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CRÍTICA

marxista

RESENHAS
Marcelo Ridenti
Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV .
Rio de Janeiro /São Paulo, Editora Record, 2000.
José Roberto Zan (Professor do IA, Unicamp)

O livro Em busca do povo brasileiro, “autocrítica da modernidade”, gestada a


de Marcelo Ridenti, contém um estudo partir do interior da própria civilização
abrangente e instigante sobre a relação moderna, apoiada em valores e ideais de
entre cultura e política no Brasil dos anos um passado pré-moderno. Não se trata
60 e 70. Mediante rigorosa investigação, de um conceito aplicável apenas a uma
o autor busca compreender de que modo determinada corrente artística que se
idéias como as de povo, nação, identida- configurou na Europa após a Revolução
de nacional, modernização, libertação Francesa, mas de uma “visão de mundo
nacional e revolução brasileira orienta- mais ampla” que surge com o impacto
vam as práticas não apenas das organi- das transformações sócio-históricas
zações político-partidárias de esquerda decorrentes do desenvolvimento do ca-
mas de instituições e indivíduos ligados pitalismo em várias partes do mundo,
à produção cultural e artística no país desde meados do século XVIII. Ao pro-
naquele período. porem uma tipologia para as diversas mo-
O autor apóia a sua análise em farta dalidades de romantismo, que vão desde
documentação histórica e depoimentos as acepções mais conservadoras ou mes-
de pessoas que participaram efetivamente mo fascistas até as que se inserem no
das lutas sociais, políticas e culturais campo das esquerdas, os autores chegam
naqueles anos. Muitos entrevistados ex- à definição de romantismo revolucioná-
pressam um certo distanciamento críti- rio. Caracterizado pela busca de um fu-
co em relação às experiências que mar- turo novo em que a humanidade reen-
caram aquele momento da história do contre elementos perdidos com a moder-
país, o que contribui para acentuar, em nidade, esta modalidade de romantismo
algumas passagens do texto, o caráter de ganha múltiplas configurações que os
balanço das práticas culturais e artísti- autores procuram reunir em cinco sub-
cas da época. tipos: jacobino-democrático, populista,
O “fio condutor” da pesquisa é o con- utópico-humanista, libertário e marxis-
ceito romantismo revolucionário formu- ta. A essas modalidades Ridenti acres-
lado a partir dos trabalhos de Michael centa contribuições de Elias Saliba, au-
Löwy e Robert Sayer. Para estes auto- tor de As utopias românticas. Para
res, o romantismo é uma espécie de Saliba, o desenraizamento do tempo pre-

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sente é um componente básico das uto- movimentos de libertação nacional de
pias românticas do mundo moderno que cunho terceiro-mundista que desponta-
se desdobram principalmente em utopias vam como alternativa à polaridade EUA
do povo-nação e utopias de inspiração x URSS presente no contexto da Guerra
social. Fria. Internamente, destacam-se o avan-
Ridenti opera com esses conceitos de ço da mobilização de amplos setores so-
forma cautelosa evitando que eles atuem ciais populares em torno das chamadas
como “camisas de força” sobre o objeto. “reformas de base”; a intensificação da
Desse modo, afasta-se da concepção luta de classes que chegou a esboçar, se-
tipológica dos autores acima citados e gundo alguns autores, uma “situação pré-
procura trabalhar com as “nuanças diver- revolucionária” nos primeiros meses de
sificadas” ou “matizes intermediários” 64; e o impacto, no âmbito das esquer-
entre essas múltiplas modalidades de das, do golpe de 31 de março, o que
romantismo revolucionário para dar con- motivou o aparecimento de inúmeros
ta da diversidade que caracterizava os grupos guerrilheiros com posições dis-
movimentos naquele período. É a partir tintas em relação ao caráter da revolu-
desse referencial teórico que o autor pro- ção brasileira e às formas de luta revolu-
cura compreender a produção de artistas cionária sob aquelas condições.
e intelectuais de esquerda no Brasil nos Foi nesse contexto que as idéias de
anos 60 e 70 e demonstrar até que ponto povo, nação, libertação e identidade na-
eles eram motivados por uma “utopia cional, concebidas em momentos ante-
revolucionária romântica”. riores da história brasileira, foram rede-
A emergência das múltiplas versões finidas sob influência das esquerdas. Tais
do romantismo revolucionário no Brasil idéias tornaram-se constitutivas das di-
se deu principalmente a partir de mea- versas manifestações do romantismo re-
dos dos anos 50, em função de algumas volucionário daquele período, que não
circunstâncias históricas. No plano inter- possuía uma perspectiva de simples vol-
nacional, contribuíram para essas mani- ta ao passado mas que se caracterizava
festações as revoluções de libertação também por um impulso modernizador.
nacional, apoiadas especialmente nos Buscavam-se no passado “elementos
segmentos sociais populares de origem para a construção da utopia do futuro”.
rural (Cuba, Argélia, Vietnã, etc.); a des- A valorização do povo, por exemplo, não
crença por parte de setores da esquerda implicava a criação de “utopias anticapi-
no modelo soviético de socialismo, su- talistas regressivas, mas progressistas”.
bordinado à lógica do sistema imperia- Essa idéia trazia no seu interior um sig-
lista internacional e que, portanto, não nificado até certo ponto paradoxal: bus-
mais era visto como um referencial para car no passado as “raízes populares na-
a construção do homem novo; a Revolu- cionais” que se constituiriam nas bases
ção Cultural na China a partir de 1966, para a construção do futuro a partir de
considerada por grande parte da jovem uma “revolução nacional modernizante
intelectualidade de esquerda e vários que, no limite, poderia romper as fron-
países do mundo como alternativa ao teiras do capitalismo”.
burocratismo do regime soviético; e os O autor demonstra, com riqueza de

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detalhes, os vínculos que existiam entre reflete sobre o refluxo da herança cultu-
as organizações político-partidárias e ral romântica dos anos 60, bem como
guerrilheiras e os “meios intelectuais e alguns de seus desdobramentos nas dé-
artísticos de esquerda” no referido perío- cadas seguintes. Ridenti procura anali-
do. Não foram poucos os artistas que sar de que modo artistas e intelectuais
atuaram nessas organizações, especial- envolveram-se em “projetos alternativos
mente após o golpe de 64. De certa for- à ordem estabelecida na sociedade bra-
ma, tais relações explicam a intensa sileira a partir dos anos 70”, momento
politização da produção cultural e artís- de ascensão dos “novos movimentos so-
tica da época, o que levou Walnice ciais”, do novo sindicalismo e da funda-
Galvão a identificar aquele momento ção do Partido dos Trabalhadores, o que
como o ensaio geral de socialização da levou a um “esboço de contra-hegemonia
cultura. política e cultural” que acabou por se
Ao procurar identificar elementos do diluir ao longo dos anos 80. Ao mesmo
romantismo revolucionário nas ações tempo, consolidavam-se no Brasil a
políticas e culturais do período, o autor “indústria cultural e o capitalismo avan-
analisa as práticas de inúmeras organi- çado”. Verifica-se, então, a “integração
zações, grupos culturais e artistas, desde contraditória” à indústria cultural de in-
o PCB, que a partir de meados dos anos telectuais e artistas herdeiros da cultura
50 afastou-se das orientações zdanovistas política dos anos 60 e 70, o que leva o
e aproximou-se do nacional-popular, autor a reconhecer a dificuldade crescen-
passando pelo CPC da UNE, por diver- te de realização da tese benjaminiana de
sas organizações que aderiram à luta ar- que o artista questionador deve se recu-
mada, pelo Cinema Novo, pelos Teatros sar a simplesmente “abastecer o apare-
de Arena e Oficina e pela produção de lho de produção, sem o modificar, na me-
escritores e músicos populares. Até mes- dida do possível, num sentido socialista”.
mo eventos que faziam críticas ao nacio- Por outro lado, sente-se “instigado” pelo
nal-popular, como a montagem de O rei diagnóstico de Jameson de que o capita-
da vela, de Oswald de Andrade, apresen- lismo contemporâneo pulveriza qualquer
tada pelo Oficina, e o Tropicalismo, to- grupo social coeso capaz de se constituir
caram em questões ligadas à identidade em suporte para uma arte política.
nacional, ao subdesenvolvimento e ao Muito mais indagativo que conclusi-
caráter do povo brasileiro, constitutivas vo, o autor chega ao final do livro cha-
do imaginário romântico. mando a atenção do leitor para um certo
Com o Tropicalismo encerrava-se, renascimento, nos dias atuais, de idéias
segundo o autor, o ciclo participante dos como as de povo, Estado-nação e raízes
anos 60 e anunciava-se a expansão da culturais, até mesmo como “reação ao
indústria cultural no Brasil que viria a ímpeto transnacionalizante neoliberal”.
ocorrer nas décadas seguintes, o que Especialmente no momento de emergên-
“transformaria a promessa de socializa- cia do MST, nos anos 90, parecem res-
ção em massificação da cultura”. O ba- surgir práticas românticas de intelectuais
lanço desse novo momento aparece no e artistas procurando “ir aonde o povo
último capítulo do livro em que o autor está”. Provavelmente, esta deve ter sido

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uma das principais razões que levaram cultura-política e que vêm sendo rea-
Marcelo Ridenti a realizar a grande ta- tivadas e problematizadas no momento
refa de revisitar o período de maior atual sob o impacto da inserção do Brasil
efervescência política e cultural da nos- num contexto de globalização econômi-
sa história recente. Tal empreendimento ca e mundialização da cultura. O resulta-
talvez se justifique pela necessidade de do de todo esse trabalho é um livro farta-
melhor compreender o que ele próprio mente documentado, redigido de forma
qualifica de “velhas questões mal resol- clara e criativa e que certamente se situa
vidas” como as de “identidade nacional” entre as mais importante obras de socio-
e “povo brasileiro” que a partir dos anos logia da cultura brasileira produzidas nos
60 converteram-se em matrizes da nossa últimos anos.

Domenico Losurdo
Nietzsche e la critica della modernità. Per una biografia politica. Roma, Manifestolibri, 1997.
Pedro Leão da Costa Neto (Professor de Filosofia da Universidade Tuiuti do Paraná)

O que distingue este pequeno livro po histórico que, ao contrário, é o que


de Domenico Losurdo, editado em 1997, procuramos precisar” (p. 72). Mas, em-
da grande maioria da produção dedicada bora Losurdo refira-se a essas duas lei-
a Nietzsche – em particular no ano 2000, turas, o alvo principal de sua crítica será
ano do centenário da morte do filósofo – a interpretação que procura inocentar
é a decidida oposição a toda tentativa de Nietzsche.
minimizar a importância das posições O método de investigação da Histó-
conservadoras mais extremadas do pen- ria da Filosofia utilizado por Losurdo se
sador alemão, mas sem cair na tendên- caracteriza pela inserção do autor estu-
cia de identificá-lo como um antecessor dado em seu contexto histórico, cultural
do nacional-socialismo. A análise que e ideológico bem como pela tentativa de
nos oferece Losurdo se encontra, portan- identificar os momentos de continuida-
to, em oposição tanto a uma leitura que de e ruptura que caracterizam os dife-
pretende identificar Nietzsche como teó- rentes períodos da obra estudada e sua
rico ou profeta do individualismo pós- relação com a história. Desde o início
moderno, quanto a leituras como a de do seu livro, nosso autor ressalta a es-
Lukács (Die Zerstörung der Vernunft – treita relação entre Nietzsche e seu tem-
A destruição da razão – 1954) ou Nolte po. Já nas páginas iniciais, Losurdo mos-
(Nietzsche und der Nietzscheanismus – tra a íntima relação entre a primeira obra
1990), que tendem a identificá-lo como de Nietzsche – O Nascimento da Tragé-
um predecessor de Hitler. A este respeito, dia, publicada em 1872 – com a Guerra
afirma Losurdo: “(...) comum a uma e a Franco-Prussiana e a Comuna de Paris.
outra interpretação é a abstração do tem- Esta mesma relação entre teoria e histó-

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ZAN, José Roberto. Resenha de: RIDENTI, Marcelo. Em Busca do Povo Brasileiro: artistas
da revolução, do CPC à era da TV. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2000. Crítica Marxista, São
Paulo, Boitempo, v.1, n. 11, 2000, p. 165-168.

Palavras-chave: Cultura; Política; Ditadura militar; Brasil.

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