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16º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia: 16th International Meeting of Art and Technology:
#16.ART: Artis intelligentia: IMAGINAR O REAL #16.ART: Artis intelligentia: IMAGINING THE REAL
edição
i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade
Editora | Publisher
i2ADS – Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade
ISBN eletrônico
978-989-99839-5-3
Portugal Brasil
secretariado
design
Kaiky Fernandez
Media Lab / UFG (BR)
pesquisa; layout e arquitetura do site.
programação
Vinnicius Campagnuci
Media Lab / UFG (BR)
comissão científica | scientific committee
Julio Borlido Santos | Univ. do Porto (PT) Suzete Venturelli | Univ. Brasília (BR)
Kathleen Rogers | Univ. Creative Arts (UK) Tania Fraga | Univ. São Paulo (BR)
Lucia Santaella | Univ. Católica de São Paulo (BR) Tiago Assis | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Luisa Paraguai | Univ. Campinas (BR) Tiago Guedes
Diretor do Teatro Municipal do Porto (PT)
Luísa Ribas | Univ. de Lisboa (PT)
Vasco Branco | Univ. do Porto (PT)
Maria Luiza Fragoso | Univ. Fed. Rio de Janeiro (BR)
Welligton Junior | Univ. Federal Fortaleza (BR)
Maria Manuela Lopes | Univ. Aveiro | Univ. Porto (PT)
Wojciech Owczarski | Univ. Gdansk (PL)
Mário Bismarck | Univ. do Porto | i2ADS (PT)
Mário Gandra | ISCE Douro (PT)
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Resumo
A disseminação contemporânea do uso de in- tamídia capaz de abrigar diferenças. Para um
teligências artificiais ou algorítmicas reinvoca esclarecimento desse contexto, escolheremos
o exercício de uma crítica da(s) racionalidade(s) algumas obras do campo das artes visuais e
em caráter de urgência, se quisermos reinven- performáticas e da arquitetura que oscilam
tar os termos de uma convivência entre hu- entre o combate e a cumplicidade perante as
manos e máquinas. Essa crítica política precisa dinâmicas de expansão da inteligência algorít-
levar em conta o imenso alcance de usos e a mica. Propomos a) revisar o entendimento das
complexidade da automação de procedimen- respectivas tecnologias usadas em tais obras;
tos, sua capacidade descentrada de percepção, b) identificar instanciações poéticas/estéticas
de conjectura e de tomada de decisão. Ou seja, levando em conta a contaminação e/ou hibri-
precisa ressaltar a mistura definitiva de muitos dação do recurso participativo/colaborativo
dos limites entre tais inteligências. A crítica po- das artes digitais. Por fim, tais concepções e
lítica dessa(s) racionalidade(s), entretanto, ter- obras serão comparadas. Pensaremos a parti-
mina insistindo em extremos. Ora tenta delimi- cipação como herança absorvida em sistemas
tá-las e separá-las, ora busca reduzi-las a uma artificiais. Alternadamente, abordaremos a
linguagem artificial comum. Contudo, é preciso metamídia computacional como uma provisão
evitar essa armadilha teórica, mostrando como política. Ambas as direções parecem sugerir
a vasta codificação do mundo guarda uma po- elementos para uma concepção política mais
lítica em seus próprios processos criativos, ao adequada aos desafios de uma convivência
mesmo tempo em que aponta para uma me- integral das inteligências.
*
Doutor em Filosofia. Professor adjunto do Departamento de Teoria e História e do Programa de
Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasil. Trabalho
realizado com auxílio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal, Brasil (Pós-Doutorado
Sênior 2017). E-mail: gally@unb.br. Telefone: +55 61 3107-7441.
**
Doutor em Artes. Professor adjunto do Departamento de Artes Visuais do Centro de Artes da Uni-
versidade Federal do Espírito Santo, Brasil. Pesquisador colaborador do Núcleo de Estética, Her-
menêutica e Semiótica, vinculado ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de Brasília, Brasil. Trabalho realizado com bolsa do Programa Nacional de
Pós-Doutorado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, Brasil
(2015-2017). E-mail: daniel.hora@ufes.br. Telefone: +55 61 9 9166-4100.
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mo tempo assusta a inteligência humana (ou Por outro lado, tenta-se reduzir a dis-
natural) e a aproxima da inteligência artificial. tância entre as inteligências por meio de uma
Pois as respostas sem explicação podem estar intermediação comunicativa. Esse é o objeti-
corretas e conduzir a eventos (in)desejados. É o vo de iniciativas dedicadas à sistematização
que se percebe em casos como o do programa e automação semântica, como o projeto da
Deep Patient. Usado no hospital Mount Sinai, Metalinguagem da Economia da Informação
em Nova York, o software aprende a prever do- (Information Economy MetaLanguage – IEML)
enças como o câncer antes do aparecimento de Pierre Lévy. Essa proposta visa nivelar as
de sintomas. Entre outros exemplos há ainda linguagens naturais e das máquinas, por meio
softwares que auxiliam em decisões na área da adoção de uma gramática e um léxico de
militar ou no mercado financeiro. De uma parte, manipulação semântica e simbólica. Essa me-
aceitar as decisões desses programas em larga talinguagem operaria a tradução de informa-
escala representaria uma automação radical ções em duas direções, realizando um antigo
que levaria à certa subjugação humana à tec- projeto da lógica destinado à criação de uma
nologia. Por outro lado, há uma aproximação racionalidade computável. Essa inteligência
que posiciona lado a lado a emergência (ainda) artificial seria não apenas um tipo de raciona-
inexplicável da consciência no cérebro (ou mes- lidade, mas designaria também uma época da
mo da vida na Terra) e a ocorrência de eventos história da racionalidade humana (LÉVY, 2014).
incomputáveis extraídos a partir de conjuntos Embora, aqui, a inteligência algorítmica
computáveis de dados. assuma um sentido diverso daquele da instru-
A crítica política dessa(s) racionalidade(s) mentalização da inteligência artificial, por seu
insiste, grosso modo, na consideração de extre- caráter metafísico, uma racionalidade termina
mos polarizados e relações de força. Por um pressupondo a outra em suas definições. Pois,
lado, tenta-se delimitar as inteligências. Trata- para nós, o que está em questão é o alcance da
-se de um argumento pretensamente huma- computabilidade e, portanto, o seu limite com
nista. Segundo essa aposta, um “nós humano” a incomputabilidade. A partir disso, pensamos
deve ser distinguido de um “eles máquina/ que as artes digitais forneceriam sugestões
software”. Surge dessa separação a necessi- para lidarmos com o lado escuro, incompreen-
dade de se desenvolver inteligências artificiais sível, da generatividade. Devemos assumi-lo
explicáveis para a racionalidade humana. Com como uma fronteira inescapável, embora sua
isso, estaria assegurada a capacidade de ras- abrangência seja expansível? Ou devemos
treamento para a justificação das lógicas con- considerá-lo como desafio vigente para um
dutoras de decisões que, de outro modo, per- esforço dedicado ao avanço gradual no senti-
maneceriam enigmáticas. Em casos extremos do de uma esperada totalização do horizonte
de motivação e meios insondáveis, haveria ao computacional?
menos a exigência de consequências compro- Residiria aí um elemento importante da
vadamente benéficas, para que se pudesse discussão política que envolve essas raciona-
depositar a confiança em seus agenciamentos lidades. Em outras palavras, como lidar com
desprovidos de evidências persuasivas. uma racionalidade artificial? Assumindo-a
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apontar Schumacher e, de fato, é o que ocorreu performance facial da cantora francesa Fran-
se consideramos a exibição do projeto na sede çoise Hardy. O resultado é obtido com base
parisiense do centro Le Laboratoire, dedicado à em acervo de videoclipes da década de 1960.
arte e ao design experimental. Klingemann adverte de modo irônico sobre os
A partir de R&sie(n), poderíamos indagar tênues limites entre o registro de um acon-
se o acolhimento das indeterminações da inte- tecimento verdadeiro e a simulação ficcional
ligência algorítmica sucede de modo mais fácil ou falsificadora. Ao longo do vídeo, ouve-se o
em poéticas da metamídia computacional não áudio de uma entrevista de Kellyanne Conway,
submetidas a demandas econômicas e tec- conselheira do presidente estadunidense Do-
nológicas rigorosas. Como exemplo, podemos nald Trump. Nessa conversa com um jornalista,
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pensar na instalação Fala (2011-2017), dos Conway justifica como “fatos alternativos” as
brasileiros Rejane Cantoni & Leonardo Cres- informações controversas sobre o número
centi. Nesse trabalho, ao dizer uma palavra de pessoas presentes à cerimônia de posse
qualquer ao microfone, o público desencadeia de Trump, difundidas pelo porta-voz da Casa
uma corrente de réplicas resultantes da inte- Branca em janeiro de 2017 e contestadas
ração entre 40 telefones celulares, montados publicamente como mentiras. Nesse sentido,
em pedestais e organizados em pares especia- observamos no trabalho o desdobramento de
lizados em 20 idiomas. Os dispositivos contam práticas ilusionistas e ficcionais típicas da arte,
com algoritmos de reconhecimento e síntese comentadas por autores como Fábio Oliveira
de voz. Nunes (2016).
De forma consecutiva, um aparelho inter- Assim como na instalação de Cantoni &
preta o estímulo inicial humano e retruca com Crescenti, Alternative Face propicia a surpresa
uma palavra que retroalimenta o sistema e ante a capacidade algorítmica de empregar
gera outras respostas obtidas por associações o artifício de modo análogo ao natural. Há
semânticas e fonéticas. Revelam-se graus também um hibridismo cibernético dúbio. Ora
aleatórios e surpreendentes de proximidade observamos a concorrência entre a(s) raciona-
ou distanciamento entre vocábulos. Com isso, lidade(s) – humanas, naturais e das máquinas,
a inteligência artificial torna-se, de certo modo, ora percebemos a cooperação intencional ou
parte colaboradora de uma estranha conversa. involuntária entre tais instâncias. Nessas obras,
Nela, a linguagem natural é abstraída, sem ser o acolhimento da equivocidade contrasta com
eliminada. Depois de processados os seus da- as expectativas de eficiência econômica e efe-
dos, a linguagem retorna equívoca e suscita no tividade tecnológica ou social, que orientam
público a imaginação das trilhas semióticas que parcela majoritária da arquitetura, urbanismo
se estabelecem por uma lógica combinatória e design.
complexa e não evidente. No entanto, percebe-se um sentido
A obra do alemão Mario Klingemann de confluência, caso consideremos o para-
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fornece outro exemplo. Alternative Face v. 1 metricismo e o código aberto como apostas
(2017) é um vídeo gerado pela competição derivadas do uso da mesma metamídia com-
entre redes neurais treinadas para recompor a putacional que integra os meios das diversas
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modalidades das artes – inclusive aquelas cultural. No fundo, a metamídia simula o agen-
mais abertas à emergência da incomputabili- ciamento humano em plataformas inumanas.
dade. Tanto mais se as suas manifestações fo- Já é possível perceber assim a proposta teórica
rem concebidas como produções de sistemas, de Alan Kay e Adele Goldberg (2003, p. 403),
assim como podem ser entendidos os fenô- colocada em prática no desenvolvimento de
menos socioculturais e ambientais. Resulta sistemas interativos com interfaces gráficas
disso uma transversalidade em que se buscam no laboratório Xerox PARC, na Califórnia, na
modos distintos de imbricação ecológica entre década de 1970. No mesmo sentido da cibor-
a ordem natural, a biologia e a sociedade. Cada guização, Manovich ressalta que o metameio
vertente privilegia, no entanto, um caminho (metamedium) almejado por Kay e Goldberg
descrito de acordo com o entendimento político representaria a constituição de um dispositi-
declarado ou subjacente, sobre o arranjo entre vo que conjuga as linguagens de “uma ampla
as inteligências. O parametricismo é orientado variedade de meios já-existentes e ainda-não-in-
à economia e à racionalidade. O código aberto é ventados”, e é adaptável a cada (tipo de) usuário.
predominantemente coletivista. Por fim, a “ar- Com Manovich (2013, p. 81), a forma
quitetura de contágio” comentada por Luciana plural (os metamedia ou a metamídia) aponta
Parisi e o experimentalismo das artes testam para “um sistema semiótico e tecnológico […]
a equivocidade. que inclui em seus elementos as mais remotas
técnicas de mídia e estéticas”. Nesse sentido,
a metamídia é uma plataforma operacional
Metamídia e metacrítica intersemiótica, abrangente e reprogramável,
que facilita usos interativos significantes e pe-
A metamídia (metamedia) é o termo escolhido culiares. Cada direcionamento, porém, está vir-
por Lev Manovich (2013) para tratar da especi- tualmente integrado a uma lógica abrangente
ficidade inespecífica dos meios computacionais. de intercâmbios parametrizados do repertório
Em uma primeira instância, a denominação ba- de dados considerado, com efeitos transduto-
seia-se na ideia de equivalência substitutiva da res ou transcodificadores extraídos da relação
máquina universal de Alan Turing. A metamídia entre os distintos sistemas sensoriais, motores
computacional é, portanto, um aparelho pro- e cognitivos – artificiais ou naturais.
gramado para simular o desempenho de outro Nesse sentido, não se dá por acaso a
aparelho programável. Porém, essa capacida- adoção cruzada de softwares, sua portabilida-
de simulatória não se limita à implementação de ou o contágio de suas funcionalidades. Na
para a performance científica e da engenharia. verdade, essa ocorrência corresponde a uma
Em vez disso, ametamídia se apresenta como extrapolação do hibridismo de conteúdos, já
máquina derivada da analogia que se pode es- experimentado por várias gerações de artis-
tabelecer com os processos cognitivos mentais tas. Dirige-se então ao hibridismo de “técnicas
em geral. fundamentais, métodos de trabalho e modos
Com isso, a automatização da computa- de representação e expressão”. Disso deriva
bilidade se estende para a produção e a fruição
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Documentação sobre o projeto disponível no
endereço: http://www.new-territories.com/
blog/architecturedeshumeurs/
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Documentação disponível no endereço: https://
www.cantoni-crescenti.com.br/speak-about/
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Vídeo publicado em: https://youtu.be/af_9LXh-
cebY
Referências