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A CAIXA é uma empresa pública brasileira que prima pelo respeito à

diversidade, mantendo comitês internos para realização de campanhas,


programas e ações voltados para disseminar idéias, conhecimentos e
atitudes de respeito à diversidade de gênero, raça, orientação sexual e
todas as demais diferenças que caracterizam uma sociedade plural.

Os projetos patrocinados são escolhidos via seleção pública, uma opção


da CAIXA para tornar mais democrática e acessível a participação de
produtores e artistas de todo o país como também dar mais transparência
à utilização dos recursos da empresa.

Com a mostra de filmes Diretoras Negras no Cinema Brasileiro, a CAIXA


Cultural apresenta uma retrospectiva da produção cinematográfica
empreendida por cineastas negras brasileiras. Em comum nos filmes
exibidos, temas relevantes entre as mulheres afrodescendentes, como o
racismo, o empoderamento feminino e a herança cultural africana.

Desta maneira, a CAIXA contribui para promover e difundir a cultura


e retribui à sociedade brasileira a confiança e o apoio recebidos ao
longo de seus 156 anos de atuação no país. Para a CAIXA, a vida pede
mais que um banco. Pede investimento e participação no presente,
compromisso com o futuro do país e criatividade para conquistar os
melhores resultados para o povo brasileiro.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL

2
A mostra Diretoras Negras no Cinema Brasileiro conta uma história de Embora, segundo o último censo do IBGE, de 2010, 27% da população
resistência. Desde que Adélia Sampaio, a primeira diretora negra a realizar brasileira se identifique como mulher e negra – nosso grupo mais predomi-
um longa-metragem no Brasil, teve o financiamento para “Amor Maldito” nante –, as mulheres negras, como já dito, são as mais sub-representadas
negado pela então Embrafilme, devido ao teor lésbico da narrativa (ou seria dentro do cinema hegemônico nacional: exatamente 0 (ZERO) diretoras e 0
também por que ela era mulher e negra?), cineastas negras enfrentam o (ZERO) roteiristas (há 13% de diretoras brancas, e 26% de roteiristas bran-
machismo e o racismo de uma sociedade e de uma indústria cinematográ- cas, para comparação), e 4% de atrizes (contra 36% de atrizes brancas).
fica que as excluem e que as enxergam a partir de estereótipos ligados ou
à pobreza, ou à marginalidade, ou ao sexo. Mas não se trata de opor mulheres brancas contra mulheres negras, já que
84% dos filmes do período analisado foram dirigidos por homens brancos.
De acordo com a pesquisa “A Cara do Cinema Nacional: o perfil de gênero Embora a pesquisa abarque os anos entre 2002 e 2012, e não se estenda
e cor dos atores, diretores e roteiristas dos filmes brasileiros”, realizada até 2017, ela já registra o começo da explosão das comédias, produzidas
pelo GEEMA – Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa – da ou distribuídas principalmente pela Globo Filmes, que invadiram as salas de
UERJ, dos 218 objetos analisados no período de 2002 a 2012, nenhum foi cinema brasileiras: “Se Eu Fosse Você (2006), “Se Eu Fosse Você 2” (2009),
dirigido ou roteirizado por mulheres negras. “De Pernas para o Ar” (2010), “De Pernas para o Ar 2 (2012), “Até que a
Sorte nos Separe” (2012), aos que se seguiram “Minha Mãe É Uma Peça:
Realizada pelas pesquisadoras Gabriela Moratelli e Márcia Cândido, sob O Filme” (2013), “Minha Mãe É Uma Peça 2” (2016), “Loucas para Casar”
coordenação de Verônica Toste e João Feres Júnior, “A Cara do Cinema (2015), “TOC: Transtornada Obsessiva Compulsiva” (2017). São comédias
Nacional: o perfil de gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos baseadas em estereótipos do gênero feminino, e todas com direção de
filmes brasileiros” analisou as vinte maiores bilheterias (e, por conseguinte, homens brancos. E nenhum tem personagens negros principais.
os vinte filmes mais vistos) do cinema brasileiro em cada ano, de 2002 a
2012, segundo os dados disponíveis no site da Ancine – Agência Nacional Reconhecendo o quadro machista e racista do cinema nacional, a ANCINE,
de Cinema. em seu Planejamento Estratégico para o quadriênio 2017-2020, tem como
uma das metas “promover a diversidade de gênero e raça na produção das
Os resultados são alarmantes, e mostram a ausência de diversidade de obras audiovisuais brasileiras”. Em 2016, ela lançou o Edital de Longa Afir-
cor e de identidade de gênero no cinema comercial brasileiro. Os filmes mativo, através do qual serão realizados três filmes de ficção de diretores
produzidos e distribuídos por nossa incipiente indústria cinematográfica, negros. O Edital segue a linha do Curta-Afirmativo que, em 2012 e 2014,
que recebem massivos recursos públicos via Fundo Setorial do Audiovisu- financiou mais de 60 obras audiovisuais, entre curtas e médias-metragens,
al, administrado pela Ancine, que chegam às salas do circuito para serem de diretores e produtores negros.
vistos pelo grande público, apresentam uma visão de mundo hegemonica-
mente masculina e branca, e praticamente excluem do processo de criação Nesse contexto, nas franjas de um cinema hegemonicamente masculino e
as mulheres e, sobretudo, o negro, rebaixado a estereótipos associados à branco, diretoras negras encontraram espaço, com apoio de mecanismos
pobreza e ao crime.
federais ou estaduais de fomento, através da televisão ou por iniciativa pró- ÍNDICE

pria, para expressar suas demandas e experiências de vida, antes negli-


genciadas: identidade étnica e de gênero, machismo, racismo, feminismo,
cultura afro-brasileira, ancestralidade. São diretoras que vêm de todas as
partes do país, Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Espírito Santo, Minas Diretoras Negras - Construindo um cinema de identidades e afeto 9
Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Edileuza Penha de Souza

Reunimos 46 filmes, e agradecemos às diretoras Adélia Sampaio, Carmen


Cinema Negro contemporâneo e protagonismo feminino 19
Luz, Carol Rodrigues, Ceci Alves, Danddara, Edileuza Penha de Souza,
Elen Linth, Eliciana Nascimento, Everlane Moraes, Flora Egécia, Janaína Janaína Oliveira

Oliveira, Juliana Vicente, Keila Serruya, Larissa Fulana de Tal, Lilian Solá
Santiago, Sabrina Fidalgo, Renata Martins, Tainá Rei, Tatyana dos Praze- O olhar das mulheres negras em filmes Kênia Freitas 31
res, Viviane Ferreira, Yasmin Thayná, Coletivo Nós, Madalenas e Coletivo
Revisitando Zózimo Bulbul + Mulheres de Pedra por compartilharem co- Imagens afro-brasileiras em movimento: 41
nosco seus filmes e nos darem a oportunidade de conhecer e aprender construindo uma fábrica de sonhos Lilian Solá Santiago
com suas lutas.
Sair do armário e ousar dizer seu nome: prazer, cinema LGBT! 51
No contexto atual, em que observamos no curta-metragem independente
Labelle Rainbow
o surgimento de uma nova e potente geração de diretoras negras no Brasil,
acreditamos que uma mostra que exiba e celebre o cinema das diretoras
negras se faz urgente. Entrevista com Adélia Sampaio Kênia Freitas e 61
Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida

Entrevista com Danddara Janaína Oliveira 69

Filmografia 80

Sobre as Diretoras 88

Kênia Freitas e Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida


[Curadores]
DIRETORAS NEGRAS

CONSTRUINDO UM CINEMA
DE IDENTIDADES E AFETO
DIRETORAS NEGRAS

CONSTRUINDO UM CINEMA DE IDENTIDADES E AFETO

Edileuza Penha de Souza 1

(...)

tem

fragmentos

no feminismo procurando

meu próprio olhar,

mas vou seguindo

com a certeza de sempre ser

mulher

Olhar Negro - Esmeralda Ribeiro

1. Edileuza Penha de Souza é Doutora em Educação e Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), onde leciona as
disciplinas “Pensamento negro Contemporâneo” e “Etnologia Visual da Imagem do Negro no Cinema. Historiadora (UFES),
mestre em Educação e Contemporaneidade (UNEB), pesquisadora e documentarista, foi estudante Especial da Cátedra de
Documentários na Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Banõs – República de Cuba.

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O machismo e o racismo são deformações que historicamente têm excluído mu- particular, de diretoras negras no cinema nacional brasileiro – concatena-se com a
lheres e negros do fazer cinema. A invisibilidade de diretoras como a francesa Alice obra da cineasta Adélia Sampaio, coroando a produção de diretoras negras, como
Guy Blaché2 e a brasileira Adélia Sampaio3, e tantas outras que, ao longo de suas possibilidade de se pensar e construir um cinema de territorialidade e comunalida-
carreiras, infundiram em seus filmes particularidades do universo feminino, como de como patrimônio negro feminino.
a senegalesa Safi Faye (1943), a sueca Anna Hofman-Uddgren (1868-1947), a in-
4

Historicamente, mulheres cineastas têm construído estratégias de luta


diana Shobhna Samarth (1915-2000), a estadunidense Lois Weber (1879-1939), a
por visibilidade, produzem narrativas que são verdadeiros manifestos
ucraniana Maya Deren (1917-1961), a angolana Sarah Maldoror (1938), a brasileira 5
políticos e sociais; seus trabalhos apresentam responsabilidade
Jacira Martins da Silveira6 (1909-1972), a russa Yuliya Solntseva (1901-1989), o que
histórica de combate a todo e qualquer tipo de violência, preconceito
demonstra o quanto o masculino e a branquitude ocultam da história do cinema o e discriminação, e nos possibilitam edificar um imaginário positivo
pioneirismo e o talento de mulheres e negras. do papel que as mulheres representam na história da humanidade.
(SOUZA, 2017).
Somente para se deter em Alice Blaché e Adélia Sampaio – a primeira
mulher cineasta do mundo e a primeira negra cineasta do Brasil –, cada uma em
A definição de um cinema negro feminino floresce da territorialidade, possibilita re-
seu tempo e no seu território desenvolveu roteiros polêmicos com debates sobre
criar os espaços-território do racismo e da heteronormatividade. Na territorialidade
questões sociais e culturais. Ambas denunciaram as múltiplas violências contra
estão firmados os princípios de coletividade e de comunalidade. É a territorialidade
as mulheres e a LGBTfobia, perfilhando estratégias de abrir caminhos à geração
que redimensiona o fazer cinema. No reduto do cinema negro feminino, as direto-
vindoura de mulheres e negras.
ras negras trazem para seus filmes os ensinamentos ancestrais, demonstram que

Nossa escolha por discutir um Cinema Negro Feminino enraíza-se em a territorialidade do fazer cinema é demarcada pelo respeito às experiências de

estratégias de pertencimento e afeto. A produção de diretoras negras possibilita vida da comunidade onde estão inseridas. Seus filmes irradiam o reconhecimento

descortinar um cinema que rompe com os estereótipos e o racismo de uma “so- de domínio das técnicas; representam cultura e mundo dos valores ancestrais em

ciedade esteticamente regida por um paradigma branco” (SODRÉ, 2001, p. 235). que a comunicação, em diferentes circunstâncias, legitima e edifica um conjunto

Seus filmes fazem incursões em experiências de ancestralidade, herança, memó- de informações e emoções trazidas pela diversidade; um território onde cada ci-

ria, identidade e amor. Nessa perspectiva, a atuação da mulher no cinema – em neasta se constitui como ícone de empoderamento. Desse modo, a territorialidade
pode ser percebida como espaço de práticas culturais e sociais. Mais que isso,
apesar de todas as tentativas de silenciamento, diretoras negras produzem um
cinema de arte com temas plurais que compõem a diversidade humana, colhidos
2. Edileuza Penha de Souza é Doutora em Educação e Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), onde leciona as
disciplinas “Pensamento negro Contemporâneo” e “Etnologia Visual da Imagem do Negro no Cinema. Historiadora (UFES), nas experiências individuais ou coletivas. Afinal, “o cinema é uma das artes que
mestre em Educação e Contemporaneidade (UNEB), pesquisadora e documentarista, foi estudante Especial da Cátedra de
Documentários na Escuela Internacional de Cine y TV de San Antonio de los Banõs – República de Cuba. pode transformar a realidade em interpretações, de modo que essa representação
3. Sampaio trabalhou em diversos segmentos do teatro e do cinema, foi a primeira mulher negra a dirigir um filme. Adélia iniciou do real possa estar em todas as palavras, em todas as coisas” (SOUZA, 2013, p. 5).
sua vida profissional muito cedo, como comerciária. Em 1969, conseguiu um trabalho como telefonista na DIFILM – distribuidora
criada por expoentes do Cinema Novo, como Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Luiz Carlos Barreto –, e já em 1972,
consegue frequentar um set de filmagens exercendo várias atividades até assinar produção, roteiro e direção de seus próprios Ao produzir e dirigir seus filmes, diretoras negras brasileiras têm edifi-
filmes. Hoje, aos 74 anos, Adélia continua produzindo.
cado um modo de fazer cinema cuja referência é a história e a cultura dos povos
4. Primeira mulher africana a dirigir um longa-metragem dirigido comercialmente, ela se dedicou a dirigir filmes de ficção e
documentários enfocando a vida rural no Senegal. negros. Seus trabalhos e suas práticas fílmicas constroem uma cinematografia fora
5. Nascida Sarah Ducados, é uma das primeiras mulheres a dirigir um longa-metragem no continente africano. Sua produção da estereotipia, revelam visões de mundo, incentivando, assim, leituras afetivas,
fílmica é habitualmente incluída em estudos sobre as mulheres diretoras no cinema africano.
políticas e geográficas sedimentadas no desenvolvimento humano, na corporeida-
6. Conhecida como Cleo de Verberena, escreveu, produziu, financiou e atuou no primeiro filme dirigido por uma mulher no Brasil,
“O Mistério do Dominó Preto”. Esse drama, que tem como tema o carnaval e o crime, fez sucesso em muitas salas de cinema. O de como possibilidade de ressignificar conceitos de amor, afetos e identidade.
segundo filme de Verberena, “Canção do destino”, nunca foi concluído e, juntamente com ele, a própria cineasta desapareceu
do cenário cinematográfico.

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A exemplo da cineasta Adélia Sampaio que, antes de produzir e diri-
gir filmes, foi telefonista, exerceu cargos de continuísta, claquetista, assistente de
produção e maquiadora, muitas mulheres negras chegaram à direção do cinema
trabalhando como fotógrafa, figurinista, argumentista, dialoguista, pesquisadora,
eletricista, contrarregra, cabeleireira, trilheira, laboratorista, marcadora de luz, e
muitas outras funções que o cinema emprega.

Urge pensar uma catalogação das produções fílmicas de cineastas


negras brasileiras. Apenas para citar alguns nomes, Alexandra G. Dumas, Aline
Lourena, Amanda Faustino, Amanda Prado, Ana Beatriz Sacramento, Ana Claudia
Okuti, Ana Paula Alves Ribeiro, Anahí Borges, Barbara Marques, Beatriz Vieirah,
Calila das Mercês, Camila de Moraes, Carmem Luz, Carol Rodrigues, Cida Reis,
Cíntia Maria, Cirlla Machado, Clarissa Brandão, Charlene Bicalho, Dayane Gomes,
Elaine Ramos, Elcimar Pereira, Eliciana Nascimento, Everlane Moraes, Fabíola Ale-
crim, Flora Egécia, Gabriela Barreto, Ingrid Mabelle, Isa Oliveira, Izabel Neiva, Ísis
Higino, Jamile Coelho, Janaina Oliveira Re.Fem, Jessica Queiroz, Juliana Lima,
Juliana Vicente, Katiusca Demetino, Keila Serruya, Larissa Fulana de Tal, Laura
Guerreira, Letícia Bispo, Lilian Solá Santiago, Luana Dias, Luciana Oliveira, Lua-
na Paschoa, Madara Luiza, Maria Dealves (falecida em 2008), Mariana Campos,
Mariani Ferreira, Marta Nunes, Nadir Nóbrega Oliveira, Naymare Azevedo, Neide
Rafael, Paola Botelho, Priscila Oliveira, Raysa Oliveira, Renata Martins, Sabrina
Rosa, Thaina Farias, Thayná Torella, Thamires Vieira, Urânia Munzanzu, Vilma Ne-
res, Viviane Ferreira, Yasmin Thayná, Yane Mendes, Ziza Fagundes.

Muitas delas foram discípulas de Mestre Zózimo Bulbul7, participaram


dos Encontros de Cinema Negro Brasil, África e Caribe, onde aprenderam que
fazer Cinema Negro é dominar as linguagens, técnicas e estéticas do audiovisual,
tanto quanto criar referência sobre a história e a cultura do povo negro na diáspora.
Essas mulheres negras diretoras configuram um marco do cinema brasileiro da
contemporaneidade, complementam lacunas e omissões da cinematografia brasi-
leira e criam um cinema negro no feminino. Elas são responsáveis por construir-se
um cinema de identidade entendido como espaço de pertencimento, e como tal, Mulheres de Barro | Dir. Edileuza Penha de Souza
são agentes recriadoras de mundos e de possibilidades de amor e afetos. Elas
criam um processo de identidade étnica, fazendo de seus filmes um verdadeiro
manifesto de gênero e raça (SOUZA, 2016).

7. O cineasta e ator Zózimo Bulbul produziu e dirigiu filmes e vídeos documentários de curta, média e longa-metragem...
(CARVALHO, 2005). Atualmente é considerado o pai do Cinema Negro Brasileiro.

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Ainda que seja induvidoso que a imagem da mulher negra no cinema e na das águas, da natureza, do corpo e do orí; usar as mãos, esculpir, filosofar, apren-
sociedade historicamente esteve presa a preconceitos e estereótipos, nota-se que der, ensinar (FREIRE, 1998), pois de outro modo não há cinema. Nossa identidade
ao assumirem o comando da direção, as mulheres exercitam a possibilidade de de diretoras negras se define dentro da magnitude interna do desde dentro e nos
novos olhares e concepções, desde a estética e a linguagem até outros elementos, possibilita arquitetar, por meio do cinema, a integridade negra, a força vital, o axé
de maior subjetividade, como identidades e representações. e a arkhé de nossa ancestralidade.

A territorialidade do Cinema Negro Feminino tem sido pautada, nos úl-


timos anos, por trabalhos acadêmicos que surgem com o intuito de historicizar a
presença de mulheres negras nas produções cinematográficas. Essas produções
interagem com a literatura específica sobre o cinema e ensejam discussões de
gênero e raça, incidindo alusões à negritude e a todos os demais elementos que
a temática do cinema produzido por mulheres negras tem alcançado. O Cinema REFERÊNCIAS
Negro Feminino pode ser percebido também como espaço de práticas culturais
nas quais se criam mecanismos identitários de representação a partir da memória
CARVALHO, Noel dos S. Cinema e representação racial: o cinema negro de Zózimo Bulbul.
coletiva e ancestral.
2005. Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
É oportuno salientar que, ao propor ao campo do cinema estudos es-
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
pecíficos sobre a produção de diretoras negras, não se objetiva centralizar uma
SCOTT, Joan Wallach. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade,
abordagem sobre minorias, mas compreender que, além de as mulheres negras
Porto Alegre, v. 16, n. 2, jul./dez. 1990.
representarem pelo menos um quarto da população brasileira, seus filmes tendem
SHOHAT, Ella. STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo: Cosac & Naif, 2006.
a possibilitar rompimentos com as representações e, ainda, transformam os para-
SILVA, Conceição de Maria Ferreira. Mulheres negras e (in)visibilidade: imaginários sobre a
digmas do conhecimento tradicional, impõem “um reexame crítico das premissas
intersecção de raça e gênero no cinema brasileiro (1999-2009). 2016. 297f. Tese (Doutorado
e dos critérios do trabalho científico existente” (SCOTT, 1990, p. 5). em Comunicação). Universidade de Brasília, Brasília, 2016.
SODRÉ, Muniz. Reinventando a cultura: a comunicação e seus produtos. 4. ed. Petrópolis:
Com esse entendimento, para além de pesquisadora, me coloco aqui Vozes, 2001.
como uma diretora negra e ressalto que o processo de construir um cinema negro
SOUZA, Edileuza Penha de. Cinema na Panela de Barro: Mulheres Negras, narrativas de
no feminino nos torna também responsáveis por erguer um cinema de identidade. amor, afeto e identidade, 2013. Tese (Doutorado em Educação), Universidade de Brasília
A responsabilidade social com que nos envolvemos torna nossos trabalhos, mes- (UnB). Brasília, 2013.
mo na produção mais imperfeita, um elemento de arte e existência, onde se con- ______. Contando nossas próprias histórias: Mulheres negras arquitetando o cinema
figura a nossa territorialidade negra, como bem se pode observar nas produções brasileiro. In: AVANCA: Edições Cine-Clube de Avanca, 2016. p. 485-502.

das diretoras negras brasileiras. ______. Ancestralidade e memória na animação Órun Áiyé: o cinema negro feminino e as
tessituras da identidade. In: AVANCA: Edições Cine-Clube de Avanca, 2017 (no prelo).
Ao nos conduzir ao mundo da educação formal, e a partir dela, o acesso STAM, Robert. Multiculturalismo tropical: uma história comparativa da raça na cultura e no
do fazer cinema, nossas ancestrais negras fizeram de nós, diretoras negras, her- cinema brasileiros. São Paulo: Edusp, 2008.

deiras de um legado que nos impele a dar continuidade aos sonhos. Desse modo,
para nós mulheres negras cineastas o fazer cinema negro no feminino significa
estar no mundo, fazer história, fazer cultura, sonhar, cantar, pintar, cuidar da terra,

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CINEMA NEGRO CONTEMPORÂNEO

E PROTAGONISMO FEMININO
CINEMA NEGRO CONTEMPORÂNEO
E PROTAGONISMO FEMININO

Por Janaína Oliveira 1

Das margens para o centro, é esse o movimento contemporâneo das mulheres


no contexto do Cinema Negro Nacional. Se durante as três primeiras décadas da
história do cinema negro as mulheres diretoras tiveram suas presença e represen-
tatividade invisibilizadas, nos últimos sete anos (aproximadamente) a centralidade
do cenário é ocupada por uma nova geração de cineastas que ganha destaque
não só pela qualidade, mas pelas formas de produção, distribuição e divulgação
dos filmes. O que se pode perceber é que além das carreiras individuais, proces-
sos coletivos de produção entram em cena, das temáticas à plateia, passando pelo
mapeamento desta própria presença no setor. As mulheres negras no cinema hoje
estabelecem em suas produções diálogos com o mundo, mas sobretudo, entre
si e para si mesmas, criando os “espaços de agenciamento” de que nos fala Bell
Hooks em “O olhar opositivo”:

1. Janaína Oliveira é pesquisadora e curadora, é doutora em História e professora desta disciplina no Instituto Federal do Rio de
Janeiro – Campus São Gonçalo, onde coordena o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígena (NEABI). É membro da APAN
(Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro) e idealizadora e coordenadora do FICINE, Fórum Itinerante de Cinema
Negro (www.ficine.org).

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Assim, portanto, pensando especificamente no cinema negro feito com mulheres3
na atualidade, trata-se de olhar e produzir filmes opositivamente. A gama de his-
tórias diversas que trazem protagonistas mulheres pode ser indício disto. Seja no
documentário ou na ficção filmes como “Balé de Pé no Chão” (2005) e “Mulheres
Bordadas” (2015), de Lilian Solá Santiago, “ Cores e Botas” (2010) e “As minas do
Rap” (2015) de Juliana Vicente, “Dia de Jerusa” (2014) de Viviane Ferreira, “O tem-
po dos Orixás” (2014) de Eliciana Nascimento, “Elekô” (2015) Coletivo Mulheres de
Pedra, “Kbela” (2015) de Yasmin Thayná, “A boneca e o silêncio” (2015) de Carol
Rodrigues, “Das raízes às Pontas” (2016) de Flora Egécia, “Quijauá” (2016) Coleti-
vo Revisitando Zózimo Bulbul / Mulheres de Pedra, “Rainha” (2016) de Sabrina Fi-
dalgo, “Maria” (2017) de Elen Linth e Riane Nascimento, só para mencionar alguns,
apontam como este espaço de agenciamento e diálogos vem se consolidando.

Mas o que tornou possível esse momento em que vemos florescer o pro-
tagonismo feminino negro? Uma das hipóteses da pesquisa que venho desenvol-
vendo nos últimos anos sobre a participação das mulheres no cinema africano e
afrodiásporico, articula essa presença à dimensão formativa. Ou seja, o que se
Cores e Botas | Dir. Juliana Vicente percebe é que a entrada das mulheres negras na produção cinematográfica acon-
tece, de um modo geral, posteriormente `a de mulheres brancas e após o acesso a
algum tipo de formação direta ou indireta (strito sensu ou não), com cinema. Assim
que para entender o protagonismo feminino no cinema negro no cenário brasileiro
é preciso abrir o escopo da interpretação para englobar alguns acontecimentos
Espaços de agenciamento existem para as pessoas negras, dentro dos
da história recente do país, como por exemplo, a ampliação do acesso à universi-
qual podemos tanto interrogar o olhar do Outro, mas também olhar para
dade e a cursos de formação/capacitação ocorrida (como, por exemplo, ações em
trás, e para nós mesmos, nomeando o que vemos. O “olhar” foi e é um
Pontos e Pontões de Cultura4), nos últimos 15 anos em decorrência de políticas
lugar de resistência para o povo negro colonizado ao redor do globo. Os
subordinados em relações de poder aprendem com a experiência que globais de educação.
existe um olhar crítico, que “olha” para documentar, que é opositivo. Na
Nesta mesma linha, estão as políticas de ações afirmativas no audiovisu-
luta pela resistência, o poder do dominado para garantir o agenciamento
al, sobretudo os editais ‘Curta e Longa BO Afirmativos’, lançados respectivamente
ao reivindicar e cultivar a “consciência” politiza as relações “do olhar”
em 2012, 2014 e 2015 pela Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura. Nos
– aprende-se a olhar de um certo modo para resistir. (...) Foi o olhar
opositivo que respondeu a essas relações do olhar ao desenvolver o editais de Curtas Afirmativos, foram contemplados 53 projetos, dos quais 29 fo-
cinema negro independente. (Hooks, 1992, p.116)2 ram propostos por mulheres. Já no Edital de longa-metragem, três projetos foram

3. Aqui para o uso da preposição com, partilho da formulação da pesquisadora e ensaísta mineira Carla Maia em sua tese
de doutorado “Sob o risco do gênero: Clausuras, rasuras e afetos de um cinema com mulheres”, quando ela afirma: “alterar
2. Estou usando aqui a tradução para o português do capítulo 8, “The opositional gaze”, feita por Maria Carolina de Moraes que a preposição, passando do cinema “de mulher” para um cinema “com mulheres”, é ir além de uma discussão focada em
se encontra no blog “Fora de Quadro” da crítica de cinema Carol Almeida. Disponível em https://foradequadro.com/2017/05/26/ elementos autorais ou identitários, para investir em abordagens necessariamente. relacionais, marcando predileção por uma
o-olhar-opositivo-a-espectadora-negra-por-bell-hooks/ . perspectiva animada pelo encontro contingente entre mulheres que filmam e que são filmadas.” (MAIA, 2015, p. 28).

4. Sobre Pontos e Pontões de Cultura ver: http://www.cultura.gov.br/pontos-de-cultura1

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contemplados, dentre os quais “O Dia de Jerusa”, da diretora baiana Viviane Fer- também participaram de mostras menores, mesas redondas e oficinas, promovi-
reira5. Com o lançamento previsto para 2018, o filme de Ferreira colocará fim a um dos pelo Centro Afrocarioca de Cinema6.
intervalo de 34 anos entre os únicos longas-metragens de ficção dirigidos exclu-
Em uma perspectiva mais ampliada, o debate sobre a participação das
sivamente por mulheres negras no Brasil, antes dele há somente “Amor Maldito”,
mulheres negras no audiovisual tem seu ponto de virada em 2014, quando da
realizado em 1984 pela pioneira do cinema negro Adélia Sampaio. Nota-se assim
publicação da pesquisa “‘A Cara do Cinema Nacional’: gênero e cor dos atores,
que, ainda que do ponto de vista quantitativo seja consideravelmente pequena a
diretores e roteiristas dos filmes brasileiros (2002-2012)”, realizada pelo Grupo de
quantidade de mulheres negras atingidas, do ponto de vista simbólico, as ações
Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), do IESP/UERJ. Esta inau-
afirmativas se mostram não só fundamentais, como urgentes. Pois, como se per-
gura uma série de pesquisas do GEMAA, com base no conceito da “intersecciona-
cebe, é no universo dos curtas-metragens que a produção de filmes de diretoras
lidade relacional”, cunhado por Kimberlé Crenshaw (1991), que buscam “mapear
(e diretores) negras tem se desenvolvido.
as representações mais recorrentes nessa mídia que dizem respeito a eixos funda-
Historicamente, outro momento importante para o florescimento desta mentais de construção da identidade nacional brasileira: cor, gênero, sexualidade
geração reside nos desdobramentos das iniciativas de Zózimo Bulbul, que, no final e classe” e que tiveram grande impacto e repercussão nas mídias e redes sociais.
dos anos 2000, volta a promover mais uma grande transformação na história do
Um desdobramento positivo de tal repercussão foi, por exemplo, o início
Cinema Negro no Brasil. Aos 70, Bulbul criou o Centro Afrocarioca de Cinema,
de um diálogo com a Ancine (Agência Nacional de Cinema) ainda que a contra-
para realização dos Encontros de Cinema Negro. A proposta de criar uma ponte
pelo. Isto porque logo quando a pesquisa foi divulgada, Isabela Vieira, repórter da
entre as diásporas da América Latina, Caribe e América do Norte e o continen-
EBC, perguntou qual era o posicionamento da Agência a respeito. A Ancine então
te africano gerou um espaço físico e simbólico de reunião dessa nova geração.
informou que “não opina sobre conteúdo dos filmes, elenco ou qualquer coisa
Essas trocas entre indivíduos, grupos e coletivos deram novo fôlego ao Cinema
do tipo”7. Depois deste momento, um grupo de servidoras que estava à frente da
Negro Brasileiro, que agora pode ser considerado um movimento, retomando em
Associação de Servidores da Ancine, começou uma série de encontros no audi-
certo sentido iniciativas dos anos 1999 e 2001, respectivamente dos Manifestos
tório da instituição, localizado no centro do Rio de Janeiro. Instaurou-se ali, ainda
Dogma Feijoada e do Recife, que embora fundamentais, permaneceram isolados.
que de forma inicial, um canal de diálogo no qual realizadoras, diretoras e demais
Foi neste celeiro do Cinema Negro, ou Quilombo, como Bulbul gostava de dizer,
profissionais negras do cinema tiveram oportunidade de explicitar demandas e a
que esta nova geração vai emergir. A exemplo da já citada Viviane Ferreira, que
necessidade de buscar estratégias que incluam nas políticas públicas de cinema a
além da produção de filmes, é uma das principais continuadoras da missão de
perspectiva interseccional8. Pois ainda que a questão de gênero venha ganhando
Bulbul na construção dessa rede do cinema negro, atuando como uma das figu-
cada vez mais espaço, como por exemplo, com a paridade nas comissões de ava-
ras centrais na articulação das/os profissionais negras/os do audiovisual. Ferreira,
liação de fundos e editais, é preciso abrir a discussão de forma real para ausência
juntamente com Joyce Prado e Renato Cândido, integra a diretoria da primeira
das mulheres negras quando se fala de cinema.
gestão da APAN – Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro -, fundada
em dezembro de 2016 e que atualmente conta com 125 membros, entre pessoas
físicas e jurídicas, dos quais cerca de 70% são mulheres. Além dela, Larissa Fula-
na de Tal (BA), Everlane Morais (BA), Sabrina Fidalgo (RJ), Mariana Campos (RJ),
6. Ao longo das 8 edições dos ‘Encontros de Cinema Negro Zózimo Bulbul – África, Brasil, América Latina e Caribe (de 2007 a
Kênia Freitas (ES), Ceci Alves (BA), Eliciana Nascimento (BA), Renata Martins (SP), 2015)’, cerca de 40 diretoras negras brasileiras de diferentes gerações e regiões do país tiveram seus filmes exibidos.

dentre outras diretoras, não só tiveram seus filmes exibidos nos Encontros, como 7. Reportagem disponível para leitura em http://www.ebc.com.br/cultura/2014/07/pesquisa-revela-que-mulheres-negras-estao-
fora-do-cinema-nacional

8. No segundo encontro da série que ocorreu em dezembro de 2015, foi a primeira vez na história da instituição que o auditório
realizou a exibição de um filme aberta ao público. Na ocasião, foi exibido “Kbela” (2015) de Yasmin Thayná, com a presença
da diretora e também da jornalista Sil Bahia, responsável pelo projeto de comunicação do filme para uma plateia lotada de
5. Filme homônimo do curta metragem de 2014. servidores e servidoras de diferentes níveis da ANCINE.

24 25
Tal como atestam todas as pesquisas do GEMAA, em especial o último
boletim publicado em junho de 2017, uma atualização dos dados das pesquisas
anteriores que ampliou o recorte temporal, passando a analisar o período de 1970
a 2016, no qual foram analisados além da direção, elenco e roteiristas dos filmes
com público acima de meio milhão de espectadores, com base nos dados disponi-
bilizados pelo Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual (OCA-ANCINE).
No resultado, a ausência completa de mulheres negras na função criativa mais
prestigiosa do cinema, como se pode ler a seguir:

“Entre os anos de 1970 e 2016 os filmes com grande público (acima


de 500.000 espectadores) foram predominantemente dirigidos por
homens (98%). Sequer um diretor não branco foi identificado, ainda
que pese o fato de não termos podido identificar 13% dos casos O Dia de Jerusa | Dir. Viviane Ferreira

por falta de dados. No que se refere ao gênero, chama atenção o


baixíssimo índice de mulheres na direção dessas produções, apenas
2%. Além disso, nenhuma delas é negra. [Grifos meus] “(Candido et al.,
Boletim GEMAA, n.2, 2017).

Contudo, apesar dos números denunciarem uma realidade dura e com


Essa ausência histórica “fricciona os limites da visibilidade”, como afirmou Ama-
um longo caminho pela frente a se transformar, penso que podemos ficar com a
ranta César. num debate sobre curadoria ao comentar sobre a trajetória singular
presença e os avanços. Cultivando, por exemplo, uma expectativa positiva sobre
de “Kbela”, curta-metragem dirigido por Yasmin Thayná9. O filme foi lançado em
as políticas públicas considerando que a Ancine pela primeira vez incluiu “gênero
setembro de 2015 no Cinema Odeon (uma das salas de cinema mais tradicionais
e raça” em seu planejamento estratégico para o quadriênio 2017-202012. O que
da cidade do Rio de Janeiro e que comporta 400 pessoas), em quatro sessões que
proponho é que de algum modo nos inspiremos em “Kbela”, filme que aborda o
transcorreram durante dois fins de semana, com venda prévia de ingressos que se
processo de construção e afirmação da identidade das mulheres negras, juntas,
esgotaram com antecedência10. Até o fim de junho de 2017, o filme já tinha alcan-
reunidas, coletivamente, trabalhando para um processo de fortalecimento mútuo,
çado mais de 85 exibições em todo o país e em mostras e festivais no exterior (em
na superação das dificuldades estruturais da sociedade em que vivemos. “Kbela”,
países da África, Europa e também nos Estados Unidos)11. E ainda assim, o filme
disse em outro lugar, é um filme de celebração (Oliveira, 2016, p.197). Nesse sen-
ficou de fora das seleções dos grandes festivais de cinema nacionais, como nos
tido, celebremos o florescimento de uma geração de diretoras que tem grandes
lembra o crítico Heitor Augusto em uma reflexão fundamental sobre os filmes que
chances de alterar a médio prazo o status atual da representatividade das mul-
elegemos para ver e falar sobre. Diz Augusto: “Kbela tornou-se um filme invisibiliza-
heres negras no cinema brasileiro.
do desse circuito prestigioso. Isso não deveria ter acontecido” (Augusto, 2017, p.4).

9. IV Colóquio Cinema, Estética e Política – As insurreições do presente. Disponível em https://www.youtube.com/


watch?v=PAFYNMcZks

10. O sucesso do evento fez com que os responsáveis pelo cinema oferecessem à equipe do filme mais um fim de semana para
projeção, que lotou igualmente nos dois dias.

11. Um dos exemplos mais emblemáticos disto foi o fato de Yasmin Thayná ter sido a primeira diretora brasileira a participar
do Festival Internacional de Rotterdam em fevereiro de 2017, onde não só exibiu “Kbela”, mas também “Alma no Olho”, de
Zózimo Bulbul num painel chamado Black Rebels que contava com a presença dos diretores Barry Jenkins, Charles Burnett,
dentre outros nomes importantes do Cinema Negro mundial, e absolutamente nenhum meio de comunicação ou mesmo a 12. https://www.ancine.gov.br/pt-br/sala-imprensa/noticias/ancine-divulga-planejamento-estrat-gico-para-o-quadri-
Ancine, noticiaram o fato. nio-2017-2020

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REFERÊNCIAS

AUGUSTO, Heitor “Problema só dos filmes ou o problema também somos nós?”. In https://
ursodelata.com/2017/02/09/problema-so-dos-filmes-ou-o-problema-tambem-somos-nos-
mostra-de-tiradentes/. Acessado em 20/02/2017.
CANDIDO, Marcia Rangel; MARTINS, Cleissa, RODRIGUES, Raissa FERES Júnior, João.
Raça e Gênero no Cinema Brasileiro (1995-2016). Boletim GEMAA, n.2, 2017.
CANDIDO, Marcia Rangel; MORATELLI, Gabriela; DAFLON, Verônica Toste; FERES Júnior,
João. “A Cara do Cinema Nacional”: gênero e cor dos atores, diretores e roteiristas dos
filmes brasileiros (2002-2012). Textos para discussão GEMAA (IESP-UERJ), n.6, 2014, p. 1-2.
CARVALHO, Noel dos Santos. “Esboço para uma História do Negro no Cinema Brasileiro”
In Carvalho, Noel e Jéferson De. Dogma Feijoada, o cinema negro brasileiro. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2005.
HOOKS, Bell, Black Looks: Race and Representation. Boston: South and Press, 1992.
IVANOV, Debora. Presença feminina no audiovisual brasileiro. I Seminário Internacional
Mulheres no Audiovisual, Ancine, 30 mar 2017.
MAIA, Carla. Sob o risco do gênero: clausuras, rasuras e afetos de um cinema com mulheres.
Tese de doutorado. Belo Horizonte: UFMG, 2015.
OLIVEIRA, Janaína. “Kbela” e “Cinzas”: o cinema negro no feminino do “Dogma Feijoada”
aos dias de hoje. In FLAUZINA, Ana; PIRES, Thula (org.). Encrespando - Anais do I Seminário
Internacional: Refetindo a Década Internacional dos Afrodescentendes (ONU, 2015-2024).
Brasília: Brado Negro, 2016, p.175-198.
SILVA, Conceição de Maria Ferreira. Mulheres negras e (in)visibilidade: imaginários sobre a
intersecção de raça e gênero no cinema brasileiro (1999-2009). Tese de doutorado. Brasília:
UnB, 2016.
SOUZA, Edileuza Penha de. Cinema na panela de barro: mulheres negras, narrativas de
amor, afeto e identidade. Tese (doutorado). Tese de doutorado. Brasília: UnB, 2013.
Das raízes às Pontas | Dir. Flora Egécia | Foto Janine Moraes

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O OLHAR

DAS MULHERES NEGRAS EM FILMES


O OLHAR DAS MULHERES NEGRAS EM FILMES

Kênia Freitas 1

Ao olharem e olharem de volta, as mulheres negras se


envolvem em um processo por meio do qual vemos nossa
história como uma contramemória, usando-a como uma
forma de conhecer o presente e inventar o futuro.
Bell Hooks

Rita olha. O seu rosto de olhar fixo ocupa o plano inteiro. Rosto fortemente ma-
quiado e adornado de rainha da bateria. Ela transpira purpurina. Na voz off, ouvi-
mos as bênçãos e proteções da ancestralidade africana para os caminhos de Rita:
a mulher negra de olhos escuros que encara a câmera por quase 15 segundos. En-
tão, as pálpebras fecham acompanhando o beijo nas mãos que consagram o ritual
de proteção. É essa a primeira imagem de “Rainha” (Sabrina Fidalgo, 2016). São
pelos olhos da protagonista que entraremos na narrativa dos sonhos de reinado
de Rita frente à escola de samba. E também será pelo seu olhar fixo que sairemos.

1. Pós-doutoranda do programa de Mestrado da Universidade Católica de Brasília.Possui pesquisas em andamento no campo


do documentário, das novas tecnologias e do movimento afrofuturista. Realizou a curadoria das mostras “Afrofuturismo: cinema
e música em uma diáspora intergaláctica” (2015/ Caixa Belas Artes/SP) e “A Magia da Mulher Negra” (2017/Sesc Belenzinho/
SP). Integra o Elviras - Coletivo de Mulheres Críticas de Cinema.

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o dominante, para não ser totalmente vencido pelas imagens. Com o cinema, pas-
samos do olhar para a sua transposição em imagens. Ainda trata-se de poder e de
resistência, nesse caso tanto de quem comanda o olhar atrás das câmeras, tanto
de quem pode sustentá-lo livremente na frente dessas.

Nesse sentido, seguindo os olhares de Rita e de Sabrina Fidalgo, aposta-


mos que uma das entradas para se conhecer o cinema Feminino Negro Brasileiro
é o de se fazer um inventário dos olhares em seus filmes. E sobretudo dos olhares
criados sobre outras mulheres negras. A tarefa é ampla e complexa e nesse texto
deixamos apenas fragmentos desse inventário de olhares possíveis a partir de al-
guns curta-metragens dessa produção.

As meninas negras que olham e espelhos que não refletem


Rainha | Dir. Sabrina Fidalgo
Em “Cores e Botas” (Juliana Vicente, 2010), seguimos os olhares de Joana, uma
menina negra de classe média alta que sonha em ser Paquita. A programação da
onipresente televisão na casa da família não nos deixa dúvida de que estamos nos
anos 1980: Xuxa comanda o seu Xou e Collor e Lula disputam a primeira eleição
presidencial direta pós ditadura militar. Mas, mais do que objeto cenográfico de
Após o final do filme, esse olhar nos persegue ainda: da mulher negra que
marcação histórica, a TV é também o que capta e não devolve os olhares de Jo-
encara de forma frontal a quem assiste. Um olhar firme de mulher negra tão rara-
ana. Assim, uma parte da coreografia da música das Paquitas é aprendida pelo
mente visto no cinema. Penetrante em sua imagem do rosto em close que domina
olhar fixo na tela, pela observação dos corpos brancos de cabelos loiros da apre-
a quem assiste; mas penetrante também nas lacunas de genealogias que sustenta.
sentadora e das suas assistentes. Outra parte, Joana apreende voltando-se para
Afinal, como podem olhar as mulheres negras nos filmes? Quem constrói esses
o espelho e observando os movimentos do seu pequeno corpo negro. As duas
olhares? E quem os encara e os sustenta? Quantos olhares como os de Rita vimos
imagens, a do espelho e a da TV, divergem e jamais poderão coincidir.
antes em tela grande? E quantos desses foram construções de uma outra mulher
negra? Como agora os olhos de Rita são a construção de Sabrina Fidalgo... Além de olhar, Joana é também olhada atentamente ao colocar o seu
corpo em performance para a seleção de mini Paquitas, na apresentação escolar.
Acreditamos, assim como defende Bell Hooks em seu texto seminal “O
Os olhos das colegas e das avaliadoras, todas brancas, a perseguem, a julgam e
olhar opositivo da espectadora negra”2 que olhar é uma questão de poder e tam-
denunciam a estranheza do seu corpo de menina negra simulando a imagem loira
bém (e por isso) de resistência. Poder de quem pode olhar livremente e quem não
da TV. E, nesse momento, Juliana Vicente reparte o seu olhar no filme: preserva a
o pode. Resistência de quem inventa outras formas de ver (o “olhar opositivo” da
visão eufórica de Joana que imagina apenas olhares de aprovação e celebração
espectadora negra como batiza Hooks), para manter-se crítico, para documentar
diante do seu número; mas mostra ainda os mesmos olhares brancos que aprisio-
nam e recriminam o corpo negro fora do lugar.
2. HOOKS, bell. “The Oppositional Gaze: Black Female Spectators”. Black Looks: Race and Representation. Boston: South End
Press, 1992. [Versão traduzida por Maria Carolina Morais, para o blog Fora de quadro. Disponivel em: Esse jogo de olhares se inverte em outro momento fundamental já próxi-
https://foradequadro.com/2017/05/26/o-olhar-opositivo-a-espectadora-negra-por-bell-hooks/].https://foradequadro. mo ao final do filme, quando Joana e sua família jantam em um restaurante de elite.
com/2017/05/26/o-olhar-opositivo-a-espectadora-negra-por-bell-hooks/].

34 35
Diante da decepção da menina (preterida para ser Paquita) e dos comentários do tramos no cinema de Juliana Vicente e de Elen Linth e das suas protagonistas
filho adolescente apontando o racismo da situação, é a família quem olha para as mulheres negras que reivindicam o controle das imagens que olham e a criação de
mesas ao lado e se percebe deslocada entre todas as outras mesas com apenas espelhos que as reflitam.
pessoas brancas. Os olhares permanecem perdidos na volta para a casa - a im-
possibilidade do espelho não está apenas na televisão, mas também no cotidiano.
Os olhares solitários das mulheres negras
Joana é quem resolve o impasse, ao descobrir a possibilidade de construção das
próprias imagens pela fotografia. A menina que queria ser Paquita agora treina para “A Boneca e o silêncio” (Carol Rodrigues, 2015) marca justamente o fim da infân-
ser fotógrafa. O controle do olhar e da imagem é assumido enfim pela criança negra. cia de uma menina negra, Marcela. Essa transição no filme chega carregada já da
necessidade de tomar decisões adultas (no caso a interrupção de uma gravidez
Em “Entre Passos” (Elen Linth, 2012) a imagem que não corresponde
indesejada). Se em “Cores e Botas” e em “Entre Passos” o controle é de alguma
às aspirações da infância negra é a da bailarina. Porém, no curta de Elen Linth,
forma retomado pelas protagonistas, o filme de Carol Rodrigues será caracterizado
longe do lar confortável da família de classe média, a infância da menina negra é
por essa impossibilidade. E os olhares no filme mais uma vez nos ajudam a traçar
marcada pelo medo e pela violência. Violência essa que se mostra nos olhares
essa trajetória.
das mulheres negras no filme: os olhos espantados da menina e os aterrorizados
da mulher (distanciadas pelo passar dos anos, mas conectadas pela memória de Assim, desde o início do filme vemos Marcela, a menina, quase mulher,
dor). Esses olhares denunciam o que a diretora não precisa nos mostrar para que que olha para baixo. O seu olhar não ousa levantar-se, ele introjetou a proibição do
enxerguemos - o abuso e a agressão doméstica. encarar, mas não conseguiu inventar para si outras formas de ver. Olhos solitários
(ainda que rodeados pela presença do pai e do namorado) que não tem força para
No filme de Elen Linth, a menina permanecerá impotente e será apenas
enfrentar. Solidão latente na cena em que Marcela e o namorado conversam na
a mulher quem conseguirá, anos depois, recuperar algum controle. Se a memória
cama - os olhos dele a encaram, os dela desviam para o teto.
violenta resta como ferida, as marcas físicas agora sao as pintadas pela própria
protagonista com batons e sombras da maquiagem diante da câmera (que simu-
la um espelho). O controle é reivindicado pelos movimentos de dança que enfim
podem ser performatizados (a bailarina mulher negra) e também pelo olhar frontal
para a câmera enquanto esse rosto marcado pinta-se obsessivamente.

Em ambos os filmes o olhar infantil anseia por imagens que não o refletem (a Pa-
quita, a bailarina inocente). Em ambos, esse olhar aprenderá a se reajustar desde a
infância. E voltamos outra vez a Hooks e `as suas observações sobre a construção
de olhar da mulher negra. A autora percebe um vínculo direto entre as experiên-
cias infantis nas famílias negras dos adultos que punem o olhar fixo da criança, o
encarar, e uma espécie de medo e fascínio que o controle desse olhar passam a
exercer no imaginário infantil. Para Hooks possivelmente existe uma relação dessa
proibição infantil com a interdição histórica de enc arar ou olhar fixamente que os
donos de escravos brancos impunham aos escravizados negros. Nos dois casos,
a repressão produziu um desejo de ver ainda maior e criou formas de reajustar/
reinventar modos de ver e modos de se produzir o olhar. Modos que reencon-
A boneca e o silêncio | Dir. Carol Rodrigues

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Os movimentos da câmera no filme de Carol Rodrigues materializam a Conhecer o presente e inventar o futuro
solidão e a impotência da protagonista. Assim, é a distância com uma câmera que
Esse cinema feito pelas mulheres negras filmando mulheres negras parece respon-
mais espia/vigia de longe a personagem que vemos entrar na casa abandonada
der a ânsia avassaladora de olhar detectada por Hooks em seu texto. Ânsia que
onde o seu fim será traçado. Em outro momento, na ida de Marcela ao parque para
surge como resposta a histórica e permanente interdição do olhar para as pessoas
comunicar a decisão da interrupção ao namorado, a materialidade vem da ence-
negras. Como não nos deixa esquecer a autora, para nós negros, e sobretudo para
nação, na qual todos os transeuntes e pessoas ao redor a encaram fixamente. E
nós mulheres negras: olhar é um ato de resistência, olhar é político, e é também
os olhos de Marcela seguirão abaixados e sozinhos.
uma possibilidade de intervenção na realidade.
A solidão acompanhada de Marcela dá lugar ao isolamento efetivo de Je-
Voltemos por fim então aos olhos de Rita, a rainha da bateria. O seu olhar
rusa, em “O Dia de Jerusa” (Viviane Ferreira, 2014). Idosa e solitária, Jerusa passa
mais uma vez nos encara, agora na bela cena final do filme de Sabrina Fidalgo. Os
o seu dia preparando-se para celebrar o seu aniversário com parentes que nunca
seus sonhos de realeza carnavalesca foram cruelmente esmigalhados. A avenida
irão aparecer. Será o encontro com a jovem investigadora de opinião, Sílvia, que irá
do samba ficou para trás e Rita desloca-se para frente (em nossa direção). Drasti-
mudar o seu dia.
camente diferente do início do filme, o seu olhar está vazio, é impenetrável. O seu
Também no filme de Viviane Ferreira podemos nos ater aos olhares das rosto também é outro, adereços arrancados, cabelos soltos e armados, maquia-
protagonistas como uma forma de investigar a narrativa. Aqui, o espelho para o gem destruída. Ainda assim, seus olhos são os pontos fixos em um plano-sequ-
olhar não vem da televisão ou de uma outra imagem da branquitude (o filme é aliás, ência em que tudo se desloca, corpo e cenário.
todo encenado por atrizes e atores negros). O jogo de opostos se faz entre as duas
Seguimos olhando-a por quase dois minutos. E ela nos olha e não está
mulheres negras protagonistas, Silvia e Jerusa.
ali. Até que os olhos se fecham. E, aos poucos, ao se abrirem, Rita volta a habitar
De início temos os olhos distraídos de Jerusa andando vagarosamente o próprio corpo. Mãos, braços, olhar e sorriso executam uma dança para si, para
pelas ruas em contraste ao olhar determinado/apressado de Silvia. Para a mais voltar a si. E só depois de retomar o próprio corpo de mulher negra, o seu movi-
velha o que resta é tempo para preencher, para a mais nova este é escasso (ape- mento se insinua para a câmera. Rita nos joga um olhar frontal reempossado de si:
sar dos atropelos, ela chegou atrasada ao trabalho de novo). A oposição se torna habitado e cortante.
tangível no encontro das duas: Jerusa finalmente conseguiu a presença de uma
E, então, no cinema, uma mulher negra nos olha.
convidada para a sua festa e para ouvir as suas histórias; Silvia anseia apenas por
terminar de preencher o seu questionário e sair do local o mais rápido possível. Em
uma o olhar de nostalgia; noutra a impaciência.

E, por fim, acontece a abertura para o encontro: as duas mulheres se


olham. Frente a frente, Silvia embala as mãos de Jerusa para cantar o parabéns. A
cumplicidade entre as duas mulheres negras dá-se em uma troca de olhares que
não é mais apenas destinada `a câmera, mas uma `a outra. Temos então em “O
Dia de Jerusa” mulheres negras que se olham e olham de volta para o mundo. E
nesses gestos inventam laços e alianças, onde antes havia solidão e desencontro.

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IMAGENS AFRO-BRASILEIRAS
EM MOVIMENTO:
CONSTRUINDO UMA FÁBRICA DE SONHOS
IMAGENS AFRO-BRASILEIRAS EM MOVIMENTO:

CONSTRUINDO UMA FÁBRICA DE SONHOS

Lilian Solá Santiago 1

O cinema talvez seja a forma de arte que mais dá margem a se falar sobre este-
reótipo, representação e racismo. Nascido ao apagar das luzes do século XIX,
essa forma de entretenimento marca definitivamente o século XX e fez dos Esta-
dos Unidos o país mais rico do mundo. Hoje, naquele país, o negócio de cinema
é superado grandemente pela indústria bélica, mas a capacidade do cinema de
propagar o modo de vida estadunidense por todo o mundo, e fazê-lo parecer o
padrão de normalidade, é a base da cultura hegemônica que, pouco a pouco, vai
uniformizando modos de ser e de viver por todo o planeta.

Gostava de cinema desde criança, mas sempre achei que as histórias


que ouvia de meus pais eram muito mais interessantes que as contadas nos filmes

1. Lilian Solá Santiago é documentarista, produtora cultural, pesquisadora e professora de audiovisual. É formada em História e
é Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo, onde participa do Grupo de Pesquisa LabArteMidia
(Laboratório de Arte, Mídia e Tecnologias Digitais), da Escola de Comunicações e Artes. É criadora da Casa da Memória Negra
de Salto - SP (2016).

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de sessão da tarde. Minha primeira infância foi muito rica em narrativas orais uma deliciosa aventura: ver que aquela composição, antiga na tela, podia ser feita,
familiares. Via as histórias de minha família como sagas épicas, originadas em mesclando roupas da produção com as minhas próprias roupas, foi uma grande
outros continentes, que atravessavam séculos de geografias diversas e desem- descoberta sobre o fazer cinematográfico.
bocavam em mim. De meu pai, um homem do início do século XX, com raízes
No dia da filmagem, o que mais me impressionou, além de ficar o dia
africanas fincadas nas montanhas de Minas Gerais, recebi muitas fábulas conta-
todo subindo e descendo uma escada para filmar apenas uma cena, foi almoçar
das por sua avó, uma ex-escrava que mal sabia falar português. De minha mãe,
numa grande mesa com a atriz principal, Ana Maria do Nascimento e Silva, vestida
que trazia a força dos índios, “negros da terra pegos a laço”, ouvia narrativas de
com seu figurino de época, junto com todos os técnicos da “pesada” - eletricistas
canoas singrando rios caudalosos de Goiás, atravessados por sua mãe até en-
e maquinistas. Fiquei fascinada com a atriz naquelas lindas roupas e que, no meio
contrar meu avô, um saudoso catalão cheio de histórias e canções de Barcelona,
da conversa, soltava sonoros palavrões, que fazia todos rirem juntos. Eu, que não
que pioneiramente se fixaram na cidade de Goiânia. Assim, muitos antes de mim
podia falar nem um palavrãozinho em casa sem levar um tapa na boca, achei
cruzaram rios e oceanos, até que meu pai e minha mãe se conheceram em São
aquilo o máximo e pensei: “quero trabalhar com isso, que a mulher pode ser linda
Paulo, num momento em que a cidade começava a explodir e atrair imigrantes de
e falar palavrão à vontade!”. O fazer cinematográfico no Brasil, nos idos anos de
toda a parte. A família (quase) toda se forma no início dos anos 1950 – pai, mãe
1980, tinha um certo ar de utopia anarquista. Havia uma hierarquia, evidentemente,
e cinco filhos. Só faltava eu, que vim para essa família de filhos adultos somente
mas era invisível aos meus olhos infantis, e eu me encantei com aquilo. Mas logo
nos anos 70.
percebi que não seria como atriz que eu poderia fazer parte desse sonho, uma vez
Das histórias narradas, me apaixonei pelas histórias escritas. Livro, que os lugares reservados às mulheres com minha tonalidade de pele nos filmes e
quanto mais grosso melhor! Mas não tinha acesso a tantos livros quanto gostaria novelas não era exatamente o das lindas protagonistas...
e o passatempo maior mesmo era a televisão – via desenhos pela manhã, “Sítio
No segundo grau, sai da Escola Adventista onde estudei desde a primei-
do Pica-pau Amarelo”, todas as novelas. A TV era minha atividade principal de
ra série e fui para a Escola Pública. Não pude acreditar no que vi - foi um choque
contra-turno escolar. Aos domingos, pastel de feira, frutas da estação, e “Qual
de realidade! Eu, que achava a escola particular onde sempre estudei muito ruim,
é a Música?”, do Silvio Santos. Lembro também de grandes séries dramáticas,
defasada e retrógrada, pasmei diante do ensino público estadual paulista caótico,
assistidas enquanto fingia estar dormindo no colo de minha mãe, como a incrível
onde os professores em sua maioria fingem que dão aulas e os alunos fingem
“Negras Raízes”.
que estudam. Senti que, na verdade, todos não fazem senão esperar a hora de
Um de meus irmãos trabalhava com produção de cinema. A primeira se libertarem daquele tormento obrigatório, repleto de aulas vagas, sirenes, por-
vez que participei de um set de filmagem como figurante foi determinante para tões que se fecham para o mundo, paredes mal cuidadas. Não podia acreditar em
minhas escolhas futuras. Era o filme “Ao Sul do Meu Corpo”, de Paulo Cesar tamanho desperdício de coletividade humana! Aí me tornei ativista: entrei para o
Saraceni, lançado em 1982. Como meu irmão era assistente de produção, uma movimento estudantil, buscando formas de lutar, segundo minhas possibilidades,
semana antes de minha participação, já tive acesso à foto que fazia referência ao contra aquela situação que considerava (e ainda considero) totalmente injusta. Vi-
“personagem” que eu faria. Fiquei muito impressionada com a imagem de época, rei militante, ia às escolas palestrar sobre a fundação de grêmios, conheci muitas
que apenas mostrava uma menina negra, com uma roupa de colegial, passando pessoas, e um novo mundo se abriu para mim.
em frente a um lambe-lambe no final dos anos de 1930. Imaginava que, por estar
No início dos anos 90, vi-me obrigada a entrar para o tal do “mercado
representando alguém que poderia estar morta, poderia me conectar com ela
de trabalho”. Comecei a fazer assistência de produção em comerciais, mas aspi-
de alguma forma e, por um pequeno espaço de tempo, podia sentir como ela se
rava trabalhar em filmes, em participar da historia do audiovisual brasileiro, contar
sentiu naquele momento. Constituir o figurino daquela personagem também foi

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nossas histórias nas telas, reviver aquela experiência tão marcante que tive com
“Ao Sul do Meu Corpo”. Mas eram tempos sombrios para o cinema brasileiro: a
Embrafilme tinha sido extinta em 1990 e o governo Fernando Collor de Mello tinha
acabado com todas as possibilidades de financiamento ao cinema brasileiro. Em
1992, apenas três filmes brasileiros foram lançados.

Mas eu queria fazer cinema. Na minha ingenuidade de então, pensei em


estudar administração pública no intuito de ajudar a fomentar incentivos à produ-
ção audiovisual brasileira. Mas no meio do processo percebi o quanto gostava de
História e, assim, ingressei nesse curso na Universidade de São Paulo em 1993. Á
essa época, o centro de São Paulo me fascinava muito: passava muito tempo em
cineclubes onde via de tudo, mas principalmente cinema brasileiro. Também con-
vivi com os últimos suspiros da Boca do Lixo paulistana ligada ao cinema, como o
bar Soberano e sua incrível fauna urbana.

Em 1993, o panorama cinematográfico brasileiro começou a se trans-


formar com a promulgação da Lei do Audiovisual e, no ano seguinte, lá estava eu
na equipe do primeiro filme de longa-metragem que trabalhei como técnica - “Os
Matadores”, de Beto Brant. Que alegria: estava fazendo cinema brasileiro! E como
me esforçava... Trabalhava muito, e sentia que o filme era tanto meu quanto do
produtor ou do diretor. Era meu sonho se realizando: de estagiária, passei a as-
sistente de produção na primeira semana de filmagem e, com orgulho, acordava
antes de toda a equipe, providenciava as refeições, organizava planilhas, ajudava
Graffiti | Dir. Lilian Solá Santiago
no set, fazia figuração... Um trabalho intenso, mas feito com muito amor!

Com o tempo, aprendi a fazer projetos e a operar com as leis de incen-


tivo à cultura. A morte de meu pai me surpreendeu no meio do curso superior de Tinha alguns poucos pares negros no audiovisual: meu irmão Daniel, o
História, curso este que inviabilizava a história de meus antepassados negros e colega e contemporâneo Jeferson De, e alguns poucos diretores que em seguida
indígenas, aí entrei em crise: onde estavam as histórias dos povos que me consti- formaram o Cinema Feijoada. Juntos fizemos o ‘I Encontro de Cineastas Negros
tuem? Onde estavam os filmes que contavam essas histórias? As historias épicas em São Paulo’, mas nunca fui oficialmente do Cinema Feijoada, que era um grupo
de minha infância começaram a gritar por representação, através daquelas colu- de diretores, e eu à época era produtora. Em 1996, uni forças com meu irmão Da-
nas que sustentavam o pé direito modernista de uma universidade eurocêntrica e niel para fazer “Família Alcântara”, lançado apenas em 2006. Comecei o projeto
machista, que não me representava, e que reproduzia como papagaio uma história como produtora executiva, meu irmão era o diretor. Mas, depois das filmagens e
igualmente eurocêntrica e machista. Tinha que fazer alguma coisa! Esses questio- de um primeiro corte de edição, resolvi encarar também o trabalho da codireção e
namentos me levaram a entrar em contato com a dança afro, depois a dar os pri- roteiro. Esse filme foi minha escola como realizadora – produtora, diretora e rotei-
meiros passos na religiosidade afro-brasileira e, enfim, a buscar um cinema negro. rista: dez anos dedicados à sua produção, entremeados por trabalhos de produ-

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ção executiva com outros diretores e produtores. Fazê-lo era um grande desafio: que foram historicamente deixados à margem, inclusive com fomento do Governo
queríamos nos comunicar com a população afro-descendente prioritariamente Federal. Depois de “Balé de Pé no Chão”, montei uma sede fixa para a minha
(53% da população brasileira), mas que pouca representação tinha como público empresa produtora e comecei a fazer projetos de documentários principalmente
consumidor de cinema (notadamente pessoas das classes A e B, majoritariamente sobre personagens e histórias negras, além de mostras de cinema sobre o tema.
brancos), então para alcançar nosso público alvo, tínhamos que fazer um filme
Mas uma nova porta ainda estava por se abrir. Sempre fui muito ligada
para TV. Fomos à TV Cultura e obtivemos a confirmação de que eles passariam
ao magistério – meu pai era motorista e professor de alfabetização para adultos,
nosso filme, mas que não o apoiariam financeiramente. Mas como fazê-lo sem
minha irmã também é professora, e eu a auxiliava desde muito cedo. Comecei, a
nenhum subsídio? Com a garantia de exibição, entramos numa empreitada maluca
princípio, a dar aulas uma vez por semana, como professora substituta, na Univer-
de fazer um filme para TV, mas com a Lei do Audiovisual (que é específica para pro-
sidade Federal de São Carlos. Mas fiquei tão entusiasmada com a experiência que
duções de cinema). Ao final de dez anos, lançamos o filme de 56 minutos (tempo
fui fazer Mestrado, justamente sobre as experiências de vídeo-transformação com
de documentário para TV) no cinema, e ele ficou cinco semanas em cartaz, muito
Sylvia Mejia.
mais do que a maioria dos filmes brasileiros da retomada até hoje conseguem ficar.
Até chegar à TV foram mais dois anos. Minha inquietação e vontade de estudar me levaram a lugares nunca
imaginados, quando comecei minha trajetória. Hoje sou documentarista, me dedi-
Mesmo dirigindo “Família Alcântara”, ainda me via apenas como produ-
co ao ensino superior e à pesquisa audiovisual e realizo um festival de cinema em
tora executiva, mas uma nova reviravolta estava por vir. Antes de lançar o filme, co-
Salto, no interior de São Paulo.
mecei a colaborar num projeto audiovisual para uma organização sem fins lucrati-
vos, a Lua Nova, que trabalha com mães adolescentes em situação de risco social. O Brasil tem uma enorme dívida com o imaginário da maior parte da
Neste projeto, conheci a documentarista colombiana Sylvia Mejia e sua técnica de população brasileira. A televisão, que serviu de unificador dessa nação desigual,
vídeo-transformação - uma técnica social que usa o vídeo não para produção de proporcionou um espelho que não reflete nosso rosto, nossas batalhas, nossos
produtos audiovisuais, mas para empoderamento de pessoas e grupos. Durante o conflitos. Entendo hoje que, para devidamente honrar a história negra e indígena
processo, vi a vida daquelas meninas se transformar, assim como a minha. Ao final, no Brasil, mais que sermos representados nos filmes e na TV, essa história precisa
encabecei a realização de dois vídeos na Lua Nova e, a partir de então, tornei-me estar nas Escolas e nos Museus. Admiro a existência de museus específicos, como
definitivamente realizadora: produtora, diretora e roteirista. À essa época eu já tinha o maravilhoso Afrobrasil, assim como reitero a importância da implantação da Lei
terminado “Família Alcântara”, mas ainda não o tínhamos lançado. 10.639, sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas, mas advo-
go firmemente pela presença negra e indígena em todos os museus brasileiros e
No mesmo ano de lançamento de “Família Alcântara”, realizei o projeto
transversalmente em todos os conteúdos escolares, uma vez que indígenas são os
“Balé de Pé no chão” – um curta-metragem subsidiado por um edital afirmativo
donos da terra e afro-brasileira é a maior parcela da população atual.
que se transformou num documentário para TV em coprodução com a TV Sesc, e
que codirigi com a pesquisadora de dança Marianna Monteiro. É incrível constatar Meu mais recente projeto, justamente, é uma instalação multimídia num
a diferença entre os projetos: fiz dois filmes consecutivos com o mesmo tempo museu – a “Casa da Memória Negra de Salto”, que faz parte da exposição perma-
de duração - 56 minutos para TV. Mas enquanto o primeiro demorou dez anos nente do Museu da Cidade. Trabalhando com documentário expandido, a instala-
para ser lançado, o segundo foi visto menos de um ano depois da primeira ideia. ção é feita a partir de uma ampla pesquisa histórica que reúne bibliografia, docu-
Mas não fui só eu que mudei, as condições externas também se alteraram muito: mentos, depoimentos e objetos, apresentando essa pesquisa ao público, através
estávamos num “novo” Brasil, com muito mais possibilidades para inclusão dos

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da instalação de uma casa caipira negra, aos moldes das que eram construídas
nessa cidade no início do século XX, segundo os relatos colhidos, equipada com
vários dispositivos tecnológicos audiovisuais que trazem até nós a memória da
população negra que formou essa cidade.

Sigo com esperança, acima de tudo. Esperança que dias melhores virão,
de que esse país enfim honrará sua história e seu povo, indígena e negro, à altura
do que seus sangues derramados merecem. Esperança de que a representação
afro-brasileira no cinema vá muito além dos estereótipos racistas reinantes, e que
nossa beleza única, brasileira, permaneça por muitos e muitos séculos. É esse
sentimento que me mobiliza a seguir pesquisando, criando e produzindo obras que
retratem os saberes e fazeres de nossa ancestralidade.

Balé de Pé no Chão | Dir. Lilian Solá Santiago e Marianna Monteiro

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SAIR DO ARMÁRIO
E OUSAR DIZER SEU NOME:

PRAZER, CINEMA LGBT!


SAIR DO ARMÁRIO E OUSAR DIZER SEU NOME:
PRAZER, CINEMA LGBT!

Labelle Rainbow 1

O cinema é um universo majoritariamente de homens brancos, pseudo-heterosse-


xuais e elitistas. Nesse mesmo espaço, quase tudo é negado às mulheres, princi-
palmente se forem negras e/ou lésbicas. Fazer cinema no Brasil é uma luta cheia de
obstáculos para as realizadoras negras. Em um contexto geral poucas produções
buscam denunciar as desigualdades que ainda existem na produção cinematográ-
fica brasileira.

Ainda assim, acredito que o cinema pode abordar e fortalecer muitas te-
máticas. Historicamente, é muito comum que o Estado brasileiro não cumpra o seu
papel, ficando para a sociedade e a classe artística atuarem no papel de informar a
população, de passar mensagens, de romper com a lógica das grandes produções
hegemônicas e transmitir algo que possa desconstruir padrões, ideias opressoras e
propor transformações.

1. Labelle Rainbow é Trans, Negra, estudante de Comunicação Social/Publicidade e Propaganda, designer, militante de esquerda
e dos movimentos sociais. Nos últimos anos tem atuado com ênfase na luta pelos direitos humanos da população LGBT, na
construção e controle social de políticas públicas no combate à LGBTfobia, racismo e machismo, em diversos processos de
participação política, em seminários, conferências, debates e atos públicos. Participa da realização do “For Rainbow”, desde o
ano de 2008 de forma ininterrupta. Em 2016 foi estrela do documentário “Labelle”, um filme de Isabel Nobre, produzido pelos
alunos do curso audiovisual da ONG Fábrica de imagens.

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Vejamos o caso do filme “Amor Maldito” da cineasta negra Adélia Sam- deve se fortalecer no entendimento de que um cinema sem racismo, só será pos-
paio. Foi o primeiro longa-metragem a ser dirigido por uma mulher negra no Brasil sível se também for sem machismo, sem classismo e sem LGBTfobia.
e realizado em sistema de cooperação coletiva entre os técnicos e os atores. Para
Atualmente,  o  cinema com temática LGBT no Brasil permite traçar um
ser lançado, em 1984, o filme teve que se passar por filme pornô; um verdadeiro
painel cinematográfico brasileiro que ainda passa pela discriminação e preconceito
absurdo com um filme que apresenta uma importante abordagem da afetividade
latentes no país, mas também aponta novos horizontes.
lesbiana. Contudo essa foi a estratégia possível na época.

O cinema LGBT brasileiro possui uma trajetória de muita força, desde os


Segundo o boletim “Perfil do Cinema Brasileiro (1995 – 2016)”, do Gru-
anos 1990. Nas últimas décadas, a produção cinematográfica com esse recorte
po de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA), da Universidade
se reinventou e se pluralizou em uma gama de aspectos que visibilizam e afirmam
Estadual do Rio de Janeiro, dos 219 filmes nacionais de maior bilheteria nas duas
identidades de uma população historicamente estigmatizada.
últimas décadas, nenhuma mulher negra atuou como diretora ou roteirista. Esse
levantamento também mostra que as mulheres negras estão nas produções mais É fato que alguns cineastas brasileiros, recorrentemente, têm se dedica-
baratas, como documentários e curtas, mas não estão nas grandes produções de do a produzir filmes protagonizados por personagens LGBT, que, com suas his-
cinema. Essa sub-representação tem raízes históricas e mostra o lugar no qual as tórias, sejam ficção ou documental, apresentam um caleidoscópio de representa-
mulheres têm, a todo momento, sua autoridade questionada e/ou o seu conheci- ções desse universo. Essa atuação também fortalece e evidencia a necessidade
mento colocado à prova. de travar o debate da cultura LGBT através da sétima arte.

Nesse mesmo universo de baixa produção representativa, seja por meio O cinema que sai do armário e que ousa dizer seu nome traz uma impor-
de política de editais, seja em financiamentos coletivos, seja em trabalhos acadê- tante contribuição na luta por uma sociedade mais justa e plural, pois ainda não é
micos nas universidades, os filmes com grande expressão e qualidade técnica que fácil adentrar nessa esfera. A tímida iniciativa do poder público em garantir incen-
são apresentados nos maiores festivais do país, são os filmes feitos por mulheres tivos ainda dificulta muito. Existe também a preocupação de engajamento político
negras. É nesse contexto que novos horizontes se apresentam como possíveis. de realizadores e de produtores cinematográficos em criar uma representação me-
nos caricata,  a fim de não reforçar e/ou reproduzir estereótipos. Um contraponto
É necessário formar novas redes para distribuição de filmes, promover
interessante é que dentro desse mesmo universo do cinema LGBT, é ampla a pro-
espaços de debates entre realizadorxs, produtorxs, junto de todxs os componen-
dução cinematográfica que se refere às identidades de travestis, de transexuais e
tes da cadeia produtiva do mercado de cinema. Sobretudo, debater nossa identi-
da arte transformista.
dade e representação, nas diversas produções audiovisuais brasileiras. Para além
das sessões de exibição, uma nova estética, novas narrativas precisam chegar a “Um homem branco cisgênero como personagem central? Parece uma
novos espaços e territórios nesse Brasil continental. Essas distâncias regionais, forma de apagar os gays e trans negros e latinos para deixar a história mais atra-
culturais, econômicas, ideológicas, corporais precisam ser quebradas. Nossa arte ente para a telona” - declaração da estudante Pat Cordova-Goff, uma jovem trans-
e nossas vidas são a grande riqueza. hispânica, que iniciou um boicote na Internet depois da estreia do trailer do filme
“Stonewall”, do diretor alemão Roland Emmerich, que aborda as revoltas no bar
Audre Lorde, uma escritora americana de descendência caribenha, fe-
Stonewall, em Nova York, onde nasceu o movimento LGBT. As revoltas em 28 de
minista lésbica e ativista na luta pelos direitos humanos, afirmou, em um de seus
junho de 1969 são o grande levante do movimento gay; cabendo ressaltar que
textos, que não há hierarquia de opressão. A luta social contra qualquer forma de
os gays e as transexuais negros e latinos tiveram um papel muito forte naqueles
opressão deve ser de todas e todos e, assim sendo, ninguém deve ser apagadx
acontecimentos e são comumente apagados da história com o ‘branqueamento’ e
nessa luta. Os movimentos sociais, LGBT, feminista e negro, sempre caminharam
‘higienização’ da luta LGBT.
bem próximos na luta por justiça social no nosso país. Apesar de alguns recortes
serem necessários para se reconhecer privilégios, essa proximidade ideológica

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Mesmo com tais desafios, a produção audiovisual LGBT cresceu muito,
a ponto de movimentar o universo cinematográfico. É onde nascem os festivais
de cinema LGBT também nos anos 1990. Com a intenção  de divertimento e,
sobretudo, na autorrepresentação  das lutas contra a LGBTfobia e na crítica ao
modelo de sociedade heteronormativa.

É nesse contexto que também nasce o “FOR RAINBOW – Festival de


Cinema e Cultura da Diversidade Sexual”, em 2007, na cidade de Fortaleza (CE),
com a proposta de introduzir no calendário cultural do Estado do Ceará um even-
to com a missão permanente de difundir e valorizar o aporte cultural e a pro-
moção da cidadania das populações LGBT, incentivar a produção audiovisual,
promover o respeito à diversidade sexual e a cultura de paz.

Em dez anos, o “For Rainbow” celebra um intenso trabalho de resis-


tência cultural, tendo como protagonistas principais artistas de várias partes do
mundo, principalmente do Ceará, que emprestam sua arte para contribuir com a
construção de uma cultura que garanta dignidade e direitos iguais a mulheres e
homens, sem discriminação de orientação sexual, crença, étnico-racial ou identi-
dade de gênero.

Nessa trajetória, o festival exibiu mais de 700 filmes, alcançou mais de


300 espaços culturais de todo o Brasil, capacitou mais de 800 pessoas em ofi-
cinas técnicas e de sensibilização para o respeito à diversidade sexual, produziu
20 filmes e atingiu um público médio de 50 mil pessoas com atrações envolvendo
várias linguagens artísticas (cinema, música, teatro, dança, artes visuais, literatura
e performances diversas), além de proporcionar centenas de oportunidades de
trabalho. O Cinema foi escolhido como a principal linguagem artística devido à
capacidade de aproximar pessoas de diferentes identidades sociais.

O Festival cresceu bastante e não se limitou somente às mostras audio-


Making of do filme Maria | Dir. Elen Linth e Riane Nascimento
visuais, pois as mostras de cinema não são o palco principal do “For Rainbow”.
O festival sempre foi construído como um grande espaço de convivência pra
ser um instrumento de transformação social, através da arte em suas múltiplas
linguagens. Apesar do recorte temático, o “For Rainbow” já se consolidou como
um festival de grande porte, que se distancia do espaço secundário do meio au-
diovisual. O “For Rainbow” também atua na formação de cineastas por meio de
oficinas, palestras e atividades de realização audiovisual, para diversas áreas de
produção cinematográfica.

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Os critérios de seleção das mostras audiovisuais são a qualidade dos anos de luta, atuei com importantes contribuições em algumas instituições da so-
filmes, levando em consideração direção, fotografia, roteiro e narrativas que ex- ciedade civil de Fortaleza em áreas como cinema, direitos humanos, juventude,
pressem de fato a diversidade da população LGBT e a grande leva de produções comunicação alternativa, movimento negro e LGBT. Todo esse acúmulo hoje é
culturais com essa temática. A qualidade dos filmes LGBT melhorou significativa- fundamental para fazer conexões necessárias nas lutas pelos direitos humanos da
mente, seguindo uma tendência do atual cinema nacional.  E esses filmes contri- população LGBT, na construção e controle social de políticas públicas no combate
buem muito com as lutas dos movimentos LGBT, que, no geral, são documentários à LGBTfobia, ao racismo e ao machismo, em diversos processos de participação
e possuem um tom mais informativo. Apesar de não ser uma prioridade na mostra política, em seminários, conferências, debates e atos públicos.
competitiva do festival, um dos critérios de seleção para as mostras é o caráter
Tenho participado da realização do “For Rainbow”, desde o ano de 2008
libertador desses filmes, que fogem às abordagens estereotipadas de muitas pro-
de forma ininterrupta, e em toda essa trajetória, sempre considerei importante pro-
duções convencionais. São filmes que, algumas vezes, mostram realidades extre-
mover e garantir as diversas representações populacionais em seus mais diversos
mamente difíceis, mas que mantêm a identidade afirmativa e de resistência cultural
contextos através não só do cinema, mas em outras linguagens artísticas sempre
do nosso festival.
alinhada com o debate do empoderamento, da valorização cultural.
Dentro desse cenário, uma realidade que sempre esteve presente na
O cinema com foco na diversidade sexual se coloca como uma ferramen-
curadoria dos filmes é a preocupação em garantir filmes que representem, de for-
ta pedagógica e cultural,  que possibilita uma infinidade de intervenções, produzin-
ma significativa, os segmentos da população LGBT e as suas diversidades subjeti-
do valores estéticos e socioculturais com amplas condições de consumo. Tendo
vas. Tem sido uma tarefa árdua conseguir rechear uma programação de sete dias.
em vista esse caráter pedagógico, o debate do respeito às diferentes formas de vi-
Procuramos muito por filmes com temática lesbiana, feitos por mulheres. Procura-
ver a sexualidade se coloca como fundamental, agregando valores e fundamentos,
mos bastante por filmes que tragam a diversidade brasileira, filmes com narrativas
inclusive na luta por direitos humanos, contra a violência e contra a intolerância de
negras e indígenas, filmes feitos e com participação ativa de negras e negros.
gênero. De certa forma, esse cinema, que também é rotulado, apresenta-se como
Ainda temos dificuldade em conseguir nos aproximar desse tipo de produção, ora
produtor de signos de poder.
por motivos temáticos, ora por uma baixa produção nesse campo.

O grande desafio que se apresenta ao audiovisual brasileiro é se trans-


Essa é mais uma realidade muito comum dentro do mercado audiovisual
formar, de fato, em um espaço de representação da diversidade das populações
brasileiro (”Nós somos muitos e estamos em todos os lugares”) – ideia difundida no
historicamente excluídas e marginalizadas com muito mais cores, mais diversidade
surgimento do ativismo gay, porém toda essa diversidade não se vê representada
e mais empoderamento revolucionário.
nem nas telinhas e muito menos nas telonas. Como enfrentamento e resistência,
buscamos fechar parceria com outros festivais e mostras audiovisuais. Em uma Ainda é necessário causar um grande rebuliço na cena cultural do país.
década de festival tivemos como parceiros: FEMINA - Festival Internacional de O cinema se coloca como uma das importantes ferramentas para isso e já abre
Cinema Feminino”, “Curta Santos”, “RECIFEST - Festival de Cinema da Diversi- caminhos que apontam um cinema esteticamente eclético, com linguagens mais
dade Sexual e de Gênero”, “LESGAI Cine Madri”, “Mindelo Pride de Cabo Verde”, diversas, mas que se unifica e se reconhece pela diversidade sexual, pela luta por
“Mujeres Al Borde de Bogotá”. Toda essa parceria contribui para que o festival direitos, por reconhecimento e pelo amor.
mostre uma vasta diversidade de produções nacionais e internacionais e o coloca
alinhado a um contexto internacional.

Minha experiência como militante dos movimentos sociais desde os 14


anos me mostra hoje que viver é um ato político e revolucionário. Durante esses

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entrevista com adélia sampaio

Adélia Sampaio começou no cinema em 1967, através da Difilm, distribuidora fun-


dada por Rex Endsley, Riva Faria, Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Cacá
Diegues, Paulo César Saraceni, Joaquim Pedro de Andrade, Roberto Santos, Leon
Hirzman, Luiz Carlos Barreto, Roberto Farias. Ela aprendeu cinema na prática,
como diretora de produção de diversos longas-metragens.

Filha de empregada doméstica, Adélia Sampaio dirigiu quatro curtas-metragens. O


primeiro foi “Denúncia Vazia”, baseado no fato verídico de um casal de idosos que,
sem condições de pagar o aluguel, cometem suicídio. O segundo curta foi “Agora
Um Deus Dança em Mim!” e conta a história de uma jovem que estuda balé clássico
por dez anos e descobre que não existe mercado de dança no Brasil. “Adulto não
Brinca” mostra a intolerância do adulto para com a criança. Por fim, “Na poeira
das Ruas”, sobre pessoas que moram na rua, no centro da cidade, embaixo dos
viadutos. Armazenados na Cinemateca do MAM, os negativos dos quatro curtas-
-metragens desapareceram.

Em 1984, Adélia Sampaio se tornou a primeira diretora afrodescendente a dirigir


um longa-metragem no Brasil: “Amor Maldito”, que também carrega o peso de ser
o primeiro filme com temática inteiramente lésbica no cinema nacional. A ousadia,
considerada absurda pela Embrafilme, que lhe negou financiamento, forçou Adélia
Sampaio e sua equipe a trabalharam em regime de cooperativa. Emiliano Queiroz,
Nildo Parente e Neusa Amaral abriram mão do pró-labore. Nenhuma sala, contudo,
aceitou exibí-lo, até que o Cine Paulista (hoje Olido) propôs que “Amor Maldi-
to” fosse divulgado como filme pornô. Adélia Sampaio foi a pioneira e, embora o
cinema continue marcadamente patriarcal e branco, diretoras afrodescendentes
ocupam cada vez mais espaço atrás das câmeras.

Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: Gostaríamos de saber


mais sobre o seu início no cinema. Como se deu a sua entrada no campo do ci-
nema? E como foi esse percurso interno dos primeiros trabalhos até você dirigir Adélia Sampaio: Sim. Inspira-me e revolta-me. Daí eu penso que se escolhi a
os primeiros filmes? A gente sabe que ao longo da sua trajetória você ocupou ferramenta de cinema para falar, é então através dela que vou me manifestar.
várias funções antes da direção, então gostaríamos de saber quando e por que Meu último trabalho foi uma parceria com a TV Câmara, o Paulo Markum e a TV
você decidiu dirigir e escrever os próprios filmes? E no seu percurso também Cultura. Reconstituí com atores o dia em que foi proclamado o AI-5, o dia que
você trabalhou com diversos profissionais do cinema: entre esses, quais foram não existiu. Temos mostrado esse documentário por aí e 50% dos jovens não
os mais importantes para você: os que te ensinaram e/ou trocaram mais com tem noção do que significou este ato. Esperei que a tempestade passasse e em
você? 2002 mostramos uma página triste de nossa história.

Adélia Sampaio: Meu início no cinema foi em 1967. Na ocasião, fui contratada Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: Sobre os curtas ainda.
como telefonista, para atender o pessoal do Cinema Novo... Mas o meu inte- Os negativos dos filmes estavam no MAM, mas sumiram. Existe algum trabalho
resse com cinema, ele começou quando eu tinha 13 anos, e tinha acabado de da Cinemateca pra localizá-los, ou de algum pesquisador? Você sabe se existe
chegar à cidade vinda de um asilo de crianças carentes no interior de Minas alguma cópia dos filmes em algum outro suporte?
Gerais. Na época, eu fui levada por minha irmã, Eliana Cobbett, para entrar pela
primeira vez em um cinema e assistir a estreia do filme “ Ivan, o Terrível” (Sergei Adélia Sampaio: Meu filho tinha guardado com ele uma cópia de “Denúncia Va-
Eisenstein, 1944). Fiquei muito assustada com um cinema cheio e ao pipocar o zia” (1979) e uma cópia de “Adulto não Brinca” (1980), em bitola 16mm. Porém,
filme na tela, eu me encantei como um passe de mágica. Ao terminar o filme, as cópias precisam ser restauradas e isso é caro. A preta aqui não conseguiu
confidenciei à minha irmã: sensibilizar o pessoal da Cinemateca do MAM - para eles são mais uns filminhos
de uma preta filha de empregada doméstica pretenciosa. que resolveu ser cine-
- É isso que quero fazer: Colocar a gente na tela do cinema! asta... Os outros negativos ficam na conta do perdido. E jamais consegui ser
recebida pelo Sr. Hernani Heffner (conservador chefe da Cinemateca do MAM)...
Eu me recordo que ela sorriu e disse: Eu fui muito amiga do Cosme Alves Netto (antigo diretor da instituição) e creio
que se ele fosse vivo, viraria mundos para localizar os meus trabalhos.
- Não viaja Adélia! Para com isso...

Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: E sobre o seu longa,
Eu de fato trabalhei com muitos profissionais, como o Marcos Farias, William
“Amor Maldito”. Queríamos saber também sobre o seu processo de criação e exe-
Cobbett, Alcino Diniz, Pedro Rovai, Joaquim Pedro, Leon Geraldo, Santos Pe-
cução. Você considera que foi algo muito diferente da realização dos curtas? Uma
reira e Lulu de Barros.
questão que nos chama muita atenção é toda a mise en scène do tribunal. As ce-
nas são muito bem coreografadas, ritmadas: entre a atuação e a câmera. Como foi
Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: Bom, você realizou
essa construção entre você, os atores e a direção de fotografia do filme?
diversos curta-metragens na sua carreira, você pode falar um pouco sobre o
processo de criação e execução deles. Por exemplo, percebemos em alguns dos
seus curtas e no seu longa uma influência direta de casos verídicos (notícias de
jornal, etc). Isso é algo que te move ou te inspira?

64 65
Adélia Sampaio: O processo do longa foi mais sofrido. Porém, contei sempre com Hoje em dia, pela tecnologia digital, claro que seria mais fácil de realizar. Mas é um
o ajuntamento de pessoas, atores e técnicos, que acreditavam em minhas ideias. tema bravo a homofobia, continua sendo. Parece que já é adicionado ao leite na
Contei com o José Louzeiro, que abraçou a ideia e se propôs a escrever o roteiro. mamadeira. O que é muito triste!
Ele era um nome de peso se agregando ao meu ajuntamento. Consegui os autos
do processo e todas as falas do tribunal são fiéis às originais. Em seguida, decidi Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: Você passou um período

o elenco e nos reuníamos na casa do Louzeiro para falar sobre o filme. sem trabalhar diretamente com cinema, mas atuando na televisão. Como foi esse
processo? Como foi esse período de trabalho na televisão?
Quanto às cenas do tribunal, o ator Vinicius Salvatore, que interpreta o promotor
no filme, foi resistente ao meu comando. Ele argumentava ser teatral e foram horas Adélia Sampaio: Sim. Fui trabalhar na produtora TVC (do Carlos Tourinho e da

de conversa para mostrar a ele o teatro da vida, que por vezes é pior que o teatro Maria Alice).Lá criamos duas revistas eletrônicas sobre o Rio de Janeiro (“Rio que

do palco. Quando fomos todos assistir aos primeiros copiões ele me confessou: - te quero Rio” e “Cara do Rio” ) e criamos um programa para TV Educativa, o “

“Nossa!... Você estava certa!”. Talento Brasileiro”. Esse processo foi libertário. Tourinho era diretor de fotografia
do programa Amaral Neto, e ficamos amigos até hoje. Na verdade, éramos inde-
Fomos para o tribunal em Niterói: eu (primeira direção de longa), Paulão [Paulo pendentes de emissoras, veiculando o nosso produto à TV.
César Mauro] (primeira direção de fotografia) e Professor [Eduardo] Leone, meu
mestre e montador de todos os meus filmes - e antes de tudo meu amigo irmão! Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: E como você percebe

Ficamos varando a noite inteira para uma decupagem precisa, até porque tínha- esse reconhecimento (e mesmo descoberta) do seu cinema pelas gerações mais

mos o negativo contado para utilizar. No dia seguinte, foi a vez do meu amado Tony jovens? Como está sendo o seu contato com essa nova geração de cineastas? É

Ferreira (que interpretou o advogado de defesa) e do Salvatore (que fez o promo- verdade que muitos jovens estudantes, diretoras e diretores se aproximaram de

tor). Passei com eles o filme sem câmera, indicando o que seria travelling, o que você e pedem ajuda e dicas nos seus projetos? Como está sendo esse processo?

seria plano próximo, close, etc. Na direção da fotografia tínhamos nos ajudando o Quais trocas têm acontecido?

meu mais que irmão José Medeiros, que nos presenteou com uma terceira câmera.
Adélia Sampaio: E olha, para mim é surpreendente exibir meu filme “Amor Mal-

Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: Ainda sobre o “Amor dito” (1984) para uma platéia de jovens, que no final aplaudem e estão ávidos de

Maldito” . O processo de financiamento e de divulgação foram bem difíceis, certo? perguntas. É lindo. Fazer uma palestra para afrodescendentes e, de repente, uma

Você acredita que a temática da homossexualidade feminina foi o maior motivo menininha se levanta no meio da platéia e diz: “Desde que nasci que procuro um

disso? E você acredita que seria mais fácil ou mais difícil realizar esse filme hoje? espelho e agora achei. É você o meu espelho!”. Vou as lágrimas, fico feliz. É verda-
de, eu dou pistas aos jovens e eles me ensinam a modernidade do digital, e assim
Adélia Sampaio: Sim, e foi o que verbalizou o responsável pela Embrafilme que: vamos trocando. É lindo. Tenho lido roteiros contando as histórias e mostrando
jamais nos daria qualquer tostão para divulgar desvios. E, sem dúvida nenhuma, que o Cinema Novo deu certo, porque um bando de jovens se juntou a uma ideia
ele se referia à temática da homossexualidade feminina do filme. (cinema) e surge assim o Cinema Novo.

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Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: E gostaríamos de sa-
ber qual a sua avaliação sobre fazer cinema, assumindo a direção, sendo uma
mulher negra. Houve obstáculos, preconceitos explícitos ou implícitos? E como
você percebe essas relações com as diretoras negras atuais?

Adélia Sampaio: CINEMA É UMA ARTE ELITISTA. Então preto não deve, não
pode fazer parte desta elite. É uma aberração quando uma preta, como eu, en-
frenta o preconceito. O obstáculo é cruel, mas quando você crer que vai chegar,
enfrenta sem medo. Minha velha mãe dizia: “Filha pra cima do medo, coragem!”.
Tenho sido muito reverenciada por negras no cinema que me olham com um ar
de fé e alegria. Devagar vamos derrubar os obstáculos que ainda são muitos.

Kênia Freitas & Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida: Por fim, gostaríamos de
saber sobre os seus projetos de novos filmes. E se você acredita que a Ancine e
o Ministério da Cultura têm projetos verdadeiros pra diversificar o cinema ou os
diretores vão continuar a se virar pelo próprio esforço?

Adélia Sampaio: Tenho um longa-metragem e um curta em produção. O curta


está em fase de capitação e é sobre como as mulheres na era pós governo
Collor reaqueceram o cinema. E o longa-metragem chama-se “A Barca das Vi-
sitantes” e é sobre as visitas aos presos políticos de 1968 a 1970. Vou apostar
que depois de uma estrada longa que percorri a Ancine e o Ministério da Cultura
vão me ajudar a fechar a tampa do meu cinema!

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entrevista com danddara

janaína oliveira (ficine/apan)

Há um longo caminho a percorrer no processo de reconhecimento histórico da


participação das diretoras negras no cinema nacional. Mesmo na historiografia
que trata do Cinema Negro há uma lacuna a este respeito. Pois, se como disse
em outro lugar, “o cinema negro é um projeto em construção no Brasil”1, resta
todavia o desafio de equilibrar historicamente a representatividade das mulheres
negras neste caminho. A invisibilização da trajetória de Adélia Sampaio infeliz-
mente não é a única. Há diretoras que começaram a fazer filmes no início dos
anos 1990 e 2000 que também permanecem esquecidas - seja nos textos aca-
dêmicos, na crítica de cinema ou na mídia. Danddara, cineasta que também foi
precursora no Cinema Negro Nacional, está entre elas.

Do teatro e da música, para o cinema. Danddara ingressou no cinema profis-


sional fazendo assistência para Paulo Rufino, em “Canto da Terra” (1991). Mas,
apesar da experiência de quase uma década, o seu primeiro curta “Gurufim na
Mangueira” (2000) foi recusado três vezes pelo Ministério da Cultura antes de
ser aprovado. E, ainda assim, a diretora usou de diversos subterfúgios para dri-
blar o racismo institucional, como assinar o projeto com um pseudônimo francês
e relevar para segundo plano a sua autoria do roteiro. Conversei com Dandda-
ra no intuito de compreender não só seu percurso individual, mas, sobretudo,
como ela mesma percebe essa história que de algum modo a marginalizou.

1. OLIVEIRA, Janaína. “Kbela” e “Cinzas”: o cinema negro no feminino do “Dogma Feijoada” aos dias de hoje. In FLAUZINA, Ana;
PIRES, Thula (org.). Encrespando - Anais do I Seminário Internacional: Refetindo a Década Internacional dos Afrodescentendes
(ONU, 2015-2024). Brasília: Brado Negro, 2016, p.175.

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Janaína Oliveira: Como você começou a fazer filmes? nome artístico. Fiz tudo aquilo porque queria ser atriz! Assumi a direção por
acaso, depois que o diretor convidado (negro cubano) teve um tumor (benigno!)
Danddara: A primeira experiência foi na escola! Tive a felicidade de nascer em há um mês da filmagem. Só aí eu entreguei o personagem da viúva pra Thalma
uma família negra de classe média com pais (Edna e Eurico Rodrigues) ambos de Freitas e renunciei ao meu sonho pra me redescobrir diretora. Feliz da vida!
extremamente cultos, politizados e com dois cursos superiores cada um. Come-
cei a escrever bem cedo e fazia teatro com as crianças da vizinhança. Na 2ª e Janaína Oliveira: Quais foram suas influências?
3ª séries primárias (1976/77) estudei no Baby Garden um colégio de vanguarda
na Tijuca. A professora de música, Denise Mendonça (hoje à frente do Instituto Danddara: Fiz uma lista de filmes que me marcaram muito, e que sempre me

TEAR) mudou a minha vida... Ela gravou uma canção minha (“Ei Amigo”) num vêm à memória... Dos filmes que vi com minha mãe na infância, lembro de: “Der-

LP da escola e me colocou no papel de Helena de Tróia em um filminho super 8 su Uzala”, de Akira Kurosawa (1975), “Pele De Asno”, de Jacques Demy (1970) e

que fizemos na turma. Eu era a única criança negra no turno da tarde (de manhã “Contatos Imediatos Do Terceiro Grau”, de Steven Spielberg (1977). Mais tarde

era minha irmã Valéria). Isso deixou uma marca super forte no meu coração. Já descobri Federico Fellini: “La Nave Va” (1983); Rainer Werner Fassbinder: “O

amava o cinema e de repente me vi dentro de um filme! Tinha 8 anos de idade. Desespero De Veronika Voss” (1982) e Pedro Almodovar: “Ata-me!”(1990). No
Brasil, os filmes de diretoras mais importantes pra mim são: “Um Céu De Estre-
Na adolescência fiz Tablado em 1983/84, mas não tive coragem de fazer facul- las”, de Tata Amaral (1996); de “Terra Para Rose”, de Tetê Moraes (1987) e “Amor
dade de Cinema, pois não via outras mulheres negras e senti que nunca iam me Maldito”, de Adélia Sampaio (1984). Entre os homens, sou fã do Cinema Novo:
deixar fazer aquilo. Comecei a carreira profissional no teatro, como atriz da Bia “Rio Zona Norte”, de Nelson Pereira dos Santos (1957) e os curtas: “Pedreira
Lessa (1985), aos 16 anos. Nesse ano passei pra história na UFRJ, fazia a Oficina São Diogo”, de Leon Hirzman (1962) e “Arraial Do Cabo”, de Paulo César Sara-
Literária Ivan Proença e canto lírico com Maria H. Bezzi. Em 1987 Alfredo Sirkis ceni (1960). No mundo, as mulheres cineastas que mais me influenciaram foram:
me mostrou um roteiro impresso pela primeira vez. Em 1988 (ou 89) fiz workshop Maria Luisa Bemberg: “Camila” (1984); Catherine Breillat: “Romance X” (1999) e
com Glória Perez, na Atlântida. Tive convites para fazer cinema como atriz. Qua- Sofia Coppola: “Lost In Translation” (2003).
se tudo pornô. Declinei.
Janaína Oliveira: Na época, você se inspirou ou teve contato com outras reali-
O cinema profissional veio em 1990. Fui assistente de faz tudo do Paulo Rufino zadoras negras no Brasil e/ou no exterior?
(“Canto da Terra”, 1991). Ele me deu crédito de Produtora Executiva! Lembro
dele dizendo: “Cinema tem que ter estepe” – nunca se vai para o set sem plano Danddara: A Julie Dash: “Daughters Of The Dust” (1991) e a Kasi Lemmons:

B! Escrevi meus primeiros roteiros após voltar de NY, em 1996. Tentei aprovar o “Eve’s Bayou” (1997). Deixei pra falar delas num capítulo à parte. Porque elas

GURUFIM no Ministério da Cultura três vezes. Só deu certo quando inscrevi o me deram muito mais que inspiração. O conceito de mulher negra cineasta só

projeto sob a identidade de uma mulher branca de sobrenome francês. Também passou a existir na minha mente depois que eu vi os filmes dessas duas afro-

ocultei minha autoria no roteiro; pus o nome do co-roteirista (branco judeu) à -americanas. Excelentes! Ver a mulher negra como sujeito da narrativa cinema-

frente do meu, e me coloquei propositadamente em segundo plano, sem o meu tográfica, em uma auto representação autoral de uma negra cineasta... Antes
delas, achei que não existia.

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Mesmo assim, quando foi a minha vez, trabalhei três longos anos para viabilizar o que fingiu ser católica mas no fundo sempre cultuou os antepassados. Nossos
“Gurufim” na Mangueira e... na hora H precisei levar um pé na bunda do destino disfarces, para enganar a censura e construir carreiras de cineasta negras no
para pular do avião e assumir a direção, que foi um verdadeiro salto no desco- Brasil do século XX – são versões afrocariocas da “Malícia Bantu”, sem a qual a
nhecido. Investi o seguro de vida do meu pai na finalização do filme. Fiquei tão massa escravizada não teria sobrevivido a ponto de gerar o grupo étnico mais
falida que me mudei com marido e 2 filhos, da Urca para a entrada de uma favela. numeroso do Brasil.

Porém, um ano depois de lançar o filme, o paraquedas abriu. Nova York, dezem- Depois da minha estreia tive contato com mulheres negras cineastas nos EUA,
bro de 2001. Em um painel sobre Cinema Negro do Brasil, durante o ADIFF, Joel através de eventos como o já mencionado ADIFF (African Diaspora Film Fest); o
Zito Araújo – então aclamado como realizador e estudioso de cinema negro do ABFF (American Black Film Festival) e o mais relevante de todos, Reel Sisters Of
Brasil me apontou como primeira pretinha cineasta do nosso pa-tro-pi. Um cho- The Diaspora, especificamente para mulheres afrodescendentes. Esse contato
que pra mim! Na esteira dessa revelação, o “Gurufim” obteve êxito comercial e eu foi essencial para me fortalecer emocionalmente, pois eu acreditei na campanha
comprei uma casinha velha, em Santa Teresa. de desqualificação que foi direcionada ao meu filme e à minha pessoa, logo após
a minha estreia. E fiquei totalmente isolada. Não consegui me aproximar da ABD,
Apesar de imprecisa, aquela informação explicou muita coisa. Primeiro mostra porque havia comentários de que eu era apenas uma dona de casa alienada,
que, nem ele nem eu, conhecíamos Adélia Sampaio como cineasta negra. Eu tinha que só gostava de novela. Também não consegui me aproximar dos grupos de
assistido a “Amor Maldito”, que me impressionou pela direção de ator primorosa, artistas negros da época, onde os homens negros queriam ser os únicos direto-
a poesia visual e o humor “negro” com que muito me identifico. Mas, nem eu, nem res. Essa rejeição ao meu trabalho gerou situações traumáticas, como plágio (do
Joel, víamos a mulher negra como primeira pessoa de uma narrativa do cinema Gurufim) e assédio sexual. Mas, como em outros casos de violência de gênero
brasileiro até “Gurufim” na Mangueira (2000). que enfrentei ao longo da carreira, no Brasil e nos EUA (foram tantos...), preferi
não denunciar porque não acho bom pra mim ficar marcada como “vítima”. Quis,
A segunda coisa que quero destacar é a semelhança nas estratégias de disfarce
e quero, seguir adiante com meus êxitos e realizações.
que eu e Adélia adotamos para violar a proibição implícita à autoexpressão da
mulher negra – na arte em geral e no Filme em especial. Adélia tangenciou sua Janaína Oliveira: Qual foi sua participação no Manifesto Dogma Feijoada (1999)
identidade de mulher negra, afirmando-se como técnica em diversas funções e também no Manifesto de Recife (2001)?
e depois como criadora voltada para dramas da exclusão social e preconceito
(idosos, mendigos, lésbicas). Eu, por outro lado, encarei de frente o tema da auto Danddara: Plateia. No Feijoada eu cheguei a ir num evento em SP, mesmo sem
representação da negra em sua majestade, sua beleza e subjetividades. Porém ser convidada. Tenho fotos em algum lugar. No de Recife, lembro que não man-
neguei minha identidade até o último minuto. Tão profundamente que eu mesma dei o “Gurufim” pro Festival, porque tava sem grana pra fazer cópias VHS.
me surpreendi ao perceber que o papel de mulher negra diretora, daquele filme
lindo no Palácio do Samba, vestia-me tão bem. Mais tarde entendi que essa es- Janaína Oliveira: Qual a sua compreensão desses dois movimentos? Eles dia-

tratégia tem a ver com a ginga da capoeira, homenagem à Nzinga, a Rainha-Rei, logavam? Por que não houve continuidade?

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Danddara: O Feijoada era um desabafo de jovens realizadores em busca de uma mão de obra engajada, voluntária e muitas vezes apaixonada, sobre a qual as
estética que os distinguisse e, sobretudo, numa luta muito justa por espaço na produções dos realizadores negros se apoiavam. Vários deles ainda não tinham
mídia e recursos financeiros para seus próprios filmes. Fora isso, eles não se ex- feito filme algum. Vi isso rolar no Rio, em tentativas de aproximação que fiz en-
pressavam nem atuavam como um time. Nesse sentido eu admiro a objetividade tre 1997 e 1998. Embora nem sonhasse em ser diretora nessa época, não me
paulistana. Eles sabiam a hora de mostrar a cara juntos e a hora que cada um encaixei naquela dinâmica. Nas poucas reuniões que frequentei, ousei discordar
tinha que cuidar de si. dos homens-líderes abertamente, fui rejeitada e meu roteiro foi plagiado. Os
homens eram “os Bambas”; as mulheres negras só atingiam protagonismo como
O Manifesto de Recife era mais abrangente, e, em muitos sentidos, mais genero- “Tias/Matronas”.
so. Uma iniciativa explícita de demandar políticas públicas para empoderar o ne-
gro no setor audiovisual, pensado em vários setores da cadeia produtiva. Acho Isso sempre me incomodou nas Escolas de Samba, no Jongo, e até no Teatro Ex-
que o pessoal de Recife percebeu que o Feijoada era muito focado em indivídu- perimental do Negro. A mulher negra jovem só podia aspirar um lugar de “musa”.
os e aproveitou o momentum que os paulistas criaram na mídia para ampliar Não há qualquer estímulo ao trabalho autoral da mulher. São valores culturais
o escopo da discussão, pensando em todo o Brasil. Penso que o Manifesto que precisam evoluir. Não é só porque uma coisa é tradicional que deve conti-
de Recife deve muito à Negação Do Brasil (Joel Zito Araújo, 2000), que pela nuar igual. Entrevistei D. Ivone Lara nos anos 90 e ela me disse que só seguiu a
excelência técnica e ousadia na abordagem estabeleceu um novo paradigma carreira já coroa quando o marido saiu de casa. Clementina de Jesus só pôde
para esse debate. Antes disso parecia mais “o negro se deblaterando na sarje- cantar quando ficou viúva. E essas mulheres negras são duas verdadeiras gê-
ta”, como disse Abdias Nascimento, ao comentar sua própria história. nias! A auto expressão da mulher negra era (ou é?) tabu em todas as artes, mas
principalmente no cinema por ser tão poderoso e prestigiado. Nos grupos de
Penso que a descontinuidade do movimento iniciado em Recife se explique pela artistas negros que vi batalhando pelo Cinema Negro no Brasil, no Rio, em São
falta de um alicerce econômico que alimentasse desdobramentos da iniciativa. Paulo (quando visitei a cidade em 2004), observei um quadro bem semelhante.
Esse contexto não se transformou até a gestão de Gilberto Gil no Ministério da
Cultura. Na minha compreensão, o Gil e sua genial equipe lançaram as bases Janaína Oliveira: Você enfrentou/enfrenta dificuldades em sua carreia como
para descentralizar a produção, empoderar grupos oprimidos (nem sempre mi- uma diretora negra de cinema? Quais e por que?
noritários!) e desenvolver a Economia Criativa. Ambos os Movimentos falharam
em tratar questões de gênero, e não apresentaram lideranças femininas. Danddara: Há dificuldades que são comuns para todos os cineastas, e que
definem o nosso ofício. Conseguir se expressar e imprimir sua visão com os
Janaína Oliveira: Como você percebia então, no início dos anos 2000, o debate limites técnicos e orçamentários disponíveis é uma delas. Mas há pedras que
de gênero? Havia uma preocupação ou conversas sobre a participação das mu- se multiplicam particularmente no caminho da mulher negra diretora. Na minha
lheres negras naquele momento de afirmação do cinema negro? visão o maior obstáculo é que, para a mulher negra, parece que a escravidão não
acabou. É preciso tomar isso em perspectiva. Estudo recente sobre o mercado
Danddara: Não vi nada rolando nesse sentido. Ao contrário. Percebi uma hier- de trabalho informa que 1/3 das mulheres “empregadas” labora em empreendi-
arquia muito clara, onde mulheres (negras e brancas) eram a base da pirâmide,

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mentos familiares “sem remuneração”. Então quando John Lennon diz que “a Foi muito duro aquele começo! Até hoje enfrento tentativas mais ou menos
mulher é o negro do mundo”, eu entendo que o trabalho escravo da mulher é explícitas de desqualificar meus esforços. Descobrir Adélia Sampaio foi uma
tido e visto como algo natural na sociedade. Mais ainda se essa mulher é negra. grande alegria para mim. Tirou um enorme peso dos meus ombros! Entretan-
to, assim como ela inventou o filme lésbico – com apoio de sua irmã, após a
Como isso se aplica ao meu trabalho de cineasta? Se espera que eu me sinta Embrafilme vetar o projeto em clara censura ao tema abordado – eu me ded-
honrada apenas por ser convidada para ir “à festa”. Se espera que eu entre- iquei a compor uma narrativa cinematográfica tomando a mulher negra como
gue meu trabalho criativo sem remuneração, ou com irrisórias ajudas de custo. sujeito... Sem nenhuma referência em qualquer iniciativa anterior, no contexto do
Se espera que eu seja graciosamente receptiva a avanços sexuais dos homens cinema nacional. Houve outras antes, ou simultaneamente, trabalhando nesse
negros, porque são “meus irmãos de cor”, e dos brancos, porque eles, teorica- front? Quem são? Como podemos assistir e debater seus filmes? Estas são as
mente, têm o “poder” de fazer eu me “tornar alguém”. Uma vez, num evento no questões que se impõem. Tentativas de criar polêmicas entre Adélia e eu são
Centro Cultural Hélio Oiticica, fui apresentada a um cineasta famoso (branco) velhas estratégias de dividir para dominar. E cairão no vazio. Pois, desde que
como primeira mulher negra cineasta do Brasil. “Você transa anal?” , perguntou nos falamos em 2016, eu sou sua fã nº 1.
ele, assim que nos deixaram a sós. No ABFF em Miami, o gerente (negro) do
hotel em que eu estava cancelou minha reserve, porque me recusei a tirar fotos Janaína Oliveira: Qual trabalho/quais trabalhos seus no cinema você destacaria
com um milionário negro ao lado de garotas de biquíni. Ele sabia que eu era fi- e por que?
nalista do HBO Short Film Award, mesmo assim eu e meu filho fomos impedidos
de entrar no nosso apartamento. Nesse mesmo Festival, John Singleton me deu Danddara: Eu destaco “Gurufim na Mangueira”, que Paulo César Saraceni de-

parabéns pelo meu curta (Gurufim) e me elogiou dizendo que achou até que eu finiu como “um samba-filme delicioso”. Por todos os motivos que já enumerei

era um cineasta negro-homem. aqui. E destaco também o longa inacabado “Cinema Experimental Do Negro
– Elegia Audiovisual para Abdias Nascimento”, porque é um marco na minha
Perdi a conta de quantas vezes esse tipo de coisa me aconteceu. Porém o que pesquisa de cinema de autoimagem, já que eu criei todo o filme para que Abdias
interessa aqui é esclarecer como é complicado articular um discurso, e reunir Nascimento pudesse compor um autorretrato e, desse modo, usar o cinema para
os elementos para transformá-lo em filme, quando tudo à sua volta indica que “administrar” a transmissão de seu legado às futuras gerações.
você “não é ninguém”. O papel social de “mulher negra cineasta”, criadora in-
dependente da autoimagem da mulher negra brasileira, não existia no Brasil Janaína Oliveira: O que você está fazendo hoje? Quais suas atividades no cam-

quando iniciei minha atividade. Mas João Carlos Rodrigues (O Negro Brasileiro po audiovisual?

e o Cinema, Ed Pallas 2011) e Noel de Carvalho, na sua proposição à SOCINE


Danddara: Eu sempre fui artista. Desde 1999 deixei o palco e passei a fazer só
(2010) – ignoram esse fato em suas leituras sobre nosso Cinema Negro. Não me
cinema. Mesmo nos anos em que estive deprimida e fechada em casa, mantive
consta que tenham sequer mencionado meu nome em seus textos.
acesa a pesquisa, estética e temática, e continuei a criar argumentos e roteiros.
Peguei alguns desses projetos para criar um Núcleo Criativo, com roteiristas/

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cineastas de várias regiões do Brasil, incluindo uma autora LGBT, aqui de Cam- também é essencial. Mas as mulheres negras não podem se acomodar, pois as
pinas (SP) e uma ativista de mídia indígena, de Pernambuco. O Sal (Luiz Carlos mulheres são maioria e nossa exclusão é um tipo de apartheid.
Saldanha), também faz parte do grupo e nos inspira com seu Cinema de Inven-
ção. Ele é meu parceiro no roteiro do longa “Diário Das Ilusões De Uma Negra”, De minha parte, tenho três projetos na fila do FSA. O Núcleo Criativo é o quarto.

que desenvolvo pra ser meu primeiro longa de ficção, mas que até agora não E o dia a dia é tão duro que não sei se estarei viva para receber algum financia-

tem previsão de financiamento. mento dessa cornucópia da Ancine. Ou bem consigo, ou morrerei tentando...

O curta “Desaparecidos” (2017, inédito) está na prateleira, sem previsão de es-


treia. Esse filme marca uma retomada quase milagrosa da minha carreira, pois
quando deixei o Rio em 2015, eu havia desistido de tudo. O prêmio Curta Afir-
mativo 2014, que veio em 2016, mudou minha vida. Mas apesar de ser um feliz
recomeço, a obra exprime a angústia da minha jornada – ao retratar uma mulher
negra sem voz, oprimida pelo Estado que a deveria proteger.

Janaína Oliveira: Como você percebe o momento contemporâneo do Cinema


Negro? O que você destacaria neste cenário atual?

Danddara: O Cinema Negro é jovem! E essa juventude me enche de alegria e


entusiasmo. Percebo vigor e inovações em toda parte: na linguagem, na técni-
ca, na articulação política para obter financiamentos. A explosão de câmeras e
telas criou novos paradigmas para o fazer cinematográfico e retirou o cineasta
do seu pedestal de gênio privilegiado. Essa confusão é muito fértil e libertadora.
Um momento para todos os grupos entrarem em cena e reclamarem os recursos
para produzir e exibir sua autoimagem.

Making of do filme Gurufim na Mangueira | Dir. Danddara


Mas o desafio de ser cineasta profissional hoje é maior. Salários e investimentos
do audiovisual seguem concentrados nas mãos de homens brancos, e mulheres
brancas em segundo lugar. As mulheres negras cineastas devem se unir a outras
mulheres para conquistar verbas do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) com
vistas à paridade de gênero. A política afirmativa étnica, para negros e índios,

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FILMOGRAFIA E SINOPSES

Amor Maldito | 1984, 76 min. Rap de Saia | 2006, 18 min. Black Berlim | 2009, 14 min. Mumbi 7 Cenas Pós Burkina | 2010, 7 min.
Direção: Adélia Sampaio. Roteiro: Adélia Sampaio e Direção: Janaína Oliveira (Re.Fem.). Fotografia: Léo Direção e roteiro: Sabrina Fidalgo. Fotografia: Ras Direção e direção de arte: Viviane Ferreira. Direção de
José Louzeiro. Fotografia: Paulo César Mauro. Ribeiro, Patrícia Silva, Janaína Oliveira (Re.Fem.) e Adauto. Edição: Fernando Oliveira e Chico Serra fotografia: Viviane Ferreira e Renata Cândido
Edição: Eduardo Leone Leandro Monteiro. Edição: Michel Messer (M-Shellz)
Nelson, um estudante brasileiro em Berlim, pas- Depois de participar de um importante festival
Primeiro longa brasileiro dirigido por uma mulher Rap de Saia é um documentário histórico e sa a encontrar com Maria, uma imigrante ilegal de cinema, a jovem cineasta Mumbi não conse-
negra, “Amor Maldito” narra a história trágica de descontraído sobre a trajetória das mulheres no do Senegal. Embora a ignore, sua presença faz gue conceber sua próxima obra. A recordação
amor entre duas mulheres, Fernanda, uma exe- hip-hop carioca, visando o entendimento dos com que ele tenha visões de personagens este- de obras marcantes do cinema brasileiro reacio-
cutiva, e Sueli, uma ex-miss, filha de uma família hip-hoppers, diante toda a sociedade. reotipados, que o remetem a um passado que na seu processo criativo.
evangélica e opressora, que comete suicídio. ele prefere esquecer.

Dê Sua Idéia, Debata | 2008, 28min Leva | 2011, 55 min.


Gurufim na Mangueira | 2000, 26 min Aquém das Nuvens | 2010, 18 min.
Direção: Viviane Ferreira Direção: Juliana Vicente e Luiza Marques. Roteiro:
Direção. Danddara. Fotografia: Maurizio D’Atri. Direção e roteiro: Renata Martins. Direção de
Documentário que apresenta opiniões acerca Juliana Vicente. Argumento: Luiza Marques. Direção
Roteiro: Danddara, Rodrigo Guéron. Montagem: Célia fotografia: Taís Nardi. Direção de arte: Renata Rugai.
de temas como afrocentrismo, diáspora africa- de fotografia: Jorge Maia e Rodrigo Levy. Montagem
Freitas. Direção de Arte: Bernard Heimburger, Montagem: Nicole Wekcx
na e classificação racial. As entrevistas foram e finalização: Yuri Amaral
Mina Quental
realizadas na semana do 20 de novembro de Nenê é casado com Geralda há 30 anos. Em No coração de São Paulo pulsa o maior movi-
Jovem funkeiro morre subitamente após ser 2007. uma tarde de domingo ele vai à roda de samba mento de luta por moradia da América Latina.
atingido por um raio. A comunidade verde-rosa encontrar os amigos. Ao voltar para casa, sur- Famílias desabrigadas ocupam o edifício Mauá,
se reúne na quadra na Mangueira para home- preende-se com uma notícia sobre Geralda.
Doido Lelé | 2008, 17 min. um dentre muitos ocupados no centro da cidade.
nageá-lo.
Direção e roteiro: Ceci Alves. Direção de fotografia:
Pedro Semanovechi. Direção de arte: Hamilton Lima. Cores e Botas | 2010, 16 min. Tupã Baê | 2011, 11 min.
Cinema de Preto | 2004, 11min.
Edição: Dedeco Macedo Direção e roteiro: Juliana Vicente. Direção de Direção: Juliana Vicente e Lucas Rached. Roteiro:
Direção e roteiro: Danddara. Fotografia: Edinho Alves, fotografia: Lucas Rached. Direção de arte: Regina
Caetano sonha em ser cantor de rádio na dé- Juliana Vicente. Fotografia: Antônio Maria Lopes Jr.
Luis Carlos Saldanha. Direção de arte: Danddara, Célia Barbosa. Montagem: Yuri Amaral e Daniel
cada de 50 e foge todas as noites de casa para Direção de arte: Elisa Oliveira e Iara Andrade.
Delanir Cerqueira. Montagem: Luis Carlos Saldanha Grinspun
tentar, sem sucesso, a sorte no programa de Montagem: Daniel Grinspum
Em uma cinebiografia que conta sua vida e le- calouros. Até que, uma noite, ele aposta tudo Joana tem um sonho comum com muitas meni- Chico vive uma importante experiência com
gado, Abdias Nascimento (com 89 anos) discute numa louca e definitiva performance. nas dos anos 80: ser Paquita. Sua família é bem sua cultura, mostrando a mistura e o sincretis-
aspectos do cinema negro brasileiro com a equi- sucedida e a apoia em seu sonho. Porém, Joana mo brasileiro. Ele atravessa diversos problemas
pe do filme. é negra, e nunca se viu uma paquita negra no
Graffiti | 2008, 10 min. reencontrando a harmonia no retorno às suas
programa da Xuxa. raízes espirituais.
Balé de Pé no Chão - A Dança Afro de Direção: Lilian Solá Santiago. Roteiro: Lilian Solá

Mercedes Baptista | 2005, 17 min. Santiago, Rinaldo Santos Teixeira e Roberto Reiniger.
Direção de fotografia: Helton Okada. Direção de arte: Eu Tenho a Palavra | 2010, 26 min. Batuque de Graxa | 2012, 5 min.
Direção, pesquisa e roteiro: Lilian Solá Santiago e
Igor Mariwaki e Billy Castilho. Montagem e finalização: Direção e roteiro: Lilian Solá Santiago. Fotografia e Direção e roteiro: Lilian Solá Santiago. Fotografia e
Marianna Monteiro. Direção de fotografia e câmera:
Yuri Scocuglia som: Valnei Nunes. Montagem: Leandro Goddinho câmera: Andreia Vigo. Desenhos e animação: Cadu
Thiago Scorza. Montagem: Felippe Machado
O filme é uma viagem linguística em busca das Rosenfeld. Edição e finalização: Leandro Lammoglia
e Hugo Gurgel São Paulo é a cidade mais grafitada do mun-
do. “Graffiti” acompanha o rolê solitário de Alê origens africanas da cultura brasileira. O antigo A história de Toniquinho Batuqueiro.
O documentário acompanha a trajetória de
numa das noites mais sinistras que essa cida- reino do Congo, origem da maioria dos africanos
Mercedes Baptista, considerada precursora da
de já viveu. O que o move a enfrentar as ruas escravizados no Brasil que, no cativeiro, criaram
dança afro-brasileira. Bailarina de formação eru-
nessa noite? dialetos para se comunicar livremente.
dita no início da década de 1950 volta-se para o
estudo dos movimentos rituais do candomblé.

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Cinema Mudo | 2012, 15 min. Heitor, Carioca dos Prazeres | 2013, 14 min. Um Filme de Dança | 2013, 90 min. Peregrinação | 2014, 50 min.
Direção e roteiro: Sabrina Fidalgo. Fotografia: Felipe Direção e roteiro: Tatyana dos Prazeres. Operadores Pesquisa, Roteiro, Produção e Direção: Carmen Luz. Direção, roteiro e fotografia: Viviane Ferreira. Edição e
Romano. Direção de arte: Bernardo Bath. Edição de edição: Camila Guimarães, Guilherme Pedra, Fotografia: Gustavo Gelmini. Edição: Isabel Castro finalização: Túlio Ferreira
João Tavares Mônica Barroso, João Paulo Rodrigues, Rafael
E os negros? Onde estão os negros? - eis a Documentário que conta a trajetória do candom-
Cordovil. Finalização: Rafael Cordovil. Cinegrafistas:
Giulietta só se comunica com o mundo através pergunta que os brasileiros deviam se fazer uns blé como estratégia de resistência da população
Ivanildo do Carmo, Márcio Azevedo, Flávio Marroso
de seu celular e de computadores. Um belo dia aos outros. A pergunta de Jean-Paul Sartre e a negra no Brasil através de um escritor africano
ela percebe que a solidão tomou conta de sua Heitor, Carioca dos Prazeres é um documentário constatação de Nelson Rodrigues nos anos 60 em viagem a Salvador/BA e de uma produtora
vida… sobre a obra de Heitor dos Prazeres: Pintor de do século passado ainda ressoa. cultural brasileira em uma viagem ao Senegal.
Arte Naif, um dos fundadores da Portela e com-
positor de O Pierrô Apaixonado.
Entre Passos | 2012, 10 min. Conflitos e Abismos, A Expressão da Personal Vivator | 2014, 22 min.
Condição Humana | 2014, 15 min. Direção e roteiro: Sabrina Fidalgo. Direção de
Direção e roteiro: Elen Linth. Fotografia: Artur Dias e
Lápis de Cor | 2013, 14 min. Direção: Everlane Moraes. Direção de fotografia: fotografia: Quito. Direção de arte: Léo Sales.
Lamonier Ângelo. Direção de arte: Bruno Correa e
Daniela Fernandes. Montagem: Elen Linth e Evandro Direção e argumento: Larissa Fulana de Tal. Direção Moema Padedini. Direção de arte: Everlane Moraes, Montagem: Daniel Rolim Rocha
de Freitas de fotografia: Carina Rosa. Montagem: Emerson Isaías Nascimento e Yuri Alves. Edição: Gabriella
Rutger é um ser extraterrestre que tem a missão
Santos Caldas
A dor na infância; o silêncio no medo; a bailarina de passar 72 horas na Terra para pesquisar o
no chão; o refúgio na memória. A pintura de Everton exprime o que há de mais comportamento humano.
O documentário aborda a representação racial
real na vida do homem. Aos olhos desse artista,
no universo infantil e a maneira como o padrão
a humanidade é revelada pelos aspectos mais
O Filme que Fiz para Esquecer | 2012, 2 min. de beleza eurocêntrico afeta a auto-imagem Rio Encantado | 2014, 55 min.
sublimes e também mais obscuros.
e auto-estima de crianças negras, revelando a Direção: Sabrina Fidalgo. Roteiro: Sabrina Fidalgo
Direção, roteiro e montagem: Elen Linth
ação silenciosa do racismo. e Daniele Mazzer. Edição: Nani Escobar e Sabrina
O Dia de Jerusa | 2014, 20 min. Fidalgo
Ela teve trazer tudo pra perto para poder jogar
tudo pra longe. O Olho e o Zarolho | 2013, 17 min. Direção e roteiro: Viviane Ferreira. Câmera: Elcimar
Documentário musical sobre o Festival Encanta-
Dias Pereira
Direção: Juliana Vicente e René Guerra. Roteiro: René do, projeto franco-brasileiro realizado no Alto da
Assim | 2013, 14 mim. Guerra. Direção de fotografia: Julia Zakia. Direção de Bixiga, coração de São Paulo. Jerusa, moradora Boa Vista, Rio de Janeiro, que visa dar visibilida-
Direção e roteiro: Keila Serruya. Direção de fotografia: arte: Isabel Xavier. Montagem: Eva Randolph de um sobrado envelhecido pelo tempo, rece- de a população da comunidade do Vale Encan-
Yure César. Direção de arte: Oscar Ramos. Edição e be, num dia especial, Silvia, uma investigadora tado ameaçada de remoção.
Matheus tem duas mães. Sua mãe número 1 en-
finalização: Fábio Meira de opinião que circula pelo bairro convencendo
tra em crise ao ver os seus desenhos. “O Olho
pessoas a responderem a questionários para
e o Zarolho” é uma fábula sobre a família mo- Sandrine | 2014, 12 min.
Coragem. “Assim”, do jeito que quer e do jei- uma pesquisa de sabão em pó.
to que é, apenas de suas vontades, crenças e derna. Direção: Elen Linth e Leandro Rodrigues. Roteiro:
desejo de existir. A ida de uma travesti e uma Leandro Rodrigues. Direção de fotografia: Jorge
O Tempo dos Orixás | 2014, 20 min. Cellar (Grego). Direção de arte: Elen Linth e Elinádia
mulher trans ao supermercado. Pra Se Contar Uma História | 2013, 25 min.
Direção e roteiro: Eliciana Nascimento. Fotografia: Ferreira. Montagem: Leandro Calixto
Direção: Elen Linth, Diego Jesus, Lucicleide Cruz e
Bejamin Watkins
Leandro Rodrigues. Roteiro: Elen Linth. Direção de Entre as aulas de matemática e a relação con-
fotografia: Elen Linth e Diego Jesus. Montagem e Curta de gênero fantasia que mostra a experi- turbada com a mãe, Sandrine espera na fila de
edição de som: Elen Linth ência de Lili, uma menina de 7 anos que tem a um hospital.
habilidade de se comunicar com os ancestrais.
Neguinha conta uma história de resistência
Ao visitar a sua avó no interior, ela descobre que
tem uma missão com os Orixás.

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Sexy Trash | 2014, 2 min. Kbela | 2015, 23 min. Muros | 2015, 14 min. Rainha | 2016, 30 min.

Direção: Tainá Rei Direção: Yasmin Thayná. Direção de fotografia: Felipe Direção: Elen Linth. Roteiro: Elen Linth e Daniele Direção e roteiro: Sabrina Fidalgo. Direção de
Drehmer. Direção de arte: Ana Almeida. Montagem: Fernandes. Direção de fotografia: Evandro Freitas. fotografia: Julia Zakia. Direção de arte: Kiti Soares.
“Sexy Trash” é um glitch movie produzido no Rafael Todeschini Direção de arte: Diego Jesus. Montagem: Leandro Montagem: Antoine Gurreiro do Divino Amor
carnaval de 2014, durante a greve dos garis no Calixto
O filme busca refletir sobre o lugar da mulher ita finalmente realiza o sonho de se tornar a
Rio de Janeiro.
negra na sociedade contemporânea, os atuais Protesto e atração cruzam o caminho de July e rainha da bateira da escola de samba de sua
padrões de beleza, sua expressão, autoimagem Catarina comunidade, todavia ela terá que lutar contra
A Boneca e o Silêncio | 2015, 19 min. e identidade. forças obscuras internas e externas.
Direção e roteiro: Carol Rodrigues. Direção de A Rua - O Corpo Urbano | 2016, 10 min.
fotografia: Júlia Zakia. Montagem: Eduardo Mucamas | 2015, 15 min. Maria | 2017, 17 min.
Direção artística: Keila Serruya. Videomapping.
Chatagnier. Direção de Arte: Mônica Palazzo
Direção: Nós, Madalenas. Direção de fotografia: Alícia Edição e finalização: Cris Silva. Videomaker. Direção: Elen Linth e Riane Nascimento. Roteiro: Elen
Em “A Boneca e o Silêncio”, acompanhamos Peres e Daniele Menezes. Direção de arte: Fernanda Fotografia: Robert Coelho Linth e Maria Moraes. Texto e perfomance: Maria
Marcela, uma menina de 14 anos que se torna Correia. Montagem: Ione Gonçalves Moraes. Direção de fotografia: Elen Linth. Montagem
O corpo urbano é um projeto de documentário
dona de si e de seu corpo, ao tomar a decisão ecolor grading: Bárbara Umbra
O documentário conta a história da vida de mu- que aborda como objeto de arte uma interven-
de interromper uma gravidez indesejada.
lheres que são ou já foram empregadas domés- ção urbana pautada no movimento. A música Nascida aos 16, numa cidade ensanguentada
ticas, escancarando suas lutas e desigualdades. negra em suas diversas vertentes é que dão nor- por corpos de peito e pau.
As Minas do Rap | 2015, 14 min. te a essa ação.
Direção e roteiro: Juliana Vicente. Direção de Mulheres Bordadas - Fios do Passado
fotografia: Lucas Rached .Montagem: Alice Furtado 2015, 10 min. Das Raízes às Pontas | 2016, 20min.

O documentário entrevista mulheres ligadas ao Direção e roteiro: Lilian Solá Santiago. Fotografia: Direção: Flora Egécia. Roteiro: Débora Tatiana e
Hip Hop, abordando o histórico feminino dentro Pedro Bohn e Pola Fernandez. Montagem: Pedro Hugo Lins. Direção de fotografia: Rodrigo de Oliveira.
do movimento e dando voz a artistas como Ne- Bohn Direção de arte: Bianca Novais. Colorização e
gra Li, MC Gra e Karol Conká. Finalização:
Documentário que aborda aspectos da história e
Isabel Padilha
da subjetividade das mulheres negras na cidade
Cinzas | 2015, 15 min. paulista de Salto. Luiza tem 12 anos e fala com orgulho de seu cabe-
Direção: Larissa Fulana de Tal. Roteiro: Larissa Fulana lo crespo e sua ancestralidade. A história de Luiza
de Tal e Davi Nunes. Direção de fotografia: Cassius é uma exceção.
Mulheres de Barro | 2015, 26 min.
Borges e Evandro Freitas. Direção de arte: Tina Melo
Direção, argumento e roteiro: Edileuza Penha de
Souza. Fotografia: Jo Name e Wellington Jesus Quijauá | 2016, 6min.
Cinzas é um filme que trata do cotidiano de Toni,
um personagem fictício, mas que se assemelha Duarte da Silva. Direção de arte: Jo Name. Edição e Direção: Coletivo Revisitando Zózimo Bulbul +
à vivência de muitos outros personagens reais. montagem: Ádon Bicalho Mulheres de Pedra

Doze mulheres, Paneleiras e Congueiras de Um filme sobre cura e fortalecimento feminino,


Goiabeiras Velhas-ES, confeccionam suas pa- construído coletivamente.
nelas de barro com a mesma força e destreza
com que a vida moldou seus destinos e afetos.

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sobre as diretoras ceci alves

Diretora e roteirista da Obá Cacauê Produções, é uma cineasta negra que imprime
em seu trabalho uma narratividade musical, lidando com as questões de militância
e protagonismo dos excluídos de uma forma afetiva e política. É uma reconhecida
curta-metragista, com produções que rodaram o mundo em festivais. O seu pri-
adélia sampaio meiro curta, “Doido Lelé”, participou e foi premiado em vários festivais ao redor do

Adélia Sampaio entrou para a história do cinema brasileiro ao se tornar a primeira mundo. Atualmente, está dedicada à escrita do roteiro de “Avôhai – A Peleja de um

mulher negra a dirigir um longa-metragem, o filme “Amor Maldito” (1984). Come- Trovador”, primeira cinebiografia do cantor e compositor paraibano Zé Ramalho.

çou a sua carreira na década de 1960 e, desde então, trabalhou em diversas áreas
do cinema. Foi produtora, produtora executiva, continuísta, até chegar ao posto de danddara
diretora, trabalhando na equipe de mais de 70 filmes. Nas décadas de 1970 e 1980,
Carioca, cresce no mundo do samba. Premiada no Brasil e EUA, se expressa atra-
dirigiu os curta-metragens “Denúncia Vazia”, “Agora um Deus Dança em Mim”,
vés do cinema, música, literatura e arte florestal. Inicia a carreira em 1985; no cine-
“Adulto não Brinca”, e “Na Poeira das Ruas”.
ma em 1990. Em 2000 dirige “Gurufim na Mangueira “(ficção, 26 min, 35mm), obra
que insere a mulher negra como sujeito da narrativa cinematográfica. Revelada
carmen luz pela HBO/USA como primeira mulher negra cineasta do Brasil.

Cineasta, coreógrafa e diretora de espetáculos cênicos. Escreve, produz e dirige


filmes documentários e vídeos. Pesquisa o corpo afrodescendente e suas mani- edileuza penha de souza
festações culturais e artísticas, tornando-os o principal foco temático de sua pro-
Doutora em Educação e Comunicação pela Universidade de Brasília (UnB), onde
dução artística. É mestre em Artes Visuais pela UERJ. Pós-graduada em Cinema-
leciona as disciplinas “Pensamento Negro Contemporâneo” e “Etnologia Visual
-Documentário pela Fundação Getúlio Vargas/RJ e em Teatro pela UFRJ. Estudou
da Imagem do Negro no Cinema”. Historiadora (UFES), mestre em Educação e
direção cinematográfica no Instituto Brasileiro de Audiovisual/Escola de Cinema
Contemporaneidade (UNEB), pesquisadora e documentarista, foi estudante Espe-
Darcy Ribeiro. Seus trabalhos foram exibidos na África, Brasil e Alemanha.
cial da Cátedra de Documentários na Escuela Internacional de Cine y TV de San
Antonio de los Banõs – República de Cuba.
carol rodrigues

Diretora e roteirista do curta-metragem “A boneca e o silêncio”, que participou elen linth


de diversos festivais nacionais e internacionais, tendo vencido prêmios de Melhor
Realizadora e produtora no campo do cinema e audiovisual. Desde 2008, partici-
Curta-Metragem em São Paulo, Belo Horizonte, Portugal e na Polônia, além de
pa de Salões de Artes Plásticas, e em 2010 foi premiada com a Paleta de Bronze e
Prêmio de Melhor Direção na Índia. Integra também a equipe da websérie “Em-
Menção Honrosa no Salão de Artes Plásticas Internacional da Mulher com a obra
poderadas” . Participou da equipe de roteiristas na série de ficção infantil “Escola
Abayomi, além dos prêmios na área de Cinema com os curtas “Sandrine”, “Entre
de Gênios”, que será exibida pelo canal Gloob e atualmente faz parte do Núcleo
Passos”, “Pra se contar uma história” e “Sambares”. É sócia da empresa Eparrêi
Criativo de uma série em desenvolvimento da produtora Amora Digital, contem-
Filmes e tem experiência na área de desenvolvimento de produção executiva,
plado no PRODAV 03/2015.
fotografia, montagem e direção.

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eliciana nascimento juliana vicente

Mestra em cinema pela San Francisco State University, EUA. O seu filme “The Produtora, diretora e fundadora da Preta Portê Filmes. Juliana Vicente estudou
Summer of Gods” (O Tempo dos Orixás) foi resultado de sua tese de mestrado. O Cinema na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na EICTV (Cuba). Dirigiu
filme estreiou no Festival de Cannes em 2014, foi exibido em vários festivais inter- o curta-metragem “Cores e Botas” (Festival Iberoamericano de Huelva – 2011 e
nacionais e ganhou os prêmios de Melhor Filme e Melhor Fotografia pelo Festival Festival de Havana – 2010) e o documentário média-metragem “Leva” (Festival de
Reel Sisters of the Diaspora, em Nova Iorque, e ganhou o prêmio de Reconheci- Havana – 2011 e premiado no New York Film Festivals®). Atualmente desenvolve o
mento em Direção pelo Black Star Film Festival, em Filadélfia. Esse é o segundo projeto de longa-metragem “Lili e as Libélulas”, do roteirista e diretor René Guerra.
curta de ficção que Nascimento grava em sua terra natal.

keila serruya
everlane moraes
Manauara, cineasta, artista visual e produtora. Como artista visual traz a lingua-
Cineasta Documentarista  formada pela  Escuela Internacional de Cine y TV, gem cinematográfica para espaços urbanos, galerias e utiliza outros suportes para
CUBA.  Integrante do Coletivo de Cinema Negro  TELA PRETA (BA).  Estudante exibir/projetar suas obras. Também concebe vídeo-instalações para palcos em
de Artes Visuais com Habilitação em Licenciatura (UFS). Na TV Pública Educativa espetáculos de dança e música. Seus principais temas são rua, cidade, gênero e
APERIPÊ, escreveu e dirigiu o Programa “PLURAL” de Literatura e Educação. En- coragem de existir.  Dirigiu filmes de curta-metragem  como “Nessa Cidade Todo
tre as experiências cinematográficas se destacam os longas: “A Pelada”, Damien Mundo Já Bebeu na Bica” e “ASSIM”. Atualmente faz parte do grupo Picolé da
Chemin, 2012; “Os Ventos que Virão”, Hermano Penna, 2011;“Folia de Reis”, Ro- Massa e é gestora do espaço DaVárzea das Artes. 
semberg Cariri, 2010 e “O Senhor dos Labirintos”, Geraldo Motta, 2008.

larissa fulana de tal


flora egécia
Realizadora no TELA PRETA, coletivo de cinema negro. Graduada no curso de
Flora Egécia é brasiliense e integrante do Estúdio Cajuína. Dirigiu o filme “Das Raí- Cinema e Audiovisual da UFRB. Diretora do documentário “Lápis de Cor” (2014),
zes às Pontas”, vencedor do prêmio de Melhor Curta - Júri Popular no 49˚ Festival projeto contemplado pela I Chamada de Curtas Universitários do Canal Futura.
de Brasília do Cinema Brasileiro - Mostra Troféu Legislativo. Em seu portfólio como Diretora do curta-metragem “Cinzas” , inspirado em conto de Davi Nunes, con-
diretora de fotografia, estão a ficção “Confessionário” (2012) e a ficção “Transa” templando no Edital Curta Afirmativo (2012). Atua nas áreas de Criação, Desenvol-
(2016); como diretora, ela assina também o documentário “inESPAÇO” (2013). vimento de Projetos e Direção.

janaina oliveira re.fem. lilian solá santiago

MC, Cineasta, Publicitária, Produtora, Ativista dos Movimentos de Mulheres e Ju- Documentarista, produtora cultural, pesquisadora e professora de audiovisual. É
ventude Negra. Em 2010 teve seu trabalho reconhecido pelo Ministério da Cultura formada em História e Mestre em Integração da América Latina pela Universidade
e referendado pelo o Movimento Hip Hop, sendo uma das ganhadoras do Prêmio de São Paulo, onde participa do Grupo de Pesquisa LabArteMidia (Laboratório de
Cultura Hip Hop 2010, na categoria Conhecimento e em 2012 o Conselho Nacio- Arte, Mídia e Tecnologias Digitais), da Escola de Comunicações e Artes. É criadora
nal de Psicologia concedeu o Prêmio Paulo Freire por sua atuação pelos Direitos da Casa da Memória Negra de Salto - SP (2016).
Humanos das mulheres no Brasil. Como cineasta seus trabalhos dão visibilidade
às mulheres, a suas causas e ações.

90 91
renata martins viviane ferreira

Formada em cinema e Pós-Graduada em Linguagens da Arte pela USP. Criadora Cineasta e advogada com atuação voltada para direitos autorais, direito cultural e
da premiada websérie “Empoderadas”. Integrou a equipe de roteirista da série direito público. Com um olhar cinematográfico referenciado no cinema de Zózimo
“Pedro e Bianca’ ganhadora do Prêmio e Prix Jeunesse Iberoamericano e Inter- Bulbul e Glauber Rocha, assina a direção dos documentários: “Dê sua ideia, deba-
national. Dirigiu e roteirizou o curta “Aquém das Nuvens”, premiado e exibido em ta” (2008); “Festa da Mãe Negra” (2009); “Marcha Noturna e Peregrinação” (2014).
mais de dez países. Coordenou o desenvolvimento da série ‘Rua Nove”. É criadora Na ficção dirigiu o curta experimental “Mumbi 7 Cenas pós Burkina” (2010) e “O dia
do projeto “PretasDramas” - Grupo composto por mulheres negras que produzem de Jerusa” (2014). Preside a Associação Mulheres de Odun e é Sócia-fundadora da
crítica e dramaturgia. É roteirista colaboradora da nova temporada de “Malhação empresa Odun Formação & Produção.
- Viva a Diferença”.

yasmin thayná
sabrina fidalgo
Cineasta e diretora formada pela Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu. Dirigiu
Sabrina Fidalgo é uma premiada diretora, roteirista, produtora e artista visual nas- “Kbela, o filme”, filme que passou em diversos festivais por todo o Brasil e na Ses-
cida na cidade do Rio de Janeiro. Escreveu, dirigiu, atuou e produziu os curtas são Black Rebels do Festival de Roterdã e no FESPACO, em Burkina Faso. Além
“Sonar 2006 – Special Report” (2006), “Das Gesetz des Stärkeren” (“A Lei do Mais disso, dirigiu ““Batalhas”, a série “Afrotranscendence” e “pretalab”. Curadora de
Forte”, 2007), “Black Berlim” (2009), “Cinema Mudo” (2012), “Personal Vivator” diversos festivais e eventos, é fundadora da Afroflix, plataforma de distribuição de
(2014) e “Rainha” (2016). Também dirigiu o documentário musical de média-metra- conteúdos audiovisuais produzidos por profissionais negros e é também pesqui-
gem “Rio Encantado” (2014) e uma série de videoclipes. sadora de audiovisual no Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.

tainá rei coletivo mulheres de pedra

Escritora e cineasta formada em Artes Visuais pela UERJ, publicou alguns de seus Um coletivo que objetiva valorizar o protagonismo da mulher negra na construção
contos e poemas em antologias, participou da produção de uma dezena de cur- de um outro mundo no qual as relações se tecem através da arte, da educação, da
ta-metragens e dirigiu outra dezena de trabalhos audiovisuais, principalmente no economia solidária e da diversidade cultural. Um grande investimento do trabalho
campo da vídeo arte. se refere ao desenvolvimento local, no bairro de Pedra de Guaratiba, na Zona Oes-
te da cidade do Rio de Janeiro.

tatyana prazeres
coletivo nós madalenas
Bisneta de Heitor dos Prazeres. A primeira formação é teatral, graduada em Jor-
nalismo pala FACHA, com extensão em Cinema e curso de Fotografia pelo Senai e Uma formação independente, composta por 9 mulheres de diversas regiões de
Associação Brasileira de Fotografia. Seu documentário “Heitor, carioca dos Praze- São Paulo. Em 2014, por meio do apoio do VAI - Edital da Secretaria de Cultura da
res” foi produzido, roteirizado e dirigido em 2013, como projeto para a conclusão cidade de São Paulo, o documentário ´Mucamas´ foi lançado, retratando o empre-
do curso de Jornalismo. Após a finalização, ele foi exibido no Dia da Consciência go doméstico na cidade. O filme aborda o tema por meio da lente das filhas destas
Negra pelo Cine Sesc em Olaria; no 8 Encontro de Cinema Negro Brasil- África trabalhadoras, estudantes de cinema e audiovisual.
(Cine Odeon), e durante o Circuito de Cinema Cinegrada. 

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DIRETORAS NEGRAS N O C I N E M A B R A S I L E I R O

Patrocínio CAIXA e Governo Federal AGRADECIMENTOS

Produção Voa Comunicação e Cultura Adélia Sampaio, Barbara Almeida, Carmen Luz, Carol Rodrigues, Ceci Alves, Danddara,
Daniele Menezes, Edileuza Penha de Souza, Elen Linth, Eliciana Nascimento,
Curadoria Kênia Freitas e Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida
Everlane Moraes,Flora Egécia, Gabriela Orestes, Jana Ferreira, Janaína Oliveira (Re.

Coordenação de Produção Marina Pessanha Fem), Janaina Oliveira (FICINE), Johsi Varjão, Juliana Vicente, Keila Serruya, Labelle
Rainbow, Larissa Fulana de Tal, Lilian Solá Santiago, Renata Martins, Sabrina Fidalgo,
Produção Executiva José de Aguiar
Sarah Pimentel, Quesia Vieira Pacheco Rodrigues, Tainá Rei, Tatyana dos Prazeres,

Assistente de Produção Anele Rodrigues Viviane Ferreira, Yasmin Thayná, Coletivo Nós, Madalenas e Coletivo Revisitando Zózimo
Bulbul + Mulheres de Pedra.
Produção Local RJ Eduardo Reginato

Identidade Visual Clarice Pamplona

Produção de Cópias Kênia Freitas

Cópias e Reproduções Eduardo Reginato

Assessoria de Imprensa RJ Roberta Mattoso

CAIXA Cultural Rio de Janeiro | Cinema 1


Av. Almirante Barroso, 25 - Centro - RJ
CATÁLOGO 21 3980 3815

Idealização e Organização Kênia Freitas e Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida

Produção Editorial José de Aguiar e Marina Pessanha


www.caixacultural.gov.br
Projeto Gráfico Editorial Clarice Pamplona facebook.com/CaixaCulturalRioDeJaneiro
Baixe o aplicativo CAIXA Cultural
Foto da capa Rainha, Sabrina Fidalgo, 2016/ Foto Divulgação, Julia Zakia
Assim | Dir. Keila Serruya

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