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CONGREXPO
In one day Congrexpo could hold a Pixies concert, a World Chess Association Conference,
and the European Grand Tractor Pull, cater a banquet for 1.500 butterfly collectors,
prepare 400 croque-monsieurs-to-go, serve a formal dinner for 250, provide refreshments
at any of 17 bars, park 1.200 cars, sell 6.000 concert tickets, register 2.350 electronic
ballots, translate 65 languages, and hang 10.000 coats – with space left for 17 independent
meetings, each for 80 or more people.
7 van Goghs, 18 de Koonings, or 6 Jackson Pollocks would buy Congrexpo. But for the
price of its 1.200 parking spaces in downtown Tokyo, 40 more Congrexpo could be built in
Lille.
Generic City foi um ensaio que Rem Koolhaas publicou em 1995 no livro S, M, L, XL como
um possível encerramento do massivo exemplar. O texto aborda inúmeras questões da
cidade contemporânea que está se formando, (des)formando, mutando. Aparece num
contexto de finalização de uma epopéia de conceitos e idéias formuladas por Koolhaas
durante todos os “tamanhos”. Além de ter esse caráter conclusivo, Generic City propõe
Inglês
uma abertura para novas discussões, quase um antifinal. Uma cena final de um capítulo
de novela, deixando em suspense uma revelação importante para a trama. Muitos
Italiano
conceitos lançados em Generic City se prestam perfeitamente para a leitura da cidade de
São Paulo que essa documentação pretende realizar.
Publicado em Inglês (in S, M, L, XL – 1995), Italiano (in Domus 791 – 1997), Francês (in
L’Architecture D’Aujourd’Hui 304 – 1996), Japonês (in TN Probe – 1995) e Espanhol (in La
Japonês
Ciudad Genérica – 2006), disponho aqui uma tradução livre para o Português, realizada
por mim de Generic City, ou já começando:
Francês
Cidade Genérica 1. Introdução 1.1. As cidades contemporâneas são como os
aeroportos contemporâneos? Quer dizer, “todas iguais”? É possível teorizar essa
convergência? E, se for possível, qual a configuração definitiva que aspiram? A
convergência só é possível ao custo de despojar-se da identidade. Isso é visto
normalmente como uma perda. Mas a escala com que se produz, deve significar algo.
Quais são as desvantagens da identidade? E, em contraposição, quais são as vantagens Espanhol
de sua ausência? E se essa homogeneização acidental – e habitualmente lamentada –
fosse um processo intencional, um movimento consciente de distanciamento da diferença
e aproximação da igualdade? E se estivermos sendo testemunhas de um movimento de
liberação global: “Abaixo o caráter!”? O que restará se eliminarmos a identidade? O
Genérico? 1.2. Na medida em que a identidade deriva da substância física, do histórico,
Cidade Genérica
do contexto e do real, de certo modo não podemos imaginar que nada contemporâneo –
feito por nós – indique alguma coisa. Mas o fato de que o crescimento humano seja
exponencial implica que o passado se tornará, em certo momento, demasiado “pequeno”
para ser habitado e compartilhado por aqueles que estão vivos. Nós mesmos nos
esgotamos. Na medida em que a História encontra seu lugar na Arquitetura, as atuais
cifras da população inevitavelmente disparam e dizimam a matéria existente. A identidade
concebida como essa forma de compartilhar o passado é uma proposta condenada a
falhar: não somente existem – em um modelo estável de expansão contínua da população
– proporcionalmente cada vez menos o que compartilhar, sendo que a História também
tem uma ingrata vida média, pois quanto mais se abusa dela, menos significativa ela se
torna, até o ponto que suas decrescentes dádivas chegam a ser insultantes. Esta
diminuição se vê exacerbada pela massa sempre crescente de turistas, uma avalanche
que, na sua busca perpétua por “caráter”, esmaga as identidades de êxito até convertê-las
em um pó sem sentido. 1.3. A identidade é como uma ratoeira em que mais e mais ratos
têm que compartilhar a isca original, e que, em um exame mais minucioso, talvez tenha
estado vazia durante séculos. Quanto mais poderosa é a identidade, mais ela aprisiona,
mais resiste à expansão, à interpretação, à renovação e à contradição. A identidade se
converte em algo parecido com um farol: fixo, excessivamente determinado, apenas
permite trocar sua posição ou a intensidade de luz que emite, ao custo de desestabilizar a
navegação (somente Paris pode fazer-se mais parisiense: já está em vias de converter-se
em Hiper-Paris, uma consumada caricatura. Existem exceções: Londres – cuja única
identidade é a falta de uma identidade clara – perpetuamente se volta menos Londres,
mais aberta, menos estática). 1.4. A identidade centraliza; insiste em uma essência, um
ponto. Sua tragédia se dá em simples termos geométricos. Na medida em que a esfera de
influência se expande, a zona caracterizada pelo centro se torna maior e maior, diluindo
Cidade Genérica
pelo fato de que também tem que ser uma transformação irreconhecível, invisível a olho
nu (a cidade de Zurich encontrou a solução mais radical e cara ao voltar a uma espécie de
arqueologia inversa: uma capa atrás de outra de novas modernidades – centros
comerciais, estacionamentos, bancos, laboratórios, etc... – se constroem sob o centro. O
centro já não se expande para fora ou para o céu, mas sim para dentro, para o próprio
Muito aqui se parece com São Paulo, mas a situação da
centro da Terra). Desde a inserção de artérias de circulação, anéis viários, túneis cidade tende a espalhar pelo território seu próprio centro,
com isso essas transformções se veêm diluídas no frenesi
subterrâneos mais ou menos discretos, a construções de cada vez mais tangenciais, até a da metrópole.
transformação das habitações em escritórios, dos depósitos em lofts, das igrejas
abandonadas em clubes noturnos, as falências em série e as subseqüentes re-
inaugurações de locais específicos em recintos comerciais mais e mais caros, até a
implacável conversão do espaço utilitário em espaço “público”, a pedestrianização, a
criação de novos parques, as plantações, as pontes, a exibição e a sistemática
restauração da mediocridade Histórica: toda a autenticidade se vê incessantemente
evacuada. 1.6. A Cidade Genérica é a cidade liberada do cativeiro do centro, espartilho da
identidade. A Cidade Genérica rompe com esse ciclo destrutivo da dependência: não é
mais que um reflexo da necessidade atual e a capacidade atual. É a cidade sem História.
É suficientemente grande para todos. É fácil. Não necessita manutenção. Se está muito
pequena, simplesmente se expande. Se está muito velha, simplesmente se autodestrói e
se renova. É igualmente emocionante – ou pouco emocionante – em todas as partes. É
“superficial”: igual a um estúdio de Hollywood, pode produzir uma nova identidade a cada
segunda-feira pela manhã. 2. Estatística 2.1. A Cidade Genérica cresceu
espetacularmente nas últimas décadas. Não só seu tamanho aumentou, mas suas cifras
também aumentaram. A princípio dos anos 1970, estava habitada por uma média de 2,5
milhões de moradores oficiais (mais 500.000 extra-oficiais); agora gira em torno dos 15
milhões. 2.2. A Cidade Genérica começou na América? É tão pouco original que só
Cidade Genérica
poderia ser importada? Em todo caso, a Cidade Genérica existe agora também na Ásia, Será que a cidade genérica realmente tem uma origem única?
Europa, Austrália e África. O passo definitivo do campo, da agricultura para a cidade, não Imagino que ela venha acontecendo simultaneamente em todos
os cantos do planeta.
é um passo até a cidade tal como a conhecemos: é um passo até a Cidade Genérica, uma
cidade tão onipresente que já chegou ao campo. 2.3. Alguns continentes, como a Ásia,
aspiram à Cidade Genérica; outros se envergonham dela. Dado que tem até o tropical – e
converge em torno do equador – uma grande proporção das Cidades Genéricas são Percebeu-se bem durante
Asiáticas, o que aparentemente é uma contradição em seus términos: o super-familiar as transmissões das últimas
Olimpíadas!!!
habitado pelo incompreensível. Algum dia voltará a ser absolutamente exótica, o produto
desejado da civilização ocidental, graças à re-semantização que sua própria difusão deixa
em seu rastro... 2.4. Às vezes, uma cidade antiga e singular, como Barcelona, ao
simplificar excessivamente sua identidade, se torna Genérica. Torna-se transparente,
como um logotipo. O contrário não acontece nunca... Pelo menos agora. 3. Geral 3.1. A
Cidade Genérica é o que fica depois de que grandes setores da vida urbana se passaram
ao ciberespaço. É um lugar de sensações tênues e distorcidas, de contadíssimas
emoções, discreto e misterioso como um grande espaço iluminado por uma lâmpada à
noite. Comparada com a Cidade Clássica, a Cidade Genérica está sedada, e
habitualmente é percebida desde uma posição sedentária. Em vez de concentração –
presença simultânea – na Cidade Genérica cada “momento” concreto se afasta dos
Talvez seja isso que se busque atualmente.
demais para criar um transe de experiências estéticas quase inapreciáveis: as variações
de cor na iluminação fluorescente de um edifício de escritórios antes do pôr-do-sol ou as
sutilezas dos brancos ligeiramente distintos de um sinal iluminado à noite. Igual à comida
japonesa, as sensações podem reconstituir-se e intensificar-se na mente, ou não:
simplesmente se podem deixar de lado (existe onde escolher). Esta onipresente falta de
urgência e insistência atua como uma potente droga; induz a uma alucinação do cotidiano.
3.2. Em uma drástica inversão do que supostamente é a principal característica da cidade
Cidade Genérica
Genérica. São seus mais poderosos veículos de diferenciação. Têm que ser, pois é tudo o
que o cidadão comum tende a experimentar numa cidade em particular. Como em uma
drástica exibição de perfumes, os murais fotográficos, a vegetação e as vestimentas locais
oferecem uma primeira rajada concentrada de identidade local (às vezes é também a
última). Distante, confortável, exótico, polar, regional, oriental, rústico, novo e inclusive
“não descoberto”: estes são os registros emocionais que evocam. Carregados
conceitualmente desta maneira, os aeroportos se convertem em signos emblemáticos
gravados no inconsciente coletivo global com manipulações selvagens de seus atrativos
Interessante notar que quase todos os aeroportos globais
não aeronáuticos: lojas livres de impostos, qualidades espaciais espetaculares, e a são projetados por arquitetos do Star System.
freqüência e confiabilidade de suas conexões com outros aeroportos. Sobre sua
iconografia/rendimento, o aeroporto é um concentrado tanto do hiper-local como do hiper-
global: hiper-local no sentido de que podemos obter artigos que não se encontram nem
sequer na cidade; hiper-global no sentido de que se pode obter coisas que não se
conseguem em nenhum outro lugar. 4.2. A Tendência na Gestalt dos Aeroportos é de uma
autonomia cada vez maior: às vezes, inclusive, não têm praticamente relação alguma com
uma Cidade Genérica específica. Ao tornarem-se maiores, e equipados com mais serviços
não vinculados a viagens, os aeroportos estão em vias de substituir a Cidade. A situação
de estar “em trânsito” está se tornando universal. Em conjunto, os aeroportos contêm
populações de milhões de habitantes, além de contar com o maior quadro de funcionários
que se conhece. Na totalidade de seus serviços, os aeroportos são bairros da Cidade
Genérica, às vezes inclusive são sua razão de ser (seu centro?), com a somada atração
de ser sistemas herméticos, dos quais não há escapatória, salvo apenas para ir a outro
aeroporto. 4.3. A Data/Idade da Cidade Genérica pode reconstruir-se a partir de uma
leitura cuidadosa da geometria de seu aeroporto. Planta hexagonal (em casos singulares,
pentagonal ou heptagonal): década de 1960. Planta e corte ortogonais: década de 1970.
Cidade Genérica
Cidade Collage: década de 1980. Uma única secção curva, interminavelmente extrudada
em uma planta linear: provavelmente década de 1990. (Com a estrutura ramificada como a
de um carvalho: Alemanha). 4.4. Os aeroportos se apresentam em dois tamanhos:
demasiados grandes e demasiados pequenos. Mas seu tamanho não tem influência
alguma em seu rendimento. Isto indica que o aspecto mais intrigante de todas as infra-
estruturas é sua elasticidade essencial. Calculados com exatidão para os contatos –
passageiros por ano –, se vêm invadidos pelos incontáveis; e sobrevivem, ampliados até a
máxima indeterminação. 5. População 5.1. A Cidade Genérica é rigorosamente
multirracial, uma média de 8% de negros, 12% brancos, 27% hispânicos, 37%
asiáticos/chineses, 6% indeterminados e 10% outros. E não só multirracial, mas também Ruas da Liberdade decoradas com lanternas, jor-
multicultural. Esta é a razão de que não nos causa surpresa ver templos entre os edifícios, nais espalhados pela cidade em alguma língua
oriental, mangás saindo pelo ladrão das bancas
dragões nos principais boulevards ou budas nos CBD (Central Business District ou Distrito de jornais, restaurantes japoneses e chineses em
cada esquina da cidade... Mas pensando bem, não
Central de Negócios). 5.2. A Cidade Genérica sempre é fundada por pessoas que vão de é São Paulo que tem esta média multirracial. É o
um lado para outro, preparadas para seguir adiante. Isto explica a insustentabilidade de próprio habitante da metrópole que possui essa
média, dentro dele mesmo. Suas origens, seus
suas fundações. Como os flocos que subitamente se formam em um líquido transparente gostos, seus conhecimentos, etc, etc...
ao se juntar duas substâncias químicas para posteriormente acumular-se no fundo, a
colisão ou confluência de duas migrações – por exemplo, cubanos emigrados que vão
para o norte e judeus aposentados que vão para o sul, em última instância todos em seus
caminhos para outro lugar – estabelece, quando menos se espera, um assentamento.
Uma Cidade Genérica nasce. 6. Urbanismo 6.1. A grande originalidade da Cidade
Genérica está simplesmente em abandonar o que não funciona – o que tem sobrevivido a
seu uso – para romper o asfalto do idealismo com os martelos pneumáticos do realismo e
aceitar qualquer coisa que cresça em seu lugar. Nesse sentido, a Cidade Genérica
acomoda tanto o primitivo como o futurista: de fato, somente estas duas coisas. A Cidade
Genérica é tudo o que resta do que costumava ser a cidade. A Cidade Genérica é a pós-
Cidade Genérica
cidade sendo preparada no local da ex-cidade. 6.2. A Cidade Genérica se mantém unida,
não por um âmbito público excessivamente exigente – progressivamente degradado em
uma seqüência surpreendentemente longa na qual o Fórum Romano é para a Ágora
Grega o que o Shopping Center é para a Grande Avenida – se não fosse pelo residual. No
modelo original dos modernos, o residual era simplesmente uma zona verde, e sua
controlada delicadeza era uma afirmação moralista das boas intenções, de uma
associação desalentadora e do uso. Na Cidade Genérica, devido a esbeltez da superfície
de sua civilização e graças à sua tropicalidade imanente, o vegetal se transforma em
resíduo edênico, sendo o principal portador de sua identidade um híbrido de política e
paisagem. Ao mesmo tempo refúgio do ilegal e do incontrolável, e submetida a uma
interminável manipulação, representa um triunfo simultâneo do cosmético e do primitivo.
Sua exuberância imoral compensa outras deficiências da Cidade Genérica.
Supremamente inorgânica, o orgânico é o mito mais poderoso da Cidade Genérica. 6.3. A
rua está morta. Essa descoberta coincidiu com as frenéticas tentativas de sua
ressurreição. A arte pública está por toda parte: como se duas mortes fizessem uma vida.
A pedestrialização – pensada para conservar – simplesmente canaliza o fluxo dos
condenados a destruir com seus próprios pés o objeto de sua presumível veneração. 6.4.
A Cidade Genérica está passando da horizontalidade para a verticalidade. Como se o
arranha-céu fosse a tipologia final e definitiva. Ele engole todo o restante. Pode existir em Resquícios de Delirius New York!
qualquer lugar: em um campo de arroz ou no centro da cidade, já não há nenhuma
diferença. As torres já não estão juntas; afastam-se de modo a não interagir. A densidade
isolada é o ideal. 6.5. A habitação não é um problema. Foi resolvido completamente ou foi
É curioso ter o São Vito em mente
deixado totalmente de lado. No primeiro caso é legal; no segundo, “ilegal”. No primeiro ao ler este trecho. São Paulo é real-
mente uma forma bizzara e mutante
caso, são torres ou, habitualmente, blocos (com média de 15 metros de largura); no dessa Cidade Genérica.
segundo (em perfeita complementaridade) uma casca de casebres improvisada. Uma
Cidade Genérica
solução consome o céu; a outra, o terreno. É estranho que aqueles que têm menos
dinheiro habitem o artigo mais caro (a terra), e os que pagam habitem o que é grátis (o ar).
Em ambos os casos, a habitação demonstra ser surpreendentemente acomodatícia: não
só a população duplica a cada par de anos, senão também, com o decrescente controle
das diversas religiões, o número médio de ocupantes por unidade se reduz à metade –
devido ao divórcio e outros fenômenos de divisão familiar – com a mesma freqüência que
se duplica a população da cidade; à medida que suas cifras crescem, a densidade da
Cidade Genérica diminui de maneira perpétua. 6.6. Todas as Cidades Genéricas surgem
da Tabula Rasa, se não havia nada, agora estão lá; se havia algo, elas a substituíram.
Deviam fazê-lo, de outro modo seriam históricas. 6.7. A paisagem urbana Genérica é
habitualmente um amálgama de setores excessivamente ordenados – que datam de cerca
do início de seu desenvolvimento, quando “o poder” ainda não havia se diluído – ou
ordenações cada vez mais livres por toda parte. 6.8. A Cidade Genérica é a apoteose do
conceito de múltipla escolha: todos os espaços marcados, uma antologia de todas as
opções. Habitualmente a Cidade Genérica tem sido “planejada” não no sentido usual de
que certa organização burocrática controle seu desenvolvimento, mas como se diversos
ecos, esporas, tropos e sementes tivessem caído na terra aleatoriamente como na
natureza, tivesse enraizado – aproveitando a fertilidade natural do terreno – e agora
formassem um conjunto: uma reserva de genes que às vezes produz resultados
assombrosos. 6.9. A linguagem da cidade pode ser indecifrável e defeituosa, mas isso não
Genérica ou não, realmente a cidade está
significa que não haja linguagem; talvez simplesmente seja que nós criamos um novo aí para ser lida e vivenciada.
Porque? Não porque ela não é planejada – de fato, enormes universos complementares
de burocratas e promotores canalizam fluxos inimagináveis de energia e dinheiro até sua
conclusão; pelo mesmo valor, suas superfícies poderiam ser fertilizadas por diamantes,
seus campos enlameados pavimentados com tijolos de ouro... Mas sua descoberta mais
perigosa e estimulante é que o planejamento não faz diferença alguma. Edifícios podem
ser bem colocados (uma torre próxima de uma estação de metrô) ou mal colocados
(centros inteiros a quilômetros de distância de qualquer estrada). Eles florescem/perecem
imprevisivelmente. Redes viárias se esticam em excesso, envelhecem, apodrecem, se
tornam obsoletas; populações duplicam, triplicam, quadruplicam, e desaparecem
repentinamente. A superfície da cidade explode, a economia acelera, freia, dispara,
Poderíamos destacar esse trecho e
desmorona. Como mães antigas que continuam cuidando de seus embriões titânicos, transplantá-lo na letra “U” dessa docu-
mentação. Que tal?
cidades inteiras são construídas sobre infra-estruturas coloniais das quais os opressores
levaram os projetos para casa. Ninguém sabe onde, como, desde quando o esgoto
funciona, a localização exata das linhas telefônicas, qual a razão para a posição do centro,
nem onde acabam os eixos monumentais. Tudo isso prova que existem infinitas margens
escondidas, colossais reservas de inércia, um perpétuo processo orgânico de ajuste,
normas e comportamentos, expectativas mudam com a inteligência biológica do animal
mais atento. Nessa apoteose da múltipla escolha, jamais será possível novamente
reconstruir a causa e o efeito. Funcionam – isso é tudo. 6.16. A aspiração da Cidade
Genérica à tropicalidade supõe automaticamente a rejeição de qualquer referência
prolongada da cidade como fortaleza, como cidadela; está aberta e acomodando como um
mangue. 7. Política 7.1. A Cidade Genérica tem uma (às vezes distante) relação com um
regime mais ou menos autoritário – local ou nacional. Normalmente os companheiros do
“líder” – quem quer que seja – decidem desenvolver um pedaço do “centro urbano” na
periferia, ou até iniciar uma nova cidade no meio do nada, e desencadear o boom que
Cidade Genérica
outras condições, como se a posição de escape próximo fosse a melhor garantia para seu
desfrute. Aqui turistas se congregam em bandos em volta de um aglomerado de
quiosques. Hordas de vendedores ambulantes tentam vender aos turistas os aspectos
“únicos” da cidade. As partes únicas de todas as Cidades Genéricas juntas têm criado um
souvenir universal, um cruzamento científico entre a torre Eiffel, a Sacre Coeur e a Estátua
da Liberdade: um alto prédio (normalmente entre 200 e 300 metros) submergido numa
pequena bacia de água com neve ou, próximo do Equador, flocos de ouro; diários com
capas de couro bexiguento; sandálias hippie – ainda que hippies verdadeiros são
rapidamente repatriados. Os turistas os acariciam – ninguém presencia uma venda – e
logo sentam em exóticas lancherias que bordeam a orla: eles provam toda gama de pratos
do dia: que, em princípio e em última instância, podem ser a indicação de estar em outro
lugar; hambúrgueres: de carne ou sintéticos; cru: prática atávica que será muito popular no
terceiro milênio. 9.9. Camarão é o aperitivo final. Graças à simplificação da cadeia
alimentar – e variações na preparação – eles terão gosto de bolinhos ingleses, quer dizer,
gosto de nada. 10. Programa 10.1. Escritório continua lá, em quantidades ainda maiores,
de fato. Pessoas dizem que eles não são mais necessários. Em um prazo de cinco a dez
anos nós todos vamos trabalhar em casa. Mas aí precisaremos casas maiores, grandes o
suficiente para reuniões. Escritórios terão que ser convertidos em casas. 10.2. A única
atividade é ir às compras. Mas porque não considerar esse ato como provisório,
temporário? Esperando tempos melhores. É falha nossa – nós nunca pensamos em nada
melhor para fazer. Os mesmos espaços inundados com outros programas – bibliotecas,
banhos, universidades – seriam excelentes; ficaríamos apavorados com sua
grandiosidade. 10.3. Hotéis estão se tornando as acomodações da Cidade Genérica, sua
peça edificada mais comum. Antes eram os escritórios – que ao menos implicavam um ir e
vir, assumindo a presença de outras importantes acomodações em outros lugares. Hotéis
Cidade Genérica
agora são contenedores que, na sua expansão e universalidade de seus serviços, fazem
que quase todos os outros edifícios sejam redundantes. Inclusive atuando também como
centros comerciais, hotéis são o mais próximo que chegaremos da existência urbana,
estilo século XXI. 10.4. O Hotel implica agora em aprisionamento, uma prisão domiciliar
voluntária; não existe lugar à altura para ir; você chega e fica. Conjuntamente, descreve
uma cidade de dez milhões de habitantes, todos trançados em seus quartos, um tipo de
animação inversa – implosão da densidade. 11. Arquitetura 11.1. Feche os olhos e
imagine uma explosão de bege. No epicentro salpicam a cor das pregas vaginais (sem
excitar), o berinjela metálico fosco, tabaco-caqui, abóbora empoeirada; todos os carros se
aproximam da brancura nupcial... 11.2. Existem edifícios interessantes e tediosos na
Cidade Genérica, como em todas as cidades. Em ambos os casos sua ascendência
remonta a Mies van der Rohe: a primeira categoria para a sua irregular torre Friedrichstadt
(1931), e a segunda para as caixas que concebeu não muito tempo depois. Essa
seqüência é importante: obviamente, após uma experimentação inicial, Mies dispôs sua
mente de uma vez por todas contra o interessante e a favor do tedioso. No máximo, seus
edifícios posteriores captam o espírito do seu trabalho anterior – sublimado, reprimido? -
como uma ausência mais ou menos apreciável, mas ele nunca mais propôs projetos
“interessantes” como possíveis edifícios. A Cidade Genérica demonstra que estava
equivocado: seus arquitetos mais audaciosos aceitaram o desafio que Mies abandonou,
até o ponto onde agora fica difícil de encontrar uma caixa. Ironicamente, esta homenagem
exuberante ao “Mies interessante” mostra que “o” Mies estava errado. 11.3. A arquitetura
da Cidade Genérica é bela por definição. Construída a uma velocidade incrível, e
concebida em um ritmo ainda mais incrível, existe uma média de 27 versões abortadas
para cada edifício realizado – mas esse não é exatamente o termo. Os projetos são
preparados nos 10.000 escritórios de arquitetura que ninguém sequer ouviu falar, todos
Cidade Genérica
vibrantes com uma fresca inspiração. Supostamente mais modestos que seus colegas
conhecidos, estes escritórios estão ligados por uma consciência coletiva de que algo vai
mal com a arquitetura e que somente pode ser corrigido mediante seus esforços. O poder
dos números lhe confere uma esplêndida e lustrosa arrogância. São os únicos que
projetam sem nenhum deslize. Reúnem, de 1001 fontes, com uma precisão selvagem,
mais riquezas que qualquer gênio possa ter. Como média, sua educação custou U$
30.000, excluindo viagem e alojamento. 23% foram “branqueados” nas universidades
americanas da Ivy League, onde tiveram contato – admitindo que em períodos muito
curtos – com a elite bem paga da outra profissão, a “oficial”. Deduz-se que um
investimento combinado total de 300 bilhões de dólares em formação arquitetônica
(30.000 dólares [custo médio] x 100 [número médio de trabalhadores por escritório] x
100.000 [número de escritórios no mundo todo]) está trabalhando e produzindo Cidades
Genéricas em todo momento. 11.4. Edifícios que são complexos na forma dependem da
indústria do muro cortina, dos adesivos cada vez mais eficazes e dos seladores que
convertem cada edifício em uma mescla de camisa de força e tanque de oxigênio. O uso
do silicone – “nós estamos esticando a fachada tanto quanto for possível.” – igualou todas
as fachadas, colou vidro em pedra em aço em concreto com uma impureza da era
espacial. Essas uniões deram a aparência de rigor intelectual através da aplicação liberal
de um composto espermático transparente que mantém tudo junto por questões de
intenção mais que de desenho – um triunfo da cola sobre a integridade dos materiais.
Como todo o resto na Cidade Genérica, sua arquitetura é o resistente tornado maleável,
uma epidemia de flexibilidade causada, não pela aplicação dos princípios, mas através da
sistemática aplicação do que não tem princípios. 11.5. Dado que a Cidade Genérica é
principalmente asiática, sua arquitetura é geralmente “ar-condicionada”; é aí onde o
paradoxo da recente mudança de paradigma – a cidade não mais representa o
Cidade Genérica
possibilidades são anunciadas nas mais claras tipografias; Helvetia se tornou pornográfica.
17. Fim 17.1. Imagine um filme de Hollywood sobre a bíblia. Uma cidade em algum lugar Koolhaas Roteirista. Fases da vida se
da terra santa. Cena do mercado: da esquerda para a direita, extras vestidos em trapos entrecruzando. Vestígios de uma vida
que se acumula como pó. Exatamente
coloridos, casacos de pele, túnicas de seda, entram no quadro gritando, gesticulando, como na cidade.
virando os olhos, iniciando brigas, rindo, coçando suas barbas, seus apliques falsos,
apinhando-se no centro da imagem, agitando varas, punhos, virando barracas, pisoteando
animais... Pessoas gritam, vendendo mercadorias? Anunciando os futuros? Invocando os
deuses? Bolsas são roubadas, criminosos perseguidos (ou auxiliados?) pela multidão.
Padres pedem calma. Crianças correm enlouquecidas numa floresta de pernas e túnicas.
Animais ladram. Estátuas derrubadas. Mulheres dão gritos estridentes – ameaçadas?
Extasiadas? A massa amontoada se torna oceânica. As ondas quebram. Agora tiremos o
som – silêncio, um grande alívio – e rebobinemos o filme. Os homens e mulheres, agora
mudos mas ainda visivelmente agitados, retrocedem aos tropeços; o observador não mais
registra apenas humanos, mas começa a notar espaços entre eles. O centro se esvazia;
as últimas sombras deixam o retângulo do quadro da imagem, provavelmente reclamando,
mas felizmente não os ouvimos. Silêncio é agora reforçado pelo vazio: a imagem mostra
barracas vazias, alguns escombros pisoteados, alívio... Terminou. Essa é a história da
cidade. A Cidade já não está. Agora podemos sair do Cinema...
Delírio
DETAIL [detalhe]
Perversely, architecture – the art that defines our environment – is often judged on details.
“Good” detailing is a form of narcissism, or a sign of desperation. It problematizes issues
that should be left alone: the “meeting” of a wall and a floor, the “encounter” of glass and
stone, etc, etc. It says “This is how / solve a problem.” But there are no problems in
architecture. For years, we have concentrated on no-detail. Sometimes we succeed – it’s
gone, abstracted: sometimes we fail – it’s still there. Details should disappear – they are
the old architecture.
Muitos dizem que para entender uma cidade é preciso um longo passeio por suas ruas
com um guia especializado nas mãos. Mas temos que reconhecer que estes guias
atendem sempre parte de nossos anseios e desejos. A cidade é reconhecida em trechos.
E talvez apenas um livro tenha encarado a cidade de frente, com toda sua complexidade
de situações. “A” cidade e não “UMA” cidade. Apenas Delirius New York traz à tona as
questões da metrópole contemporânea. Apenas Delirius New York é capaz de traduzir o
desenrolar de todo o desenvolvimento das grandes metrópoles atuais. O livro transparece
não apenas a Nova York Delirante, mas o possível delírio encontrado em toda Metrópole.
São Paulo não seria diferente, por exemplo.
Por isso crio aqui uma espécie de apêndice / homenagem. Uma homenagem aos 30 anos
da publicação de Delirius New York pela editora da Universidade de Oxford. E também
uma segunda comemoração, bem pertinente para nós brasileiros, pela recente publicação
da versão portuguesa de Delirius pela editora Cosac & Naify. Uma versão que foi,
inclusive, aprovada e revisada pelo próprio Rem Koolhaas.
Enfim, o livro fala por si próprio, me atenho aqui apenas ao registro desse paralelo editorial
1978-2008 e parabenizar mais uma vez esse livro que representa o grande delírio que é
nossa Metrópole. Parabéns Delirius New York.
Delírio
REM KOOLHAAS
264 p.
ISBN: 9780195200355
U$ 325,00
out of print
ISBN: 285108173X
€ 750,00
out of print
www.editionsduchene.fr
REM KOOLHAAS
320 p.
ISBN: 1885254008
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REM KOOLHAAS
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in S, M, L, XL
Eleições 2008
O ano de 2008 marcou na cidade de São Paulo, mais uma vez, o carimbo da
democracia eleitoral brasileira. Fomos todos, habitantes formais ou não, obrigados
a assistir desfiles e mais desfiles de campanhas colossais e máquinas de prometer
e poluir a cidade. Praticamente um arrastão eleitoreiro.
Imagino que deva ser extremamente prazeroso ser prefeito dessa caótica e
indomável metrópole. Todos os candidatos se digladiam entre si para arrancar um
voto de cada habitante indeciso. Aparelhos de captura social.
Até o dia 05 de outubro de 2008 – data do primeiro turno das eleições – eram mais
de dez pretendentes a tão disputada vaga de prefeito de São Paulo. Nesse período
foram realizadas infinitas pesquisas – ibopes e datafolhas e outras mais suspeitas
e desconhecidas – entre os habitantes da cidade para saber qual era a preferência
municipal. De todos aqueles pretendentes, seis se destacaram na corrida insana
pela cadeira de couro do gabinete municipal:
Senhor,
A candidata Marta pretende continuar as ações que tomou durante sua gestão.
Pretende retomar o projeto de requalificação do arquiteto Roberto Loeb, trazer as
famílias de volta para suas residências e transformar o térreo do edifício em um
tele-centro. Mas é necessário ressaltar que essa decisão só será tomada em
conjunto com os órgãos de planejamento e habitação da cidade. Esse e outros
programas de moradia no centro serão avaliados pela candidata e, caso eleita,
serão levados a todas as instâncias necessárias e serão transformados em
operações de âmbito regional da cidade, como grandes investimentos em
habitação de interesse social.
Obrigado pelo interesse,
Contamos com seu apoio e seu voto no dia 05
Um abraço
Comitê de campanha Marta 13 – A esperança vai vencer de novo.
(Resposta recebida por e-mail, no dia 29 de setembro de 2008).
Eleições 2008
Caro Eleitor,
Atenciosamente
Comitê Kassab 25 – São Paulo no rumo certo.
(Resposta recebida por e-mail, no dia 02 de outubro de 2008).
Eleições 2008
Sobre a sua pergunta, não consta nada específico aqui no programa de governo
do candidato Geraldo. Só um minuto... (Algum tempo depois) Senhor, conversei
com meu supervisor sobre sua pergunta, e o edifício São Vito está sim incluído em
uma campanha macro para a melhoria da habitação no centro da cidade, tenho
informações aqui que serão realizadas diversas reuniões na prefeitura para a
decisão do futuro do edifício.
O edifício São Vito é sem dúvida uma grande questão de imprudência urbana dos
antigos prefeitos da cidade. Agora ele se encontra em total abandono e sem
previsão de retomada dos projetos ou de qualquer intenção de recuperação.
Considero de extrema importância sua preocupação, e garanto que minha
também, com esse importante símbolo da metrópole. Não tenho nenhuma
proposta específica para o edifício, mas tenho em meu site uma relação completa
de todas minhas principais propostas de intervenção para melhoria da moradia e
revitalização do nosso querido centro.
Forte abraço
Soninha 23
(Resposta recebida por e-mail, através do site/blog da candidata, no dia 16 de
setembro de 2008).
Eleições 2008
Senhor eleitor,
O edifício São Vito faz parte de uma grande intervenção no centro da nossa cidade
e está inserido em nosso plano de governo na área da habitação de interesse
social. Segue um trecho de nosso programa de governo:
· Realizar uma política ativa de repovoamento das áreas centrais, providas de infra-
estrutura. A ação pública pode se dar por meio de legislação incidente e ações do poder
executivo, de modo a agir por meio de demarcação de ZEIS e implementação de seus
conselhos e planos de urbanização, IPTU progressivo, urbanização compulsória,
implementação (e ampliação) de ZEIS, cobrança de dívidas, negociação de dação de
imóveis em pagamento de dívidas, etc. O Estado pode e deve agir tanto indiretamente
sobre o mercado de terras e estímulo a determinados empreendimentos de mercado,
quanto diretamente, adquirindo ou desapropriando imóveis para que cumpram a função
social da propriedade.
Após uma votação sem muitas surpresas, o candidato Gilberto Kassab venceu o
primeiro turno e teve como oponente a candidata Marta Suplicy. Da mesma
maneira que aconteceu no primeiro turno, acompanhei os programas de governo
de ambos os candidatos, esperando um maior aprofundamento das propostas e
questões relacionadas com meu tema de documentação.
Eleições 2008
Numa campanha de cerca de vinte dias, o segundo turno das eleições municipais
foi marcado, por incrível que pareça, por poucas propostas, nenhuma discussão
sobre a cidade, e muitos e incontáveis minutos de programa eleitoral na TV com
acusações, xingamentos pessoais e situações de des-credibilidade do candidato
oponente. O que se via na cidade era uma overdose de mocinhas balançando
bandeiras dos partidos, toneladas de santinhos dos candidatos entupindo todos os
bueiros, carros de som ensurdecedores passeando pelas avenidas da cidade
tocando jingles sem sentido.