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07/04/2018 O debate sobre a dívida portuguesa em 20 perguntas | Fronteiras XXI

(https://fronteirasxxi.pt)


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O debate sobre a dívida


portuguesa em 20
perguntas
Joana Ferreira da Costa

“ A dívida de um país é como um lme onde se acumulam dé ces orçamentais


sucessivos. Em Portugal só a dívida do Estado cresceu 155% entre 2004 e 2016. Mas
a maior fatia do endividamento nacional nem sequer está no Estado, pertence às
empresas. Como é possível reduzir a dívida externa num país que não cresce há 16


anos? Devemos renegociar os juros com a Europa?

“A nal o que é a dívida?” foi o tema do debate Fronteiras XXI no dia 5 de Abril de 2017, na
RTP3. ("https://fronteirasxxi.wpengine.com/divida/)

No Fronteiras XXI sobre a dívida, o ex-ministro das Finanças Miguel Cadilhe e os


professores de Economia Ricardo Paes Mamede e Fernando Alexandre debateram causas
e soluções. Aqui ca o debate em 20 perguntas e respostas.

1. Em Portugal, as dívidas do Estado, das empresas e das famílias atingem em conjunto


mais de 350% do PIB. Chegamos a este ponto porquê?
Para Miguel Cadilhe, “a crise nanceira internacional teve severas consequências em
Portugal” e “trouxe uma profunda mudança de circunstâncias, a tal ponto que os contratos
que vinham de trás podem justa e legalmente ser revistos face à nova realidade”, alertou o
ex-ministro das Finanças de Cavaco Silva. Por outro lado, “devemos perguntar-nos se os
bancos, o Estado e as instituições de vigilância da República actuaram devidamente e

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prepararam o país para um choque na economia como aquele que se veri cou em
2007/2008”.

2. Não estávamos preparados…


“Portugal não estava preparado”, diz. O ex-governante lembra que as famílias recorreram a
crédito fácil, os bancos procuraram impulsionar a concessão de crédito com taxas de juro
demasiado baixas e o Estado entrou pela dívida pública sem quaisquer avisos nem
prudências. “Em poucos anos, passámos de um rácio da dívida pública de 50% do PIB para
130% do PIB, o que a União Europeia (UE) considera um grave sinal de alerta na zona euro”.

3. A dívida nacional é composta sobretudo pela dívida das empresas não nanceiras
(40%) e do Estado (36%), enquanto as famílias representam apenas 24%…
A dívida das famílias é aquela com menor peso e tem vindo a ser reduzida, explica
Fernando Alexandre. Lembrando que 81% do valor da dívida é crédito à habitação, o
professor de Economia da Universidade do Minho adianta que as famílias têm feito um
grande esforço para cumprir os seus pagamentos, com “milhares de portugueses a

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emigrarem para poder continuar a pagar a casa”. O crédito das famílias deverá, aliás,
continuar a cair de forma substancial, defendeu, com as estimativas a apontarem para uma
quebra de 25% no crédito à habitação a cada 5 anos.

4. E como está a situação das empresas?


“Nas empresas, o problema é mais sério pois 55% do crédito vencido está no imobiliário”,
continua Fernando Alexandre. “A crise portuguesa é muito diferente da que afectou a
Grécia ou a Espanha, pois começou em 2001 quando a economia deixou de crescer. E o
sector da habitação tem estado a cair desde aí”. E se se compreende a opção do Estado de
tentar reanimar um sector que estava a perder emprego e cujos trabalhadores são difíceis
de requali car, mais difícil é perceber como é que os bancos colocaram tanto dinheiro no
imobiliário, argumenta. “Estamos hoje a pagar os problemas da banca, que só existem
porque o dinheiro foi canalizado para um sector em queda”.

5. Vivemos acima das nossas possibilidades?


Ricardo Paes Mamede defende que é fundamental abandonar certos mitos: “Há cinco ou
seis anos só se falava da dívida do Estado, mas hoje vemos aqui que a dívida das
empresas é mais importante do que a dívida pública” e que “o grosso do endividamento do
Estado só acontece quando a economia privada está a entrar em crise”. O professor do
Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE) acredita que o “endividamento do Estado não se
deve ao investimento público”. Deve-se sim, diz, “ao facto de o Estado não conseguir
angariar receitas para a despesas que tem, pois a economia está a ter um mau
desempenho”.

6. Porque é que a economia nacional não cresce há 16 anos?


“Em Portugal houve uma liberalização nanceira com uma extensão e profundidade sem
igual na Europa: em pouquíssimos anos todo o sector bancário foi privatizado e
desregulamentado”, começa por explicar Ricardo Paes Mamede. Por outro lado, “em 2000
o Estado não está muito endividado mas os privados estão”. A economia é sujeita a uma
série de choques competitivos, conta, a economia privada começa a derrapar e o Estado
começa a absorver estes choques. “Quando chega a crise internacional, Portugal já estava
muito vulnerável”. Contrariamente, para Miguel Cadilhe “Portugal entrou em crise de
nanças públicas em 2011 por causa do Estado e não da economia privada”. O ex-ministro
recorda que a despesa pública continuou a crescer sempre: “A dívida pública em
percentagem do PIB descolou de 62% do PIB (em 2004), e teve uma escalada até 2011
para 111% do PIB”, argumenta. “A Troika interveio porque as nanças públicas estavam à
beira do abismo”, remata.

7. E no sector bancário o que devia ter sido diferente?


“A banca foi causa e efeito ao mesmo tempo, numa espécie de auto-alimentação do
problema”, defende Cadilhe. “Mas a banca só por si não gera este problema de dívida
pública: “O Estado é que foi mal conduzido e aumentou a despesa pública de forma
inaceitável”, argumenta. “A grande reforma do Estado, a grande consolidação estrutural da
despesa pública não está feita”.

8. Mas é possível dissociar a dívida pública da dívida dos privados: banca, empresas ou
famílias?
A dívida do Estado “está intrinsecamente ligada” à dos privados, diz Paes Mamede. “A
montante da culpa dos bancos temos de pensar que foram os governos que decidiram

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conduzir a uma
privatização tão
acelerada [do
sector
nanceiro]”,
recorda. Para
Fernando
Alexandre a
forma como o
Estado cresceu
também
arrastou as
famílias e as
empresas.
“Grande parte do
endividamento na construção está nas parcerias público- privadas e o Estado teve culpa
nisso”, a rma. Já em relação à dívida pública, lembra que temos um Estado de primeiro
mundo, com infra-estruturas, um sistema de saúde e de educação muito bons, mas uma
economia que parou de crescer no novo milénio. “A economia não acompanhou a
materialização dos direitos dados aos portugueses”. Por isso, para o professor de
economia, “o resgate da Troika é a maior falha da democracia portuguesa: quando o
Estado falha os seus pagamentos, põe em causa os direitos da Constituição”.

9. Foi essa política de estímulo orçamental à economia que levou o Estado a perder o
Norte?
“Foi o passo para o abismo”, reconhece Fernando Alexandre. Mas o problema começou
antes. “O ano de 2002 foi muito importante, porque foi quando as despesas com
prestações sociais ultrapassaram as despesas com salários no Orçamento do Estado”,
explica, considerando que a di culdade não está nos salários, mas sim no controlo da
despesa com prestações sociais.

10. A despesa com prestações sociais não vai melhorar…


“As despesas com prestações sociais representam 400 ou 500 milhões de euros
adicionais todos os anos”, diz o professor da Universidade do Minho, considerando que
esse é o grande desa o. “Enquanto país ninguém nos obrigou a gastar. Em 2009 e 2010
tivemos um dé ce superior a 10%. Ninguém teve um tipo de política de resposta à crise
com a intensidade que nós tivemos, não era preciso tanto”. Fernando Alexandre lembra
ainda que paralelamente “havia empresas que faziam endividamento fora do Estado”. É o
caso da Parque Escolar ou da Estamo, “empresa pública que se endividava na banca para
comprar edifícios públicos”, recorda.

11. O problema foi o investimento público?


Para Paes Mamede “as medidas extraordinárias de investimento público não tiveram um
impacto muito decisivo no orçamento a partir de 2008”. O professor do ISEG explica que
grande parte do investimento público foi co- nanciado em 85% pela União Europeia e até
garantiu dinheiro ao Estado. “Em muitos destes investimentos, por cada 100 euros de
investimento público o Estado pagou 15%. E como esse investimento implicava impostos,
IVA ou IRC [que revertem para os cofres públicos], na verdade o Estado cou a ganhar com
o investimento e não a perder”, alega. Para o comentador da RTP, o aumento da dívida
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pública a partir de 2008 explica-se essencialmente com dois factores: por um lado, o
aumento do perímetro das contas públicas (dívida das empresas públicas passou a ser
considerada em Orçamento ) e o impacto tremendo que a crise internacional e o programa
de ajustamento tiveram nas mesmas contas.

12. Mas também houve recomendações europeias para o investimento público…


“Em 2009, em plena crise nanceira, houve recomendações aos estados-membros para
fazerem política anti-cíclica, mas em Portugal por ser um período eleitoral fez-se mais do
que as recomendações”, acusa Miguel Cadilhe, lembrando que nesta altura, até foram
dados aumentos na Função Pública, por exemplo. “Se as nanças públicas já não estavam
preparadas, menos preparadas caram para aguentar o choque da crise internacional”,
a rma. Para o ex-governante, a grande di culdade está em perceber como foi possível
chegar aqui quando há mecanismos de vigilância nanceira como o Banco de Portugal e o
Tribunal de Contas, ou de supervisão política, como o Parlamento ou o Presidente da
República. “Porque é que todos falharam de modo agrante pondo em causa o bom nome
da Democracia?”, questiona.

13. A Europa também não deu o alarme?


“Também não nos avisou”, reconhece Cadilhe. A Europa tem, agora, um mecanismo de
desequilíbrios macroeconómicos e uma grelha de sinais de alerta. “Desses 14 indicadores
Portugal não cumpre três: a dívida pública, que está muito acima dos 60%, a dívida privada,
em que somos o 7.º país, e na posição líquida de investimento internacional, em que
somos dos piores países. É bom que as instituições da República façam este acto de
contrição, para tirarmos ilações para o futuro”.

14. O controlo da dívida não depende também de uma boa gestão da política
macroeconómica da Europa?
Esse é um dos problemas da arquitectura da União Europeia, reconhece Ricardo Paes
Mamede. O problema fundamental é a dívida externa, que nos leva à crise e no facto de, na
União Europeia, não existir uma solução para resolver estes problemas, argumenta.
“Infelizmente é mais fácil dar explicações absurdas como os países do Sul gastarem em
copos e mulheres, do que dar explicações realistas sobre a origem do problema”.

15. Como é que


Portugal vai
conseguir pagar
a dívida pública?
É preciso mais
crescimento
económico e é
preciso que o
Estado,
mantendo o
Estado Social,
se torne mais
leve, defende
Cadilhe. Isso só
se consegue com a reforma dos regimes públicos. Em 1989, quando eu estava nas
Finanças, introduzi auditorias externas independentes à gestão e recursos de cada grande
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serviço público. “As primeiras auditorias externas foram realizadas. Claro que houve
resistências, claro que o ministro das Finanças saiu passado pouco tempo, por essa e por
outras razões”, recorda, acrescentando que essas auditorias teriam sido o primeiro grande
passo para a reforma estrutural do Estado.

16. Este ano está previsto em orçamento de Estado o pagamento de oito mil milhões de
juros. Não são insustentáveis?
Segundo Miguel Cadilhe essa é uma despesa corrente que o Estado não pode evitar.
“Portugal devia propor à Europa uma menor taxa de juro na parte que é nanciamento da
Europa. Porque não faz sentido que as instituições europeias ganhem algum dinheiro que
seja com a situação de necessidade que vivemos no país”. Por outro lado, adianta, o
Estado tem a facilidade de ter o BCE a comprar dívida, taxas de juro baixíssimas. Se as
taxas de juro subirem…

17. Podemos pedir maior exibilidade à Europa?


“Defendo uma renegociação honrada da dívida junto da Europa, de forma a prolongar o
nosso prazo e reduzir as taxas de juro”, adianta Cadilhe. Porque nesta matéria a Europa
tem responsabilidade: “O seu maior erro foi permitir que dentro da zona euro as dívidas
soberanas entrassem em crise de reputação de forma inaceitável, passassem a ter mau
nome”. Também para Paes Mamede é preciso encontrar uma solução multilateral para os
juros da dívida. “Não estou a ver nenhuma circunstância em que Portugal possa cumprir as
regras orçamentais europeias e pagar a dívida nos termos previstos sem fazer um corte
radical dos serviços públicos de educação, saúde e pensões. Mas se isso acontecesse
teria um impacto muito negativo no nosso crescimento. Resolvíamos de um lado e
piorávamos do outro”, alerta. Se conseguirmos “fazer cortes através de redução de taxas e
alongamento de maturidades então façamo-lo”.

18. Não há crescimento possível neste contexto?


Miguel Cadilhe recorda que o chamado produto potencial tem estado em Portugal
sistematicamente abaixo do Europeu. “A taxa de crescimento do potencial era há uns anos
de 4 ou 5% e hoje é de 1%. O que é sistemático nesta situação é o peso do Estado.
19. Vamos conseguir inverter esta tendência?
Fernando Alexandre acredita que “não há nenhum país que se desenvolva sem o papel
essencial do Estado”, mas defende que é preciso “olhar para o Estado e ver o que não está
ao serviço da economia”. No Ministério [da Administração Interna] onde estive tínhamos
cinco serviços centrais e passamos a ter um. Poupámos 3 milhões de euros e montámos
um sistema informático que nos dá informação. Quando eu cheguei nem sabia quanto se
gastava em combustível quando o Ministério da Administração Interna é responsável por
40% do parque automóvel do Estado. Não é só por uma questão de poupança, mas de
qualidade da gestão que temos. Para Paes Mamede, o problema é que di cilmente se
consegue poupar muito sem pôr em causa pilares fundamentais da sociedade. “Portugal
não tem um peso do Estado em % do PIB que seja superior ao da UE e o que aumentou nos
últimos anos foi a despesa com educação, saúde e a protecção social”. Com esse
investimento, argumenta, “aproximámo-nos da média dos países mais avançados. Temos
de perguntar às pessoas se é isso que estão dispostas a perder…”

20. Como podemos em sociedade resolver este problema da dívida?


A dívida coloca problemas de coesão na sociedade , sobretudo com as perspectivas
demográ cas e de envelhecimento da população portuguesa, argumenta Fernando
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Alexandre.
“Temos um
stock imenso de
dívida que vai
ser pago por
cada vez menos
pessoas”, alerta.
O professor de
Economia cita
previsões do
Instituto
Nacional de
Estatística que
mostram que,
em 2050/2060,
40% dos portugueses terá mais de 65 anos. “Será uma população mais pequena e com
menor capacidade produtiva. Ou seja a dívida per capita será muito mais elevada”. Por
isso, remata, “este é um grande problema que deve ser tido em consideração”.

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