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16º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia

16th International Meeting of Art and Technology


titulo | title

16º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia: 16th International Meeting of Art and Technology:
#16.ART: Artis intelligentia: IMAGINAR O REAL #16.ART: Artis intelligentia: IMAGINING THE REAL

comissão organizadora | organizing committee

Catarina S. Martins (PT) Miguel Carvalhais (PT)


i2ADS: Instituto de Investigação em Arte, INESC TEC | Faculdade de Belas-Artes
Design e Sociedade | Faculdade de Belas Artes Universidade do Porto
Universidade do Porto
Paulo Almeida (PT)
Cleomar Rocha (BR) i2ADS: Instituto de Investigação em Arte,
Faculdade de Artes Visuais Design e Sociedade | Faculdade de Belas Artes
Universidade Federal de Goiás Universidade do Porto

Maria de Fátima Lambert (PT) Paulo Bernardino Bastos (PT)


Professora Coordenadora - Escola Superior ID+: Instituto de Investigação em Design,
de Educação do Politécnico do Porto Media e Cultura | Universidade de Aveiro
InED - Centro de Investigação e Inovação
em Educação da ESE | P. Porto Suzete Venturelli (BR)
Instituto de Artes
Maria Manuela Lopes (PT) Departamento de Artes Visuais
ID+: Instituto de Investigação em Design, Universidade de Brasília
Media e Cultura | Universidade de Aveiro
i3S: Instituto de Investigação e Inovação
em Saúde | Universidade do Porto

edição
i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade

Editora | Publisher
i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade

ISBN eletrônico
978-989-99839-5-3

depósito legal data


432104|17 outubro 2017
coordenação | coordination

Portugal Brasil

Professor Dr. Paulo Bernardino Bastos Professora Drª. Suzete Venturelli


ID+: Instituto de Investigação em Design, Instituto de Artes,
Media e Cultura | Universidade de Aveiro Departamento de Artes Visuais,
Media Lab / UnB | Universidade de Brasília.
Professora Drª. Maria Manuela Lopes
ID+ Instituto de Investigação em Design, Professor Dr. Cleomar Rocha
Media e Cultura | Universidade de Aveiro Coordenador Media Lab / UFG
i3S: Instituto de Investigação e Inovação Universidade Federal de Goiás.
em Saúde | Universidade do Porto.

secretariado

Margarida Dias Roberto Correia


i2ADS: Instituto de Investigação em Arte, i2ADS: Instituto de Investigação em Arte,
Design e Sociedade | Faculdade de Belas Artes Design e Sociedade | Faculdade de Belas Artes
Universidade do Porto Universidade do Porto

design

Igor Aguiar Pedro Brochado


Media Lab / UFG (BR) i2ADS – Instituto de Investigação em Arte,
pesquisa; identidade visual do evento; Design e Sociedade | Faculdade de Belas
projeto gráfico editorial, diagramação; Artes | Universidade do Porto (PT)
aplicações diversas. aplicações diversas.

Kaiky Fernandez
Media Lab / UFG (BR)
pesquisa; layout e arquitetura do site.

programação
Vinnicius Campagnuci
Media Lab / UFG (BR)
comissão científica | scientific committee

Adérito Marcos | Univ. Aberta (PT) Marta de Menezes


Ectopia | Cultivamos Cultura (PT)
Alice Semedo | Univ. do Porto (PT)
Ana Catarina Almeida | Univ. do Porto | i2ADS (PT) Miguel Carvalhais | Univ. do Porto
INESC TEC | i2ADS (PT)
André Rangel | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Mirian Tavares | Univ. do Algarve (PT)
Andrés Burbano | Univ. dos Andes (CO)
Nara Cristina Santos | Univ. Fed. Santa Maria (BR)
Antenor Ferreira | Univ. de Brasília (PT)
Nuno Correia | M-ITI (PT)
António Valente | Univ. de Vila Real (PT)
Paulo Bernardino Bastos | Univ. de Aveiro (PT)
Catarina Martins | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Paulo Luís Almeida | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Celso Guimarães | Univ. Federal Rio de Janeiro (BR)
Pedro Cardoso | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Cláudia França | Univ. Espírito Santo (BR)
Pedro Maia | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Cleomar Rocha | Univ. Federal de Goiás (BR)
Penousal Machado | Univ. de Coimbra (PT)
Daniel Tércio | Univ. Nova de Lisboa (PT)
Philip Cabau | Inst. Politecnico de Leiria (PT)
Fátima Lambert
Inst. Politécnico do Porto | InED (PT) Priscila Arantes | Paço das Artes (BR)
Filipe Rocha da Silva | Univ. de Évora (PT) Rachel Zuanon | Univ. Anhembi Morumbi (BR)
Francisco Monteiro | Inst. Politécnico do Porto (PT) Ricard Huerta | Univ. de Valencia (ES)
Francisco Piquer | Univ. Politécnica de Valencia (ES) Rogério Câmara | Univ. Brasília (BR)
Francisco Providência | Univ. de Aveiro (PT) Rosangella Leote | Univ. Estadual Paulista (BR)
Gilbertto Prado, ECA-USP | UAM (BR) Rui Penha | Univ. do Porto (PT)
Graça Magalhães | Univ. de Aveiro (PT) Rui Torres | Univ. Fernando Pessoa (PT)
Inês Moreira | IHA-FCSH NOVA Rute Rosas | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Univ. do Porto | i2ADS (PT) Silvia Laurentiz | Univ. São Paulo (BR)
João Paulo Queiroz | Univ. de Lisboa (PT) Susana Lourenço Marques | Univ. do Porto
José Paiva | Univ. do Porto | i2ADS (PT) IHA.FCSH Univ. de Lisboa | i2ADS (PT)

Julio Borlido Santos | Univ. do Porto (PT) Suzete Venturelli | Univ. Brasília (BR)
Kathleen Rogers | Univ. Creative Arts (UK) Tania Fraga | Univ. São Paulo (BR)
Lucia Santaella | Univ. Católica de São Paulo (BR) Tiago Assis | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Luisa Paraguai | Univ. Campinas (BR) Tiago Guedes
Diretor do Teatro Municipal do Porto (PT)
Luísa Ribas | Univ. de Lisboa (PT)
Vasco Branco | Univ. do Porto (PT)
Maria Luiza Fragoso | Univ. Fed. Rio de Janeiro (BR)
Welligton Junior | Univ. Federal Fortaleza (BR)
Maria Manuela Lopes | Univ. Aveiro | Univ. Porto (PT)
Wojciech Owczarski | Univ. Gdansk (PL)
Mário Bismarck | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Mário Gandra | ISCE Douro (PT)
966 Convidados

Política e inteligência algorítmica


a partir da arte e da arquitetura digitais
Miguel Gally*1
Daniel Hora**2

Resumo
A disseminação contemporânea do uso de in- tamídia capaz de abrigar diferenças. Para um
teligências artificiais ou algorítmicas reinvoca esclarecimento desse contexto, escolheremos
o exercício de uma crítica da(s) racionalidade(s) algumas obras do campo das artes visuais e
em caráter de urgência, se quisermos reinven- performáticas e da arquitetura que oscilam
tar os termos de uma convivência entre hu- entre o combate e a cumplicidade perante as
manos e máquinas. Essa crítica política precisa dinâmicas de expansão da inteligência algorít-
levar em conta o imenso alcance de usos e a mica. Propomos a) revisar o entendimento das
complexidade da automação de procedimen- respectivas tecnologias usadas em tais obras;
tos, sua capacidade descentrada de percepção, b) identificar instanciações poéticas/estéticas
de conjectura e de tomada de decisão. Ou seja, levando em conta a contaminação e/ou hibri-
precisa ressaltar a mistura definitiva de muitos dação do recurso participativo/colaborativo
dos limites entre tais inteligências. A crítica po- das artes digitais. Por fim, tais concepções e
lítica dessa(s) racionalidade(s), entretanto, ter- obras serão comparadas. Pensaremos a parti-
mina insistindo em extremos. Ora tenta delimi- cipação como herança absorvida em sistemas
tá-las e separá-las, ora busca reduzi-las a uma artificiais. Alternadamente, abordaremos a
linguagem artificial comum. Contudo, é preciso metamídia computacional como uma provisão
evitar essa armadilha teórica, mostrando como política. Ambas as direções parecem sugerir
a vasta codificação do mundo guarda uma po- elementos para uma concepção política mais
lítica em seus próprios processos criativos, ao adequada aos desafios de uma convivência
mesmo tempo em que aponta para uma me- integral das inteligências.

*
Doutor em Filosofia. Professor adjunto do Departamento de Teoria e História e do Programa de
Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasil. Trabalho
realizado com auxílio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, Brasil (Pós-Doutorado
Sênior 2017). E-mail: gally@unb.br. Telefone: +55 61 3107-7441.
**
Doutor em Artes. Professor adjunto do Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes da Uni-
versidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Pesquisador colaborador do Núcleo de Estética, Her-
menêutica e Semiótica, vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Brasília, Brasil. Trabalho realizado com bolsa do Programa Nacional de
Pós-Doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, Brasil
(2015-2017). E-mail: daniel.hora@ufes.br. Telefone: +55 61 9 9166-4100.
Convidados 967

Palavras-chave descentrada e gerenciamento abundantes. Tais


Política da atividade criadora; Metamídia; Inte- registros são obtidos via interfaces cibernéticas
ligência algorítmica. e sensores variados e organizados em redes
de computação em nuvem. Às habilidades
de detecção e armazenamento categorizado
O lado insondável da inteligência de dados acrescenta-se o aprendizado que
artificial proporciona a conjectura e a tomada de deci-
sões pelas máquinas. Por fim, essas ações de
A disseminação do uso de inteligência artificial processamento se expressam na produção de
reinvoca o exercício crítico em torno da raciona- informações com efeitos externos ou internos,
lidade. Seja essa racionalidade considerada em que costumam ser assimilados para a retroa-
uma acepção unitária, seja aceita como multi- limentação da base de dados e o consequente
plicidade, sua avaliação se mostra até mesmo incremento do conjunto computável em even-
intrínseca ao próprio desenrolar de suas mani- tos posteriores.
festações. Pois a automação das tecnologias Nesse contexto, a inteligência humana,
informacionais e comunicacionais se funda em responsável pela primeira geração de sof-
certa racionalidade reflexiva, ainda que se com- twares, bem como pelo desenvolvimento de
porte de modo restrito e instrumentalizado. programas mais recentes capazes aprender
Ante essa incompletude ou ênfase pragmática em profundidade (deep learning) e de autogerar
localizada, a crítica também deve desenvolver novos algoritmos, acaba por ter de lidar com
um metadiscurso amplo e integrado, tal como resultados cujo percurso de processamento
sugerem algumas vertentes da produção e permanece, em muitas situações, desconhe-
fruição artística. Suas abordagens criativas e cido em sua totalidade. É a partir dessa inco-
abrangentes revelam-se sugestivas, se qui- mensurabilidade que gostaríamos de ressaltar
sermos reinventar os termos de uma convi- as implicações da perspectiva de mistura en-
vência entre “inteligências” do humano e do tre as inteligências naturais e artificiais. Há, de
não humano. fato, algo intrigante em marcha quando não se
Tomamos como ponto de partida o cres- compreende o trajeto intrincado da produção
cimento acelerado de uma cultura cada vez realizada por softwares. Especialmente porque
mais digitalizada e mais dependente de softwa- os seus resultados são considerados como
res capazes de lidar com imensas quantidades respostas criativas na interação homem-má-
de dados (big data). Diante desse cenário, a quina, como ocorre nas artes digitais e no de-
operação crítica é convocada a levar em conta sign paramétrico no contexto de fabricação de
o largo espectro de usos e a complexidade da objetos ou construção arquitetônica.
automação de procedimentos levada a cabo, Essa temática está presente nos deba-
especialmente, por programas generativos tes em torno do que se apresenta como um
adotados em diversas áreas, inclusive, as ar- lado escuro (dark side) da inteligência artificial
tes. Os algoritmos a partir dos quais se cons- (KNIGHT, 2017). O que não pode ser interpre-
tituem esses programas propiciam percepção tado, uma espécie de mistério digital, ao mes-
968 Convidados

mo tempo assusta a inteligência humana (ou Por outro lado, tenta-se reduzir a dis-
natural) e a aproxima da inteligência artificial. tância entre as inteligências por meio de uma
Pois as respostas sem explicação podem estar intermediação comunicativa. Esse é o objeti-
corretas e conduzir a eventos (in)desejados. É o vo de iniciativas dedicadas à sistematização
que se percebe em casos como o do programa e automação semântica, como o projeto da
Deep Patient. Usado no hospital Mount Sinai, Metalinguagem da Economia da Informação
em Nova York, o software aprende a prever do- (Information Economy MetaLanguage – IEML)
enças como o câncer antes do aparecimento de Pierre Lévy. Essa proposta visa nivelar as
de sintomas. Entre outros exemplos há ainda linguagens naturais e das máquinas, por meio
softwares que auxiliam em decisões na área da adoção de uma gramática e um léxico de
militar ou no mercado financeiro. De uma parte, manipulação semântica e simbólica. Essa me-
aceitar as decisões desses programas em larga talinguagem operaria a tradução de informa-
escala representaria uma automação radical ções em duas direções, realizando um antigo
que levaria à certa subjugação humana à tec- projeto da lógica destinado à criação de uma
nologia. Por outro lado, há uma aproximação racionalidade computável. Essa inteligência
que posiciona lado a lado a emergência (ainda) artificial seria não apenas um tipo de raciona-
inexplicável da consciência no cérebro (ou mes- lidade, mas designaria também uma época da
mo da vida na Terra) e a ocorrência de eventos história da racionalidade humana (LÉVY, 2014).
incomputáveis extraídos a partir de conjuntos Embora, aqui, a inteligência algorítmica
computáveis de dados. assuma um sentido diverso daquele da instru-
A crítica política dessa(s) racionalidade(s) mentalização da inteligência artificial, por seu
insiste, grosso modo, na consideração de extre- caráter metafísico, uma racionalidade termina
mos polarizados e relações de força. Por um pressupondo a outra em suas definições. Pois,
lado, tenta-se delimitar as inteligências. Trata- para nós, o que está em questão é o alcance da
-se de um argumento pretensamente huma- computabilidade e, portanto, o seu limite com
nista. Segundo essa aposta, um “nós humano” a incomputabilidade. A partir disso, pensamos
deve ser distinguido de um “eles máquina/ que as artes digitais forneceriam sugestões
software”. Surge dessa separação a necessi- para lidarmos com o lado escuro, incompreen-
dade de se desenvolver inteligências artificiais sível, da generatividade. Devemos assumi-lo
explicáveis para a racionalidade humana. Com como uma fronteira inescapável, embora sua
isso, estaria assegurada a capacidade de ras- abrangência seja expansível? Ou devemos
treamento para a justificação das lógicas con- considerá-lo como desafio vigente para um
dutoras de decisões que, de outro modo, per- esforço dedicado ao avanço gradual no senti-
maneceriam enigmáticas. Em casos extremos do de uma esperada totalização do horizonte
de motivação e meios insondáveis, haveria ao computacional?
menos a exigência de consequências compro- Residiria aí um elemento importante da
vadamente benéficas, para que se pudesse discussão política que envolve essas raciona-
depositar a confiança em seus agenciamentos lidades. Em outras palavras, como lidar com
desprovidos de evidências persuasivas. uma racionalidade artificial? Assumindo-a
Convidados 969

como outra racionalidade? Ou tentando con- tivo de um suposto estilo parametricista de


trolá-la dentro de uma sofisticada visão (ainda caráter internacional. Essa interpretação está
que) computável da realidade, de si e dos ou- ligada aos argumentos de Patrick Schumacher
tros? É preciso, antes, evitar a armadilha teóri- (2011; 2012) em torno da produção de Zaha
ca que esconde a perversa e antiga vontade de Hadid (1950-2016) e de seu escritório – que
dominação e segregação presente em muitas passa a ser liderado por Schumacher após o
experiências culturais humanas. falecimento da arquiteta iraquiana. O parame-
As artes digitais parecem mostrar como tricismo descreve dogmas e tabus construtivos
a codificação e a automação do mundo abrem em favor da diferenciação e da fluidez formal e
espaço para uma política de solidariedade em funcional atribuída às sinuosidades contínuas
seus processos criativos e produtivos. Porque e intrincadas.
suas práticas se fundamentam em processos Com discurso avesso à falta de engaja-
colaborativos e participativos. Ao mesmo tem- mento social do estilo parametricista, Carlo
po, apontam para a existência de uma condição Ratti, Matthew Claudel e colaboradores do la-
metamídia (metamedia), que acolhe e integra na boratório Senseable City (2015) propõem uma
computação as diferenças entre os meios es- arquitetura e urbanismo em código aberto.
pecíficos anteriores (ou hipoteticamente futu- Nessa abordagem hacker, a solidariedade e a
ros) de cada modalidade artística (MANOVICH, colaboração prevaleceriam como articulação
2013). Assim, ao invés de somente propiciar humana, em detrimento de sua compreensão
maior controle, a existência de uma face vela- exclusivamente dedicada ao esforço técnico
da (o dark side) da inteligência artificial poderia de integração morfológica e funcional de in-
despertar a curiosidade sobre quais modos formações ou processos automatizados. Ratti
de cognição estão em desenvolvimento e em e Claudel advogam por um engajamento cívico
efetiva aplicação. de inteligências, sustentado por meio de recur-
sos telemáticos de aprimoramento e aplicação
personalizada de algoritmos.
Diferenciação paramétrica, código Com o código aberto, está descartada a
aberto e equivocidade expansão autopoiética formalista e funciona-
lista da inteligência artificial sugerida pelo pen-
No design, arquitetura e planejamento urbano, samento de Schumacher. Além disso, defen-
a atividade criadora experimenta a cumplicida- de-se a acomodação de sistemas responsivos
de dos artefatos. É o que ocorre especialmente e interativos para a definição e habitação do
com a adoção algoritmos generativos em pro- ambiente construído. Entre outros exemplos
jetos que se materializam e depois se compor- dessa vertente, deve-se mencionar a iniciativa
tam dinamicamente, com base em maquinaria internacional WikiHouse, lançada em 2011 pelo
controlada numericamente por computadores escritório inglês 00 (zero zero). Seu objetivo é
(CNCs). Derivam daí algumas vertentes de propagar uma metodologia de padrões com-
interpretação. A primeira aponta para uma partilhados e abertos à alteração e adaptação
estética orientada pelo paradigma investiga- autônoma do projeto construtivo habitacional.
970 Convidados

Em vez do atendimento a uma clientela seleta benefícios sociais. Em ambas as situações, a


e abastada, a arquitetura se colocaria como insondabilidade da inteligência artificial só é ad-
ferramenta disponível ao público amplo. mitida enquanto parte integrante de processos
Por último, Luciana Parisi (2013) assu- que buscam as eventuais vantagens da cola-
me uma aposta ousada em torno da faceta boração criativa fornecida pelos recursos gene-
enigmática de um pensamento maleável rativos. Fica omitido ou é inibido o que excede
(soft thought). Para a autora, esse modo de a pressuposta racionalidade eficiente e efetiva.
pensamento “não é o novo horizonte para a Em polaridade oposta, a ampla aber-
cognição, ou para a construção ontológica de tura ao incomputável em Luciana Parisi está
uma nova forma de racionalidade” (p. xvii). Sem bem representada pelo alcance mais restrito
corresponder ao ato de pensar humano, esse do design especulativo de R(&)Sie(n). Dentre
pensamento maleável revelaria “que a cultura as realizações do grupo, a autora concentra
2
da programação está infectada por pensamen- sua análise em Une architecture des humeurs
tos incomputáveis sobre os quais ainda não há (2010). O projeto envolve a aplicação articulada
explicação” (p. xviii). Tomando como referência de conhecimentos de diversas disciplinas como
projetos de nomes como o grupo francês R(&) neurobiologia, robótica, matemática e filosofia.
1
Sie(n) , Parisi argumenta pela produção com- O trabalho emprega a análise matemática para
putacional de instanciações espaçotemporais a criação de estruturas morfológicas relacio-
imanentes ao processamento algorítmico. nais, fundamentadas em conflitos (ou mal-en-
Nesse sentido, tanto a eficácia generativa em tendidos) entre a expressão verbal dos desejos
Schumacher, quanto a socialização em Ratti e e os dados colhidos em testes sobre reações
Claudel estariam igualmente contaminadas por emocionais. Opõem-se assim a linguagem dos
uma produção especulativa influenciada pelo entrevistados aos indicadores obtidos por sen-
incomputável. sores bioquímicos.
Nota-se que as vertentes apontadas Nessa obra, podemos encontrar um caso
podem ser dispostas em uma escala de ad- típico de produção que estaria excluída do cam-
missão da incomputabilidade. Essa gradação po da arquitetura, urbanismo e disciplinas de
se organiza conforme a importância atribuída design, segundo os critérios mercadológicos,
à eficiência econômica e à efetividade tecnoló- formalistas e funcionalistas de Schumacher.
gica. Numa ponta, a pregação de um estilo pa- Também haveria dificuldade em enquadrar o
rametricista por Schumacher procura defender experimento na concepção de ativismo co-
não só o espaço de mercado já ocupado pela munitário de Ratti e Claudel. Com o projeto de
corrente vanguardista de Zaha Hadid e outros R&sie(n), não se espera da racionalidade subje-
adeptos. Visa também à disseminação de suas tiva uma resposta completa. O inexplicável das
regras e interdições para a efetiva e cotidiana operações lógicas e físico-químicas e interfere
aplicação em projetos comerciais em geral. decisivamente nas “soluções” alcançadas.
Em um ponto paralelo dessa polaridade, Ratti Nesse sentido, a “arquitetura de humores”
e Claudel pretendem submeter os aspectos de R&sie(n) se insere com mais facilidade no
econômicos e tecnológicos ao imperativo dos terreno da arte contemporânea. Assim poderia
Convidados 971

apontar Schumacher e, de fato, é o que ocorreu performance facial da cantora francesa Fran-
se consideramos a exibição do projeto na sede çoise Hardy. O resultado é obtido com base
parisiense do centro Le Laboratoire, dedicado à em acervo de videoclipes da década de 1960.
arte e ao design experimental. Klingemann adverte de modo irônico sobre os
A partir de R&sie(n), poderíamos indagar tênues limites entre o registro de um acon-
se o acolhimento das indeterminações da inte- tecimento verdadeiro e a simulação ficcional
ligência algorítmica sucede de modo mais fácil ou falsificadora. Ao longo do vídeo, ouve-se o
em poéticas da metamídia computacional não áudio de uma entrevista de Kellyanne Conway,
submetidas a demandas econômicas e tec- conselheira do presidente estadunidense Do-
nológicas rigorosas. Como exemplo, podemos nald Trump. Nessa conversa com um jornalista,
3
pensar na instalação Fala (2011-2017), dos Conway justifica como “fatos alternativos” as
brasileiros Rejane Cantoni & Leonardo Cres- informações controversas sobre o número
centi. Nesse trabalho, ao dizer uma palavra de pessoas presentes à cerimônia de posse
qualquer ao microfone, o público desencadeia de Trump, difundidas pelo porta-voz da Casa
uma corrente de réplicas resultantes da inte- Branca em janeiro de 2017 e contestadas
ração entre 40 telefones celulares, montados publicamente como mentiras. Nesse sentido,
em pedestais e organizados em pares especia- observamos no trabalho o desdobramento de
lizados em 20 idiomas. Os dispositivos contam práticas ilusionistas e ficcionais típicas da arte,
com algoritmos de reconhecimento e síntese comentadas por autores como Fábio Oliveira
de voz. Nunes (2016).
De forma consecutiva, um aparelho inter- Assim como na instalação de Cantoni &
preta o estímulo inicial humano e retruca com Crescenti, Alternative Face propicia a surpresa
uma palavra que retroalimenta o sistema e ante a capacidade algorítmica de empregar
gera outras respostas obtidas por associações o artifício de modo análogo ao natural. Há
semânticas e fonéticas. Revelam-se graus também um hibridismo cibernético dúbio. Ora
aleatórios e surpreendentes de proximidade observamos a concorrência entre a(s) raciona-
ou distanciamento entre vocábulos. Com isso, lidade(s) – humanas, naturais e das máquinas,
a inteligência artificial torna-se, de certo modo, ora percebemos a cooperação intencional ou
parte colaboradora de uma estranha conversa. involuntária entre tais instâncias. Nessas obras,
Nela, a linguagem natural é abstraída, sem ser o acolhimento da equivocidade contrasta com
eliminada. Depois de processados os seus da- as expectativas de eficiência econômica e efe-
dos, a linguagem retorna equívoca e suscita no tividade tecnológica ou social, que orientam
público a imaginação das trilhas semióticas que parcela majoritária da arquitetura, urbanismo
se estabelecem por uma lógica combinatória e design.
complexa e não evidente. No entanto, percebe-se um sentido
A obra do alemão Mario Klingemann de confluência, caso consideremos o para-
4
fornece outro exemplo. Alternative Face v. 1 metricismo e o código aberto como apostas
(2017) é um vídeo gerado pela competição derivadas do uso da mesma metamídia com-
entre redes neurais treinadas para recompor a putacional que integra os meios das diversas
972 Convidados

modalidades das artes – inclusive aquelas cultural. No fundo, a metamídia simula o agen-
mais abertas à emergência da incomputabili- ciamento humano em plataformas inumanas.
dade. Tanto mais se as suas manifestações fo- Já é possível perceber assim a proposta teórica
rem concebidas como produções de sistemas, de Alan Kay e Adele Goldberg (2003, p. 403)⁠,
assim como podem ser entendidos os fenô- colocada em prática no desenvolvimento de
menos socioculturais e ambientais. Resulta sistemas interativos com interfaces gráficas
disso uma transversalidade em que se buscam no laboratório Xerox PARC, na Califórnia, na
modos distintos de imbricação ecológica entre década de 1970. No mesmo sentido da cibor-
a ordem natural, a biologia e a sociedade. Cada guização, Manovich ressalta que o metameio
vertente privilegia, no entanto, um caminho (metamedium) almejado por Kay e Goldberg
descrito de acordo com o entendimento político representaria a constituição de um dispositi-
declarado ou subjacente, sobre o arranjo entre vo que conjuga as linguagens de “uma ampla
as inteligências. O parametricismo é orientado variedade de meios já-existentes e ainda-não-in-
à economia e à racionalidade. O código aberto é ventados”, e é adaptável a cada (tipo de) usuário.
predominantemente coletivista. Por fim, a “ar- Com Manovich (2013, p. 81), a forma
quitetura de contágio” comentada por Luciana plural (os metamedia ou a metamídia) aponta
Parisi e o experimentalismo das artes testam para “um sistema semiótico e tecnológico […]
a equivocidade. que inclui em seus elementos as mais remotas
técnicas de mídia e estéticas”. Nesse sentido,
a metamídia é uma plataforma operacional
Metamídia e metacrítica intersemiótica, abrangente e reprogramável,
que facilita usos interativos significantes e pe-
A metamídia (metamedia) é o termo escolhido culiares. Cada direcionamento, porém, está vir-
por Lev Manovich (2013) para tratar da especi- tualmente integrado a uma lógica abrangente
ficidade inespecífica dos meios computacionais. de intercâmbios parametrizados do repertório
Em uma primeira instância, a denominação ba- de dados considerado, com efeitos transduto-
seia-se na ideia de equivalência substitutiva da res ou transcodificadores extraídos da relação
máquina universal de Alan Turing. A metamídia entre os distintos sistemas sensoriais, motores
computacional é, portanto, um aparelho pro- e cognitivos – artificiais ou naturais.
gramado para simular o desempenho de outro Nesse sentido, não se dá por acaso a
aparelho programável. Porém, essa capacida- adoção cruzada de softwares, sua portabilida-
de simulatória não se limita à implementação de ou o contágio de suas funcionalidades. Na
para a performance científica e da engenharia. verdade, essa ocorrência corresponde a uma
Em vez disso, ametamídia se apresenta como extrapolação do hibridismo de conteúdos, já
máquina derivada da analogia que se pode es- experimentado por várias gerações de artis-
tabelecer com os processos cognitivos mentais tas. Dirige-se então ao hibridismo de “técnicas
em geral. fundamentais, métodos de trabalho e modos
Com isso, a automatização da computa- de representação e expressão”. Disso deriva
bilidade se estende para a produção e a fruição
Convidados 973

um processo metalinguístico de remixabilidade investigação das operações semióticas pela


profunda, conforme denominado por Manovich. arte conceitual. Segundo Edward Shanken
Em um caso conhecido, o arquiteto Frank (2015, p. 76)⁠ a apropriação metacrítica de tais
Gehry projeta edifícios com Catia, software recursos “revela de modo autorreflexivo como
usado na indústria aeroespacial, automoti- a mediação está profundamente atrelada a
va e naval. Por sua vez, Autodesk 3ds Max e modalidades de conhecimento, percepção e
Maya servem a diversos fins de modelagem interação, sendo portanto indissociável das
tridimensional, bem como para animação, transformações epistemológicas e ontológicas
simulação, produção e pós-produção de efei- correspondentes”.
tos gráficos para videogames e composições Metamídia e metacrítica constituem-se
audiovisuais. Já aplicações como Processing, como termos de reciprocidade. Ocupam polos
Open Frameworks, PureData e Grasshopper, análogos aos aspectos de materialidade e de
além de circuitos como Arduino e Raspberry linguagem que se percebem na produção da
Pi, viabilizam obras em diversas disciplinas e diferença tecnológica. Uma direção remete
modalidades sensoriais, marcadas pela auto- à outra. Pois a práxis material da metamídia
mação, interatividade, processos de emergên- instancia a virtualidade metacrítica. Assim, as
cia e generatividade. decorrências descritas por Shanken são apon-
Ainda segundo Manovich (2013), pode- tadas por ações como a geração algorítmica
mos pensar que a automação algorítmica se do vídeo de Klingemann ou na “arquitetura de
refere a duas direções complementares de in- humores” de R&sie(n). Essas obras simulam e
teligência: uma específica e outra inespecífica. denunciam a sua própria simulação, seja pela a
A primeira trata da assimilação das técnicas controvérsia em torno dos fatos comentados
peculiares de cada meio. A segunda se esta- em áudio, seja pelo aspecto de conflito entre o
belece com a supressão de limites e o alcance cognitivo e o emocional.
indistinto de todo meio. Como é possível notar, Em ordem inversa, a discursividade lin-
ambas as tendências remetem à terminologia guística metacrítica contribui para a retroali-
das controvérsias movidas antes pela oposição mentação das experiências de metamídia. Vale,
entre a regulação formalista de cada tipo de para tanto, não só o que se pensa e se diz a
suporte e a experimentação conceitual e per- respeito da mídia na teoria crítica ou mesmo
formática sem restrições de suporte. Mas essa nas declarações de propositores e propaga-
rivalidade parece agora se resolver conforme o dores da arte. Também influi o que se pensa
resultado estético que se deseja, e não mais e se diz com a própria mídia. Nesse sentido, a
por restrições poéticas. metacrítica subsiste em um estado de imer-
A metamídia computacional não se limita, são parcial ou incompleta. Nessa circunstância,
portanto, à expansão da produção artística em agregam-se trajetórias mistas, de interioridade
meios específicos. Ela também oferece aces- e exterioridade. Tais segmentos são divididos
sos para o exame necessário ao entendimento e determinados conforme se movimenta en-
e transformação dos efeitos estéticos e sociais tre eles, e segundo o ponto a partir do qual se
da ciência e da tecnologia, de modo análogo à
974 Convidados

observa a conjugação da materialidade com a e expansão. Pois testam a atualização de suas


linguagem. virtualidades e, eventualmente, podem ser
aproveitados para a identificação de novas
capacidades. Para tanto, a inteligência algorít-
Inteligências coabitantes? mica também carrega em si uma autorreferên-
cia crítica. Ela própria fornece registros para a
Alguns algoritmos auxiliam a animação ou a ci- reprogramação de si e a ampliação do alcance
nematografia de uma figura humana ou objeto de sua computabilidade. No entanto, o sentido
em movimento. Outros algoritmos promovem prospectivo de tais utilizações não deve ser
um jogo de “telefone sem fio” cibernético. tomado como algo inexorável, sobretudo no
Por fim, outros algoritmos contribuem para campo das artes mais experimentais.
o desenvolvimento automatizado de opções Um mesmo sistema pode ser conside-
formais segundo a regulagem dinâmica da rado generativo ou participativo. Primeiro, sua
parametrização, com a subsequente expe- performance parece cognitiva e de proces-
rimentação, avaliação e seleção de soluções samento simbólico, quando se ignora o seu
construtivas para objetos ou edificações. Tal relacionamento com as instâncias de agen-
processo é conhecido em design e arquitetura ciamento humano e inumano. Segundo, sua
como form-finding, expressão equivalente a performance parece conectiva e reticulada a
um achado formal orientado pela emergência partir da interação de distintos pontos neurais,
do inusitado e oposto à tradicional “enforma- quando se consideram fatores de contribuição
ção”, que se impõe à materialidade, visando para além do antropocentrismo e do antropo-
ao alcance de uma concepção idealizada de morfismo. Essa avaliação depende, portanto,
antemão. de uma política generativa e relacional que
Nesses exemplos, o uso transversal da envolve linguagem e materialidade. Ao ten-
parametria nos algoritmos computacionais der para a linguagem, enfatiza-se o aspecto
tende a estar associado a tecnologias remotas simbólico embutido em uma generatividade
ou recentes de interação com a poiesis natural e fechada. Ao tender para a materialidade, res-
biológica. De um lado, a “remixabilidade profun- salta-se a troca físico-energética envolvida na
da” confunde os aspectos que antes serviam colaboração.
para a delimitação das disciplinas artísticas e
teóricas. De outro lado, a reprogramabilidade
dos algoritmos decorre e se conjugada com a Notas
variabilidade do mundo material. Essas diver-
1
sas instâncias de interoperação da inteligência Pronuncia-se como hérésien em francês, algo
demonstram um caráter colaborativo, integra- como heresiano, variação para hérétique (here-
do ao que isoladamente parece apenas entre- ge).
gar efeitos generativos autorregulados.
Os próprios usos da inteligência algorít-
mica contribuem para a sua retroalimentação
Convidados 975

2
Documentação sobre o projeto disponível no
endereço: http://www.new-territories.com/
blog/architecturedeshumeurs/
3
Documentação disponível no endereço: https://
www.cantoni-crescenti.com.br/speak-about/
4
Vídeo publicado em: https://youtu.be/af_9LXh-
cebY

Referências

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media. In: WARDRIP-FRUIN, N.;
MONTFORT, N. (ed.). The new media
reader. Cambridge: The MIT Press, 2003.
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