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As sutis advertências dos nossos sentidos (José Vicente Carnero) - Fev.

2014

A S S U T I S A D V E RT Ê N C I A S D O S N O S S O S
SENTIDOS

J o sé Vic en t e Ca r n ero

Como nossos estados de atenção funcionam? Como


conseguimos saber sobre o que se passa conosco, em
nosso mundo interno, com os outros e as coisas ao
nosso redor?

Reich escreveu sobre um tema que versa sobre a teoria


do conhecimento ou como conhecemos de modo
geral. Normalmente, acredita-se que o intelecto ou a
inteligência racional é aquela que nos fornece
informações sobre o mundo, o que em parte, é
verdade. A outra parte é que, de fato, o que nosso
intelecto faz é concatenar ideias, isto é, criar lógicas, que são ideias que se ligam a
ideias e formam um raciocínio sobre alguma coisa. E estamos o tempo todo formando
raciocínios sobre coisas, sobre pessoas, sobre fatos que nos acontecem, sobre atitudes de
outras pessoas, sobre o significado de certos eventos, etc..

Mas de onde brotam as ideias através das quais


criamos conexões, formamos sentidos e
afirmamos o que se passa? Reich nos diz, de
maneira sucinta, que a natureza em nós e fora de
nós apenas é acessível ao intelecto por meio das
impressões dos sentidos, ou seja, dos traçados e
das marcas que excitam e provocam movimento
ao corpo. Em outras palavras, isto significa que
temos ideias de acordo com as sensações que se produzem no corpo. As sensações, por

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sua vez, as percebemos como ideias que surgem na mente cada vez que nosso corpo
muda de estado.

Por exemplo, se estamos no mar de pé,


parados, e as ondas nos balançam
continuamente de um lado para o outro,
teremos sensações que tomarão conta de
nossa mente baseadas no que estamos
vivendo. Ou se estamos no campo, de
olhos fechados, e sentimos o vento que
também balança as árvores, também nossa
mente será tomada de sensações características, provavelmente, de prazer. Em suma,
tudo o que nos afeta cria movimentos internos e ideias que o intelecto organiza de
maneira coerente, dentro de uma lógica. Ao menos, dentro de alguma coerência e
alguma lógica.

Neste momento, Reich nos avisa que as sensações que temos depende da composição
de nosso corpo, que é um corpo que tem uma estrutura particular e uma forma de se
sensibilizar e de responder de maneira particular. Logo, se formamos um raciocínio
sobre uma coisa ou um fato, podemos dizer que esta coisa ou fato tem qualidades que o
compõem, que podem até ser objetivas, descritíveis, e, também, que os valores que
damos são subjetivos e podem se formar muitos pontos de vista sobre uma coisa ou
fato. A questão, para Reich, não está, assim, sobre a natureza do fato ou o significado,
mas sobre a natureza da sensação que a pessoa tem, ou seja, como é o aparelho, como
funciona a composição do corpo do qual brotam sensações e do qual percebe as
coisas, os fatos, o que lhe acontece e o que fazem as outras pessoas.

Todo nosso corpo, desde que iniciamos nossa jornada como um embrião que viaja e está
sujeito ao ambiente da mãe, é marcado continuamente por tudo aquilo que ele
experimenta. São memórias, mais ou menos primitivas, que são gravadas como traços
permanentes na matéria do corpo, nas suas células, nos seus tecidos. As memórias são
ativadas quando um sinal chega até elas: se um sinal negativo foi gravado, um

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estímulo que provocou risco ou lesão


anteriormente, um sinal semelhante, com
características parecidas, provocará um estado
antecipado de risco, que é o que chamamos
medo.   Se um sinal positivo foi gravado, um
estímulo que provocou prazer ou expansão, um
sinal semelhante provocará em nós uma afeição
ou uma sensação de aproximação, mesmo sem
sabermos ou termos consciência do por quê.

Reich se deteve sobre o estudo da sensação de risco, pois se trata de uma reação do
corpo a um estímulo negativo anteriormente vivido, mas, sobretudo, de uma reação
que constantemente se renova e se reatualiza, uma vez que recebemos continuamente
estímulos ou sinais das relações com coisas ou pessoas que estabelecemos no presente.

Se uma pessoa foi muitas vezes marcada ou


marcada com intensidade negativamente em
momentos importantes de seu
desenvolvimento, esta pessoa é muito sensível
a determinados sinais que provocam
continuamente estados antecipados de risco.
Isto significa que seu corpo reage, por conta de
suas memórias gravadas, a sinais semelhantes e
sua mente imagina ou tem ideias de situações
antecipadas de risco, pois, como dissemos, a
mente tem ideias a partir das sensações ou dos movimentos que se dão no corpo.

Na prática, a pessoa se vê, em muitos momentos, tendo ideias reativas ou alarmadas de


situações que prevê acontecerem, mas, que de fato, nem sempre se concretizam.
Conforme a composição do corpo ou o modo do corpo seja tomado por estas reações,
muitas vezes a mente raciocina ou estabelece lógicas muito rígidas e fixas sobre uma

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determinada situação, de modo que consiga apenas ver ou perceber apenas esta lógica
e não outra e, assim, a pessoa põe-se a agir contra esta lógica, a combatê-la.

Muitas vezes isto acontece de maneira muito


rápida e difusa, sem percepção clara, ou mesmo é
inconsciente. A raiva, a fúria, neste sentido, no
pensamento reichiano, quando é desprovida de
fundamento racional ou real, pois se trata de um
estado antecipado, é sempre subproduto do
medo, que adoece o sistema vivo.

Assim, voltamos ao início da nossa questão. Como


conseguimos saber sobre o que se passa conosco, em nosso mundo interno, com os
outros e as coisas ao nosso redor?

Tudo depende dos nossos estados corporais


ou sensíveis e de quanta consciência temos
deles. Este é sempre um ponto de partida na
clínica reichiana, conhecer e se reeducar a
ouvir as sutis advertências de nosso corpo e
de nossas sensações, pois o quanto mais
adoecidos estamos, menos conseguimos ouvir
ou discernir estas advertências e mais
guiamos as nossas ações e os nossos
pensamentos sem nos questionarmos de quais
estados corporais e sensoriais eles partem e onde se fundamentam.

Se o tempo todo somos acometidos por estados de risco os quais nem mais percebemos
ou tomamos como “normais” ou como parte de nossa natureza, nossa capacidade de
percepção e conhecimento das coisas torna-se muito diminuída e, mesmo, distorcida.
Mesmo que nosso saber das coisas, nosso saber sobre nós mesmos ou sobre os outros
seja sempre subjetivo, é necessário que nossos sensores, nossos sistemas de

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sensibilidade estejam em grande parte


disponíveis para que possam sentir e responder
ao que seja real. Em outras palavras, a
profundidade de nossas percepções é ligada ao
quanto podemos investir de atenção, o que se
traduz em termos energéticos.

Se a maior parte de nossa energia de vida é


voltada a combater e a manter estados
antecipados de risco, pouco investimento resta, de fato, para destinarmos ao
conhecimento do mundo, de nós mesmos, do que ocorre ao nosso redor e das situações
que nos acometem.

Portanto, como nos lembra Reich, o


conhecimento do mundo ao nosso
redor e de nós mesmos, não requer
meramente uma operação mental,
mas, sobretudo, uma capacidade
biofisiológica de pulsação, de sentir
e de responder livremente, de
expandir e contrair à necessidade
das relações, de modo que possamos
conhecer verdadeiramente a realidade que produzimos e que se faz à nossa frente.

José Vicente Carnero é   Psicólogo Clínico, Administrador de Empresas e Mestre em


Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Formado em Vegetoterapia
Carátero-Analítica pela EFEN.

      * Este artigo está baseado na dissertação de mestrado em Psicologia Clínica apresentada na


Universidade Federal Fluminense em 2013, com o título   “A clínica, a sensibilidade e o
conhecimento: um diálogo entre as obras de Reich e Spinoza”.

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