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NASCER E CRESCER

revista do hospital de crianças maria pia


ano 2010, vol XIX, n.º 2

Gastroenterite Aguda

Rosa Maria Lima1,2 e Jorge Amil Dias2

RESUMO apresenta um curso leve a moderada- de diarreia aguda do que o número de


A gastroenterite aguda (GEA) na mente severo e a evolução fatal é rara. dejecções(1,2).
criança é, ainda, uma das causas mais Em Portugal a GEA é causa comum de
comuns de hospitalização e importante hospitalização e importante problema de EPIDEMIOLOGIA
problema de saúde pública, no nosso país. saúde pública. A GEA é problema bastante comum
Resulta da infecção do tracto gastrointes- A GEA resulta da infecção do trac- na infância e em crianças pequenas.
tinal por variados agentes patogénicos to gastrointestinal por variados agentes Crianças até aos 3 anos têm em média
que alteram a função intestinal. Assim patogénicos que alteram a função intes- 1 a 2 episódios por ano, com um pico de
episódios frequentes contribuem para má- tinal. O presente trabalho consiste numa incidência entre os 6 e os 23 meses(3). A
-nutrição ao interferirem com a absorção revisão sistemática de aspectos clínicos diarreia tem habitualmente duração mé-
de nutrientes, pelo catabolismo aumen- relevantes e consensos terapêuticos de dia de 5,0±2,2 dias(4).
tado provocado pela infecção e a redução acordo com recomendações recentes A etiologia da GEA varia entre os
da ingestão calórica pelos vómitos. das Sociedades Europeia e Latino Ameri- países, dependendo de factores como a
O presente trabalho tem como ob- cana de Gastrenterologia, Hepatologia e localização geográfica, factores socioe-
jectivo fazer uma revisão sistemática de Nutrição Pediátrica. conómicos e clima.
aspectos clínicos relevantes e consen- Cerca de 40% dos casos de diarreia
sos terapêuticos de acordo com reco- DEFINIÇÃO nos primeiros 5 anos de vida devem-se
mendações recentes das Sociedades Define-se como a diminuição de ao Rotavírus, e 30% a outros vírus, no-
Europeia e Latino Americana de Gas- consistência das fezes (líquidas ou semi- meadamente Norovírus e Adenovírus.
trenterologia, Hepatologia e Nutrição líquidas) e/ou aumento na frequência das Em 20 a 30 % são identificados agentes
Pediátrica. dejecções para mais de 3 nas 24 horas, bacterianos (Salmonella, Campylobacter
Palavras-chave: diarreia, gastroen- com ou sem febre ou vómitos. A diarreia jejuni, Yersinia enterocolítica, E. coli en-
terite, rotavírus, rehidratação habitualmente dura menos de 7 dias e se teropatogénica ou Clostridium difficile),
prolongar por mais de 14 dias designa-se sendo que nos países do Norte da Eu-
Nascer e Crescer 2010; 19(2): 85-90 por diarreia persistente. Nos primeiros ropa o Campylobacter é o agente mais
meses de vida, a alteração de consistên- frequente enquanto no Sul prevalece a
INTRODUÇÃO cia das fezes é um sinal mais significativo Salmonella (Tabela 1).
A gastroenterite aguda (GEA) per-
manece uma das causas mais comuns
de mortalidade em idade pediátrica, em Tabela 1
países em desenvolvimento. A maioria
Agente Frequência – Portugal (%) Frequência – Europa (%)
das mortes acontece em zonas onde
o acesso a água potável e cuidados de Rotavírus 31 – 40 10 – 35
saúde são limitados. Neste contexto epi-
Adenovírus 11 – 13 2 – 10
sódios frequentes de infecção intestinal
contribuem para a má-nutrição ao inter- Outros vírus 12 2 – 20
ferirem com a absorção de nutrientes, ao
Salmonella spp 12 – 28 5–8
catabolismo aumentado provocado pela
infecção e à redução da ingestão pelos Campylobacter spp 2,1 – 2,4 4 -13
vómitos. Na Europa, a maioria dos casos
Shigella spp 0 – 0,6 0,3 – 1,4

__________ Yersínia enterocolítica 0 – 1,6 0,4 – 3


1
Serv. Gastrenterologia Pediátrica - CHPorto S/ agente identificado 36 45 – 60
2
Unid. Gastrenterologia Pediátrica - HSJoão

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Os parasitas causam menos fre- almente terminam em poucas horas AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA
quentemente diarreia aguda em crian- após hidratação adequada, e no má- A história clínica bem elaborada e o
ças saudáveis, com maior frequência de ximo em 48 horas. exame físico cuidado são fundamentais.
Giardia intestinal, Criptosporidium e En- Alguns sintomas podem ser prediti- A história clínica fornece informação de-
tamoeba histolytica(2,5,6). vos da etiologia. A febre elevada (>40ºC) terminante para a orientação diagnóstica
Os vários estudos demonstram que é comum na infecção por Shigella. A pre- e terapêutica. Os dados importantes a
a etiologia vírica tem o pico de incidência sença de sangue nas fezes é habitual- colher são enumerados na Tabela 3.
entre Janeiro a Março, e no nosso país a mente preditiva de etiologia bacteriana. No exame físico da criança com
Salmonella pode ser responsável por um O envolvimento do SNC é maior com GEA, é particularmente importante ava-
pico em Julho e Agosto(2,5). os agentes bacterianos, particularmente liar o grau de desidratação; a forma mais
Shigella e Salmonella. A associação de exacta é através da percentagem de per-
FISIOPATOLOGIA sintomas respiratórios com as infecções da ponderal.
Os vários agentes infecciosos pro- víricas está provavelmente relacionada Todas as crianças devem ser exa-
vocam lesão intestinal através de varia- com a época sazonal(2). minadas despidas, pesadas e deve ser
dos mecanismos que estão mencionados Manifestações subsequentes de- calculado o grau de desidratação, que
na Tabela 2. pendem do grau de grau de desidrata- pode ser dividido em 3 grupos: sem de-
ção. Raramente podem ocorrer com- sidratação ( < 3% de perda ponderal),
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS plicações como invaginação intestinal, leve a moderada (3 a 8 % de perda pon-
A doença manifesta-se por diar- choque tóxico ou hipovolémico com deral) e severa (> 9 % perda ponderal).
reia líquida, por vezes com sangue, insuficiência pré-renal na desidrata- A Tabela 4 enumera os sinais físicos que
após período de incubação de 1 a ção severa, convulsões resultantes permitem calcular a gravidade da desi-
7 dias. Os vómitos e a febre podem de alterações electrolíticas ou de hi- dratação.
estar ausentes, suceder ou preceder poglicemia, ou ainda mais raramente O tempo de reperfusão capilar, a
a diarreia; quando presentes, habitu- encefalite. prega cutânea e o padrão respiratório

Tabela 2

Mecanismos de lesão
Agentes infecciosos Mecanismo fisiopatológico
intestinal

Shigella
Invasão e lesão da Yersinia enterocolítica
9 Invasão da mucosa intestinal com ulceração e sangue
mucosa Campylobacter jejuni
Estirpes invasoras de E. coli (EPEC)

9 Libertação enterotoxina
Secreção activa de Vibrio cholerae Fixação em receptores específicos dos enterócitos
água e sódio Estirpes enterotóxicas de E. coli (ETEC) Activação de mediadores intracelulares (AMPc, GMPc, Ca++)
Secreção intestinal activa de Cl-, Na+ e H2O
9 Invasão e destruição dos enterócitos maduros das vilosidades, sendo
substituídos por enterócitos imaturos, com ↓ capacidade de absorção e ↓
Rotavírus
actividade enzimática (dissacaridases)
Lesões parciais da 9 Infecção não é contínua (intervalos de mucosa normal)
mucosa
Giardia lamblia
E. coli enteropatogénica 9 Adesão à mucosa → lesão das microvilosidadades
(EPEC-aderentes)

Clostridium difficile 9 Alguns antibióticos (grupo da Clindamicina) desequilibram a flora


intestinal facilitando a proliferação deste agente
9 Produção de citotoxina que destrói a mucosa intestinal com produção de
Produção de citotoxinas pseudomembranas
Estirpes de E. coli enterohemorrágica
(EHEC -O157:H7) 9 Produção duma citotoxina (verotoxina), responsável pelo S. hemolítico-
urémico que, por vezes (5 a 10%) ocorre após diarreia com sangue

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anormal constituem os sinais mais fide- ticulares (Tabela 5), a procura de agente
Tabela 3 dignos na avaliação da desidratação(2). causal por exame cultural, demonstração
O tempo de reperfusão capilar do antigénio ou toxina, ou por detecção
Dados importantes a obter da história
é avaliado num dedo da mão do doen- de DNA pode ser importante e, como tal,
clínica de uma criança com diarreia
te ao nível do coração, em temperatura recomendada.
Idade, Peso anterior ambiente agradável. A pressão deve ser Em caso de infecção nosocomial
gradualmente aumentada, na superfície em doentes hospitalizados, isto é, início
Número de dias de diarreia
palmar da falange distal e depois alivia- de diarreia há mais de 3 dias após ad-
Número de dejecções nas últimas 24 horas da de imediato. O tempo normal é inferior missão, deve ser pesquisado Rotavírus
1,5 – 2 segundos. e/ou toxina de Clostridium difficile. O iso-
Consistência das fezes
A prega cutânea é avaliada na pa- lamento de agente bacteriano é raro, e o
Presença de sangue rede abdominal lateral ao nível do umbi- exame cultural de fezes não deve fazer
go. A prega que se forma pela pressão do parte da avaliação inicial de um doente
Número de episódios vómitos
polegar e indicador normalmente retorna com diarreia nosocomial.
Febre, quantificar ao normal de imediato após ser libertada. As análises de sangue não são ha-
A hipernatremia e o excesso de gordura bitualmente necessárias em casos de
Micções (N / <normal) (número de fraldas)
subcutânea podem dar sinais falsos ne- desidratação leve a moderada, uma vez
Quantidade de líquidos ingeridos gativos de desidratação, a desnutrição que os resultados não influenciam o tra-
pode transmitir um sinal falso positivo. tamento. A etiologia vírica ou bacteriana
Ingestão alimentar
não se esclare com parâmetros como a
Aleitamento materno Na diarreia severa, quando há com- PCR e a velocidade de sedimentação.
plicações ou dúvidas sobre o diagnóstico, Estão indicadas para crianças com de-
Medicação já efectuada (SRO / antipiréticos
/ outros) deverão realizar-se outras investigações sidratação severa ou se necessitam de
de acordo com o quadro clínico. rehidratação endovenosa e devem incluir
Viagem nas últimas 2 semanas O exame microbiológico de fezes o hemograma completo, equilíbrio ácido-
Contacto com outros casos (domicílio / não deve realizar-se por rotina. A de- -base, electrólitos, ureia e creatinina(2).
creche / escola) monstração do agente, vírus ou bactéria A identificação de leucócitos nas
responsável pela GEA, não é relevante fezes em exame a fresco com coloração
Patologia pré-existente para a decisão terapêutica para o doente por azul de metileno pode sugerir etiolo-
individual. No entanto em situações par- gia bacteriana invasiva da mucosa embo-

Tabela 4

Sem desidratação Desidratação leve a


Desidratação severa (> 9 %)
(<3% perda ponderal) moderada (3 – 8%)
Estado geral/ nível de consciência Bom, acordado Agitado, irritável ou prostrado Apático, letárgico
Sede Normal Com sede, ávido de líquidos Bebe muito pouco ou recusa
Freq. Cardíaca Normal Normal a elevado Taquicardia e se agravamento bradicardia
Pulso Normal Normal a diminuído Fraco ou não palpável
Respiração Normal Normal ou profunda Profunda, respiração acidótica
Olhos Normal Encovados Profundamente encovados
Lágrimas Presentes Diminuídas Ausentes
Mucosas Húmidas Secas Muito secas
Prega cutânea Desaparece de imediato Desaparece após <2’’ Permanece> 2 ‘’
Tempo de reperfusão capilar Normal Lento Muito lento
Extremidades Quentes Frias Frias, cianóticas
Diurese Normal a diminuída Diminuída Mínima

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Tabela 5 dadas como tratamento da GEA na Euro- A mortalidade foi rara, mas ocorreu em
pa. A solução hipertónica (Na+ 90 mmol/L) 6 crianças com terapia endovenosa e 2
Exame cultural das fezes, quando pedir:
foi inicialmente recomendada, mas vários crianças com rehidratação oral. Apenas
Evolução severa, com perda ponderal trabalhos demonstraram de forma con- em 1 de cada 25 crianças que iniciaram
estimada> 9% sistente que menores concentrações de rehidratação oral foi necessário mudar
sódio e glicose aumentam a absorção de para terapia endovenosa(10).
Diarreia com sangue
água podendo ser mais eficazes que as Não é recomendado o uso de SRO
Viagem recente para países de risco (África, soluções com osmolaridade mais eleva- com outros substractos por falta de evi-
Ásia, América do Sul) da, e ao mesmo tempo reduziam o ris- dência científica conclusiva(2,8).
Imunodeficiência congénita ou adquirida ou co potencial de induzirem hipernatrémia O internamento na GEA deve ser
terapia imuno-supressora por perda aumentada de água(2,7,8). Uma limitado de forma a prevenir a infecção
revisão sistemática de Hahn incluiu 15 nosocomial, garantindo-se um tratamen-
Suspeita de colite por Clostridium difficile ou ensaios controlados randomizados em to seguro e eficaz.
S. hemolítico-urémico 2397 crianças menores de 5 anos, com As crianças que se apresentam de-
Diarreia persistente (mais de 2 semanas) diarreia aguda, tratados com SRO de sidratadas e/ou tiveram mais de 8 episó-
osmolaridade reduzida ou hipotónica vs dios de diarreia e/ou mais de 4 episódios
Surtos epidémicos SRO hipertónica; esta revisão demons- de vómitos nas últimas 24 horas ou com
Quando infecção intestinal tem de ser trou que as crianças tratadas com SRO menos de 6 meses de idade, têm risco
excluída para confirmar outras etiologias de osmolaridade reduzida ou hipotónica elevado de complicações pelo que de-
como a Doença Inflamatória Intestinal. tiveram menor necessidade de rehidrata- vem ficar em vigilância, e só poderão ter
ção endovenosa, excreção fecal e risco alta quando a ingestão de fluidos e ali-
de vómitos, quando comparados com mentar é satisfatória.
crianças tratadas com SRO hipertónica e
ra tenha alguma significativa margem de sem risco significativo de hiponatrémia(9). Recomendações dietéticas
erro. Contudo, não existe nenhum marca- Assim, a SRO hipertónica não é actual- A alimentação deve ser mantida e
dor nas fezes seguramente preditivo de mente recomendada em crianças. Os não se recomendam pausas alimenta-
infecção bacteriana(2). refrigerantes e Colas contêm muito ele- res superiores a 4 horas. Devem manter
vada concentração de açúcar (> 110 g/L), a dieta habitual, não se justificando a
TRATAMENTO concentrações mínimas de sódio ou de mudança para dietas especiais, nomea-
O tratamento essencial da GEA con- potássio e possuem osmolaridade dema- damente com baixo teor de lactose e/ou
siste na reposição de fluidos e electrólitos siado elevada (> 780 mOsm/L) pelo que gorduras ou hidrolisados proteicos(2,8).
e na manutenção da alimentação entérica estão fortemente contra-indicados.
para prevenir o catabolismo e promover a Na desidratação leve a moderada Tratamento farmacológico
regeneração dos enterócitos. (3 a 5% de perda ponderal) a quantidade Na maior parte das diarreias infec-
de líquidos a ser ministrada é de 30 a 50 ciosas, o tratamento com fármacos não
Rehidratar ml/Kg de peso corporal; na desidratação está indicado. Revêem-se brevemente os
A rehidratação oral deve ser a pri- moderada (> 5 a 8%), a quantidade é de principais produtos descritos para a GEA.
meira linha no tratamento de crianças 60 a 80 ml/Kg, durante um período de 3
com GEA. a 4 horas. Anti-eméticos
A Solução de Rehidratação Oral Quando a rehidratação oral não é Não devem ser usados por rotina
(SRO) foi desenvolvida depois da desco- possível, a rehidratação enteral por son- em crianças com GEA e vómitos, pela
berta do mecanismo de co-transporte de da nasogástrica é tão eficaz e mais cor- elevada percentagem de efeitos cola-
sódio e glicose nos enterócitos. A água recta do que a rehidratação endovenosa. terais, no entanto podem ser úteis em
segue passivamente o influxo de sódio e Está associada a menos efeitos adversos crianças com vómitos severos(2,8). A
glicose. Ficou demonstrado que as bac- e internamentos mais curtos. metoclopramida está frequentemente
térias enterotoxinogénicas como o Vibrio Uma revisão da Cochrane, envol- associada a síndrome extra-piramidal,
cholerae e as estirpes enterotóxicas de vendo 1811 crianças com GEA, mostrou particularmente nos casos de sobredo-
E. coli mantêm intactas a morfologia da não existir diferença significativa entre a sagem, já que as crianças podem vo-
mucosa intestinal e as suas funções ab- terapia oral e endovenosa no que res- mitar o medicamento e levar os pais a
sortivas e, apesar da lesão dos enteró- peita ao risco de hipo ou hipernatremia repetir a dose!
citos pelo Rotavírus a SRO também se e ganho ponderal. A diarreia terminou em
mostra eficaz(7). média cerca de 6 horas mais cedo nos Anti-peristálticos
As SRO de osmolaridade reduzida doentes tratados com rehidratação oral, e A loperamida é um agonista dos
(conteúdo em sódio de 75 mmol/L) ou o tempo de internamento foi significativa- receptores opióides provocando re-
hipotónica (Na+ 60 mmol/L) são recomen- mente mais curto, em média de 1.2 dias. dução da motilidade intestinal. Está

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contra-indicada no tratamento da GEA Antibióticos volvidos. Os dados acerca dos países em


em crianças, pelos efeitos colaterais Não são recomendados na grande desenvolvimento revelam que as crian-
sérios, nomeadamente distensão ab- maioria das crianças com diarreia agu- ças com menos de 6 meses têm um ris-
dominal, ileo paralítico, letargia e mor- da. Nas GEA de etiologia bacteriana só co mais elevado de desenvolver diarreia
te, relatados em crianças com menos são recomendados para patogéneos es- persistente.
de 3 anos(2,8). pecíficos, nomeadamente nos casos de Um estudo de Vernacchio, realizado
Vibrio cholerae, Entamoeba histolytica, nos Estados Unidos, que seguiu pros-
Anti-secretórios Shigella e Giardia intestinal(2,7). pectivamente 604 crianças com idades
O racecadrotil é um fármaco anti- Os antibióticos estão indicados no entre os 6 meses e os 3 anos, revelou
-secretor que exerce o seu efeito anti- tratamento de diarreia por agentes bac- uma incidência da diarreia persistente de
diarreico através da inibição da encefa- terianos nas seguintes situações: menos 0,18 episódios por criança por ano, ocor-
linase intestinal, reduzindo activamente a de 3 meses de idade, imunodeficiência rendo mais frequentemente no Inverno
secreção de água e electrólitos. Pode ser primária ou secundária, terapia imunosu- e Primavera, com duração média de 22
útil na fase inicial (em que o componen- pressora ou se existe sepsis como com- dias (14–64 dias) e sendo o Norovirus,
te secretor é mais relevante) de diarreias plicação. Rotavirus e Sapovirus os agentes habitu-
víricas. Pode ser considerado no trata- O tratamento antibiótico da infecção almente associados. Estes dados estão
mento de crianças com GEA, no entan- por Shigella reduz de forma significativa em contradição com estudos realizados
to serão necessários mais estudos de a duração da febre, diarreia e a excreção em países em desenvolvimento em que
eficácia e segurança para fazer essa fecal do agente e, portanto, a infectivida- a etiologia bacteriana é mais frequente e
recomendação(2,8, 1). de. É recomendado o tratamento antibi- com maior morbilidade e mortalidade(16).
ótico na diarreia com confirmação cultural Embora o conhecimento da patoge-
Micronutrientes ou na suspeita. O tratamento empírico nese da diarreia intratável e de lesão da
O zinco tem funções tróficas anti- preferencial é a azitromicina durante 5 mucosa tenha aumentado, ainda esta-
-oxidativas, com efeitos que favorecem dias. No tratamento empírico endoveno- mos longe de conhecer os mecanismos
as funções imunológicas e de barreira so a primeira escolha é o ceftriaxone du- moleculares que levam à lesão intestinal
da mucosa intestinal. Embora o seu rante 2 a 5 dias(2). prolongada na DP de etiologia infecciosa.
mecanismo de acção seja desconheci- Na GEA por Salmonella não se re- Duas formas de lesão podem ocorrer, co-
do, o tratamento com zinco demonstrou comenda tratamento antibiótico em crian- lonização infecciosa persistente e ente-
aumentar a absorção de água e elec- ças saudáveis, uma vez que, não afecta ropatia pós-infecciosa que não recupera
trólitos pelo intestino, favorece a rápi- a duração da febre ou diarreia e pode in- ou com recuperação muito lenta. A atrofia
da regeneração do epitélio intestinal duzir o estado de portador(2). vilositária e a infiltração da lâmina própria
aumentando os níveis de enzimas das Na diarreia por Campylobacter je- resultantes levam a perda da barreira epi-
microvilosidades, reduz a gravidade e juni, o tratamento reduz a duração dos telial e perda das funções de absorção
duração da diarreia aguda e persisten- sintomas, sobretudo em crianças com com desnutrição e consequente atraso
te. Estes efeitos foram demonstrados diarreia disentérica, e reduz a duração da de reparação epitelial (14,15).
em crianças que vivem em países em excreção fecal e portanto reduz a infecti- O tratamento da diarreia persistente
desenvolvimento, onde a deficiência de vidade, sendo recomendada em creches inclui as medidas de rehidratação, reabi-
zinco é comum. Não existem provas de ou instituições(2). litação nutricional e terapêutica farmaco-
eficácia do seu uso em crianças euro- lógica.
peias com GEA. No entanto, levando Diarreia persistente A rehidratação deve obedecer aos
em conta as recomendações da OMS, Designa-se diarreia persistente (DP) mesmos princípios da GEA. As medidas
deve suplementar-se com zinco qual- quando se inicia de forma aguda e dura dietéticas incluem a manutenção do alei-
quer criança malnutrida. A dose é de 14 dias ou mais, habitualmente associa- tamento materno. Nas crianças alimenta-
10 mg/dia em menores de 6 meses e da a má evolução ponderal(14,15). É impor- das com fórmula láctea, em que se evi-
20 mg/dia após essa idade durante 10 tante factor de morbilidade e mortalida- dencie acidez das fezes e presença de
a 14 dias(2,8,14,13). de em todo o mundo, e ao contrário da açúcares redutores (método de execução
diarreia aguda em que a desidratação é simples com 5 gotas da parte líquida das
Probióticos o mais importante factor de mortalidade, fezes, 10 gotas de água e 1 pastilha de
Podem ser efectivos no tratamen- a DP pode ter vários efeitos no desenvol- Cliniteste®) deverá suspender-se a in-
to da diarreia de etiologia vírica. Apesar vimento da criança, nomeadamente defi- gestão de lactose através leite próprio e
de numerosos estudos com resultados ciências de micronutrientes, paragem do manter-se bom aporte calórico. Se a diar-
contraditórios, meta-análises revelam crescimento e atraso cognitivo. reia persiste deverá ponderar-se dieta
que o Lactobacillus GG e o Saccha- Existem poucos dados acerca dos elementar e proceder-se a estudo adicio-
romyces boulardii se mostraram bené- factores de risco para o desenvolvimento nal etiológico (outros défices enzimáticos
ficos(2,8). de diarreia persistente nos países desen- ou de transporte da glicose no epitélio

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intestinal). É recomendada a suplemen- tic consensus in accordance with recent menores de 5 años: un enfoque basa-
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