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Poesia
é estado de espírito
são fios não tecidos
colhidos entre almas soltas
e matérias interiores
poesia é divina
mas informe, ou quase
sozinha
empalha o mundo
num vrido lírico
e fosco
Quanta poesia
Vira fumaça
Quanta porrada
Quebrando sonhos
Quanta verdade
No cemitério de luz?
Quanta viagem
Morre no porto
Quanta miséria
Constrói escombros
Quanto mais tédio
Mais cemitérios de luz
Quanta doçura
Amarga a mágoa
Quanto mais ódio
Muito mais medo
Mas, quanto amor
Parte do corpo pra luz?
Tosse
Minha geração chutando a esperança
Mordendo abraços
Aprimorando o cinismo
Vomitando cidadania
Entorpecida pelo petróleo
Fumando faunas
Deflorando floras
Defumando faunos
Floreando falos
Estuprando fetos
Vi a justiça na depravação
E o dinheiro distribuir pobrezas
Vi a verdade escrita num panfleto
Vi a verdade atrás de tantas máscaras
Eu vi a celebração do fracasso
Analfabetas crianças terroristas
Vejo a mentira travestida em meta
Milhões de eus estéreis de nós
Eu vi a pélvis de Hebe Camargo com todo respeito enquanto a dor do câncer lhe permitia
vender mais duchas para asilos com pessoas úmidas a fermentar o próprio mofo nas virilhas
enrugadas
Eu li a obra de magia lilás que tilintava moedas enquanto a ladainha dava a volta ao mundo só
pra dizer acredite que o universo conspira a seu favor
Vi coelhos vira-latas saírem da cartola direto para o ninho das águias e depois voarem
hidrófobos para a Suíça
Eu vi os dias se sucederem enquanto os mantras não podiam nos salvar de nós mesmos e a
roda girava pela força do veneno
Ouço o grito de gol ouço o grito de dor ouço o grito de plástico a cada começo de ano sendo
entoado pelos anônimos de abril e chego a ter pena de quem sonha com a oportunidade de
poder dizer que é vítima da edição
Leio as letras escarradas pelas vítimas esquecidas das editoras que não querem prejudicar
ninguém e sabem que o problema é o mercado não poder suportar mais um fracasso
Vi a fogueira dos diplomas sacros e dos diplomas laicos e a cidade entregue a charlatães que
ganem bíblias e metralhadoras em púlpitos
Jaccuzis sem Zolas
Eu leio páginas sobre outras páginas que se enroscam e se trançam em torres de celulose com
tinta e mofo e fungos para depois aspirarmos as cinzas dos mortos e morrermos um pouco
também
Depois das páginas vento e depois das lágrimas chão e depois do beijo peso e depois da festa a
vela e depois da morte a dúvida
O cio
Os tigres eram três velhos que usavam bengala e vomitavam cerveja depois de engolirem bem
as palavras nazistas e lançarem seus ódios sobre as velas içadas das minorias
Os tigres apoiavam políticos de vários partidos com dinheiro lícito e quando precisavam de
alguma ajuda com a papelada sempre havia um legislador para lhes prestar socorro.
Os tigres se cansaram de tanta democracia por causa de seu preço elevado pois na ditadura era
tudo mais fácil
Os tigres voaram para o Paraguai e lá compraram fazendas e presidentes. Depois voaram para a
Venezuela, mas lá é tudo muito confuso
Os tigres com suas bengalas são imortais que vomitam palavras e bebem cervejas
Os tigres se reproduzem com velocidade controlada e voam pelas américas e áfricas e só
mostram os dentes na hora exata do ataque
Chacrinha Silvio Santos Bolinha Ratinho Raul Gil Luciano Huk Barros de Alencar Jota Silvestre
Serginho Groissman Gugu Liberato Gilberto Barros Celso Portiolli José Luiz Datena Flávio
Cavalcanti Fausto Silva Rodrigo Faro num oferecimento…
Quando chegar o natal quero ser cristão como o Cristo ensina
ser menor que os menores
desprezar os primeiros lugares
cear com a corja
entregar a segunda capa
andar dois mil passos
mas gostaria de parar de apanhar na cara, ao menos um pouco
benflogin amoxilina rinossoro novalgina aas tylenol benzetacil voltarém penicilina berotec
inalação de eucalipto compressa quente compressa fria anador dilatil lisador dorflex
merthiolate mercúrio cromo criolina sarnapin denorex maracujina diazepan rivotril fluoxetina
paroxetina insulina humana insulina regular lantus levemir lispro losarcan metformina
cloridratos ácidos sinvastatina plasil cebion buferin…
somos periferidos amontoados que não se aglomeram por amor mas nos amamos entre blocos
de concreto crus
somos amontoados nas beiradas da cidade enquanto alguém deseja que todos nós deslizemos
para outra cidade e para outra culpa
somos de lá e de acolá com raízes rasas na várzea
somos desbocados desbotados desdentados desalmados desarmados desmamados
desajuizados
somos defecados pelo sistema pela igreja pela escola pelo hospital que não há
somos empilhados armazenados em pontos de ônibus em coletivos em plataformas em filas
em covas em valas
somos etiquetados para depois sermos embalados encaixotados encaixados engaiolados
encurralados
somos enganados
somos desperdiçados reciclados realocados remanejados recriminados descriminados
criminalizados criminosos marginais marrentos maloqueiros vilões e operários
somos as cordas o tambor a caixa o som o sample a voz
a sinfonia em semitom
somos
só não sei se seremos sempre
Contudo a noite segue seu rumo e as estradas seguem estáticas e os homens seguem correndo
no desespero de quem não sabe onde parar.
A madrugada cheira a mato verde ou gasolina e o vento corre sempre na direção certa e os
micróbios nos comem a carne com elegância.
Os faróis estão todos quebrados porque choveu e todo mundo sabe que a chuva traz felicidade
ou morte.
O cinema é legal porque dentro dele as luzes estão todas apagadas e a única coisa que pode
brilhar além da tela enorme e além dos celulares não desligados e além do projetor são os
nossos sonhos fisgados no ar.
O cinema permite que a gente seja outro cara e tenha outra vida e outros problemas.
O cinema é pura magia ou dura realidade e tudo isso vai dar na mesma.
Robinho não sabia ler e sua mãe não se importava porque não via utilidade nas letras já que os
ônibus trazem palavras decoráveis nos letreiros
Robinho não sabia ler e seu professor não se importava porque no dia da prova do governo
Robinho sempre faltava e seu número ausente na chamada poderia ser o número a mais no
contracheque do magistério
Robinho não sabia ler e o técnico do time da várzea local não se importava porque Robinho
não jogava futebol
Robinho não sabia ler e o pedreiro não se importava porque fazer cimento e carregar tijolo é
serviço que moço estudado já não pega
Robinho não sabia ler e não se importava porque ele queria mesmo era ser adevogado porque
usava terno e era bonito
Os cães
Cães não cachorros
Cães têm nobreza e força no olhar e estão sempre acima
Cachorros são da sarjeta
Cachorros adoram o lixo que lhes alimenta
Cães ladram e mordem
Cachorros são atropelados e morrem
Amo os cachorros e temo os cães
Cachorros têm sede e costumam ser abandonado
Por quem um dia falou em amor eterno
Cachorros trazem doçura e sofrimento no olhar
Derramam amor sem interesse
Cães são vingativos e justiceiros
Enquanto cachorros comem carniça
Cães são carniceiros
Desencadeia
A onda vinha fraca e pálida e os capitães do desprezo não fizeram caso
A onda era vermelha e era branca e era verde era paixão e era paz era esperança
Os capitães do desprezo apostavam no fracasso da onda
E a onda que não fracassa pois sendo onda segue seu destino ondulou e avolumou-se e
espraiou-se e todos os fracos descrentes oprimidos mas esperançosos engordaram a onda
A onda beijou a virtude
A onda assustou os tigres
A onda varreu a noite
A onda refez o dia
Os capitães do desprezo e os tigres agora sabem
Que não há diques nem tiros nem bombas
Que possam romper a onda
E a onda ainda nem sabe o que fazer
De sua força e beleza
O publicano e o fariseu.
há rugas nos pensamentos que brotam do asfalto estéril
dentes cambaleiam na boca daquele bêbado
o homem da rua é um corpo em decomposição que ainda respira
seu cheiro arromba os ares ao nosso redor
seu papel é nos fazer agradecer por não sermos como ele
Táxi.
Desde sempre os postes nessa minha vida
Desde sempre as luzes multiplicando sombras
Desde sempre as horas a me sufocar
Desde sempre o asfalto fértil e prenhe de morte.
Rótulos escondem
Amordaçam em engradados.
Quer saber do Cristo?
Fique apenas com isso:
Amar, doar, doer
E voltar a amar
É pouco e bastará
Para gostar do Natal
Acredite, existe
Bem macio, um Espírito
Que nos emana esperança
Nos irmana
Vai além das compras
Das crises
Dos desabraços
Da suntuosa ceia sem sabor
Do presente indesejado
Do desejo míope realizado
Um Espírito que nos avisa
A todos os credos, aos incrédulos
Que nasceu um Salvador
À cidade de Salvador
Ainda é triste a Bahia
Rasgada entre o riso e a treva
Dessemelhante dos comerciais de cerveja
Sufocada sob os bambuzais dos versos de exaltação
Eletrocutada em praça pública sobre os trios frios
A alma só é eterna
Se está fora da matéria
Alma na matéria
Metáfora da miséria
Alma aquém-matéria
Cadáver, promessa
Vômito
As cinzas me lambem a língua
O mar traga-se em pântano
Descontínuo refluxo de engodos
Desgosto
O esgoto inunda a garganta de alvorada crua
Sufocação
Assim o dia começa.
Precisa dança
É no batuque sujo
Sample de vagabundo
Sanfona, o bumbo, o cujo
Guitarra de quimbundo
Esgoto, educação
Cultura, água e pão
Fogo no circo, irmão
Só bunda, vira, não
À noite articular
Dançar pra derreter
Não é só pra pular
Nem é só pra fugir
Cidade esp(a)elhada
Eu, que não sei amar
Prédios, praças, asfalto
Que não vejo graça
No córrego lambendo minha rua
De sarjeta a sarjeta
Desprezo o acesso negado
A coletivos em ruas particulares
Eu, que sou da várzea
Mas não arrasto na terra minhas pernas de pau
Não tenho grana
(mas tenho a manha)
Ignoro a humilhação que me oferecem na Paulista
Eu, que não moro longe
Dos risos e abraços da ferida perifa
Tusso e nado
Entre fumaças e demais poluentes
Falso milagreiro, pairo
Sobre o fúnebre rio Pinheiros
Eu, que não sei amar
Apago mágoas, acendo dentes
Por São Paulo
Canção da lira morta
para Drummond
Querem, uns poetas de agora
Engenheiros de sementes ocas
Mestres de obras
Pedreiros de poços secos
Dinamitadores de pontes
Gesseiros de versos, aborteiros da comunhão
Querem, esses poetas departamentais
Ratazanas do strictu sensu:
Afagos acadêmicos
Distintos
Anêmicos
Endêmicos
Querem, esses seres cultos
Entediantes, arrogantes
Alcançar a equação do verso
A estrofe semiótica
A polifonia para decretos
O edital, a bolsa, a boca
Querem ausência
Almejam o vazio
Planejam o descompromisso
A neutralidade dos indiferentes
Um lugar na bancada
E que o poeta só finja, não sinta nem seja nada.
Aquiles
A fé na humanidade
Espelhada na cruz
É a flecha em chamas
No calcanhar de Deus
Troia
Deus também tem um
Frágil calcanhar de Aquiles
Sua humana imagem
Contrário amor?
Se o amor é invisível
Mas na face, inescondível
Se é mistério, segrediço
Enquanto cresce a olho visto
Sé é ferida não sentida,
Oásis de tristeza no deserto da alegria
Se o amor impõe o medo seco
E enxurradas de felicidade
Se ele beija a morte quente
E abraça a vida fria
Ele vai da ponta ao pico
É sereno e explosivo
Então, não se contradiz
É a fração do Absoluto
Pois está em (quase) tudo
Mais metalinguagem
Tenho feito poemas
Porque a vida assim tem mandado
Escrevo com poucas penas
Nada muito elaborado
Aguarde
Regurgitaremos o lixo
Com arte
Entulho
O poeta torna-se imundo
Quando amando a regra acima de tudo
Torna o fazer e a forma construção sem conteúdo
E a fome, a paixão, a raiva, tudo entorna-se sobre um raso sem fundo
Só os gritos-palestras de homens vorazes que plantam teses em seus latifúndios
Reverberam na estante dos livros nobres, cultos, profundos, mas sobretudo mudos
Enfim, metapanaceia
E o fim
Do mundo
Pregão
Para Olavo Constantino de Azevedo Mainardi
Carrego
No peito aberto
Adubo e conservo
Esbravejo o ego
Arreganho a raiva
Sou guia cego
Arrasto a mágoa
Sei que estou certo
(pois, se há bom preço me entrego)
Desprezo
A mala é o medo
E dentro desse medo
Sempre, o preconceito
Derrame-se o leito
Sobre a cama o leite
Esparrame-se
O não a cadeia
Explosão imersão
Sideral
Planetas dançam
No escuro líquido infinito
Enquanto estrelas explodem
E morrem
Espalhando-se pelo mundo bem maior que o mundo
Alargando a expansão da eternidade
Rasgando com luz
A treva do silêncio
Saber disso
Que é não saber
Enche-me de um pavor
Vazio.
Lusofilia
E os homens lançados ao mar
Molhados de dor e conquista
Forjaram também um país
Por mais que não façamos vista
Enquanto pacato
Pago, agradeço e faço
Inerte cidadão de bem
Enquanto me calo
Peco, engaveto e nego
O diabo ri e me agradece.
Paulistão 2013
O jogo jogado já é passado
E ainda lateja
Entrincheirar palavra
A gritar justiça?
Lutar é verbo anti-higiênico
Indigesto e extinto de contracobiça
Sendo assim
Escrevo semi(id)oticidades
Falo difícil pra engolir
Cuspo erudição e pop-art
poemaramaiconcreto
(incompleto, traduzido parcialmente pelos irmãos campos)
Dormenina
Dominguinhos
Jardineiro da saudade
No jardim do sanfoneiro
Cada baixo é uma semente
Cada acorde um sentimento
Depois da consulta
Na tarde transpassada pelo cinza
A lâmina fúnebre do frio
Tatua sua temperatura
Esta fé
O porto e a nuvem
cerziria os espelhos partidos
Dessa fé
reflexos de amor e de glória
um futuro uma veia uma cruz
o bastar-se desde que exista um Deus
A cura
a minha dor na carne de um outro
a chaga apagada com sangue
o servo senhor a servir o perdão
A cura
para todo mal o amor
a quem duvidar o amor
a cada grão de fé regado a lágrima
brota-se o perdão
amor.
Ego sum
Para Marcelo Mirisola
Arrebatado pela palavra
Que escorre da própria boca
Só isso justifica
A obra que se publica
Jovem demais
Pra começar
Tarde demais
Pra terminar
Velho demais
Pra começar
Cedo demais
Pra terminar
Pós-teologia
Em nome do que é meu
Quero crer num Deus ateu
Jesus era um bom judeu
Foi por isso que morreu
Bíblia é mito, fé é pó
Feche a porta e minta só
Viva eu e viva tu
Viva o rabo do tatu
Volto atrás
Pra me salvar
Peripécia
Um rasgo
A fresta no muro
O duro
Desenho no escuro
Um furo
Assombra o noturno
Um mundo
De treva, pontudo
Um surto
De vida ilumina tudo
Cômoda
Uma gaveta
Não
para os sonhos
Esconde palavras
Amarrotadas
À espera
do cio
Outra gaveta
Não
para as vozes
Empilha demônios
E outros desgostos
Canção do exílio do corpo
Minha terra chora pedras e urina sangue
A dor aqui dói a todo instante
É de osso, pele e carne fraca
Na minha terra, a fome é farta
Medrosos, mentimos
Sedentos de misericórdia
Sempre que podemos
Agredimos
fornicação
Um demônio, esse fogo
Que lambe teu rosto e crispa-me a cara
Se luz ou máscara
Gozo, devastado
Não importa aqui nada
Que não arda
Ecce homo
Meu remédio é meu erro
Que me alivia e corrói
Meu amor é meu medo
Que me protege e destrói
Meu cinismo sincero
Que me liberta e possui
No meu grito, um duelo
Pois quem eu sou, nunca fui
Consciência uma sarna
Prazer e horror sempre dá
Dar um beijo na vida
Eu danço pra agonizar
A perda do poema
Descarte
A vaidade
O parto do verso
É violento, sincero
O que não sangra
Não é arte
Só desnecessidade
Gritada ou escrita
Nos dedos e dentes
A letra é o grão
A frase é semente
Berbequim
Se é coisa é mer-
-ca-
-do-
-ria:
A crosta impura
Sobre a terra crua
Cul-
-tuamos o con-
-sumo
(a polpa do fruto, a fuga do mundo)
Nos entregamos ao sacro-
-orifí-
-cio
Inalamos o tosco ví-
-cio
Chamamos doença a cu(r)-
-ra
Pré-leitura
Nas nuvens, Jorges, elefantes, dragões
Escreviam histórias
Que eu lia
Sem conhecer palavra escrita
No quintal de terra
Sob exércitos de formigas
Desenhava mapas
Sem saber geografia
Perfurocortante
um caco de vidro
arranhando a paisagem
a faca no ouvido
da felicidade
agulhas sob as unhas
dos sonhos, das luzes
e a vida em retalhos
navalhas espadas
Usina do gasômetro
Janeiro
Um vento de veraneio
lento
Empurra os barcos
enferrujados ou apodrecidos
no Guaíba
E o deslocado hálito sertanejo
lambe nossos cangotes tensos
eriçados, lá de cima
2013
Respeito a tristeza
Dos dias felizes
Ela é genuína
Senti-la é bem simples
Mundo mascarado
De abraços e brindes
Em nós, nossos olhos
Veredas, vitrines
Nos deixam expostos
Só nós somos tristes?
Reveillon é um véu
Tecido por risos
A dor anda nua
Banhada por lágrimas
dia da caça
meio cínico
pressinto
sob o cinto
distinto:
quadris
esquadrinham
os olhos
tolos
de
bobos
que se pensam
lobos
Verão de conflitos
O Guarujá
É a natureza verde
E líquida
Cercada de seco cinza
É o riso da vida
Escoltado pelo ray-banzinza
É a beleza rústica
Embalada
Pela nobreza pútrida
Local perfeito
Para a nudez da alma
Frenetizado
Pelo consumo
Das coisas
Das almas
Agora, as ruas
Existe um sabor nas ruas
Uma textura
Que abraço pelo olfato
Degusto com as retinas
Escuto em dimensões distintas
Nas vielas
Das tantas quebradas
No centro
Tão belo quanto horrendo
Por onde a vida se espalha
Maltratada
Às vezes linchada
Outras, renascidas do lixo
É o meu carnaval
Que beija novembro
As bodas, natais
Virados do avesso
É a felicidade
Que nem tem começo
A paz e o amor
Abortos, desterros
Afã de calor
Inverno em dezembro
Fiapo de luz
Verão passageiro
Jurema gemeu
Ainda não era nem hora
De passar a chave na porta
Vestir-se, fingir-se de morta
Partir ou me mandar embora
Depois da tempestade
Nos fundos da casa
A janela e suas grades
Dão para o muro
Cravejado de musgo
Mais ao fundo
As casas
Descascadas pela chuva
Acima o Sol
Espremido entre nuvens
Na linha do fim a represa
E depois, o mundo
Puzzle
tenho algo a buscar
não é felicidade
nem a cara-metade
eu preciso encontrar
Contraluz
Amarildo apagou
E fez-se o horror
−silencioso e sorridente−
Claudia apareceu
E o sinistro se deu
−indignação complacente−
Vieram à luz
Holofotes do ódio
De uma alma indigente
E brasileira
Piras humanas
Archotes feitos de gente
Iluminaram a chaga
Revelaram a treva
Dessa brasileira miséria
Letramento dialógico
A leitura nunca é nula
A leitura nunca é só
O que leio enquanto escrevo?
Outros textos que dão nó
Embalsamada noite
Um trago
Um afago
Uma foice
A que ceifa
E rouba a seiva
Abortando tudo
Que não tema a noite
Embalsamada noite
O vulto
O luto
O lobo
O que drena
O sangue e a lua
Secando tudo
Que não louve a noite
Embalsamada noite
A algema
O edema
O poema
Rasgando o dia
Cegando todos
Sobre a morte
A amnésia
E a volta
Da noite.
desconcerto sintético
as horas passam
os dias correm
os homens brigam
amores dormem
mulheres mostram
no próprio corpo
a dor vermelha
das estações
a lua vaga
minguar crescente
as novidades
dessa rotina
os céus azulam
as noites negram
se tudo muda
mudamos mesmo?
a pátria amarga
do povo o coma
os vírus mutam
pessoas morrem.
Nação Zumbi
Peso a tradição
Leio minha mão
Guitarra na embolada
Coco supersom
Sem perder o tom
Maracatu não basta
O poema inebria
O poema
Indecifra
Cronologia
Desfazer o retrato
Do perfume que trago
A mim resta o destino
A mim resta o meu rastro
Decretar o futuro
Projetar o passado
Me equilibro no limbo
Me anteparo no vácuo
Vou suportar
E perdoar
Depois me arrepender
Vou consumir
Quero explodir
Vivendo a vida zen
Vou me importar
Desesperar
Sabendo ser blasé
Expiação
Preciso que venhas
Banhada em sangue
Caninos expostos
Arreganhamento
Ponto facultativo
É hoje que eu sigo
Desperdiçando esse dia
A brindar a vida
Memorial do corpo
Eu, rodeado de sombras
Sou também feito de surdas sombras
Danço a valsa lúgubre das trevas
Sou eu mesmo quem a mim enterra
a pantera lânguida
bem distante sobre a grama
tu, minha pantera
o que tu me deste
era vidro e se quebrou
ah, se fosse amor...
o castanho lábio
e o girassol sobre a fronte
onde amor se esconde
a cadente estrela
despenca sob o luar
moro em teu olhar
a vida do avesso
os dentes em minha carne
teus olhos, miragem
nu
assim me deixaram demônios
assim me encontrarão os anjos
e os deuses em Deus
nu
e ainda mais nu que antes
sem placenta e sem sangue
coberto pelo vácuo
deserdado de abraços
inteiro desmascarado
No quintal, a solidão
Pontilhada por estrelas
Fazem a dor não ser em vão
Contra Jorge Velho
Véus despindo horrores
Meu sangue vertendo açoites
Pra rasgar a noite