reis traduzia, embora de forma discreta, a nova tendência
na interpretação mais livre do tema e da fatura da peça. Essa tendência está também
presente em outras obras do artista: O crime (Exposição de Filadélfia), Alma penada,
Dante ao voltar do exílio, dentre outras.

A Academia objetivava transformar o aluno num escultor estatuário, isto é, num


artista capaz de trabalhar o bloco de pedra e encontrar o produto de sua criação
retirando o material em excesso na peça trabalhada. Esculpir a pedra, especialmente o
mármore, era o objetivo mais elevado e a mais grandiosa realização na escultura. A
obra poderia resultar também da técnica da modelagem em barro e posterior fundição
em bronze - técnica aplicada na confecção da Estátua eqüestre de D. Pedro I, por
exemplo. A escultura aplicada em terracota foi também muito comum e mesmo
defendida como um material de grandes possibilidades, muito usado no
Renascimento e evocado, por exemplo, por Grandjean de Montigny na decoração dos
edifícios que projetou.

Escultura de ornatos

O primeiro professor da disciplina escultura de ornatos, criada pela Reforma de


14/05/1855, foi Honorato Manoel de Lima (1855-1863) autor do Torso de Marc
Ferrez, em mármore e em tamanho colossal (Museu D. João VI). O segundo
professor da disciplina foi Antônio de Pádua e Castro (1863-1881), que dominou o
período, realizando obras de restauração, ampliação e decoração em quatorze igrejas
do Rio de Janeiro, dentre elas as grandes obras das igrejas dos Terceiros do Carmo
(1850-1855), do Sacramento (1855-1859), de São Francisco de Paula (1855-1865).
Pádua e Castro tinha uma visão moderna de ensino, trabalhando com seus alunos nos
canteiros de obra, colocando-os, assim, frente ao trabalho prático do artista. Não se
descuidou das questões teóricas, pois era um erudito, versado em matemática,
desenho, escultura. Procurou utilizar em suas obras os elementos decorativos
tomados à escola renascentista de Rafael, pois, como afirmava em um programa
apresentado à congregação em 1864, era a que estava em moda, diferenciando-a das
escolas grega e romana.

O material de apoio a essas aulas eram as séries de baixos-relevos em moldagem


direta em gesso, tomados às escolas clássicas, recomendados ao ensino acadêmico,
dos quais a Academia possuía um bom número. Havia ainda as séries de gravuras,
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como A coleção das loggias do Vaticano, de Giovanni da Udine e Pierino del Vaga,
alunos de Rafael; Le guide de l’ornamentiste, de Charles Normand; o Dictionnaire
des beaux-arts, de A L. Millin, dentre outros [FIGURA 5]. A importância dessa
disciplina é inegável, na medida em que oferecia aos alunos um grande campo de
trabalho na ornamentação de edifícios públicos e privados, muitas vezes
agradavelmente associada à decoração pictórica. Para tanto, não se tratava de
preparar o artesão, mas o artista sensível que trabalharia as superfícies das paredes,
considerando-as definidoras de um espaço que deveria ser apreendido da forma mais
agradável possível.

Verificamos, portanto, que os objetivos da Reforma de 1855 acabaram sendo


atingidos cerca de dez anos depois de sua implantação, sobretudo reforçando o papel
da Academia como órgão de governo, tornando-a perfeitamente articulada com o seu
projeto civilizatório de modernização, progresso e elaboração dos símbolos da nação.

* Cybele Vidal Neto Fernandes é professora de História da Arte da Escola de Belas Artes da UFRJ e
Doutora em História Social pelo IFCS/UFRJ. Este artigo é parte do capítulo “Ensino artístico na AIBA”
da tese de doutorado Os caminhos da arte: ensino artístico na Academia Imperial de Belas Artes,
defendida em 2001.

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1 BARATA, Mário. Manuscrito inédito de Le Breton. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, nº 14, 1959,
p. 283-307.

2 De acordo com a assinatura do artista adotaremos, neste trabalho, o nome de Manoel de Araújo
Porto-alegre com o a minúsculo, na palavra alegre.

3 O primeiro diretor da Academia foi Henrique José da Silva, pintor e desenhista português, que exerceu
o cargo até 1834, quando morreu.

4 TAUNAY, Afonso de E. A Missão Artística de 1816. Revista do SPHAN, Rio de Janeiro, nº 18, 1956.

5 Arquivos IHGB. Manoel de Araújo Porto-alegre. Lata 653, Pasta 12.

6 PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo. Academia das Belas Artes. Exposição Pública do ano de 1849.
Guanabara, Rio de Janeiro, 1849, p. 69-77.

7 PORTO-ALEGRE, Manoel de Araújo. Diário histórico da minha diretoria na Academia Imperial


das Belas Artes. Arquivos do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.

8 Apud GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa. Rio de Janeiro: [s.n.], 1993, p. 97.

9 Arquivos do Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Pasta do artista.

10 Arquivos do Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Pasta do artista.

11 Arquivos do Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Pasta do artista.

12 Segundo informa Angelo de Proença Rosa, esse livro encontra-se na Casa de Victor Meirelles e, se
consultado, vê-se que está cheio de anotações do artista. O livro foi traduzido para a língua francesa em
1835. Sobre o assunto ver: ROSA, Ângelo P. Aspectos do desenvolvimento da composição em Victor
Meirelles. Rio de Janeiro: Escola de Belas Artes/UFRJ, [s.d.], p. 49-55.

http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/aiba_ensino.htm 19/20
26/03/2018 19&20 - O Ensino de Pintura e Escultura na Academia Imperial das Belas Artes, por Cybele Vidal Neto Fernandes

13 GALVÃO, Alfredo. João Zeferino da Costa, op. cit. p. 91.

14 Ibid. p. 102. Na mesma folha de papel, o diretor anotou o total da verba concedida às aulas de pintura
histórica e pintura de paisagem (ambas sob a regência de Zeferino da Costa), fazendo o seguinte
comentário: “Para o concurso escolástico havia pedido, em 27/11 tintas no valor de 18$900 e agora
contenta-se com 60$000”.

15 Arquivos do Museu D. João VI. Pasta do artista.

16 FREIRE, Laudelino. Um século de pintura. Rio de Janeiro: Tipographia Röhe, 1916, p. 143.

17 Em 1858 a Academia relacionava os trabalhos enviados por Victor Meirelles: 22 estudos a óleo, 12
academias a lápis, 3 quadros a óleo, 8 cópias, 14 esbocetos de obras célebres, 21 estudos de trajes e
tipos, 9 academias, 6 estudos de cabeça, 6 estudos sobre gesso, 52 academias. Agraciado com Menção
Honrosa em concurso de perspectiva em Paris e uma Terceira Medalha em estudo do natural. Arquivos
do Museu D. João VI/EBA/UFRJ.

18 SÁ, Ivan Coelho de. A academização da pintura romântica no Brasil e a sua ligação com o
pompierismo francês: o caso de Pedro Améric. 1995. Dissertação de Mestrado - EBA/UFRJ, Rio de
Janeiro, p. 133.

19 Sobre essa fase da carreira do artista ver: Arquivo Nacional, Série Educação, Cultura e Belas Artes.
Código IE.

20 Arquivos do Museu D. João VI/EBA/UFRJ. Pasta do artista.

21 CAMPOFIORITO, Quirino. A história da pintura brasileira. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1983, p.


179.

http://www.dezenovevinte.net/ensino_artistico/aiba_ensino.htm 20/20

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